quinta-feira, 25 de outubro de 2012

This is who we are


Conforme anunciamos na página de eventos, ontem à noite aconteceu o Ciclo Conversa com o Autor Newton da Costa, no contexto do XV Encontro da Anpof, ocorrido no Teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná. O evento em si contou com organização precária. O próprio Professor Newton (bem como convidados e demais participantes) teve que aguardar sua entrada do lado de fora do prédio, o qual abriu somente poucos instantes antes do início das atividades. No entanto, as duas horas seguintes foram memoráveis.

Estavam presentes velhos amigos vindos de diferentes cantos do país e jovens neófitos que tentam timidamente penetrar no mundo da ciência e da filosofia de alto nível. A primeira hora foi reservada a perguntas dirigidas ao Professor Newton e feitas por dois interlocutores convidados pela comissão organizadora. Já a segunda hora contou com uma interação extremamente estimulante entre o Professor Newton e a plateia que acompanhava com grande interesse os temas abordados, os quais oscilavam entre a carreira deste grande cientista brasileiro e suas visões pessoais sobre física, matemática, lógica e filosofia. 

Eventos como este são de fundamental importância, pois viabilizam contatos profissionais que comumente frutificam na forma de projetos de pesquisa e/ou extensão. Obviamente as falas do Professor Newton exalam profundo conhecimento e impactante exemplo de paixão por ciência e filosofia. Mas é nas conversas informais antes e depois dos horários programados de atividades que se formam as redes sociais acadêmicas genuinamente sérias. Neste sentido, muita gente foi beneficiada. Apesar da grave falha organizacional apontada, parabenizo a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, pela bela iniciativa. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Querem ver uma foto?


 
Intimei estudantes de instituições federais de ensino superior. Novos textos não seriam veiculados neste blog se eu não recebesse fotos de cartazes que denunciam a retrógrada estabilidade dos professores da rede pública federal. Um único jovem enviou duas imagens. Disponibilizo abaixo uma delas.
Mural na UFPR

Anos atrás o Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná (DMAT/UFPR) decidiu que a Sociedade Paranaense de Matemática (SPM) deveria ser reativada. Afinal, além de ser a única sociedade estadual de matemática do país, ela é mais antiga do que a própria Sociedade Brasileira de Matemática. Fui eleito o presidente da comissão responsável pela reativação desta importante organização cultural e científica. Porém, no momento em que os demais membros da comissão perceberam que deveriam efetivamente trabalhar neste processo, simplesmente cruzaram os braços. No verbo todos apoiam o óbvio. Na prática, nada acontece.

Meses depois recebi telefonema de um professor da Universidade Estadual de Maringá. Ele e demais colegas estavam cientes da situação da SPM e queriam colaborar. Após negociações feitas com cautela (informando inclusive o DMAT/UFPR), a SPM teve sede e foro transferidos para Maringá. Uma notável equipe de docentes da UEM assumiu as rédeas da SPM. 

Um professor do DMAT/UFPR me fez ameaças, logo após a tal da transferência. Isso porque a UFPR estava perdendo a permuta com cerca de cem periódicos internacionais de matemática que o Boletim da SPM sustentava. Tais periódicos passaram a ser recebidos em Maringá. Capital perde, interior ganha. Matemática ganha, braços cruzados perdem.

A foto acima, tirada pelo próprio aluno que colocou este e mais quatro outros cartazes nas dependências da UFPR, é um retrato de compromisso sério com educação. Analogamente, a iniciativa do Departamento de Matemática da UEM na virada do milênio foi um claro retrato de compromisso sério com ciência e educação. 

No entanto, o maior retrato de que dispomos neste país é o do vácuo. A vasta maioria aceita a miséria que tem. Uns poucos reclamam. Menos ainda fazem. E os poucos que fazem simplesmente não conseguem articular movimento político forte o suficiente para mudar a realidade de um dos piores sistemas educacionais do planeta. 

O texto que segue abaixo é uma contribuição da mais alta importância. É um retrato parcial de experiências pessoais de uma professora que trabalhou grande parte de sua vida em instituições privadas de ensino, incluindo a PUC-PR. 

Arlene Lopes Sant'Anna é a autora do texto. Ela é minha irmã. Eu a convidei para contribuir com uma postagem no momento certo. De início, confesso que eu estava receoso de pedir qualquer material para ela. Isso porque Arlene é muito mais agressiva do que eu. Mesmo assim percebi que o que mais precisamos neste país é de agressividade. Somente com agressividade teremos chances de despertar os zumbis que se autodenominam de brasileiros. O sistema atual está tão corrompido pela inércia, que faz-se necessário um tratamento de choque para despertá-lo, para somente então tentarmos buscar um ponto de equilíbrio. 

Ainda assim, é possível perceber claramente que Arlene foi cuidadosa em suas palavras. Ela evitou a citação de nomes e instituições. Isso porque o problema da medíocre inércia não reside em apenas alguns brasileiros ou algumas instituições. O problema é da sociedade brasileira como um todo.

Tanto Arlene quanto eu temos acesso a informações detalhadas e documentadas sobre atos ilícitos e covardes cometidos por indivíduos e instituições. Mas tais denúncias específicas poderiam ser facilmente interpretadas como perseguições pessoais. E, deste modo, o foco se perderia. Eu, por exemplo, tenho testemunhos de fontes altamente confiáveis sobre o grave descontentamento de militares em relação ao Governo Federal. E quando digo que o descontentamento é grave, garanto que não estou exagerando de forma alguma. Não é mera coincidência o fato de que ITA e IME não aderiram ao programa de cotas raciais e sociais. Não é mera coincidência que ITA e IME não se submetam ao bestial ENEM. 

Mas, se os estudantes que leem este blog não conseguem se identificar com o pouco que é aqui discutido, a ponto de tomar atitudes reais, praticamente nada nos resta a fazer. 

Desejo a todos os brasileiros boa sorte. Certamente precisarão disso.
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AFINAL A EDUCAÇÃO AGONIZA HISTERICAMENTE…
Arlene Lopes Sant'Anna

Obviamente, vou traçar de maneira superficial minhas impressões gerais sobre o que tenho observado a respeito da educação. Tenho tantas impressões que poderia escrever muito mais do que pode ser lido aqui. 

Na  quinta ginasial esperávamos o professor entrar em sala de aula em pé e só sentávamos quando o mesmo permitia. Respeito ao professor era algo natural e incontestável. Entre todas as disciplinas, tínhamos o inglês e o francês. Um ano de francês, foi só isto que tive, mas foi este ensino que me deu a aprovação na prova de proficiência na USP em 1999. Ler Alexandre Dumas, Shakespeare, Victor Hugo e outros, era recorrente na escola pública. Esta era a educação no ano de 1969. 

Tenho mais de 25 anos de ensino, passei por todos os níveis: fundamental, médio e, por fim, o ensino superior. Em curso superior passei por mais de sete instituições, entre públicas e particulares. Vi surgirem os “modelitos” da “moderna” e “incrível” pedagogia que estabeleceram o CERTO no ensino. O NÃO, os LIMITES e a CANETA VERMELHA na correção são perversões e abominações na educação. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) aprova uma liberação de costumes e valores que se invertem perigosamente. Os pais podem erguer o dedo em riste para o professor que se atrever a “magoar” seus pimpolhos e, diga-se de passagem, que isto acontece até no ensino superior, onde pais vão “conversar” com os professores sobre seus rebentos que nunca fazem nada de mal, são bons filhos, bons meninos e os professores só podem estar perseguindo-os. Se for em instituições particulares, aí o caso é hilário, pois os pais, quando não “compreendidos” na intenção de que a nota é injusta, vão em busca do coordenador, diretor, decano, ou seja lá qual autoridade, para fazer valer seus direitos de pais e pagadores de mensalidades na injustiça de o professor  ter atribuído nota baixa à encantadora criaturinha.

No caso de greves, aí é festa, dias de praias, lazer e diversão, exceto quando estes seres se dão conta de que o semestre pode se estender para reposição de aulas. Na mobilização por ensino de qualidade (não querendo ser muito amarga) certamente sabe-se que, em uma instituição com milhares de alunos, algumas pouquíssimas centenas comparecerão. Mas se fizer uma enquete e perguntar por que estão ali, pode-se contar o mínimo de pessoas que realmente sabem por que estão se mobilizando. Uns dirão que é por causa da greve; outros, por causa dos amigos; outros, para fazer “volume”; outros; por que não tinham nada para fazer e, por que não fazer uma “agitaçãozinha”?; outros, para apoiar algum “querido” professor que se posicionou a respeito. Todavia, uns pouquíssimos têm consciência de que algo precisa ser feito em prol da educação. 

Pessimismo? Não! Certeza! Isto lembra o caso da USP, quando uns alunos foram reprimidos por usarem maconha no campus. Aí sim foi lindo de ver a Reitoria invadida, móveis destruídos e palavras de ordem para a violência prevaleciam. Houve quem apoiasse o “agito”. Afinal, o que tem de mais usar uma maconha em uma instituição que se restringe à educação? 

Se houver algum evento acadêmico (com palestras, oficinas etc) que valha a máxima “a razão tupiniquim gosta de espelhinho”, ou seja, valerá nota? Conta como horas complementares? Tem certificado? Pois o papel pode provar o conhecimento e “engordar currículo mesmo que durante as palestras a criatura esteja focada no facebook, ou até, fica sentadinho por um momento para marcar presença e, depois, sorrateiramente, vai para casa ou para o barzinho, afinal ensino superior sem cerveja ou até uma maconhinha não é válido.

Estar em sala de aula de corpo presente é normal se o professor fizer chamada. Mas se não fizer, nem corpo presente! Afinal, se houver algum conteúdo que caia na prova, ele pode pegar com algum coleguinha “nerd” que não perde uma aula. E, por falar em sala de aula, como são na sala? Celulares ligados e prontos para serem atendidos. O laptop só tem valia se for wireless, afinal é imprescindível acompanhar as redes sociais, as atualizações de mídias, as eleições “da hora”, os capítulos da telenovela, os “inteligentes” conselhos de auto-ajuda, as postagens românticas, as crises existenciais que precisam ser colocadas a público, o cachorrinho da vizinha que desaparece e precisa ser encontrado. Para isso, precisam compartilhar mesmo nem conhecendo a vizinha e seu cãozinho. O que importa é se fazer presente e ativo, caso contrário não pertencem ao fluxo das pessoas normais. Ah, sem esquecer que o Google está “na mão” para quem sabe acessar o assunto que o professor está abordando e fazer alguma pergunta “inteligente para fazer bonito” e mostrar interesse no assunto. 

Entrar e sair de sala de aula enquanto o professor ministra sua aula expositiva é normal, afinal é uma “aula tão chata”, pois o professor fica falando sobre autores que nunca se leu nada ou se ouviu falar, provavelmente este professor cita “estes caras” para mostrar o quanto sabe ou ser visto como “superior”. E, ai do professor que provocar o aluno com alguma pergunta e não responder de imediato! Com certeza este professor nem sabe do que está falando, afinal professor deve ter respostas, postulados, assertivas próprias e não provocar reflexão. Referenciar bibliografia é para bonito, pois ler livros “grossos”, “com letrinhas e sem figuras, fotografia”? Nem pensar! Leitura, no máximo dois ou três livros por semestre (para os “nerds”) e, se for possível, encontrar o resumo ou filmes sobre os mesmos? Melhor ainda! Mas coitadinhos dos alunos, não? 

Vamos mudar o rumo e bater um pouquinho nos professores. Certa feita, fui ministrar curso de reciclagem em Faxinal para professores da rede pública de ensino fundamental e médio. Ao entrar no recinto, com aproximadamente 40 professores, perguntei se haviam lido autor A, autor B, autor C, autor Y pertinentes à área de Língua Portuguesa. Não haviam lido, eram autores contemporâneos. Tentei autores mais antigos. Responderam que haviam lido na universidade e lembravam alguma “coisinha”. Aí pedi que produzissem um texto de, no mínimo, 40 linhas. Dei um tema atual e queria o texto em 45 minutos. Senti sobre mim, um olhar de pavor. Pediram-me que aceitasse o texto para o dia seguinte. Obviamente rejeitei a ideia. Não conseguiram fazer. 

Questionei como poderiam exigir de seus alunos exatamente o que os mesmos não conseguiam ou não tinham competência para? Como podem dizer que os alunos não leem se eles mesmos não o fazem? E o ensino de gramática? Como se faz para encontrar o objeto direto da frase? Pergunta ao verbo! Escrevi uma frase no quadro e perguntei ao verbo, ao que prontamente responderam. Imediatamente disse-lhes que eu estava perguntando ao verbo, não a eles. Deveríamos esperar o verbo responder ao que eles perceberam a imbecilização a que submetiam os alunos nesta prática inócua de ensino gramatical que se solidificou por décadas e décadas e ainda se mantém. Aprender as regras gramaticais os ensinou a escrever? Para que servem? Não fazem a menor ideia, só especulam. E, atrevo-me em outros campos, o ensino de matriz ou logaritmos no ensino médio, servem para quê? Os alunos sabem onde vão aplicar ou trata-se de um infindável “decoreba” de fórmulas adequadíssimas para passar no vestibular e, quem sabe, com sorte do curso/área escolhido nunca mais verão. UFA! 

E as cotas? PROUNIS? Modelo copiado dos EUA só veio dar outro golpe na educação brasileira que agoniza. Interessante mencionar sobre uma experiência científica. Os estudantes cortavam o casulo de uma borboleta para lhe facilitar a saída. Nasceu uma borboleta frágil que, em pouquíssimo tempo, definhou e morreu. Conquista sem luta não tem sabor de vitória. Se somos o país mais miscigenado do mundo, com um pé na senzala e outro na oca, por que somente uma parte tem direito? Porque nasceu na tribo ou a cor está na cara? A educação agoniza histericamente desde os níveis iniciais, fortemente, nas escolas públicas, onde a violência brada alto regozijando-se no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), onde os professores são agredidos física e verbalmente, onde escrever é uma tortura e o idioma pátrio é “assassinado” com os “mecher”, os “voçês”, os “opniões”, os “aki”, os “kero” e outras pérolas inventivas, onde alunos raramente são reprovados mesmo sendo analfabetos funcionais, escolas-oficinas de jovens sem senso crítico, sem valores, que acreditam que o diploma abrirá portas no mercado -  veja bem, o diploma, não o conhecimento! Mas não se pode esquecer que as escolas particulares não estão longe disso, afinal, aluno reprovado é aluno transferido para o concorrente e subtração de receita.

Estive na Europa no ano passado e, conversando com alguns jovens de ensino médio, soube que, além do idioma nativo (holandês) falavam fluentemente o inglês, o alemão e o francês. Perguntei-lhes se haviam feito algum curso fora da escola. Responderam que eles têm a prerrogativa de cursar na escola se assim o quiserem. Estudam estes idiomas por quatro anos somente no ensino médio e falam e escrevem fluentemente, assim como discutem Proust, Marx sem “sofrimento”. Aqui no Brasil, a criança começa a ter contato com a língua inglesa a partir dos níveis iniciais até o ensino médio e, com tantos anos de ensino, sabem mal e muito mal o verbo To Be e, se por ventura, optarem por fazer Letras Português-Inglês, saem da faculdade sem saber falar ou escrever um parágrafo, se for preciso, em inglês, o que dirá seu próprio idioma. Marx? Somente em alguns cursos pontuais, mas sem muito sucesso em ter senso crítico ou uma discussão mais analógica. 

Abordar educação brasileira é assunto inesgotável, entretanto não é somente a escola ou o curso superior que deve assumir este fracasso. A estrutura familiar tem peso nesta conjuntura, os valores vigentes, as ideologias, a cultura, entre outros mais fatores.

Sou pessimista? Não, nem um pouco! A Europa está em crise, os jovens europeus estão chegando, eles vêm com conhecimento, diploma e formação superior aos jovens brasileiros. E os brasileiros só tem diploma. Como vai ser? Parece-me que a história vai se repetir: em 1500 os europeus chegaram...
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Para acessar outra contribuição de Arlene Sant'Anna (desta vez sobre a história de João e Maria sob a perspectiva do Código Penal Brasileiro) clique aqui.

domingo, 14 de outubro de 2012

Última Postagem: Sonhos e Frutos



Este blog nasceu em outubro de 2009. Mas somente a partir de novembro de 2011 que ele se tornou mais ativo. As postagens podem ser divididas em três grandes categorias: textos técnicos, depoimentos e críticas. O foco principal é a matemática. No entanto, como esta ciência está intimamente presente em inúmeras manifestações culturais, torna-se inevitável a presença de textos de caráter social. 

Quando este blog começou, eu alimentava a esperança de promover construtivo uso da rede internacional de computadores (internet), a qual permite, em princípio, ampla e acessível conexão com o país e o mundo. No entanto, com o passar do tempo, percebi que ainda existe a forte tendência para a formação de nichos sociais praticamente isolados entre si, mesmo em um mundo no qual a comunicação em tempo real é extremamente facilitada. O sintoma mais claro deste fenômeno de isolamento é o fato de que as postagens mais visualizadas deste blog são aquelas que tratam de eventos acontecidos aqui, em Curitiba, Paraná, mais especificamente na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Alguém poderia criticar esta conclusão, assumindo que a visão retratada nas postagens deste blog se limita à miopia pessoal do próprio administrador. Afinal, o administrador deste site deve conhecer de forma mais detalhada sua realidade local do que aquela que permeia outros cantos deste imenso Brasil, o que é obviamente verdade. No entanto, há sistemáticas críticas aqui veiculadas sobre erros graves de matemática cometidos por autores de livros e apostilas e professores. E tais erros ocorrem em toda a literatura especializada do país e não apenas em Curitiba. Portanto, por que essas postagens não alcançaram popularidade comparável àquelas que tratam de problemas locais da UFPR? A resposta que encontro é o limitado interesse sobre aspectos técnicos ligados à matemática. E essa limitação parece ocorrer até mesmo entre estudantes e professores de matemática. 

Sou do tempo da falecida bitnet, uma rede brasileira de computadores que pretendia ser uma resposta à internet, a qual nasceu décadas antes de sua popularização mundial no início dos anos 1990. Já naquela época era possível perceber essa tendência ao isolamento, mesmo diante de uma rede supostamente mundial de computadores. O próprio facebook, hoje a maior rede social eletrônica do mundo, colabora na formação desses nichos isolados. A proposta original do facebook era a de um clube eletrônico exclusivo entre indivíduos das grandes universidades norte-americanas. E apesar do facebook contar hoje com centenas de milhões de membros, ainda se percebe o aglutinamento de meros nichos sociais isolados, seja por limites geográficos, ideológicos ou de meros interesses pessoais. Dificilmente um usuário de facebook de índole mais voltada a atividades culturais terá contato frequente com aquele cujos interesses pessoais estão mais voltados a encontros íntimos com pessoas do sexo oposto. Ou seja, a formação desses nichos é simplesmente natural. Portanto, o suposto alcance global da internet ainda é algo que transcende nosso egoismo. Afinal, egoísta, por definição, é aquele que não pensa em mim. Esta é a trágica contradição sobre o conceito de egoismo! 

Já observei tanto em alunos como em professores, e mesmo pesquisadores, uma desenvoltura maior para opinar sobre assuntos não técnicos. A maioria das pessoas parece ter uma opinião bem definida sobre o trabalho da Presidente Dilma Rousseff ou sobre as acusações de pedofilia contra o falecido cantor Michael Jackson. A maioria das pessoas consegue discutir detalhadamente sobre a influência de Deus em nossas vidas ou sobre políticas educacionais locais e nacionais. No entanto, essa mesma maioria jamais acompanhou de perto o trabalho de um Presidente da República ou a vida pessoal do autodenominado Rei do Pop. Essa mesma maioria tem a pretensão de opinar sobre Deus sem que seja capaz de distinguir revelação de alucinação. E essa mesma maioria se considera capaz de julgar a respeito de políticas educacionais, sem conhecer de fato o que são atividades genuinamente científicas e culturais. Quando o assunto é técnico, poucos tentam acompanhar. Menos ainda opinam. Mas o fato é que é impossível discutir sobre políticas educacionais sem que se conheça realmente bem os temas da educação. Como criticar educação matemática sem saber matemática profundamente? Como opinar sobre políticas científicas sem conhecer ciência intimamente? 

O que motiva a existência deste blog é um interesse meramente pessoal e, portanto, egoísta. Do ponto de vista racional, não consigo encontrar justificativas para esta iniciativa. É claro que uns poucos frutos foram colhidos por aqui. Contatos importantes e até amizades foram feitas. Pessoas com interesses em comum se conheceram e trocaram ideias. Leitores aprenderam algumas coisas por aqui e eu aprendi muito com diversos desses leitores. Recentemente fiz um apelo para que simpatizantes divulgassem na mídia jornalística a respeito do desperdício de intelectos no Brasil e muitos atenderam a este pedido. Alguns foram até além, sugerindo que eu participasse de programas televisivos. E ainda estamos aguardando os frutos dessas iniciativas, as quais evidentemente não podem parar jamais.

No entanto, um primeiro resultado concreto aconteceu recentemente, após três anos de atividades deste blog. Fui transformado em associado da APUFPR contra a minha vontade. 

Lembram da postagem sobre a Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná (APUFPR)? Pois é. Na época aquele texto deixou algumas pessoas bastante irritadas. Basta ver os comentários postados. E, recentemente, por mágica coincidência, abri meu contracheque e lá encontrei um desconto inédito em meu pagamento (após quase 23 anos como professor da UFPR): mensalidade da APUFPR. Aparentemente alguém desta associação ficou suficientemente irritado a ponto de me tornar associado. Ou seja, a própria APUFPR reconhece como um castigo ser membro desta organização sindical. Ainda assim, devo confessar que este tipo de atitude produz um certo cansaço. 

Por um lado, percebe-se que muita gente reclama com propriedade sobre nosso sistema educacional como um todo. Por outro lado, pouca gente percebe que é nos detalhes que reside o verdadeiro mal. Daí a necessidade do envolvimento íntimo com educação e ciência. Ainda encontramos professores que insistem verborragicamente que axiomas não podem ser demonstrados. Ainda encontramos autores que definem seno a partir de uma razão entre medidas de lados de um triângulo retângulo. Ainda encontramos alunos que não demonstram interesse real pelos cursos que realizam. E ainda encontramos órgãos sindicais que agem da mesma maneira maliciosa e ilícita que eles acusam como condutas típicas do Governo Federal. 

Os colaboradores que escreveram textos aqui veiculados são pessoas que já passaram por situações realmente estressantes em seus ambientes de estudo e trabalho. Os leitores que comentam aqui são, em geral, indivíduos com o mesmo perfil: profissionais, estudantes e familiares e amigos de estudantes que lutam quase sozinhos por uma educação melhor, apesar das fortes adversidades. Já vi gente comentando em outros círculos que os depoimentos do superdotado e do Doutor Bolivar Alves são meros exageros, casos muito particulares que não merecem alarde. Essas mesmas pessoas são incapazes de perceber que o ato de pensar com originalidade, por si só, é um evento muito raro, muito particular. E sensibilizar a maioria a partir de um blog como este é, talvez, uma atividade tola. Por isso mesmo postei o Pequeno Tratado da Tolice. Isso porque eu esperava que fosse percebido que todos somos tolos. Afinal, apesar da união tecnológica promovida pelas telecomunicações no mundo todo, ainda somos um mero amontoado de pequenas tribos. Ainda somos socialmente isolados, sozinhos e, portanto, tolos. A própria UFPR, minúscula célula invisível perante o resto do mundo, é um amontoado de tribos. E assim todos navegamos juntos, cada um remando para uma direção diferente.

A única esperança que ainda deposito, nesta fase de minha vida profissional, é sobre os jovens. Não consigo ter fé na maioria dos jovens. Mas consigo ter fé em uma minoria que ainda espero fazer a diferença real em algum futuro distante. Isso porque nosso sistema de hoje é simplesmente podre. Mas ainda é uma podridão que permite, eventualmente, desabrochar pessoas como Newton da Costa, Cesar Lattes, Carlos Chagas, Milton Santos e tantos outros exemplos que temos para seguir. Espero que esses jovens se espelhem nestes exemplos. Se o país não os receber bem, que saiam daqui. Se não quiserem ou não puderem deixar a terra natal, que formem seus próprios nichos, aglutinando aqueles que compartilham dos mesmos sonhos. Isso porque a realidade do isolamento não mudará tão cedo. Mas jamais deixem de investir naquilo em que acreditam. 

Se o jovem buscar por motivos racionais para perseguir seus sonhos, provavelmente desistirá muito cedo. O melhor a fazer é admitir que apenas a paixão pelo conhecimento justifica a sua busca. Em geral, a recompensa é meramente pessoal. Ainda assim, mais vale a pena viver lutando do que se entregar à mera satisfação com tão pouco. Carro na garagem e casa na praia não são sonhos que valem a pena. O único sonho que vale a pena é aquele que podemos olhar para trás, em nosso último suspiro nesta terra, e ainda sentir que valeu a pena. Geralmente este tipo de sonho não é alcançado. Porém, mais vale a pena seguir a estrada do que parar na primeira zona de conforto que encontramos. 

O papel das universidades federais no desenvolvimento da nação é fundamental. Aquilo que as universidades federais realizam ou deixam de realizar se reflete nos ensinos fundamental e médio e até mesmo nas universidades privadas. Por isso, faço mais um apelo estratégico aos jovens que estudam em instituições federais de ensino superior: colem na parede, logo acima da lousa de sua sala de aula, um cartaz com a seguinte frase: "Este professor tem seu emprego garantido, independentemente da qualidade de suas aulas." Este cartaz deve ser literalmente colado e legível para todos que estiverem na sala. Se alguém conseguir retirar, cole novamente. É de gota em gota que se derruba a barragem. Ainda que seu professor seja substituto, não há problema. A maioria dos docentes das instituições federais é concursada. E esses docentes morrem de medo de perder a tal da estabilidade.

Não postarei mais textos neste blog enquanto eu não receber fotos desses cartazes. Meu e-mail pode ser encontrado no topo da página.
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Poucos minutos após a publicação desta postagem, Aline Pêgas Pereira concebeu a imagem abaixo. Incentivo a todos que esta imagem seja divulgada em todas as redes sociais. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Visões Noturnas do Centro Politécnico da UFPR



Conheço o Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) há mais de 30 anos. Estudei lá de 1983 a 1989 (graduação e mestrado) e trabalho no mesmo campus de 1990 até hoje. 

O Centro Politécnico em si já é um lugar deprimente. Prédios mal planejados, mal construídos e sem manutenção eficaz, professores coletivamente escondidos em suas pequenas salas escuras e com aquela permanente expressão de desânimo em seus rostos, vastos gramados sem árvores, salas de aula com janelas cobertas por tinta negra (para impedir a entrada de raios solares), iluminação artificial precária, banheiros horrorosos, bebedouros que não funcionam, relógios que pararam no tempo (simbolizando nossa realidade em mórbida poesia), centros acadêmicos sem vida acadêmica e, a cada quatro anos, cartazes de campanhas eleitorais para a reitoria, que poluem paredes em todos os cantos. 

No entanto, é no período noturno que a morte se evidencia de forma mais notável. Nos turnos matutino e vespertino ainda é possível aos alunos alguma vivência universitária, ainda que incipiente. Não há restrições severas sobre horário de funcionamento das ridículas bibliotecas e constantemente é possível assistir a palestras que possam despertar algum interesse. Mas à noite as atividades acadêmicas se limitam praticamente a aulas, reduzindo a UFPR noturna a um medíocre ambiente de desanimadora rotina. 

Nos cursos de licenciatura em matemática e física, os quais conheço melhor, há também um inusitado pacto silencioso sobre horários que a Pró-Reitoria de Graduação prefere simplesmente ignorar. Afinal, por que este órgão deveria se preocupar com o bom andamento dos cursos de graduação? É um pacto que demonstra uma união emblemática entre docentes e discentes: a farsa da carga horária. 

De acordo com documentos oficiais das próprias coordenações de cursos, o horário de aulas à noite, nos cursos mencionados, é das 19:30h às 23:30h. A prática, porém, é obviamente outra. Desde meus tempos de graduação nos anos 1980 (creio que esta prática é bem mais antiga) até hoje, as aulas começam às 19:00h e terminam às 22:30h. Vale observar que este último horário, a rigor, é cumprido por poucos. Normalmente as aulas encerram antes. 

Isso corresponde a uma perda de, pelo menos, meia hora de aula por dia. Durante uma semana de cinco dias, essa perda acumula para duas horas e meia. Durante um semestre de quinze semanas, já temos trinta e sete horas e meia de aulas registradas mas não entregues. Em um curso de quatro anos de duração, essa soma otimista se transforma em uma perda de trezentas horas. Trezentas horas são equivalentes a cinco disciplinas semestrais de quatro horas semanais. Isso corresponde a aproximadamente um semestre inteiro de uma graduação, se a carga horária fosse cumprida. 

Ou seja, além dos alunos dos cursos noturnos de física e matemática terem acesso limitado a bibliotecas, quase nunca terem a oportunidade de assistir a quaisquer palestras e praticamente não encontrarem chances para serem orientados em atividades de iniciação científica, ainda lutam por um diploma que atesta a mentira de um curso realizado em quatro anos (ou quatro anos e meio, no caso da licenciatura em física) que é equivalente a uma péssima graduação de três anos e meio. Péssima justamente por depender quase que única e exclusivamente de aulas e provas.

Nos períodos matutino e vespertino o descumprimento de horário também acontece, com docentes que terminam suas aulas mais cedo. Mas não se compara com a prática noturna. Além disso, ainda há a possibilidade dos alunos do período diurno terem acesso facilitado a bibliotecas e professores, os quais frequentemente podem ser encontrados em suas salas ou em laboratórios. No entanto, durante a noite, a população docente dificilmente pode ser encontrada em seu ambiente de trabalho. Os alunos ficam praticamente limitados a contatos com aqueles que apenas lecionam à noite. 

Mas, naturalmente, estou reclamando por nada. Afinal, ninguém percebe qualquer irregularidade. Tanto alunos quanto professores, coordenadores, pró-reitores e reitor julgam que tudo transcorre normalmente nas noites do Centro Politécnico da UFPR. 

Temos um serviço de segurança terceirizado naquele campus que ainda não consegue evitar o roubo de computadores, mas que consegue impedir que duas pessoas conversem dentro de um carro estacionado, principalmente se isso ocorrer no misterioso e assombrado período da noite. É realmente um horário ímpar do dia.

Porém, parece que o inconsciente coletivo do Centro Politécnico ainda reconhece que o período noturno deve mesmo ser dedicado a atividades mais medíocres do que a média da vida pseudocientífica da UFPR. Isso se evidencia na distinção que se faz entre bacharelado e licenciatura nos cursos de física e matemática. Não existe bacharelado em física à noite. Mas existe licenciatura. Se o jovem deseja se tornar um profissional do ensino médio de física, jamais poderá estudar durante o dia. E nem precisa! Afinal, por que um licenciado em física deveria ter vivência acadêmica durante a sua graduação? Os futuros professores de física de ensino médio não precisam de acesso a bibliotecas e nem de palestras ou atividades de iniciação científica. Sequer precisam de cumprimento de horários de aulas. Afinal, serão professores. Como todos sabemos que professores dos ensinos fundamental e médio formam uma casta inferior de profissionais no Brasil, certamente não há motivos para se levar a sério esta carreira. 

Em situação análoga, não existe bacharelado em matemática durante a noite. Não na UFPR! Isso porque tanto o bacharelado em matemática quanto o bacharelado em física demandam um melhor preparo científico do que os infelizes que sonham lecionar. Como licenciaturas pouco têm a ver com ciência - pelo menos no Brasil, a terra sem tradição alguma na produção de ideias - fica claro que esta estratégia de prioridade sobre os turnos matutino e vespertino se mostra adequada para a realidade de nossa nação. Bacharelados em matemática e física devem ser cursados durante o dia justamente porque é neste horário que existem algumas poucas evidências de vida acadêmica na UFPR. Professores, porém, são criaturas que se alimentam de morte dia após dia e fomentam essa mesma morte entre crianças e adolescentes durante todas as suas carreiras. Portanto, devem se acostumar com a lenta e indolor morte da alma desde cedo. 

Minha recomendação para os alunos da UFPR matriculados no período da noite é a seguinte: espalhem cartazes pelo campus com frases do seguinte tipo: "ProGrad apoia a morte nos cursos noturnos". É claro que durante a noite ninguém poderá ler tais cartazes. Afinal, ou a iluminação é proibitiva à leitura ou todos estarão ocupados em suas respectivas salas de aula. Mas, pelo menos, a população universitária do período diurno estará sendo avisada: não se atrevam a visitar a UFPR durante a noite! Suas almas poderão ser tragadas pela escuridão. 

Aproveito a oportunidade para divulgar um texto recentemente recomendado pelo leitor Kynismós: Otto Maria Carpeaux escreve sobre a universidade. E pensar que eu me julgava um pessimista.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Problema da Cola nas Universidades



Existem alunos que colam porque não estudam. Existem aqueles que colam porque sabem pensar criticamente. E existem até mesmo professores que trapaceiam em avaliações, para favorecer seus alunos.

Como já afirmei anteriormente, decidi que não reprovarei mais aluno algum por nota. Tomei essa decisão a partir do momento em que a UFPR assinou o satânico contrato REUNI com o Governo Federal, o qual impõe aprovação mínima de 90% dos alunos. Mesmo assim, muitos dos jovens que supostamente acompanham minhas aulas ainda agem como se estivessem submetidos às regras usuais de avaliação.

É claro que ainda aplico provas. Mas independentemente de qualquer nota conquistada, cada um deles tem a aprovação garantida com média final mínima de 50. Tudo o que precisam fazer é simplesmente comparecer nos dias de avaliação e assinar suas respectivas provas. Ainda assim houve um evento bizarro recentemente, que ilustra a inercial submissão de muitos à tradição da avaliação com poder punitivo.

Durante uma prova que apliquei dias atrás, um aluno pediu para ir ao banheiro. Naturalmente permiti. O curioso foi o gesto seguinte dele. Este aluno pegou um rolo de papel higiênico que carregava em sua mochila e o estendeu para mim, sacudindo aquele utensílio diante de meu olhos. Inicialmente fiquei confuso, vendo aquele rolo de papel balançando em minha frente. O que exatamente aquele jovem queria? Esperava que eu usasse seu papel higiênico? Nele? Foi então que compreendi. Ele queria provar que não havia cola alguma no rolo de papel. 

Quando ingressei na UFPR como professor, em 1990, eu ainda tinha uma certa preocupação sobre trapaças de alunos - herança de minha experiência anterior, trabalhando em escolas de ensino fundamental e médio, como Barddal, SESC, Colégio Estadual do Paraná e Positivo Junior. 

No ano seguinte fui liberado pelo Departamento de Matemática (onde estou lotado) para realizar meu doutoramento. A partir de 1994, quando retornei às minhas atividades docentes, mudei de postura em relação a cola (trapaças em avaliações). Como não existe código de ética entre professores, decidi não procurar por fraudadores durante minhas avaliações. Apenas tomei cuidado para que não houvesse evidentes flagrantes de desonestidade. Por sorte, jamais tive este problema em qualquer uma de minhas turmas. Se algum aluno meu colou, foi sensato o bastante para fazer isso de forma discreta.

No livro How to Teach Mathematics (citado várias vezes neste blog), Steven Krantz discute sobre o tema da cola. Na opinião dele a cola é um problema insolúvel que gera frustrações em professores e em alunos que não trapaceiam. Afinal, o estudante honesto pode se sentir prejudicado ao perceber que seu esforço poderia ser substituído por mero embuste. 

Por um lado, o professor não pode ser leniente com alunos desonestos em suas avaliações. No entanto, Krantz recomenda que ações contra estudantes trapaceiros não devem ser tomadas pelo professor sem o apoio institucional da escola. Isso porque há muitas situações nas quais a identificação da cola se baseia apenas em evidências circunstanciais e não necessariamente em flagrantes. Além disso, o tratamento a estudantes que colam deve ser igualitário, atendendo à política da instituição de ensino. Isso porque há casos até mesmo de expulsão de alunos, que pode ser legalmente sustentada sob a acusação de falsidade ideológica. O Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Instituto Militar de Engenharia (IME) são raros exemplos de instituições brasileiras de ensino superior que adotam políticas enérgicas contra o logro em avaliações. 

Nas grandes universidades norte-americanas (aquelas pertencentes à Ivy League) existe um código de honra que deve ser rigorosamente seguido por estudantes e mestres. Os alunos prestam um juramento e o assinam. Esse código de honra inclui alguns procedimentos práticos. O professor, por exemplo, distribui as provas e escreve na lousa a frase “Eu juro pela minha honra que não entreguei ou recebi informações durante esta avaliação”. Essa frase deve ser copiada pelos estudantes ao final da avaliação e assinada. Em seguida o professor se retira da sala, deixando a responsabilidade do honesto andamento da avaliação integralmente nas mãos dos alunos. Eventualmente o professor pode retornar à sala para responder a questões individuais, mas sem se preocupar com a honestidade de seus alunos. Afinal, o termo de compromisso escrito e assinado por aqueles que estão realizando a avaliação constitui instrumento legal. 

Segundo Krantz, o aspecto crítico do código de honra é o fato de que estudantes são responsáveis também pela denúncia de colegas que foram vistos colando. Na prática, porém, a experiência tem mostrado que os estudantes preferem deixar o papel da denúncia nas mãos de autoridades escolares. A figura do “dedo-duro” é fortemente rejeitada entre alunos.

Como no Brasil não há instituições civis de ensino superior que sejam comparáveis a alguma universidade norte-americana da Ivy League, tal método sustentado em código de honra talvez não funcione. Somos um povo que desconhece o conceito de honra. No Brasil as instituições militares de ensino superior, como o ITA, adotam posturas comparáveis. Mas isso é reflexo da disciplina militar e não necessariamente de uma postura de compromisso com o exercício de cidadania, o qual deve ser entendido também como um constituinte na formação de caráter. 

Porém, se quisermos pensar seriamente sobre a imposição de códigos de honra nas universidades brasileiras, precisamos ponderar sobre as diferenças sociais consideráveis entre estudantes universitários brasileiros e norte-americanos. Já tive a oportunidade de testemunhar a chegada de calouros ao primeiro dia de aula na Universidade Stanford. Os rapazes, em sua maioria, chegam vestindo terno com gravata. E as moças usam delicados vestidos. A chegada de todos é calma, em meio a um ambiente de civilidade. Muito diferente dos selvagens trotes que até hoje se praticam por aqui. No Brasil ainda existem casos de rituais de trote contra calouros que resultam em violência, humilhação e hospitalização. 

As famosas fraternidades das universidades norte-americanas, que operam como grêmios estudantis, estão sujeitas a rígidas regras de civilidade que, em caso de violação, preveem severas punições. Isso ocorre pelo menos nas universidades da Ivy League

Ainda assim, no caso de avaliações objetivas, algumas instituições de ensino superior dos Estados Unidos chegam a empregar métodos estatísticos para a detecção de correlações anômalas entre avaliações de diferentes alunos. Diante desse tipo de identificação, frequentemente o estudante sob investigação fica sem argumentos para se defender durante uma simples entrevista. Mesmo assim, o código de honra das universidades da Ivy League garante a existência e a prática de instrumentos para a defesa de estudantes que são suspeitos de fraude. 

Mas há alguns aspectos que Krantz não leva em conta em seu excelente livro e que julgo importantes, principalmente sob o foco da realidade brasileira. Ele afirma que o professor não deve ser leniente em relação a fraudadores. No entanto, esquece que professores que leem um livro como o dele são profissionais que desejam refletir seriamente sobre maneiras para melhorar a qualidade de suas aulas e avaliações. E quanto aos demais? 

Existem professores que exigem absurdos de seus alunos, como a memorização de complicadas fórmulas matemáticas, tabelas, nomes, datas. Lembro de uma prova que fiz na quinta série do ensino fundamental, na qual eu deveria saber os nomes e as localizações de vinte rios brasileiros. Por sorte, minha mãe ajudou no processo de memorização e conquistei nota máxima naquela absurda avaliação. Dias depois, porém, esqueci os dados decorados sobre a maioria dos rios. O que se prova com isso? Se o professor exige o domínio de informações que não refletem conhecimento real, não seria justificável o emprego de cola? Não pode a cola ser encarada também como um gesto de autodefesa contra a prejudicial falta de bom senso de certos docentes?

Meras informações não estimulam estudantes. Conhecimento, por outro lado, pode ter um papel bastante estimulante para o intelecto. No entanto, nem todos os docentes estão cientes disso. Quantos são aqueles que sabem a diferença entre um fato e uma verdade? A distinção entre fato e verdade não é algo que interessa apenas aos estudiosos da teoria do conhecimento. Essa diferença de conceitos tem reflexos até mesmo na prática de ensino.

Conheço muitos casos de profissionais de alto nível que, em seus tempos de estudos em instituições de ensino, colaram em várias ocasiões. Eu mesmo colei na escola, quando percebi que o professor era um paspalho. Conheço o caso de um famoso cientista brasileiro (de excelente reputação internacional) que ocasionalmente enviava o irmão em seu lugar para fazer certas provas nos tempos de faculdade. E esse cientista é indiscutivelmente um amante do conhecimento como poucos que conheci. No entanto, diante de uma instituição de ensino que age como uma farsa, por que não se justifica a defesa contra essa farsa? 

Quando fiz o vestibular em 1982, sentei na carteira que eu usaria pelas próximas horas, com bastante antecedência. Comecei então a deduzir várias fórmulas matemáticas que julguei serem necessárias para a avaliação. Eu não lembrava das fórmulas, mas sabia como demonstrá-las. Fiz isso sobre a carteira de madeira, antes de receber as folhas com as questões. Se o fiscal tivesse visto aquilo, penso quais poderiam ser as consequências. Minha carteira continha evidências inquestionáveis de cola. Por sorte o fiscal estava mais interessado em conversar com seu colega durante a realização do vestibular.

Não estou justificando erros através de outros erros. Não é essa a questão. Estou colocando a ideia de que certos casos de cola podem ser justificados como mecanismos de autodefesa contra a estupidez de certos docentes ou até mesmo de todo o sistema de educação. Não se justifica um assassinato por conta de outro. Mas matar alguém como forma de autodefesa é plenamente justificável pelos parâmetros de nossa própria sociedade.

No Reino Unido algo mais bizarro ainda foi identificado. Os próprios professores estão trapaceando para que seus alunos tenham resultados melhores em avaliações. Isso decorre da pressão que docentes recebem diariamente de instâncias superiores.

Portanto, a política de tolerância zero contra a cola é certamente absurda. Os contextos social e individual sempre devem ser avaliados. O aluno que não estudou, pratica a cola como ato de desespero. Ele quer marcar cartas em um jogo de azar. Portanto, está fomentando o fracasso profissional de seu próprio futuro. E o aluno que estudou, pode colar como mecanismo de defesa contra professores medíocres ou até mesmo como instrumento psicológico de segurança. Pressões sociais não podem ser negligenciadas. 

No caso das universidades federais e estaduais brasileiras, desconheço a existência de qualquer uma que adote alguma política séria para lidar com fraudes. Isso acontece talvez porque nosso sistema de ensino seja reconhecidamente uma fraude, muito pior do que qualquer ato de cola. Quem, portanto, devemos condenar?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Concurso de Cinema e Educação: Resultado



Recentemente fizemos uma chamada para o Concurso Cinema e Educação. Apesar deste blog estar com uma média de acessos superior a dez mil visualizações mensais, apenas uma pessoa submeteu algum ensaio: o leitor Thiago Melara Adames, de Curitiba, Paraná. Não sei se foi por mera sorte de todos nós ou por obra da Divina Providência, mas Thiago conseguiu escrever um texto que vale por dez mil ensaios infestando a internet e outras mídias. 

Um jovem de 19 anos conseguiu realmente me deixar perplexo. Além de escrever de forma muito elegante, com evidente propriedade, também conseguiu estabelecer um profundo paralelo entre cinema, educação e sociedade que eu mesmo, pensando sobre essas questões há décadas, não havia antecipado com tanta clareza. É o primeiro adolescente que vejo conhecer Ortega y Gasset e, pior, compreender muito bem este sábio autor (hoje ignorado pela vasta maioria). É um raro representante de uma classe da juventude brasileira que, além de conhecer e admirar a obra cinematográfica do inesquecível e duramente injustiçado Orson Welles, ainda encontra coragem para conhecer o filme Transformers, de Michael Bay (algo que até hoje não consegui fazer). Se Thiago fosse um intelectual radical, imagino que citaria Theodor Adorno. Mas nem isso ele fez! Preferiu Ortega y Gasset, um crítico social muito mais equilibrado. Isso porque paixão não é sinônimo de radicalismo, algo que Thiago demonstra claramente em seu texto. Se Thiago fosse um tolo intelectualóide, citaria o amalucado Jean-Luc Godard ou o inconstante Werner Herzog como respeitável diretor de cinema. Mas também não foi este o caminho traçado. Optou pelo criador de Cidadão Kane, talvez a mais importante obra cinematográfica da história. Escolheu como referência artística o visionário que dirigiu a mais enaltecida montagem de Shakespeare da história do teatro dos Estados Unidos, um país com respeitável tradição nesta área. 

No entanto, há uma contradição evidente neste ensaio: Thiago demonstra uma visão pessimista em relação à sociedade, apesar de ele mesmo ser um indivíduo que se denuncia como sinal de otimismo para todos nós. Isso porque Thiago é um representante da nova geração. Mas é um representante que não se entrega à decadência social brasileira. O declínio do cinema que Thiago discute brevemente aqui não é novidade. Já houve crises semelhantes em outras épocas. Nos anos 1970, por exemplo, o cinema mundial foi revitalizado graças a diretores como Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg. Mas não faz sentido compará-los com artistas como Roman Polanski, Stanley Kubrick ou Orson Welles. Isso prova que a crise da sétima arte está mais grave do que nunca. Além disso, o tema do texto que segue abaixo não é o mero declínio do cinema, mas sua íntima relação com o declínio cultural que o mundo experimenta. 

Outras manifestações artísticas também demonstram vertiginosa queda, incluindo até mesmo a música popular. Cantores são idolatrados pelas massas, como a famosa Adele, que sequer sabe respirar enquanto canta. Músicos como George Harrison e Donovan são praticamente ignorados, apesar de terem inovado significativamente com a incorporação de elementos da música indiana no mundo ocidental. E quando Pablo Picasso introduziu sua arte minimalista (em radical oposição ao pretenso realismo), esta gradualmente se vulgarizou. Andy Warhol fez arte a partir da cultura popular do consumismo. E mais recentemente vi uma exposição em um museu na qual as peças artísticas eram pelos pubianos e pedaços de unhas. O incrível é que essas pequenas coleções de raspas humanas foram vendidas a colecionadores por considerável preço. Até a literatura sofre dos mesmos sintomas, com a popularização de obras de autores medíocres que escrevem sobre crianças bruxas, adolescentes vampiros e mulheres que se entregam a doses homeopáticas de rituais de sadomasoquismo. O que há de realmente novo? No passado autores genuinamente relevantes como Edgar Allan Poe, Hermann Hesse e Robert Louis Stevenson foram extremamente populares durante suas vidas. E hoje? Hoje, ser popular é sinônimo de mediocridade.

É claro que o cinema atual ainda conta com belíssimas pérolas, como o francês Irreversível, de Gaspar Noé, e o norte-americano Inverno da Alma, de Debra Granik. Mas estes são filmes comumente ignorados entre os fãs do sucesso do momento. E é claro que a sociedade ainda conta com jovens de extremo valor humano, como Thiago Melara Adames, entre inúmeros anônimos. Mas estes são indivíduos que usualmente devem fazer seu silencioso trabalho longe das grandes massas. 

Espero que você, leitor, aproveite bem o texto abaixo. Afinal, sabedoria não tem idade. O estereótipo do pensador como um velho barbudo recluso é definitivamente destruído aqui. 



A Voz Rouca de Deus

Vive-se num mundo em que são exibidas versões dubladas de filmes para maiores de idade. Não é de surpreender, pois, que cada vez mais salas de cinema se restrinjam a shopping centers: a sétima arte se tornou nada mais que mero entretenimento, algo para se curtir depois da compra de um sapato e antes de BigMac. Por que o cinema perdeu tanto prestígio? Por que quanto mais pessoas assistem a filmes mais parece que declina a arte? É preciso lembrar que esta não existe sem espectador, uma obra não vista não é obra artística. E, creio, é sobre o público que recai a maior parte da “culpa” desse declínio.  Digo isso porque não vejo como pode o cinema, com pouco mais de século de existência, cair de nível definitivamente. Talvez haja apenas uma queda efêmera da qualidade – e estariam os cinéfilos agindo como aqueles pais que gritam “Tuberculose!” à primeira tosse do filho – talvez nem isso. Entretanto é impossível negar certa imbecilização dos filmes no circuito. A grande massa demanda produtos de cada vez mais fácil assimilação; produtores fazem cada vez mais remakes, continuações, adaptações de best-sellers.

Esse é o grande feito da modernidade: a universalização da cultura! Agora todos têm acesso a ela, e, por outro lado, tudo se tornou cultura. Hoje a massa se rebela contra o crítico, se pergunta por que existe tal profissão, se questiona por que não se pode desligar o cérebro por algumas horas e apenas se divertir, quer saber o porquê de se preocupar se isso trará menos prazer.  São indagações relevantes, sem um gosto crítico tudo parece bom: Michael Bay se iguala a Orson Welles. Objeto que simplesmente apreciar algo não é ter um entendimento artístico desse algo, mas a objeção se torna nula, pois é justamente esse entendimento o que a massa nega. Não percebe que para apreciar Bay perderá grande parte de Welles. Vejo aí a grande característica da massa: a falsa ideia da igualdade entre os homens.

Então, para responder às perguntas do primeiro parágrafo, é preciso analisar essa falsa ideia. Poder-se-ia dizer que vem da humildade, de que se acredita nisso justamente por se achar que todos os homens devessem ser iguais. Para mim é o exato oposto: a origem dessa falsa ideia é a suprema arrogância. A massa acha que compreende tudo! Não passa por sua cabeça que não o possa fazer e quando encontra um impedimento se recusa a admiti-lo. Uma justificativa para assistir a um filme dublado é que assim se poderá entender melhor a história. Não percebe a massa que já aí perdeu parte da “história”. Mas não há por que se restringir ao cinema: a massa reclama de ter que ler Machado de Assis para o vestibular: “Deveríamos ler livros atuais, algo da nossa época!”, afinal, mais fácil que tentar entender outras épocas é negá-las, isso ainda dá a confortável sensação de que se vive na época suprema, de que as anteriores não foram senão preparação para esta. A massa se sente mais esperta à medida que ignora suas incapacidades. E, quando não vê mais diferença entre a obra-prima e a bomba cinematográfica, quando não vê como pode desconhecer algo, supõe que todas as obras têm o mesmo valor, que todas as pessoas têm a mesma capacidade. Todos são iguais! Mas a realidade não muda de acordo com a opinião das pessoas: alguns filmes são mais que outros, algumas pessoas têm capacidades superiores. Ao se deparar com esses fatos, antes de ignorá-los a massa os reprova: vaia o filme que não compreende, acusa o próximo de pedante. Não se pode não ser da massa, não se pode não ser igual! 

Constituiria grande erro se supor agora que a massa tem algo a ver com classes sociais. Como disse Ortega y Gasset n’A Rebelião das Massas, faz parte da massa grande porção dos mais abastados. Os médicos e os engenheiros são absolutamente respeitados, são absolutamente necessários, mas são, muitas vezes, apenas técnicos, apenderam apenas para aplicar, sem ter ideia da ciência, sem uma cosmovisão. Talvez se torne um grande engenheiro a criança que pede no primeiro dia de aula: “Para que tenho que estudar Matemática?”, mas será indubitavelmente massa, se o único fim que encontrou depois dos estudos foi a aplicação prática. Até Ciências “menos necessárias” (por isso, mais nobres) sofrem com tal problema da massa: Filosofia, Sociologia não são estudadas pela ânsia de se entender o mundo e a vida social, mas sim para se transformar o mundo, para que se criar um mundo melhor, o que quer que isso signifique.

Não é difícil encontrar a massa nas escolas, o aluno que se rebela contra a autoridade do professor, pois não quer que lhe sejam apresentados fatos que não compreende, mas, ao mesmo tempo, não admite uma nota baixa, afinal ele compreende tudo. Os pais  reclamam com o professor, se o filho for capaz de arrumar um emprego está de bom tamanho. Estuda-se pela técnica, pelo que o estudo poderá proporcionar em termos materiais. Na universidade, muitos a veem apenas como um passo para se conseguir um bom emprego. Daí se tiram conclusões absurdas, como a de que a educação deve ser incentivada, porque favorece o desenvolvimento econômico do país (e não como um fim e, mais ainda, como o maior bem individual). Não é de se admirar que, dessa forma, professores façam uma greve gigantesca, afinal, se educação é um bem coletivo, nada mais justo do que politizá-lo.

E, se educação é política, o resto também vira política. Artes, esportes, famílias, etc.. Nada escapa da massa, que homogeneíza tudo, a começar por si mesma. Quando nenhum princípio superior resta, quando tudo é igual, quando tudo é política, não há como se escolher “racionalmente” coisa alguma, tudo passa a ser questão de opinião, de voto. Michael Bay versus Orson Welles é apenas uma eleição. Ao que parece, venceu Transformers. Dublado.

domingo, 7 de outubro de 2012

Pequeno Tratado da Tolice



Existem muitos tipos de tolos. Por isso, não tenho esperança de catalogar todos os possíveis casos. Mas espero, com este texto, apontar para algumas características que definem uma considerável quantidade dessas pessoas que nada de bom acrescentam ao seu meio social, a não ser por acidente.

Intelectualóides. O intelectualóide adora citar (sem qualificação) inúmeros autores consagrados em uma mesma fala ou em um mesmo parágrafo. Esta espécie se encontra em todas as áreas do conhecimento, mas é mais facilmente perceptível entre certos profissionais das ciências humanas, especialmente no Brasil. No caso de atividades de docentes de cursos superiores de letras, encontra-se rapidamente em suas notas de aula e artigos inúmeras citações a Tarski e Chomsky, sem que os autores conheçam de fato as significativas contribuições desses cientistas em semântica e sintática. Frequentemente a linguagem corporal do intelectualóide envolve um franzir de testa, um levantar de sobrancelhas, um cruzar de braços e um insistente sorriso de superioridade. Em mensagens informais espalhadas por redes sociais da internet, o intelectualóide adora concluir seus argumentos com expressões vulgares, como "tsk, tsk, tsk", "c'mon", "wtf" ou "BS", entre outras. Faz isso para sugerir que ainda mantém senso de humor, apesar de seu "vasto" conhecimento e "apurado" senso crítico. Gosta de discutir sobre artes em geral, sem jamais ter estudado seriamente sobre o tema. Tem opiniões políticas bem definidas a respeito do trabalho de governantes, sem jamais conhecer os bastidores do poder. Diz-se cético sem questionar o ceticismo. Diz-se ateu sem perceber que ateísmo é uma crença. Quando escreve artigos supostamente técnicos, geralmente publica apenas em veículos populares (como jornais e revistas) ou periódicos especializados de circulação local e obscura perante o resto do planeta. E ainda encontra argumentos para justificar esse tipo de postura. Raramente o intelectualóide brasileiro domina algum idioma cientificamente relevante. Já o intelectualóide que trabalha com ciências exatas é bem mais difícil de identificar. Mas está muito presente na sociedade. Ele se esconde mais facilmente por trás de linguagens normalmente consideradas como acessíveis apenas por pessoas extremamente inteligentes. Eventualmente até consegue publicar artigos científicos em ótimos periódicos especializados de circulação internacional (com um pouco de ajuda dos amigos), mas jamais domina de fato os conteúdos fundamentais de seu trabalho. Conheci um intelectualóide da área de física cuja lista de publicações inclui periódicos de elevada reputação, mas que afirma que antimatéria tem massa negativa. O intelectualóide sente-se honrado por ter um trabalho seu lido por reconhecida autoridade de sua área de atuação, mas não percebe que o que interessa são citações. É uma criatura ingênua, mas arrogante. Apesar de ser socialmente inútil, comumente consegue influenciar muitos jovens a ponto de transformá-los em futuras imagens caricatas dele próprio. Jamais avalia o contexto em quaisquer discussões, simplesmente porque não consegue fazê-lo.

Passivos. O passivo se vê como um ser inferior. Acredita que jamais conseguirá estudar o suficiente para discutir com profissionais sérios. Crê que não tem inteligência suficiente para argumentar. Prefere sentar no banco do passageiro do carro do que na posição do motorista. Fala baixo e senta nas últimas fileiras de qualquer sala de reuniões ou de aula. Quando sorri, denuncia um sorriso nervoso e permanente que implora: "Não me machuque. Nunca fiz mal algum a você." Em mensagens informais espalhadas por redes sociais da internet, o passivo adora concluir com expressões enigmáticas, como "rs", "rsrsrsrs", "huahauhaushuaahushua", "kkkkkk", entre outras. Muitas vezes essas expressões são suas únicas formas de comunicação usadas na maioria das situações. Se alguém posta um texto, foto ou link de cunho crítico social em sua linha de tempo no facebook, o passivo sempre curte. E apenas curte. O passivo não percebe que todas as pessoas cometem erros graves, não apenas em suas vidas pessoais, mas também em suas áreas de especialidade profissional. Não tem o menor cuidado na hora de escrever ou falar. Frequentemente apela para o argumento "Você sabe o que eu quis dizer." Se deixa intimidar por autoridades. E, diante de problemas sociais sérios, afirma: "Realmente é um absurdo." Mas nada faz para acabar com os absurdos. Lê a respeito da menina de treze anos que conseguiu mudar a realidade da escola pública onde estuda, mas se limita a dizer: "Essa menina é realmente especial." Frequentemente tenta apelar à compaixão dos amigos e conhecidos, com mensagens do seguinte tipo: "Amanhã passarei meu aniversário sozinho(a)", "Ninguém me ama", "Minha vida tem sido péssima." Essencialmente, o passivo é uma pessoa que apenas aguarda. Se um dia, porém, o passivo tiver algum poder, certamente cometerá abusos.

Agressivos. Ao contrário do intelectualóide e do passivo, o tolo agressivo pode ser profissionalmente competente. O que o torna um tolo é apenas a forma gratuitamente arrogante e agressiva como trata ou avalia as pessoas que considera inferiores, no escopo de seus valores pessoais. Devemos tomar cuidado, porém, para não confundir o agressivo com o profissional honesto. Frequentemente pessoas tolas interpretam observações e julgamentos incisivos de profissionais honestos como sinais de arrogância ou agressividade gratuita. O agressivo não cumprimenta aqueles que julga inferiores, adota uma linguagem corporal que pretende distingui-lo dos demais e considera que leis e regras sociais comuns não se aplicam a ele. É um estado que poderíamos chamar de complexo de Nietzsche. Não existem dados suficientes a respeito de vícios vocabulares praticados pelos agressivos em redes sociais da internet. Isso porque essa casta de tolos geralmente considera absoluta falta de tempo o entrosamento social em facebook, orkut, myspace, YouTube e similares. O agressivo jamais admite a possibilidade de estar errado, sempre encontrando justificativas para as suas ações e ideias, ainda que tais justificativas sejam contraditórias entre si. O agressivo é perfeitamente capaz de tratar muito bem uma pessoa de quem possa tirar algum proveito, ainda que ela seja classificada por ele como inferior. Mas se suas necessidades forem saciadas, é uma questão de pouco tempo para ele revelar o que realmente pensa a respeito da pessoa anteriormente cobiçada. Isso porque o agressivo é absolutamente dominado por vaidade e, portanto, considera que seu tempo dispendido com qualquer ser inferior é uma dádiva entregue a este ser. No entanto, todas as suas dádivas contam com prazo muito curto de validade.

Combinados. Um combinado é aquele que admite tolices de diferentes categorias, dependendo do ambiente social em que se encontra. O combinado agressivo-passivo se comporta como agressivo, entre pessoas que considera inferiores, e passivo, entre indivíduos que julga superiores. O combinado intelectualóide-passivo é um caso particular daquilo que usualmente se conhece como a figura caricata do nerd. No entanto, nem todo nerd é um combinado ou tolo. E os combinados intelectualóide-agressivo e intelectualóide-agressivo-passivo comumente abraçam a carreira de professor universitário. Mas este curioso fenômeno é mais comum no Brasil.

Pontos em comum entre os tolos acima mencionados: 

1) Todos eles se sentem socialmente mais a vontade com seus semelhantes, no contexto da tolice; 

2) Raramente um tolo consegue identificar a tolice alheia, mas frequentemente entende por tolas as pessoas que não o são; 

3) Todo tolo é um indivíduo irremediavelmente ingênuo. E ingenuidade é uma poderosa barreira contra a razão. Portanto, sempre que puder, evite discussões extensas com os tolos.

sábado, 6 de outubro de 2012

Indissociabilidade Entre Ensino, Pesquisa e Extensão


A última postagem tem sido muito bem sucedida, levando em conta o considerável limitante de que tratamos aqui de educação e ciência. Graças à colaboração de muitos amigos, colegas e simpatizantes, as ideias veiculadas neste blog têm alcançado inúmeros outros nós das várias redes sociais (sejam virtuais ou reais). Que continuemos nos empenhando para despertar o Brasil de sua eterna condição de Berço Esplêndido. A partir de agora, portanto, peço a todos os colaboradores para ficarem de olho nas mídias jornalísticas. Este blog já promove esta inspeção através das notícias permanentemente anunciadas ao final desta página. Ou seja, estamos de olho no Brasil e no mundo. E precisamos ficar atentos. Afinal, se dependermos da maioria dos professores universitários de nossa grande nação, nada mudará. E tudo o que aparecer de relevante aos propósitos de um Brasil com educação de qualidade e ciência internacionalmente competitiva, deverá ser relatado aqui e em todos os veículos que compartilham deste mesmo sonho.

Uma evidência da tese de que a maioria dos professores universitários simplesmente nada faz para mudar o quadro negro de nossa educação é o eterno discurso impensado da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em qualquer campanha eleitoral de reitores (como está acontecendo agora na UFPR) sempre se fala dessa tal da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Mas será que alguém nesta terra amalucada realmente entende o que é isso?

Anos atrás participei de uma curiosa mesa-redonda na qual estava presente o físico grego (naturalizado brasileiro) Constantino Tsallis. Ele é o criador daquilo que hoje é conhecido no mundo todo como a entropia de Tsallis. 

Naquela ocasião Tsallis fez um comentário que jamais esqueci: "Já é difícil encontrar um professor que conheça os conteúdos que leciona. E ainda o pessoal quer que ele tenha didática!"

É óbvio que Tsallis não despreza didática. Não é esta a questão. Mas o fato é que talentos reais são muito difíceis de serem encontrados, seja qual for a área de atuação. Se um profissional é um excelente pesquisador, mas péssimo docente, por que não podemos aproveitá-lo em nossa sociedade? Analogamente, se um professor ministra aulas magistrais, mas simplesmente não tem afinidade com pesquisa de ponta, por que não podemos aproveitá-lo também?

É claro que existe uma estreita e intrincada relação entre ensino, pesquisa e extensão! Mas, a partir daí, assumir como ideologia cega uma suposta indissociabilidade entre essas três atividades é simplesmente um desrespeito absoluto ao profissional enquanto ser humano. 

Steven Krantz já chamou atenção para o fato de que não existe uma única metodologia de ensino eficaz em matemática, aplicável a qualquer massa de alunos. Isso decorre simplesmente do fato de que as pessoas são distintas entre si. Existem aqueles que não têm afinidade alguma com ciência, assim como existem aqueles que precisam tanto da atividade científica quanto de água e comida. 

O respeito à individualidade de cada ser humano é uma condição fundamental para o desenvolvimento do coletivo. 

Testemunhei algumas pessoas criticando a postura de Bolivar Alves, o qual é um excelente pesquisador na área de física mas que simplesmente prefere não lecionar. O grande matemático pernambucano Leopoldo Nachbin era considerado um brilhante cientista e um excepcional professor. Até mesmo a caligrafia dele no quadro-negro era impecavelmente bela. Mas indivíduos como Nachbin são raríssimas exceções. Se um profissional é capaz de realizar uma tarefa melhor do que ninguém, certamente devemos conceder-lhe espaço para que realize esta tarefa. São muito raros aqueles que conseguem realizar pesquisa de ponta. E esses indivíduos certamente fazem muito mais do que profissionais que realizam pesquisa, extensão e ensino, simultaneamente, mas sem se destacar em qualquer uma dessas atividades.

Universidades não deveriam ser locais de defesa de ideologias desprovidas de análise crítica. E a tal da indissociabilidade acima mencionada é tão somente uma ideologia irresponsável. Isso fica evidente quando o lema é meramente repetido e multidões acenam suas cabeças em concordância, como se estivessem em algum tipo de transe hipnótico. Nas grandes universidades norte-americanas e europeias nada se escuta ou lê a respeito de qualquer ideologia semelhante. Ao invés disso, pesquisadores são simplesmente estimulados por órgãos de fomento a realizar outros projetos que transcendam o dia-a-dia da atividade puramente investigativa em ciência. Aqueles que conseguem abraçar mais de uma atividade, são beneficiados com apoio financeiro e estratégico. 

Política em ciência e educação é indispensável. Ideologia sustentada em jargões impensados é sinônimo de retrocesso. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Vamos Tentar Mais Uma Vez


Esta é a centésima postagem do blog. Por isso, quero fazer dela algo especial. 

O principal foco deste site é a crítica à educação brasileira e ao nosso desenvolvimento científico nacional, alicerces fundamentais para uma nação do porte do Brasil. Mas apenas reclamar não produz resultado algum, a não ser que tais reclamações formem uma rede social que transcenda o minúsculo nó que este blog representa. Por isso, faço mais um apelo aos leitores que efetivamente querem contribuir para a construção de um Brasil melhor. 

Temos aqui dois depoimentos de talentos excepcionais em ciência que enfrentaram ou enfrentam gigantescas dificuldades para investir nas atividades intelectuais que tanto amam. Um deles está na postagem Depoimento de um Superdotado e o outro se encontra no texto A Saga de Um Físico Tupiniquim. No link Depoimentos há acesso a estes dois testemunhos na mesma tela, bem como à excelente postagem de meu ex-aluno Marlon Soares, hoje um notável professor de física.

Meu apelo a vocês, leitores, é que divulguem estes dois casos, bem como casos semelhantes que vocês mesmos conheçam, nos principais veículos de comunicação em massa do país. Todas as revistas, jornais e programas de rádio e televisão contam com canais abertos para sugestões de pauta. O que solicito de cada um de vocês é que enviem e-mails para esses veículos, sugerindo como item de pauta reportagens sobre o desperdício de intelectos no Brasil. Precisamos despertar o país. O que aconteceu com Carlos Chagas e Peter Medawar não foi algo que ficou no passado. Até hoje criamos barreiras contra a ciência e a educação brasileiras.

O Governo Federal tem assumido muitas atitudes construtivas e até inteligentes, sem dúvida. Mas precisamos reconhecer, de uma vez por todas, que não somos uma sociedade suficientemente articulada e forte para promover ciência e educação de qualidade competitiva em âmbito internacional. E precisamos disso para termos uma nação socialmente justa no futuro. 

O principal papel de qualquer imprensa livre é a manutenção e a consolidação da democracia da nação que a abriga. E a educação e a ciência brasileiras não são segmentos sociais democráticos. Basta ler os depoimentos acima citados, para perceber isso. Basta lembrarmos das inúmeras histórias semelhantes que todos conhecemos, para perceber esta dura realidade. E vejam aqui uma das consequências desta realidade. E, feito isso, comparem agora com este fato sobre o extraordinário potencial humano que temos como nação.

Além de realizarem os contatos que solicito, peço também que convoquem amigos e demais interessados para fazer o mesmo.

Precisamos ver resultados. Não importa que sejam resultados pequenos. Mas precisamos de uma semente de esperança. Se conseguirmos vencer esta inércia, poderemos executar ações mais eficazes no futuro.

Os veículos principais que recomendo são os seguintes:

Revista Veja: veja@abril.com.br. As cartas enviadas à redação devem ser acompanhadas de assinatura, endereço, número da cédula de identidade e telefone do autor. 

Revista Época: epoca@edglobo.com.br. As cartas devem ser endereçadas a Natália Spinacé.

Revista Exame: webmasterexame@abril.com.br.

Jornal Nacional: Contato on-line. Exige cadastro.

Obviamente, outras mídias, além dessas, podem ser procuradas.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A Saga de Um Físico Tupiniquim



O texto abaixo é um depoimento do Dr. Bolivar Alves, brilhante pesquisador de Brasília, DF, que, por conta de recusar qualquer posição como docente, percebe a sua carreira científica seriamente ameaçada. Ou seja, no Brasil, competência não define futuro profissional. Novamente estamos desperdiçando talentos extraordinários. Até quando vamos tolerar esta situação? Ou novamente vamos aguardar a morte de mais um profissional da ciência para finalmente dizermos: "No final das contas, ele era um grande pensador."?

A convite do Prof. Adonai Sant’Anna, o texto que segue é uma espécie de depoimento da minha vida científico-acadêmica, a ser publicado em seu blog.

ENSINO MÉDIO

Durante o ensino médio, tive professores de física muito ruins, no sentido de não saberem realmente nada, além daquilo que eles decoravam ou copiavam no quadro do que estava escrito nos livros didáticos de física. Além disso, eram professores que resolviam os mesmos problemas já resolvidos em tais livros ou em listinhas de exercícios com o único propósito de seguir o ritual da pedagogia da mediocridade: ESTUDAR PARA FAZER PROVAS. O mais importante, isto é, os aspectos históricos, filosóficos, fenomenológicos e as aplicações tecnológicas da física, os quais estimulam na verdade a curiosidade dos estudantes, ou parte deles, eram deixados de lado como algo secundário ou, simplesmente, ignorados. 

Apesar dos péssimos professores, a física me encantava. Termos como teoria da relatividade, mecânica quântica, partículas elementares, princípio da complementaridade, princípio da incerteza, provocavam-me uma certa excitação intelectual que me fazia enveredar pelo mundo da física a fim de compreender o que, de fato, realizaram eminentes físicos, como Einstein, Heisenberg, Bohr e tantos outros. A leitura de artigos e reportagens sobre um físico brasileiro, Mário Schönberg, também me incitava a querer estudar física na universidade. Contudo, esse estado de deslumbramento contrastava com a física de sala de aula cujo foco principal, infelizmente, era (e continua sendo) o maior símbolo da bestialização do ensino médio: o vestibular. 

Foi nessa época que comecei a aprender a ter repugnância à docência. Considero essa a lição mais relevante que tirei da escola secundária. (Tal repugnância, eu a carrego até hoje!!). 

Curiosamente, mesmo em ambiente de extrema penúria cultural, como a escola, ainda podemos encontrar alguns raríssimos bons professores. Felizmente, isso aconteceu comigo. Conheci um professor que não era professor, pois, entre outras excentricidades, formava grupos de estudos extra-classes em filosofia, literatura e línguas (alemão, italiano, francês, esperanto, japonês,...). Não se estudava para fazer provas!! Hoje reconheço que sua influência (negativa e positiva) foi determinante para a consolidação de minha índole intelectual.

GRADUAÇÃO

APESAR da qualidade medíocre da escola secundária, decidi fazer Física na Universidade de Brasília (UnB). Uma vez, na universidade, notei que a rotina acadêmica não era muito diferente daquela do ensino médio: estudava-se para fazer provas. Alguns colegas chegavam a dizer que a graduação não passava de um ensino médio avançado. Dos professores da graduação, destaco apenas o falecido Prof. José de Lima Accioli. Era um professor que não dava aula. Isso mesmo! Seguia o livro do José Leite Lopes (A Teoria Quântica da Matéria), um livro muito diferente dos livros-texto convencionais, principalmente, os americanos de baixa qualidade, como, por exemplo, o da dupla country Resnick & Halliday. Do livro do Leite Lopes, "abríamos as contas" em lugar de estudarmos para fazer provas. Para isso, era imprescindível a leitura das referências bibliográficas. Ainda considero essa didática como uma das mais apropriadas para incitar o espírito de pesquisa em nível de graduação, embora tenha sido uma experiência muito particular, pois a regra é seguir Goldstein, Jackson, Resnick-Halliday para fazer as benditas provas. 

Vale ressaltar que a maioria dos nossos professores universitários comete um holocausto pedagógico ao submeter todos os estudantes a um único método de aprendizagem baseado na pedagogia do ESTUDAR PARA FAZER PROVAS. Ignoram, deliberadamente, que cada pessoa possui uma maneira sui generis de aprender. Desgraçadamente, todas as atividades curriculares na graduação (e também na metade do Mestrado e do Doutorado) ainda gravitam em torno dessa estéril pedagogia!! Ainda me pergunto sobre a utilidade da graduação: uma miríade de generalidades serve para quê? 

Em consequência, o principal aprendizado que ficou da graduação foi um certo fortalecimento da minha aversão à docência. Não foi por acaso que fiz bacharelado; licenciatura, nem pensar!!! Professor, para quê? Eis um momento de alívio existencial: logo após me formar, joguei fora quase todas as minhas listas de exercícios de mecânica clássica, eletromagnetismo, mecânica quântica, mecânica estatística... Simplesmente não queria confundir física com aquilo que fora ensinado pelos meus insignes professores da UnB! (Não joguei fora tudo o que tinha reunido porque algumas notas de aula e exercícios ainda iria usar no Mestrado.)

MESTRADO

Apenas no segundo ano do Mestrado fiquei livre das disciplinas e pude, por isso, dedicar-me a algo parecido com pesquisa: leitura de artigos e a definição do tema da dissertação. Inicialmente, tecnicamente falando, meu orientador sugeriu o limite não-relativístico da equação de Dirac no espaço de fase quântico, segundo o método de Foldy-Wouthuysen. Após inúmeras leituras e releituras de vários artigos, cheguei à conclusão de que não conseguiria um resultado digno de ser defensável diante de uma banca de professores. 

Felizmente, mudei o tema da dissertação para o limite clássico em lugar de limite não-relativístico. Comecei, em seguida, a ler e a entender alguns artigos de Schönberg sobre álgebra geométrica. Essa foi uma das melhores experiências que vivi!! Experiência muito mais enriquecedora do que estudar álgebra nos cursos de graduação. 

Após algumas acirradas contendas com o orientador, a dissertação foi defendida a duras penas. A lição que tirei foi que o Mestrado não passa de uma prescindível formalidade acadêmica. Serve apenas para consolidar algumas vaidades grupais de professores, principalmente, do orientador. Em outras palavras, o orientador quer mostrar para seus coleguinhas que sabe alguma coisinha de física.

Cientificamente, o ritual de defesa de dissertação acrescenta muito pouco ao nosso enriquecimento como físico. Além disso, pude constatar que orientador, na verdade, não passa de um desorientador. Comecei a alimentar uma certa repugnância, também, à atividade de orientação. Orientador, para quê? Para desorientar?

Aprendi muito durante o Mestrado: a minha capacidade de ser independente despontou.

DOUTORADO

Fiz o doutorado no CBPF, um instituto de pesquisa dotado de uma excelente infraestrutura para um físico teórico: ótima biblioteca; quase nenhuma obrigação acadêmico-burocrática, como a necessidade de cursar disciplinas. Lá estava eu em um verdadeiro paraíso científico: dedicava-me integralmente ao que me proporcionava prazer intelectual. Como consequência desse estado de enlevo científico, consegui publicar sozinho, em 1998, um artigo na Physical Review A, com base no qual defendi minha tese de doutorado em três anos. Na verdade, essa publicação apresenta uma inusitada história que eu e meu orientador protagonizamos.

No CBPF, minha intenção, em primeiro lugar, era investigar caos relativístico com base nas ideias do meu orientador, recentemente publicadas em um artigo na Physics Reports. Confesso que li e reli esse artigo e muitos outros para poder apresentar uma extensão relativística, mas não consegui nada. 

Isso me levou a um estado de desânimo e frustração. Afinal de contas, sem um resultado confiável, que tese poderia ser defendida? Encontrava-me no limbo!! Acho que todo doutorando passa por esse estado de apreensão mental. Pois bem, graças aos deuses, surgiu-me uma ideia que logo se materializou em um rascunho de artigo (um draft), o qual entreguei ao meu orientador que o leu, que o criticou severamente e que fez a seguinte recomendação: "Bolivar, acho que deveria jogar fora esse seu trabalho". 

Tentei contra-argumentar, mas sem efeito. Meu orientador não gostara do meu artigo e ponto final. Saí da sala dele meio transtornado. Passara quase um mês me dedicando dia e noite a escrever esse artigo. Meu orientador, ao contrário, numa canetada, resolvera o seu destino: LIXO.

Li e reli o meu artigo. Definitivamente, ele não merecia a lata de lixo. Em um ato de desobediência acadêmica, levei em conta algumas críticas do meu (des)orientador e o submeti à Physical Review A (PRA). Três meses depois, essa revista americana aceitou meu bendito artigo. Nem imaginem a felicidade que tomou conta de mim!! Mostrei a carta de aceitação da PRA ao meu orientador que simplesmente permaneceu intransigente: minha ideia era ruim e não merecia ser publicada, apesar de aceita pela PRA. Após esse episódio, as fissuras entre nós dois irreversivelmente aumentaram a ponto de ele dizer, certo dia, que eu estava livre para procurar outro orientador. Que alívio!!! 

Estava livre. Com um artigo publicado, já tinha a exigência mínima para defender minha tese. Levei um ano para escrevê-la. Além da independência, o Doutorado foi importantíssimo para o desenvolvimento da minha autonomia científica. No entanto, mais importante que independência e autonomia é a originalidade. Acreditava, piamente, que minha tese de doutorado ostentava algum germe de originalidade. De fato, dessa tese resultaram alguns artigos que foram publicados durante meu primeiro pós-doutorado.

Minha experiência no CBPF serviu, também, para fortalecer minha descrença com a ideia de universidade. O CBPF é uma verdadeira ilha no mar de medíocres universidades brasileiras. Infelizmente, desde a década de 1960, primeiro com os governos militares e depois com os governos civis, o ensino superior vem sofrendo um intenso processo de massificação em que o mais importante é a quantidade em detrimento da qualidade, embora nem isso tenha ocorrido efetivamente. Temos, em consequência, um sistema educacional quantitativamente apoucado e qualitativamente miserável.

Acredito que investir em institutos de pesquisa em lugar de universidades, a exemplo dos institutos Max Planck, na Alemanha, parece ser uma ideia qualitativa promitente para alavancar a nossa pobre cultura científica.

PRIMEIRO PÓS-DOUTORADO

Financiado pela FAPESP, meu primeiro pós-doutorado foi iniciado em 2000, na UNICAMP, mais precisamente no departamento de Matemática Aplicada do IMECC. Ao longo dos 3 anos de pós-doc novamente, sozinho, publiquei uns 4 ou 5 artigos graças, principalmente, à desobrigação de dar aulas.

SEGUNDO PÓS-DOUTORADO

Em 2002 recebi da CAPES uma bolsa de pós-doutorado para estudar em Stuttgart, na Alemanha. Interrompi a bolsa FAPESP por um ano. Nesse segundo pósdoc, escrevi (sozinho), em 2003, meu livro Quantum-Classical Correspondence: Dynamical Quantization and the Classical Limit, publicado pela Springer-Verlag, em 2004. De algumas ideias nesse livro resultou uma publicação na Physical Review Letters em 2005.

O ano de 2004 foi o pior momento da minha vida. Eu teria a bolsa de pós-doc da FAPESP apenas até a metade de 2004. Queria retornar à Alemanha. 

Tentei bolsa pela Fundação Alexander von Humboldt, pelo Instituto Max Planck, em Dresden, e pelo CNPq-DAAD. Nenhuma delas foi deferida. 

Tentei, também, uma pelo Instituto Santa Fé, nos EUA. Um outro não. 

Urgentemente tentei uma bolsa de pós-doutorado aqui no Brasil: o CNPq indeferiu meu pedido. O ano de 2004 findou sem que eu conseguisse uma única bolsa. Ademais, prestei dois concursos públicos: um no Instituto Gleb Wataghin, na UNICAMP, e outro no CBPF, no Rio de Janeiro. Em ambos os lugares, fui reprovado!! A mensagem para mim foi óbvia: eu não servia para ser professor, muito menos, para ser pesquisador.

TERCEIRO PÓS-DOUTORADO

O ano de 2005 começou fúnebre: decidi não ser professor, muito menos, professor universitário. Logo em março prestei um concurso na burocracia federal em Brasília. Passei!!! Mas não sabia quando seria nomeado. Em junho recebi mais uma bolsa de pós-doc, desta vez uma PRODOC-CAPES, lá no IMECC. Era para ser professor. A desgraça estava por começar... Deveria dar aula de Cálculo III. Confesso que, para quem nunca DEU, dar pela primeira vez é uma experiência muito dolorosa!!

Dentro da coerência bolivariana, como professor, durei apenas 20 dias. Fui afastado sumariamente do curso de Cálculo III. Pior ainda: seis meses depois, perdi a bolsa PRODOC.

Bem, sem fonte de renda, tive de tomar uma decisão. Que faria da minha querida vidinha aos 32 anos, sem emprego e após uma única e mal sucedida experiência docente? E, para piorar a situação, as ideias pululando na minha cabeça, querendo se materializar em artigos e outras publicações...

O ano de 2005 iria terminar tenebroso, não fosse a notícia de que seria nomeado em dezembro naquele concurso que fizera no começo do ano. Fui salvo pelo gongo. Pelo menos não morreria de fome!!! De fato, de fome não morri mas quase morri de uma doença auto-imune, provocada por uma vertiginosa crise de autoestima.

A DOENÇA

Ao longo da minha vida de estudos, notei que há dois destinos inexoráveis para quem estuda: ser professor ou ser burocrata. Desde o ensino médio decidi não ser professor; após a graduação ratifiquei minha repugnância à docência. Mestrado e Doutorado, por sua vez, me apontavam para a falta de sentido das formalidades burocrático-acadêmicas às quais somos submetidos nas universidades. Se tivesse entrado no CBPF, prometi a mim mesmo que começaria a me preparar psicologicamente para orientar mestrandos e doutorandos, além de simular um grau aceitável de sociabilidade com as pessoas. Arrefeceria, assim, um pouco minha radicalidade bolivariana. Infelizmente, certifiquei-me de que jamais entraria no CBPF, a menos que montasse uma estratégia de amiguismo acadêmico: teria de publicar com um chefe de algum grupo de pesquisa já bem estabelecido naquele instituto e torcer para que o tal chefe me indicasse como alguém benquisto e merecedor de uma vaga no grupo. Em outros termos, teria de deixar de lado minha independência e autonomia científicas para "fazer contas" para os outros. 

Para não violar os princípios bolivarianos e para não morrer de fome não me restou outra opção senão trabalhar na burocracia, ou melhor, na buRRocracia. Digo isso porque a lógica da burocracia é singular, sui generis. Há dois princípios que a fundamentam: a conveniência e o interesse. Nem sempre a razão impera no reino da burocracia. Daí, costumo dizer que, na verdade, a burocracia não passa de uma BURROCRACIA.

Se não fosse minha repugnância à docência, não estaria na burocracia!!! Não aconselho ninguém a entrar nela, a não ser por mera questão de subsistência. Meu caso!!

Entrei em exercício no serviço público federal em dezembro de 2005. Por motivos burocráticos só comecei a trabalhar efetivamente em fevereiro de 2006. Trabalhar no sentido de passar 8 horas em uma sala na companhia de alguns colegas. Desde então, a esse locus de trabalho chamo de SENZALA. Imaginem alguém que passara a vida toda livre para estudar, ficar agora confinado em uma sala na burocracia sem poder estudar física!! Esse era o cenário psicológico pelo qual eu passava naquele momento.

Lembro perfeitamente de como se manifestou o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Em janeiro de 2006 fiz uma prova de 4 horas para o cargo de Consultor Legislativo da Câmara Legislativa do DF. Após a prova, fui para casa mas, antes, comprei algumas latinhas de cerveja para relaxar os nervos. Bebi, bebi, bebi sozinho, ouvindo Pink Floyd e conjecturando como seria meu futuro: como continuar a ser físico enquanto burocrata? Será que seria fagocitado pelo ambiente de trabalho? Acabei dormindo. Ao acordar no domingo, senti todo o meu corpo enrijecido. Todas as minhas articulações estavam doloridas. Fui ao médico logo na segunda-feira. Inicialmente, o diagnóstico foi de Síndrome de Reiter. Tomei corticoide durante uma semana. As dores cessaram. Pude, assim, retornar à minha labuta na burocracia. Em março de 2007 uma sinusite começou a me incomodar. Tomava antialérgico, antibiótico e nada, nenhuma melhora. A sinusite se agravava. O otorrino me dissera que, em 90% dos casos, sinusite era um problema alérgico. Infelizmente, caí nos 10%!!! Meu problema, na verdade, era outro. O otorrino me aconselhou, então, a procurar um reumatologista. 

Retornei ao meu primeiro reumato, aquele que havia diagnosticado Síndrome de Reiter. Ele percebeu incontinenti que meu quadro clínico não era tão simples quanto supunha. Ele me deu um atestado médico de 5 dias. As dores não sumiram. Uma semana depois, retornei ao mesmo médico. Deu-me mais um atestado, desta vez de 30 dias, além de me prescrever uma injeção para aliviar as fortes dores que eu sentia em ambos os joelhos. Essas dores eram tão intensas que torcia para dormir logo e não acordar tão cedo. Ir ao banheiro era uma experiência terrivelmente dolorosa. Tudo doía. Levava cerca de meia hora para me deslocar até o banheiro. Segurava pelas paredes, pela maçaneta das portas. Era um sufoco. Outro drama era retornar à cama. 

O que mais incomodava era que as dores migravam: ora apareciam nos joelhos e tendões da perna direita, ora iam para o lado direito do corpo. Eram dores que pulsavam. A região ficava quente. Para quem quiser avaliar a intensidade das dores lúpicas, basta imaginar uma intensa dor de dente multiplicada por mil. Eis a intensidade da dor lúpica. Nesse estado mórbido, passei uns 7 a 8 meses. Paguei uma parte dos meus pecados. A outra parte seria paga posteriormente. 

Por fim, na última semana de dezembro de 2007, fui novamente ao médico. O diagnóstico foi dado: era lúpus!!! Mais corticoide foi receitado. Estava no auge da crise lúpica: quase não conseguia andar; comprometimento renal já era evidente; tinha febre lúpica; permanecia na cama como se estivesse prostrado. Fui levado urgentemente ao Hospital de Base de Brasília (aquele mesmo onde Tancredo Neves começou a morrer). Meu estado era muito, muito grave. Lá fiquei internado durante uma semana. O reumatologista-chefe sugeriu aos meus familiares que eu fosse transladado a um hospital particular, pois ali naquele hospital público meu destino já estava selado: a morte lenta e dolorosa. Levaram-me, então, para o Hospital Brasília, onde permaneci internado por quase um mês, quando cheguei a bater as portas do céu várias vezes. O comprometimento renal se agravou; houve também comprometimento cardíaco e psíquico (psicose lúpica). Mais dores; mais corticoide. Não conseguia mover nada, além do pescoço. Fui levado para a UTI devido a uma taquicardia. Finalmente, as dores cessaram! Ufa, que alívio! Mas isso só aconteceu após doses cavalares de morfina. 

Milagrosamente, melhorei. Mas, desde então, meus medicamentos de uso contínuo, os quais chamo de conservantes, me acompanham todo santo dia!!

Lá no hospital perdi uns 5kg. Em seis meses ganhei 30kg. Cheguei a pesar quase 100kg!!!! Passei quase dois anos em licença médica da senzala. 

Psicologicamente, ainda estava abalado, pois achava que era a maior injustiça do mundo me encontrar naquele estado lastimável de saúde. Minha auto-estima estava reduzida a zero. Eu só queria estudar física, escrever meus artigos, ler artigos e livros, enfim, pensar física. E para fazer isso, estava impossibilitado. Para piorar meu estado psíquico, sabia que deveria estudar Direito Constitucional, Direito Administrativo, Administração Pública e outras disciplinas, altamente excitantes, caso quisesse passar em um bom concurso público na capital dos concurseiros: Brasília.

QUARTO PÓS-DOUTORADO

No final de 2009 minha licença médica chegou ao fim. Infelizmente, recomecei a trabalhar na senzala 8 horas por dia. Decidi me prostituir: prestei um concurso público para ser professor em uma "universidade", distante 200 km de Curitiba. Essa instituição de ensino superior funcionava em um antigo convento, chamado de Convento da Dona Mariquinha. Passei nesse concurso!!! Primeira vez que havia passado em um concurso para ser professor universitário. Que honraria!! Contudo, não fiquei com a única vaga em disputa. Esta ficou com uma moça que era amiga da presidente da banca examinadora. Mais uma vez fiquei decepcionado. Minha vida acadêmica estava fortemente comprometida: por um lado, UNICAMP e CBPF não me quiseram; por outro lado, uma "universidade" perdida lá no final do mundo também não me aceitara. Para um físico com três pós-doutorados, livro publicado pela prestigiada editora alemã Springer-Verlag, uma PRL (Physical Review Letters) também publicada, espera-se um destino mais digno. No entanto, nada disso foi importante para angariar um emprego aqui na nossa terra tupiniquim. Que fazer, então? Retornar à senzala...

Dizem que, após a tempestade, segue a bonança. Pois bem, em 2010 recebi mais uma bolsa de pós-doutorado, desta vez, na federal de Minas Gerais. A FAPEMIG prometeu pagar em dia minha bolsa. No entanto, isso não aconteceu!! Atrasos e mais atrasos. O mês para a FAPEMIG possui 45 ou até 60 dias. Apesar disso, resisti e escrevi sozinho três artigos: dois na Annals of Physics e um outro na Physica A. Psicologicamente, essas publicações foram muito importantes para restabelecer minha auto-estima. Contudo, a desgraça recomeçou: fiquei sem receber os meses de novembro e dezembro de 2011. Acabei ficando, ao todo, 75 dias sem fonte de renda justamente no período de Natal e Ano Novo. Embora não cultue essas festas de fim de ano, passar dois meses e meio sem dinheiro arrebenta qualquer orçamento familiar!! Pude estancar a sangria das minhas dívidas, uma vez que a FAPEMIG finalmente pagou os meses atrasados na primeira quinzena de janeiro. Desgraçadamente, essa agência mineira de apoio à pesquisa não me pagou ainda (outubro) a última mensalidade da minha bolsa de pós-doc sênior, referente ao mês de março/2012. Fui à Belo Horizonte, convicto de que faria de tudo para não retornar à senzala, em Brasília. Se aparecesse a oportunidade, daria até aula. No entanto, após assistir a algumas aulas no ICEX, definitivamente ratifiquei minha conclusão de que o ambiente de graduação não me apetece. Ser professor, realmente, não faz parte da minha humilde existência.

Apesar da incompetência da FAPEMIG, eu queria permanecer na UFMG por mais um ano, ou melhor, não queria retornar à senzala. Para isso, solicitei à FAPEMIG uma bolsa de Pesquisador Visitante. Pedido indeferido. Justificativa: eu não ostentava um currículo à altura para ganhar tal modalidade de bolsa. Após essa negativa, solicitei mais uma bolsa, desta vez, uma DCR-CNPq para ir à federal do Piauí. Curiosamente recebi mais uma vez um NÃO. Bem, após esses dois "NÃOs" tive de retornar, novamente, à Brasília. A senzala esperava por mim de portas abertas!!!

O FUTURO

De fato, as portas da senzala estavam escancaradas, aguardando o retorno de seu filho pródigo!!! É verdade, tento sair de Brasília, mas existe um forte atrator que me traz de volta à burocracia. Esse atrator se chama SUBSISTÊNCIA. O ambiente da burocracia não é intelectualmente salutar. É tão fútil que um dia perguntei a uma coordenadora se seria possível ir à senzala somente quando aparecesse algo para realmente ser feito. Até hoje não sei por que ela estranhou minha pergunta. Para mim, parecia ser bastante razoável. O que faço lá na senzala poderia muito bem fazer em casa!! Mas como a burocracia não anda de mãos dadas com a racionalidade, a estranheza da coordenadora pode até ser compreensível. 

Atualmente, vivo um dilema: como conciliar as atividades burocráticas com minhas pesquisas em física? Esse dilema bolivariano desponta em um momento em que completo quatro décadas de existência e uns 23 anos de uma saga de físico tupiniquim. O futuro que se abre diante de mim exige uma pronta resposta à seguinte questão: enferrujar-se na burocracia será o triste fim de um físico tupiniquim?