sábado, 22 de fevereiro de 2014

Você quer contribuir seriamente para a educação?


A educação, no Brasil, é frequentemente tratada a partir de meras intuições, muitas vezes associadas a uma espécie de senso comum. Cito um exemplo. Frequentemente ouço profissionais afirmarem que o rendimento de alunos é melhor em turmas pequenas do que em turmas de, digamos, trezentos alunos. No entanto, não existem estudos conclusivos que apontem para esta ideia como um fato. E este é um fato já apontado por Steven Krantz, em seu magnífico livro How to Teach Mathematics (cuja leitura deveria ser obrigatória para todos os profissionais de ensino deste país).

Educação não se promove a partir de meras opiniões. Pelo contrário, decisões educacionais, como quaisquer outras decisões, devem ser sustentadas na razão. Em outras palavras, o estudo sobre educação deve ser tratado como uma ciência. E decisões sobre políticas educacionais devem ser meras aplicações práticas de tais estudos, quando eles forem conclusivos.

Em várias partes do mundo (incluindo nosso país) tem crescido de maneira significativa o emprego de recursos de multimídia no processo educacional, desde computadores em sala de aula até programas de ensino a distância. No entanto, estudos que fundamentem o emprego dessas tecnologias ainda não atingiram o necessário amadurecimento para efetivas aplicações. Portanto, está ocorrendo uma irresponsável precipitação em diversas instituições de ensino do Brasil e do mundo. Cito abaixo dois exemplos.


Múltiplas Tarefas

Um ano atrás foi publicado um artigo no periódico Computers & Education sobre os efeitos de atividades de múltiplas tarefas em sala de aula, com acesso a laptops para todos os alunos. A motivação para tal pesquisa de psicologia experimental é simples: alunos com acesso a computadores pessoais em sala de aula têm também acesso a elementos de distração, como bate-papos no facebook ou vídeos no YouTube. Foram dois os resultados principais desta pesquisa: 

1) Alunos envolvidos em atividades de múltiplas tarefas apresentaram rendimento escolar inferior àqueles que usaram os laptops apenas para tomar notas sobre conteúdos expostos em sala de aula. 

2) Entre os alunos não envolvidos em atividades de múltiplas tarefas foram identificados mais dois grupos: aqueles que estavam sentados próximos a alunos envolvidos em atividades de múltiplas tarefas e os que não estavam. O primeiro grupo teve rendimento escolar inferior ao segundo. 

Esse tipo de resultado certamente deve ajudar a fundamentar políticas sobre o uso de computadores pessoais por parte dos alunos. 

No entanto, um estudo ainda não realizado sobre este tema é o seguinte: quais são os efeitos de atividades de múltiplas tarefas sobre retenção de longo termo? Afinal, o estudo em questão se refere somente a aprendizado imediato. Se você, leitor, quer efetivamente contribuir com educação, por que não investir em uma pesquisa desta natureza?


Livros impressos versus computadores

Novamente em 2013 foi publicado um estudo no periódico International Journal of Educational Research sobre o tema do emprego de multimídias em educação. A conclusão da pesquisa é a seguinte: alunos que estudam a partir de material impresso têm rendimento escolar consideravelmente superior àqueles que estudam a partir de telas de computadores. E o mais notável é que diferenças de aprendizado ocorrem até mesmo sobre textos curtos, de uma só página. 

Esta pesquisa, recentemente divulgada na página facebook deste blog, representa uma séria ameaça contra formas usuais dos programas de ensino a distância no Brasil e em outros países.

No entanto, há pelo menos uma ressalva importante a ser feita sobre o artigo em questão: ele se refere apenas à uma realidade local norueguesa. 

Portanto, novas pesquisas precisam ser feitas sobre outras realidades locais e até mesmo sobre a realidade global. Há alguma diferença social significativa entre estudantes noruegueses e brasileiros a ponto das conclusões desta pesquisa não serem aplicáveis no Brasil? Ninguém sabe!

Portanto, se você, leitor, quer contribuir com a educação brasileira, por que não se empenhar em uma pesquisa desta natureza? Por que não responder objetivamente, a partir de fatos, contra os meros opinadores sobre educação que contaminam políticas educacionais e comprometem o futuro do Brasil?
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Técnicas de análise de dados são bem conhecidas, mesmo em nosso país. Para isso recomendo o livro de Joseph Hair e colaboradores, que traduzi anos atrás. E tais técnicas constituem ferramenta fundamental para responder a questões básicas sobre educação ainda não estudadas com a necessária responsabilidade. Nesta postagem, desde o primeiro parágrafo, são colocadas algumas dessas questões. Naturalmente outras ainda podem ser formuladas.

No entanto, é claro que a carência de iniciativas como estas aqui propostas não deixa de apontar para outro potencial fato no futuro: o absoluto desinteresse do brasileiro sobre educação.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O inevitável sucesso do ensino a distância no Brasil


Esta postagem complementa uma anterior, devido à complexa natureza do tema.
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Eu estava com fome e não havia comida em casa. Procurei, então, por um serviço de alimentação a distância. Afinal, eu queria saciar minha fome sem sair de casa. Entrega de comida a domicílio não fazia sentido, para os meus propósitos. Se existe ensino a distância, por que não existiria alimentação a distância? Entrega de comida a domicílio é como aula particular: o serviço é feito na residência de quem pediu. Não. Eu queria alimentação que fosse de fato oferecida a distância. Encontrei muitas imagens de comida na internet. Mas nenhuma delas me alimentou. 

Antes de sair de casa em busca de um restaurante, começou um incêndio em minha residência. Rapidamente procurei por um serviço de bombeiros a distância. Afinal, o mundo virtual da internet oferece inúmeros serviços de maneira mais rápida e mais barata do que o mundo real. Mas, novamente não encontrei. 

Minha casa, então, virou fumaça. Como fiquei sem ter onde morar, procurei na rede mundial de computadores por uma morada a distância. Também não encontrei qualquer alternativa prática. Se eu quisesse quatro paredes, um teto e uma cama, teria que procurar algo no mundo real e não na realidade virtual.

Não tive escolha a não ser finalmente sair pelas ruas, em busca de um hotel. No caminho, fui assaltado. Consegui distrair o assaltante por tempo o bastante para procurar por polícia a distância. Isso porque sei que a polícia real demora demais para atender a pedidos de ajuda. O assaltante ficou com pena de minha alienação e me deixou em paz. E novamente fiquei pasmado ao descobrir que não existe atendimento policial a distância. Neste momento lamentei que o assaltante não tenha me abordado a distância. Afinal, se ele fosse um hacker, talvez pudesse ter esvaziado minha conta bancária a distância. Sim, sim. Não é apenas ensino a distância que existe no mundo atual, mas também roubo a distância. Que alívio!

Transtornado, segui meu caminho, até o momento em que fui atropelado... por um caminhão. Estatelado sobre o asfalto, usei meu telefone celular para acessar a internet em busca de atendimento médico a distância. Descobri que existem atividades experimentais como diagnóstico a distância e até cirurgia remota. Mas ainda não existe tecnologia na internet para atender especificamente ao meu caso, largado sobre o frio e real asfalto. Tive que novamente contar com o enfadonho mundo real.

Se não é possível se alimentar a distância, apagar um incêndio a distância, contar com ajuda policial a distância ou mesmo receber atendimento médico a distância, qual é, afinal de contas, a utilidade da internet?

Neste momento de dolorosa reflexão percebi que a internet, por enquanto, permite apenas acesso e processamento de informações... a distância. 

O tal do ensino a distância, do qual tanto se fala, faz uso sistemático deste limitado mas magnífico poder. Isso porque informações são mais facilmente transportáveis pelo espaço e pelo tempo do que comida, água, policiais ou bombeiros. 

No entanto, quando se fala a respeito de ensino a distância, frequentemente se esquece de que ainda não existe tecnologia para educar a distância. 

Na maioria dos casos, ensinar a distância não é muito diferente de escrever livros. É claro que recursos disponíveis na internet e em computadores pessoais permitem o emprego de ferramentas didáticas impossíveis de serem implementadas em um livro impresso. No entanto, ainda não existem ferramentas tecnológicas que substituam o processo educacional, algo muito mais amplo do que o já complexo processo de ensino.

É perfeitamente possível obter informações na internet sobre como preparar estrogonofe. Mas pessoas diferentes fazem pratos diferentes, ainda que usem as mesmas receitas e os mesmos ingredientes. E comumente os inexperientes fazem pratos simplesmente horríveis. Sem educação em culinária, um cremoso estrogonofe pode facilmente se transformar em uma aguada sopa de carne. Também é possível obter informações na internet sobre como realizar cirurgias. No entanto, há uma considerável diferença entre uma cirurgia realizada por um médico experiente e aquela praticada por um leigo que está consultando informações na internet. 

No caso da matemática, a situação não é diferente (apesar do que alegam alguns). Matemática não se aprende a partir da simples leitura de livros. E as técnicas usualmente empregadas para ensino de matemática a distância sofrem de limitações não muito diferentes daquelas impostas por livros. Isso porque o aprendizado de matemática depende de dois fatores simplesmente ignorados pelo ensino a distância:

1) Matemática se aprende com a prática. Ou seja, se uma pessoa não desenvolver ideias matemáticas novas (pelo menos de seu próprio ponto de vista), não está efetivamente aprendendo matemática, mas apenas repetindo o que viu, leu ou ouviu. Adestramento sobre técnicas matemáticas não caracteriza aprendizado de matemática. Repetir procedimentos elementares ensinados em um site da internet não caracteriza a efetiva educação em matemática.

2) Matemática é uma atividade social. Sem troca de ideias com o professor, não há análise crítica sobre matemática. E sem análise crítica, é impossível aprender matemática.

Ainda que o ensino a distância seja realizado em tempo real (entre um professor e alunos espalhados em diferentes cantos do mundo), este método também apresenta desvantagens em relação ao sistema usual (no qual alunos e professor estão dentro do mesmo espaço físico):

1) É um método que depende de hardware e software nem sempre facilmente disponíveis.

2) É um método que depende do uso de câmeras de vídeo que capturam imagens extremamente limitadas (quem estuda cinema deve entender melhor este ponto).

3) É um método no qual os alunos estão fisicamente imersos em diferentes realidades locais e, portanto, sujeitos a incontáveis distrações. Uma sala de aula tradicional opera como um templo de aprendizado. E templos cumprem com a função de canalizar atenção. 

Portanto, podemos concluir que todos esses fatos apontam para evidentes desvantagens do ensino a distância em relação aos métodos tradicionais de ensino? Não no Brasil.

Nas instituições de ensino brasileiras, salvo raríssimas exceções, nada se pratica além de mero adestramento sem análise crítica sobre conteúdo algum lecionado. Salas de aula, em nosso país, não são templos de aprendizado, mas simplesmente masmorras de tortura pseudointelectual. 

O fato é que professores no Brasil, salvo pouquíssimas exceções, não estão qualificados para efetivamente educar. Argumentos e exemplos que qualificam e ilustram esta afirmação aparecem em dezenas de postagens deste blog. Um resumo irônico sobre isso se encontra aqui.

A incompetência educacional do Brasil aparece nitidamente em vários rankings internacionais de avaliação do ensino, desde o fundamental até o superior. 

Portanto, os professores brasileiros são simplesmente ignorantes e incompetentes. Neste contexto, é claro que o ensino a distância está destinado ao sucesso em nossas terras! No entanto, proponho que ele seja chamado de ignorância a distância. Ou seja, a incompetência de nosso sistema educacional agora se espalha também pelo uso de multimídias. 

Quando este país colapsar de uma vez por todas, duvido que alguém no futuro seja capaz de apontar para os verdadeiros culpados: todos nós.