quarta-feira, 22 de setembro de 2010

2 + 3 = 5?

Dizem que quem sabe, faz... quem não sabe, ensina...
Veremos adiante que esse ditado popular, ao contrário de tantos outros, encerra uma certa sabedoria.

Já demonstrei em posts anteriores que professores de matemática comumente não sabem sequer somar. Meu argumento se sustentou no fato de que geralmente procedimentos ensinados para as operações usuais entre números inteiros (adição, subtração, multiplicação e divisão) se restringem à base decimal; e se uma pessoa não sabe aplicar os mesmos procedimentos em outras bases (como a binária ou a hexadecimal, entre infinitas possibilidades), está confundindo conceito com notação.

No entanto, quero explorar um pouco melhor essa questão, sob o foco de outra crença comum, mas equivocada: a de que a aquisição de conhecimento se conquista em etapas sucessivas, partindo-se de princípios mais básicos, para que se possa compreender tópicos mais avançados.

Esta crença gera uma espécie de zona de conforto para nossos jovens, nas mãos de nossos queridos mas ignorantes mestres.


No entanto, conhecimento pouco tem a ver com conforto.

Nos anos escolares iniciais costuma-se dizer que números correspondem a quantias. Na prática esse conceito é ensinado por um processo de abstração. Mais especificamente, aquilo que três maçãs, três cães ou três moedas têm em comum é a quantia: três. Neste sentido, procura-se induzir no aluno um processo de abstração do mundo real, para se intuir um conceito matemático chamado número. Mais tarde tais números são chamados de números naturais e - BINGO! - os alunos sabem "naturalmente" contar e até operar tais números "naturais". Estão mergulhando em um mundo encantado que costuma-se dizer que é abstrato, mas exato.
No entanto, se tais alunos forem questionados sobre o que são, afinal de contas, números naturais, eles simplesmente se perdem. O mesmo, aliás, vale para a maioria dos professores. E a escravidão do aprendizado de matemática a partir de exemplos concretos no mundo real revela-se de extrema inconveniência quando posteriormente esses mesmos jovens se deparam com números chamados de "complexos", e cuja compreensão depende de um número muito esquisito, denotado por i, cujo quadrado é negativo e usualmente chamado de "unidade imaginária". A essa altura a matemática mostra-se um mistério aparentemente sem consistência e sem contato com o mundo real.
Apelar a processos de abstração do real, para intuir o conceito de número, é algo que pode ser eficiente nos anos iniciais da escola. Mas essa intuição certamente não define o conceito de número e, com o tempo, gera desconfiança na mente dos escravos da educação que chamamos de alunos. E essa falácia da abstração é algo que adolescentes podem e devem compreender, pelo menos no ensino médio. Devem entender que aquilo que se mostra a eles durante a infância foi algo como um truque, mas não uma conceituação. Do ponto de vista matemático, nada básico foi de fato lecionado. Os jovens foram enganados!
Como no ensino médio brasileiro se leciona noções muito básicas sobre teoria de conjuntos, por que não usar isso para detalhar um pouco melhor os conceitos de número natural e das operações usuais entre eles?

Citemos um exemplo muito simples. Se definirmos o sucessor S(x)de um conjunto x como a união de x com o conjunto unitário que tem como único elemento o conjunto x (S(x) = xU{x}), poderemos então definir o número natural 0 (zero) como o conjunto vazio (aquele que não tem elemento algum), o número natural 1 como o sucessor de 0, o número natural 2 como o sucessor de 1 e assim por diante. Neste sentido, números naturais são conjuntos finitos definidos a partir de uma semente (o zero) e por uma operação conjuntista de união.

É claro que essa estratégia só pode funcionar se a teoria de conjuntos for lecionada de forma responsável, sem qualquer tentativa de atrelar o conceito de conjunto a outro processo falacioso de abstração do real a partir de exemplos concretos.

O ensino de matemática deve ser tratado de maneira responsável ao longo de toda a sua extensão. Caso contrário retornaremos à doutrinação de permanentes erros de visão sobre a natureza da matemática.
Em seguida, o docente de matemática pode definir a adição + entre números naturais da seguinte forma: se n é um número natural, então

n + 0 = n

e

m + S(n) = S (m + n).

Ou seja, quanto é 2 + 3?

2 + 3 = S (2 + 2) = S(S(2 + 1) = S(S(S(2 + 0))) = S(S(S(2))) = S(S(3)) = S(4) = 5. Portanto, 2 + 3 = 5, se 2, 3 e 5 forem números naturais, naturalmente!

É claro que não respondo aqui a uma série de questões naturais: I) Como transpor alguma teoria de conjuntos para alunos de ensino médio? II) Como provar as propriedades usuais da adição de números naturais (comutatividade e associatividade)? III) Como definir multiplicação entre números naturais, bem como suas propriedades usuais? IV) Como explicar aos alunos que até mesmo essa abordagem tem falhas graves do ponto de vista matemático? V) Como estender essas ideias para números inteiros, racionais, irracionais, transcendentes, reais e complexos?

A resposta é uma só: melhor qualificação dos professores de matemática de nosso país e, principalmente, dos autores de material didático de referência e apoio (apostilas e livros). Se isso não acontecer, continuaremos a usar ferramentas inadequadas entregues às mãos incompetentes de docentes que simplesmente não sabem o que estão fazendo.
No atual estado de coisas, alunos do ensino médio ainda são bombardeados com conceituações absurdas, como aquela na qual se afirma que um número complexo z é aquele da forma z = a + bi, sendo a e b números reais e i a tal da unidade imaginária. Ora, já que sabemos que i não é um número real (afinal, seu quadrado é um número real negativo!), como podemos multiplicá-lo por um número real b? E, pior, como podemos somar a esse insólito resultado um outro número real a?

Enquanto o ensino de matemática se mantiver sob a tradição de cópias de textos absurdos e sem uma real preocupação de transposição de conhecimentos matemáticos para uma linguagem acessível aos jovens, continuaremos a alimentar a sensação de que matemática não é terreno seguro para se viver e trabalhar.


Aliás, no atual terreno em que nossos jovens pisam, até mesmo a belíssima estética da matemática é, não apenas ignorada, mas violentada.