sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O futuro profissional e pessoal de superdotados


Segundo o jornalista Olavo de Carvalho, no Brasil se confunde conhecimento com pedantismo e busca de poder. Aliás, fortemente recomendo ao leitor que clique neste link, para acompanhar uma belíssima entrevista de quinze minutos que sumariza de maneira muito clara (e escandalosa) a situação da educação em nosso país. 

Como compartilho com praticamente todas as ideias apresentadas na entrevista acima citada, retomo uma velha questão: por que investir em educação em um país tão passivamente resistente ao conhecimento de alto nível? 

Essa resistência é marcante até mesmo na vida acadêmica brasileira, com a elevada tolerância ao plágio, a persistente expectativa de que todos sejam iguais entre si, ou as usuais manobras para mostrar uma produção intelectual que não é real, entre muitos outros exemplos já discutidos neste blog.

Em meio à ignorância brasileira que repousa sobre berço esplêndido, existe uma crescente avalanche de discursos contra preconceitos. Fala-se de maneira comumente dogmática e não qualificada sobre preconceito racial, religioso, sexual, cultural, social, entre outros. Mas jamais se fala do preconceito contra o conhecimento e contra aqueles que dominam conhecimentos e habilidades de alto nível (ver, por exemplo, este depoimento de um superdotado). Isso porque a própria noção de preconceito, enquanto tema de estudos sistemáticos em psicologia e sociologia, nasceu oficialmente em 1954, nos Estados Unidos, um país com tradição na produção e cultivo de múltiplas formas de conhecimento (e de preconceitos, claro!). [Para uma excelente revisão histórica dos primeiros estudos sobre preconceitos, recomendo este artigo.] Portanto, o Brasil é um país que, além de culturalmente desprezar o conhecimento, é completamente cego diante de manifestações de preconceito intelectual. Somos uma nação desconhecedora de nossos próprios preconceitos. E mesmo quando tratamos de preconceitos usualmente discutidos, atropelamos o mais elementar senso crítico.

Mas a melhor maneira para lutar contra o preconceito ao conhecimento é - trágica e ironicamente - através do próprio conhecimento.

Em dezembro do ano passado foi publicado um artigo que reporta quarenta anos de análises sobre uma população de 1650 pessoas que, no início dos anos 1970, foram diagnosticadas como superdotadas. Eram crianças de treze anos que hoje são homens e mulheres com cerca de 53 anos de idade. E eram crianças com excepcional raciocínio matemático, listadas entre os 1% dos estudantes mais talentosos daquela faixa etária. Hoje são adultos profissionalmente muito bem sucedidos e com elevados níveis de satisfação pessoal. Este artigo foi veiculado no periódico Psychological Science

Segundo os autores, talento matemático precoce permite antecipar contribuições criativas na vida adulta, bem como liderança profissional. Neste universo de 1037 homens e 613 mulheres, os níveis de satisfação pessoal são invariavelmente elevados. No entanto, as prioridades pessoais e profissionais dependem de gênero sexual. Os homens têm a tendência de se tornarem CEOs ou trabalharem com tecnologia da informação ou áreas ligadas à ciência, engenharia e/ou matemática. Já as mulheres apresentam uma maior tendência a assumirem negócios em geral, ou trabalharem com educação básica e saúde. Homens procuram priorizar carreiras de alto impacto, enquanto mulheres preferem atividades mais voltadas à família e à comunidade. Há também diferenças salariais. Homens, neste universo de estudos, têm uma renda consideravelmente superior à das mulheres. No entanto, ambos os gêneros consideram que família é o mais importante fator para definir sucesso profissional no futuro. 

Esse grupo de 1650 pessoas publicou 85 livros e registrou 681 patentes. E, além disso, publicou 7572 artigos em periódicos especializados de alto nível. Isso nos dá uma média de 0,46 artigos por pessoa por ano (considerando os últimos quarenta anos). Importante observar, para efeitos de contas, que apenas 25% dos homens e mulheres deste grupo são responsáveis por esta produção de artigos. 

Ou seja, a mensagem desta pesquisa é clara. Cabe à família o estímulo de talentos naturais. Cabe à sociedade o aproveitamento desses talentos naturais. Cabe a cada um de nós o fim da mentalidade compartimentalizada em um invólucro que insiste em impor artificialmente que somos todos iguais. O talento matemático de um jovem é um fenômeno raro. Mas é um fenômeno que, se devidamente estimulado, apresenta consequências relevantes e construtivas para vastos segmentos sociais. Precisamos estimular os nossos 1% de supertalentos. Sem eles, os 99% restantes permanecerão à deriva, como hoje já se encontram. 

Sem dúvida, o conhecimento é para poucos. O próprio Google, tão enaltecido por muitos como se fosse a nova e imbatível enciclopédia, consegue indexar apenas 0,004% de todo o conteúdo da internet. E quem realmente sabe o que existe na internet? Ninguém, absolutamente ninguém! E quem disse que este oceano de informações disponível na internet cobre alguma fração significativa do conhecimento relevante disponível no mundo todo? Garantidamente este não é o caso

Preconceitos geralmente são impostos sobre minorias. E o domínio do conhecimento é algo acessível somente a uma minoria, muito pequena. No entanto, aqueles que não fazem parte desta minoria precisam abrir espaço para os novos talentos. Esta não é uma questão de tolerância ou magnânima compreensão. Esta é uma questão de sobrevivência de nossa própria sociedade.

19 comentários:

  1. Como assim abrir espaço para os novos talentos ? Quer dizer que quem não nascer com isso não pode fazer ciência ?
    Francyelle.

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    1. Francyelle

      Não vejo como se possa fazer essa inferência que você sugere. Mesmo assim você levantou uma questão muito importante. É um excelente tema para postagem futura: pessoas de inteligência normal que fizeram grandes contribuições para a ciência. Grato pelo questionamento.

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    2. Ninguém nasce sabendo. A inteligência pode (e deve) ser desenvolvida. Jogos e brinquedos educativos em vez de Play Station, alimentação saudável no lugar de fast food, boas escolas, cursos extracurriculares (especialmente de matemática e idiomas), estímulo à leitura e outras medidas podem elevar a capacidade intelectual. Se isso for adotado maciçamente a inteligência média da população aumentará e uma maior quantidade de pessoas terá o nível intelectual dos indivíduos que são considerada superdotadas atualmente.

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    3. Anônimo

      Existem sim atividades que melhoram desempenho intelectual. No entanto, é fato que existem pessoas que nascem com talentos marcantes, se compararmos com a maioria. Elas são bem reais.

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    4. O cientista influente tem inteligência média ou superior, mas inteligência sozinha não é suficiente. A perseverança da curiosidade num campo específico do conhecimento, a insistência em investigar um determinado domínio, essa sim faz duma pessoa inteligente um cientista.

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    5. denobisipsis

      Não podemos também esquecer do fator sorte. Investigação científica séria é sempre um grande risco. Existem muitos casos de grandes pensadores que jamais alcançaram resultado relevante algum. Veja o exemplo abaixo.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/03/o-que-este-japones-estava-fazendo-no.html

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    6. Francyelle

      Quando se fala em "superdotado", não se considera que os demais sejam estúpidos e incapazes. O que se mede num superdotado é sua potencialidade. Se um superdotado não for estimulado, pode acabar tornando-se um dono de boteco (e o cara mais inteligente de sua cidadezinha). Vai ser um gênio perdido.

      Logo, direcionar os gênios, aqueles que tiveram a sorte de nascer com uma cognição mais desenvolvida, não significa descartar os 99% de não-superdotados como lixo.

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  2. Profº. Adonai, lendo suas postagens neste blog,fiquei realmente impressionado com o domínio com que o professor aborda uma extensa gama de assuntos.Isso é para poucos (especialmente no Brasil).Dito isso,só por curiosidade,gostaria de perguntar-lhe o seguinte: o senhor não seria também uma espécie de "superdotado"? Penso que o professor tem um Q.I bem acima da média.Ou estou equivocado?

    Luiz




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    1. Luiz

      Jamais gostei de testes de QI. E acho que se eu fizesse um me sairia muito mal. Veja que entre militares existe um ditado bacana que é mais ou menos assim: uma pessoa bem treinada pode facilmente passar a sensação de ser extremamente inteligente. Na minha juventude procurei o melhor treinador que pude encontrar: Newton da Costa. Este sim é o único gênio que conheci em toda a minha vida.

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    2. Sei que os testes de Q.I tem suas limitações;no entanto,o ponto a que me referia é mais amplo.O senhor diz que se sairia muito mal em testes de Q.I.Pode até ser verdade,mas creio que a lucidez de seus textos não seria encontrada em muitos ditos "superdotados" (aqui,refiro-me aos "craques" dos testes de Q.I).O Brasil vive talvez o pior momento de sua história (e não falo apenas do sistema educacional),e pessoas com elevado senso crítico como o senhor permanecem ignoradas por boa parte da "massa disforme" (os "99% restantes",eu incluso).Quanto ao professor Newton,conheci-o através deste blog (falha grotesca que foi,ao menos,mitigada) e me chamou a atenção o fato de um pesquisador deste quilate ter paciência para aturar o medíocre meio acadêmico brasileiro.Tal fato me fez recordar o seguinte excerto do Olavo de Carvalho (citado no post acima): "Quando a obra de um único autor é mais rica e poderosa que a cultura inteira do seu país, das duas uma: ou o país consente em aprender com ele ou recusa o presente dos céus e inflige a si próprio o merecido castigo pelo pecado da soberba, condenando-se ao definhamento intelectual e a todo o cortejo de misérias morais que necessariamente o acompanham.". A obra de Newton da Costa,ao menos,irá sobreviver.Já o Brasil, eu não sei.

      Luiz

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    3. Luiz

      De fato a obra de da Costa sobreviverá. Mas não creio que o ambiente que ele fecundou na área de lógica em nosso país continuará a prosperar após a sua morte. Vivemos em um país de visão fragmentada. Pessoas como Newton da Costa aparecem no Brasil a cada cinco séculos.

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  3. Saudações Adonai.
    Muito boa a entrevista com o filósofo Olavo de Carvalho. Mas no que consiste mesmo ser inteligente ou superdotado? Provavelmente não existe uma resposta unívoca para esta e outras questões correlatas, mas é necessário qualificar o discurso aqui! É fato que a inteligência para as ciências formais, seja lá o que for isso, é estratégica para nosso desenvolvimento civilizatório, porém, não é a única! Também tendo a concordar com a Francielly, de que as coisas não precisão ser feitas apenas por gênios, nem todos podem, devem ou precisão jogar no Barcelona. Pode-se jogar na segunda divisão do campeonato paranaense, e ainda ser feliz e contribuir de algum modo para a beleza do futebol!
    Um abraço,
    Gilson.

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    1. Gilson

      É importante considerar que cada postagem neste blog é apenas uma célula de um projeto muito maior. Recomendo que leia a postagem que acabo de publicar.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2015/02/criancas-filosofas.html

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  4. Ótimo artigo. Á propósito, eu achei muito interessante vc ter citado o Olavo de Carvalho no início do artigo, pois o Olavo também é superdotado, sendo que o QI dele é 157, segundo ele mesmo. Além disso, o Olavo declarou em seu programa que em dezembro de 2009 recebeu do governo dos Estados Unidos o visto especial de residência EB-1 (o mesmo que Einstein possuía), o qual é concedido a estrangeiros com "habilidades extraordinárias" na área educacional, artística, científica ou de negócios ou a "professores ou pesquisadores notáveis". Esse visto dá ao estrangeiro o direito de residência permanente nos Estados Unidos.

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    1. Pois é, Anônimo. EUA são um país que sempre abre as portas para talentos, não importando de onde eles venham. Já o Brasil, por mais estranho que isso possa parecer, é uma terra extraordinariamente xenófoba. E isso vindo de uma terra colonizada por povos de múltiplas partes do globo. Não entendo.

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  5. Prof., vou comentar aqui sobre a postagem "Olavo de Carvalho" (pois lá há muitos comentários lastimáveis, e não quero dar "ibope" para isso).

    Penso que você ter colocado o linque do Olavo e o citado explicitamente (inclusive no título da outra postagem ter colocado o nome dele) foi uma decisão, no meu entender, precipitada. No próprio linque desta sua postagem há momentos em que o citado afirma algumas coisas contestáveis e generalizantes. Se pudesse, teria recomendado para esta postagem o linque – que muito recomendo – do economista Eduardo Giannetti, “Há pensamento sério no Brasil?”, no meu entender muito mais polida e crítica (apesar de um pouco mais longa).

    Aqui o linque:
    https://www.youtube.com/watch?v=MaavSITiiws

    No caso da outra postagem, penso que uma análise mais indireta, sem citar "de cara" o dito-cujo, talvez mencionando apenas “um conhecido jornalista” e lincando o texto de Olavo, seria mais sensata. Sei que este estilo de escrita é mais difícil, porém talvez teria evitado a (má) repercussão de Olavo e de seus seguidores.

    (Isso tudo a menos que o sr. queira apenas "ibope", o que, suspeito, não é o caso; se for, pode desconsiderar tudo o que escrevi acima.)

    Falo isso porque considero este blog muito importante como fonte de informação e de diálogo sobre a educação científica no Brasil. Espero que compreenda.

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    1. Eduardo

      É claro que sempre fico animado quando mais gente visita este blog. Mas certamente não estou atrás de sensacionalismo. Caso contrário, eu não escreveria certas postagens de leitura bastante exigente. No entanto, tudo começou com um leitor que recomendou um vídeo de Carvalho. Vi o vídeo e adorei. Por isso a citação. Em seguida outro leitor perguntou por que citei Carvalho e então decidi escrever uma postagem sobre ele. Ou seja, você tem razão ao dizer que me precipitei. Segui o fluxo de indagações de leitores, acompanhado do estilo usual de não usar máscaras. Mas sempre agi assim por aqui. Foi apenas com Carvalho que a coisa endoidou. Pensarei com cuidado a respeito do que você diz.

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  6. Superdotação é definida por um QI alto. Só que QI alto não é garantia de qua a pessoa se comporte de forma inteligente, e nem, provavelmente mede de forma inequívoca a inteligência.
    Aqui não me refiro ao papo furado pseudo-científico de um Daniel Goleman ou as teorias das inteligências múltiplas do Howard Gardner.
    Recomendo fortemente este livro: What Intelligence Tests Miss: The Psychology of Rational Thought (Keith E. Stanovich).
    Ja vi na internet pessoas com QI estratosférico se dedicando a bobagens como astrologia, criacionismo e sem produzir absolutamente nada que seja minimamente relevante em ciencia, humanidades ou qualquer outra área e que, a despeito disso tudo, ainda se comportam como se fossem Albert Einsteins e Isaac Newtons renascidos...

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