segunda-feira, 30 de setembro de 2013

QUALIS = Uróboro



Durante minha carreira jamais prestei atenção em parâmetros brasileiros de produção acadêmica. Meu Curriculum Vitae na Plataforma Lattes sempre foi incompleto; somente uma vez formatei artigo meu de acordo com a repugnante ABNT (não tive escolha, na época); e sempre estranhei a obsessão de colegas meus com o tal do QUALIS da CAPES. Meus padrões para produção científica e filosófica sempre foram baseados em critérios internacionais. Hoje reconheço que esta postura foi um erro meu. Foi um erro que pretendo remediar parcialmente nesta postagem. O QUALIS não pode ser ignorado, simplesmente porque ele serve de orientação para pesquisadores e até mesmo estudantes do país inteiro. E, por bem ou por mal, eu vivo e trabalho no Brasil. 

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) criou e sustenta um sistema de avaliação de periódicos especializados tanto nacionais quanto internacionais. Este sistema é conhecido como QUALIS. E tal fato é muito intrigante. Por um lado, a avaliação de perfil de periódicos especializados é uma tarefa extremamente complicada. E, por outro lado, já existem instrumentos confiáveis que promovem tal avaliação sobre periódicos do mundo inteiro. Portanto, por que um órgão brasileiro de fomento à pesquisa precisa criar um sistema como o QUALIS? E por que o QUALIS é usado para fins de avaliação de produção intelectual? Esta é uma forma de insistir na diferença entre ciência brasileira e ciência praticada no resto do mundo? 

Nas duas últimas postagens fiz uma breve avaliação sobre o perfil da produção filosófica brasileira. E os primeiros resultados foram assustadores. Diferente da produção acadêmica em áreas como física e matemática, a filosofia brasileira é praticamente inexpressiva. E, apesar disso, há um considerável apoio financeiro para pesquisas filosóficas que não têm relevância alguma perante o mundo. 

No entanto, é importante destacar que, como qualquer rede social, existe uma intrincada relação entre instituições e pessoas em nosso país. São pessoas que concebem e mantém instituições. E são instituições que definem o rumo profissional de pessoas. A discussão sobre a produção intelectual de filósofos brasileiros remete apenas a um dos ingredientes da rede acadêmica de nossa nação. Mas tal discussão fica incompleta enquanto não for promovida uma análise sobre influências institucionais. Afinal, os profissionais mais velhos de hoje definem instituições que exercem poderosas influências sobre os mais jovens. Em outras palavras, o sistema alimenta a si mesmo. Resta saber de que forma.

Neste sentido, a presente postagem pode ser entendida como a terceira parte de uma discussão iniciada aqui sobre a produção filosófica brasileira. 

O Scientific Journal Rankings (SJR) da SCImago é um conhecido e respeitado instrumento de avaliação da influência científica de periódicos especializados. Esta ferramenta opera de maneira parecida com o algoritmo PageRank, usado no mundo inteiro para avaliar a importância social de sites na internet. De acordo com o SJR (avaliação de 2012), os vinte periódicos mais importantes em filosofia são os seguintes: 

1. The Philosophical Review (EUA)

2. Ethics (EUA)

3. Nous (Grã-Bretanha)

4. The Journal of Philosophy (EUA)

5. Logica Universalis (Suíça)

6. Review of Philosophy and Psychology (Alemanha)

7. British Journal for the Philosophy of Science (Grã-Bretanha)

8. Mind (Grã-Bretanha)

9. Philosophical Quarterly (Grã-Bretanha)

10. Analysis (EUA)

11. Journal of Philosophical Logic (Holanda)

12. Logic Journal of the IGPL (Grã-Bretanha)

13. Philosophy and Phenomenological Research (Grã-Bretanha)

14. Philosophical Studies (Holanda)

15. Australasian Journal of Philosophy (Grã-Bretanha)

16. Review of Symbolic Logic (Grã-Bretanha)

17. Synthese (Holanda)

18. Philosophy of Science (EUA)

19. Erkenntnis (Holanda)

20. Studies in History and Philosophy of Science Part B - Studies in History and Philosophy of Modern Physics (Grã-Bretanha) 

Mesmo entre os cinquenta melhores periódicos de filosofia não há um único brasileiro. 

Agora comparemos os critérios internacionais do SJR com o sistema QUALIS da CAPES. De acordo com o QUALIS, cada um dos três melhores periódicos de filosofia do mundo tem conceito C, o mais baixo de todos. O norte-americano The Journal of Philosophy, que aparece no SJR como o quarto melhor periódico de filosofia do mundo, sequer consta no sistema QUALIS. Na verdade, apenas quatro periódicos da lista acima têm conceito A no QUALIS. A maioria tem conceito C, uns poucos têm conceito B e outros sequer são listados na base de dados da CAPES. E outras inconsistências entre SJR e QUALIS ocorrem, além dessas. Periódicos brasileiros de filosofia como Kriterion e Manuscrito, tão procurados pelos filósofos de nossas terras, têm ambos QUALIS A. Mas nenhum deles consta na lista SJR dos cinquenta melhores periódicos de filosofia. 

O leitor pode questionar sobre os motivos para tais inconsistências. Pois bem. A explicação está nos critérios usados pela própria CAPES. De acordo com o Comunicado número 001/2013 da CAPES (Área de Filosofia), assinado por Danilo Marcondes de Souza Filho, Ivan Domingues e João Carlos Salles, "[P]eriódicos em que não houve publicação por membros do corpo docente ou discente de um curso de pós-graduação em Filosofia no país são colocados na categoria C provisoriamente de modo a não contarem no percentual alocado pela Capes para os diferentes estratos e que não inclui o C. Quando houver publicações nesses periódicos eles serão então reclassificados, levando-se em conta a classificação anterior."

Em primeiro lugar, tal critério parte do pressuposto de que somente indivíduos vinculados a programas de pós-graduação podem ter suas publicações consideradas pela CAPES. Isso, por si só, não é uma estratégia inteligente. Mas o mais surpreendente é o bizarro ciclo imposto por tal regra. Pesquisadores brasileiros na área de filosofia são naturalmente impelidos a publicar artigos em periódicos classificados como QUALIS A. Afinal, isso facilita no processo de concessão de bolsas e (oficialmente) tem repercussão na avaliação de programas de pós-graduação. No entanto, importantes periódicos internacionais de filosofia são avaliados com QUALIS C ou até mesmo ignorados por esta base de dados, simplesmente porque não há brasileiros publicando neles. Logo, o QUALIS se demonstra como uma iniciativa institucional para (deliberadamente) isolar a filosofia brasileira do resto do mundo. Esta é parte da estratégia da CAPES para perpetuar um sistema de simples solidão. 

A única vantagem que consigo perceber neste monstro que se alimenta da própria cauda é a confortável ilusão de uma produção intelectual que interessa apenas a membros da grande família brasileira. 

Espero que o leitor não esteja cansado com tantas postagens seguidas sobre a filosofia no Brasil. Desde que o tema surgiu, tenho recebido um considerável volume de e-mails e mensagens no facebook, tanto de críticos quanto daqueles que apoiam e complementam as ideias aqui expostas. Um dos e-mails que recebi foi do lógico Jean-Yves Beziau, o qual chamou atenção para os conflitos entre QUALIS e a realidade mundial. O fato é que uma filosofia relevante certamente pode ter repercussões importantes sobre outras áreas do conhecimento, incluindo matemática. Mas, com o atual quadro da filosofia brasileira, nosso país só está perdendo... novamente.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Filosofia do Medo


A última postagem deste blog rapidamente se colocou entre as mais visualizadas desde 2009, o que demonstra que o tema desperta interesse. No entanto, algumas pessoas julgam que o levantamento realizado sobre pesquisadores do CNPq não foi justo. Muitos alegam que filosofia tem certas peculiaridades diferentes de áreas como matemática, física ou ciências biológicas. Por conta disso, em filosofia não se poderia usar critérios internacionais de publicação em periódicos especializados (indexados em Web of Knowledge - WoK) para fins de avaliação de produtividade acadêmica. Como eu mesmo não entendo o que seriam essas peculiaridades (apesar de meu doutoramento ter sido em filosofia, pela USP), resolvi aplicar os mesmos critérios de avaliação sobre outros filósofos que trabalham em diferentes partes do mundo. Vejam os resultados preliminares:

R. Lanier Anderson (Stanford University). Ele tem nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um dos artigos tem doze citações.

Christopher Bobonich (Stanford University). Ele tem catorze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Michael E. Bratman (Stanford University). Ele tem vinte e sete artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cento e noventa e duas citações.

Solomon Feferman (Stanford University). Ele tem quarenta e nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e seis citações.

Otávio Bueno (University of Miami). Este brasileiro que trabalha nos Estados Unidos é autor de pelo menos* trinta e dois artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações. 

Walter Carnielli (Unicamp). Outro brasileiro que já publicou pelo menos* trinta e três artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e quatro citações.

Jean-Yves Beziau (UFRJ). Este francês trabalha atualmente no Brasil e conta com pelo menos* doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem 4 citações.

Simon Evnine (University of Miami). Tem doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações.

Susan Haack (University of Miami). Tem pelo menos* quarenta e um artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Frank Arntzenius (University of Oxford). Conta com vinte e oito artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem trinta e três citações.

Brian Leftow (University of Oxford). Cinquenta artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cinco citações.

Simon Saunders (University of Oxford). Autor de pelo menos* vinte artigos veiculados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e uma citações.

Em suma, comparando os exemplos acima com a produção filosófica daqueles que são supostamente a elite da área em nosso país, ficam evidentes os seguintes fatos:

1) Se existe alguma expressividade internacional na produção filosófica brasileira, ela não está representada pela maioria dos pesquisadores do CNPq, pelo menos no nível mais alto, 1A. 

2) Se existe alguma relevância nas pesquisas de profissionais como Guido Antonio de Almeida (UFRJ), Ivan Domingues (UFMG), Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP), Marilena de Souza Chauí (USP), Nelson Gonçalves Gomes (UNB), Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio), Paulo Eduardo Arantes (USP), Raul Ferreira Landim Filho (UFRJ), Renato Janine Ribeiro (USP), Ricardo Ribeiro Terra (USP) ou Roberto Cabral de Melo Machado (UFRJ), ela é praticamente ignorada pela comunidade filosófica internacional. São todos eles pesquisadores nível 1A do CNPq, mas com produção quase invisível no cenário mundial.

3) A filosofia que parece ser praticada no Brasil é a filosofia do medo. Assim como existem alunos que são dominados pelo medo de participar de aulas, também existem professores/pesquisadores que têm medo de expor suas ideias perante o mundo. Este é o inconveniente perfil da filosofia no Brasil: ela é marcada por publicações predominantemente locais. 

Outras críticas foram feitas à postagem sobre pesquisadores do CNPq. Algumas pessoas demonstraram claramente nunca terem ouvido falar de Web of Knowledge. Houve quem dissesse que Web of Knowledge "não está com nada". Tais reações também são consistentes com um Brasil não apenas isolado do resto do planeta, mas perigosamente ignorante e ingênuo. 

Sempre ouço pessoas dizerem, em tom de conformismo: "É a realidade brasileira. É a realidade brasileira..." E sempre respondo: "Não existe uma realidade brasileira. Brasil é uma Ilha da Fantasia." O nosso país comumente confunde trabalho com ocupação. Raramente se trabalha neste país. Vivemos em uma nação na qual gente demais se mantém simplesmente ocupada de segunda a sexta e vegeta nos fins de semana. Mas, em produção real, são poucos os envolvidos. 

Recebi agora há pouco e-mail de um brasileiro que trabalha no departamento de filosofia de uma universidade dos Estados Unidos. Reproduzo abaixo parte da mensagem:


"[s]into uma diferença imensa no método americano em relação ao qual fui ensinado no Brasil. Apesar de sempre ter gostado de filosofia analítica, o que era exigido de mim na graduação era simplesmente interpretação de textos; nunca me pediram para escrever se algo era certo ou errado. Nunca interessou se eu poderia construir um argumento a favor ou contra um problema filosófico. Sou Teaching Assistant de Intro to Philosophy e exijo de meus alunos (mesmo quem está no primeiro semestre) que argumentem a favor e contra o fundacionalismo de Descartes, por exemplo, e que mostrem alternativas."


Resumindo, não recomendo aos jovens brasileiros que estudem filosofia em nosso país. Esta não é uma área forte por aqui. E há convincentes evidências de que fenômeno semelhante ocorre em outras áreas acadêmicas, como letras e educação. 
__________________________
*Emprego a expressão "pelo menos" para destacar que há pesquisadores homônimos, o que dificulta a filtragem de informações.

** Estarei viajando nos próximos dias. Por isso posso demorar para moderar e responder comentários.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O que é um Pesquisador do CNPq?



Tenho publicado menos textos neste blog por conta de um projeto que estou desenvolvendo em parceria com o meu filho e uma produtora de cinema no Rio de Janeiro. O tema do projeto é, naturalmente, educação (com foco em matemática). E sobre isso pretendo discutir abertamente quando a hora certa chegar. Além disso, nos últimos meses estou dando preferência à publicação de certas postagens mais especializadas, que exponham fatos pouco conhecidos e raramente discutidos de forma crítica. O presente texto é mais um exemplo das novas tendências deste site

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é um dos principais órgãos federais de fomento à pesquisa no Brasil. No entanto, já está bastante claro que a ciência brasileira passa por um período de grave crise, com periódicos especializados sendo citados na revista britânica Nature por fraude, número de citações a pesquisadores brasileiros caindo no mundo inteiro, crescente desinteresse dos jovens por ciências exatas e biológicas, entre outros exemplos. Portanto, acredito que seja importante promover uma análise sobre o complexo perfil de órgãos como o CNPq. Afinal, quando o CNPq avalia o mérito de uma proposta de desenvolvimento científico e tecnológico, o que exatamente é levado em consideração? 

Para aqueles que não sabem, o CNPq oferece bolsas de produtividade em pesquisa para profissionais do mundo acadêmico brasileiro (o que naturalmente inclui a concessão de bolsas para estrangeiros). Isso significa que todos nós pagamos, através de impostos, para que certas pessoas façam avançar o conhecimento científico e tecnológico de nossa nação e do mundo. No entanto, no site do CNPq não há informações detalhadas sobre o destino dessas verbas federais. Quem recebe essas bolsas? Por que alguns recebem este tipo de apoio e outros não? Quais são os critérios usados para a concessão de bolsas?

Importante também frisar que a concessão de bolsas não tem reflexos apenas sobre os cofres públicos e o bolso de quem recebe. Bolsas para pesquisadores apresentam reflexos muito visíveis em instituições nas quais estão lotados os pesquisadores, bem como em grupos de pesquisa.

Sozinho, não tenho condições de avaliar bolsistas do CNPq em todas as áreas e modalidades. Os motivos são dois: 1) Não tenho em mãos todas as informações necessárias e 2) Não tenho condições de processar todas essas informações sem ajuda. 

Por isso escolhi, por enquanto, uma única área do conhecimento para promover uma primeira análise: filosofia.

Tenho comigo a lista de todos os bolsistas de produtividade em pesquisa na área de filosofia, em nosso país. São, no total, cento e quarenta. Algumas dessas bolsas encerram no início de 2014 e outras em 2017. Para esta postagem decidi analisar prioritariamente os treze bolsistas nível 1A em filosofia. 1A é o nível mais elevado das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq. E a questão que levanto é a seguinte: Existe sintonia entre as exigências do CNPq para a concessão de bolsas de pesquisa e as demandas da comunidade acadêmica internacional? Se houver tal sintonia, parabéns ao CNPq! Afinal, ciência e filosofia são edificantes quando não estão sujeitas a fronteiras ditadas por divisões políticas, crenças pessoais, linguagem ou outros fatores sociais produzidos pela arbitrariedade humana. No entanto, encontrei fortes evidências de que o CNPq sustenta parte significativa de suas políticas de apoio à pesquisa em bases que pouco têm a ver com as tendências acadêmicas em escala global.

Como fiz a análise? Simplesmente comparei informações fornecidas pelos próprios pesquisadores na Plataforma Lattes (também de responsabilidade do CNPq!) com informações disponíveis em Web of Knowledge. Web of Knowledge (que abrevio como WoK) é um site de acesso restrito no qual consta a verdadeira produção científica relevante de todos os pesquisadores do mundo. Neste momento, portanto, convém que eu qualifique dois adjetivos:

1) Afirmo que as informações disponíveis em WoK são verdadeiras no sentido de serem obtidas diretamente a partir dos periódicos especializados que publicam resultados de pesquisas. Como a Plataforma Lattes está vergonhosamente infestada de mentiras (titulações falsas, publicações que nunca aconteceram, entre outras), a comparação entre essas duas fontes é fundamental para apurar fatos.

2) Afirmo que a produção científica e tecnológica reportada em WoK é relevante no sentido de espelhar a produção que atende a parâmetros mínimos de qualidade editorial acadêmica. É claro que existem periódicos especializados importantes ainda não indexados em WoK, assim como existem periódicos de qualidade questionável que estão indexados. No entanto, WoK ainda é a fonte mais confiável para uma primeira avaliação, tanto de produção científica e tecnológica quanto de impacto de pesquisas. 

Vale observar ainda que, usualmente, produção científica original e relevante se faz através da publicação de artigos em periódicos especializados de circulação internacional, com corpo editorial e sistema de referees. E filosofia, no âmbito internacional, não é exceção. Espero não ter que discutir sobre este ponto com eventuais críticos pré-programados com discursos vazios, repetitivos e sem sintonia com a realidade mundial.

Pois bem. Aqui estão os treze bolsistas de produtividade em pesquisa nível 1A do CNPq, na área de filosofia. 

Marilena de Souza Chauí (USP). Existem seis publicações de Chauí em periódicos indexados em WoK, no período de 1983 a 2012. O número total de citações a essas seis publicações, neste índice, é zero. Porém, de acordo com a Plataforma Lattes (última atualização em 02/09/2013), Chauí publicou quarenta e um artigos em periódicos supostamente especializados, trinta e cinco livros, sessenta e oito capítulos de livros e duzentos e sessenta e um textos em jornais e revistas não especializados, entre outros. Esses números evidenciam um perfil claro. O impacto internacional da produção acadêmica original de Chauí é muito pequeno. Ela privilegia, em suas publicações, mídias locais (de circulação nacional). Entre os trabalhos que ela mesma aponta na Plataforma Lattes como os mais relevantes, está um artigo em Revue des Sciences Philosophiques et Theologiques (sem citações registradas em WoK), um artigo na revista carioca Analytica (não indexada em WoK) e um artigo publicado em 1990 na Folha de São Paulo. Correndo o risco de subestimar o leitor, devo salientar que Folha de São Paulo não é uma publicação especializada em filosofia. É claro que não podemos ignorar honrarias internacionais feitas a Chauí, incluindo o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Université de Paris VIII. No entanto, como até mesmo o falecido cantor pop Michael Jackson e o ator hollywoodiano Ben Afleck já receberam títulos de Doutor Honoris Causa de prestigiadas instituições, eu gostaria de saber onde exatamente está a linha que separa mérito acadêmico de manobra política. 

Guido Antonio de Almeida (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (última atualização feita em 29/06/2010), Almeida é editor da revista carioca Analytica (não indexada em WoK). Na mesma base de dados são informados dois artigos publicados em Kriterion e três publicações em Revue Philosophique de Louvain. ambos indexados em WoK. No entanto, de acordo com o próprio autor, das três publicações em Revue Philosophique de Louvain, duas são resenhas. São resenhas que estão listadas no campo designado para artigos completos publicados em periódicos especializados. Redundante dizer que resenhas não são artigos completos! Portanto, as informações prestadas por Almeida na Plataforma Lattes são, no mínimo, contraditórias. Quanto aos demais artigos declarados, são todos em periódicos de circulação local e não indexados em WoK. Também é estranho perceber que Almeida afirma que Revue Philosophique de Louvain é uma publicação de Belo Horizonte, sendo que se trata de um periódico belga. E apesar de Kriterion e Revue Philosophique de Louvain estarem indexados em WoK, neste banco de dados não consta uma única dessas publicações. As informações sobre Kriterion ainda estão sendo alimentadas em WoK, o que justificaria a falta de dados. No entanto, Almeida declara uma publicação no volume 20 de Revue Philosophique de Louvain, em 1993. E vale observar que em 1993 a Revue Philosophique de Louvain estava no volume 91. Portanto, mais uma inconsistência. Almeida ainda destaca entre suas publicações mais relevantes quatro capítulos de livros e um trabalho completo publicado em anais de congresso. O que transparece nas informações prestadas por Almeida é que ele atribui uma importância secundária a seus artigos. Este, aliás, é um comportamento comum no Brasil. São muitos os pesquisadores que preferem publicar seus trabalhos em anais ou livros obscuros. Isso porque tais obras têm circulação extremamente limitada. Pouca gente lê, mesmo entre especialistas.

Itala Maria Loffredo D'Ottaviano (Unicamp). Há treze artigos de D'Ottaviano em periódicos indexados em WoK. Um desses artigos tem 22 citações (já excluídas as auto-citações), o que é um ótimo resultado. De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 20/08/2013), D'Ottaviano publica predominantemente em veículos de circulação nacional. Mas ela destaca como produções mais relevantes quatro artigos em periódicos especializados de circulação internacional e indexados, bem como um livro publicado em 2000 pela editora Kluwer. Ou seja, D'Ottaviano transparece clara sintonia com a realidade mundial do que se entende por produção acadêmica. O único ponto que gera dúvidas em seu perfil é que ela acumula uma bolsa nível 1A do CNPq com o cargo de pró-reitora de pós-graduação na Unicamp. Compatibilizar um cargo burocrático com atividades de pesquisa é certamente um desafio. 

Ivan Domingues (UFMG). Domingues conta com sete publicações em periódico indexado em WoK, apesar de apenas uma aparecer. Isso porque todas essas sete publicações são na revista Kriterion, cujos dados ainda estão sendo inseridos naquele site. Os demais artigos foram publicados em periódicos de circulação local. De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 14/03/2013) as publicações mais relevantes de Domingues são quatro livros (um pela L'Harmattan, França, e três pela Edições Loyola, Brasil) e a sua tese de professor titular. Ou seja, mais um exemplo de alguém que não percebe a fundamental importância da publicação de artigos originais em periódicos importantes. Vale observar também que diversidade de veículos é fundamental em produção acadêmica. A revista Kriterion não é o único periódico de filosofia indexado em WoK. 

Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 08/05/2013), Santos tem treze artigos completos publicados em periódicos. Falso! Ele inclui entre os artigos um texto publicado no jornal O Estado de São Paulo, demonstrando uma clara dificuldade para distinguir produção especializada do restante. Entre os demais artigos, há um em Cahiers de Philosophie du Langage (Paris). Os demais são locais. Mas nenhuma de suas publicações ocorreu em periódico indexado em WoK. Outro exemplo de falta de sintonia com o que se entende por produção filosófica em escala internacional.

Nelson Gonçalves Gomes (UNB). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 03/07/2013), Gomes tem considerável experiência internacional. No entanto, entre os treze artigos declarados, apenas um (outro brasileiro publicando em Kriterion!) aparece em WoK. Novamente zero é o número total de citações. As publicações que ele considera mais relevantes são predominantemente livros ou capítulos de livros, deixando espaço para um único artigo veiculado pela carioca (e não indexada) Analytica

Newton Carneiro Affonso da Costa (UFSC). da Costa comete algumas imprecisões na declaração de sua volumosa produção na Plataforma Lattes. Porém, de acordo com WoK, este pesquisador conta com noventa e seis publicações (muito mais do que os demais doze pesquisadores nível 1A somados). Todas as cinco publicações marcadas pelo autor como as mais relevantes são artigos em periódicos especializados indexados em WoK. Isso apesar de da Costa ter livros publicados em diversos países. 

Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 25/08/2013), Chateaubriand tem cinquenta e três artigos completos publicados em periódicos. Falso! Várias das referências naquela lista são resenhas e não artigos. Aparentemente esta é uma confusão comum em nosso país. Além disso, vinte e um dos artigos estão concentradas no mesmo periódico (o não-indexado Manuscrito) e no mesmo ano (2008). Um fenômeno realmente bizarro! No total, Chateaubriand conta com apenas três publicações em veículos indexados em WoK, das quais somente duas aparecem naquela base de dados. Zero citações em WoK. 

Paulo Eduardo Arantes (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 27/08/2013), Arantes é autor de sessenta e cinco artigos completos publicados em periódicos. Deste total, apenas três foram publicados em periódicos indexados em WoK; foram nos veículos Tempo Social (USP), Trans/form/ação (Unesp) e Cultural Critique (Un. Minnesota Press). Novamente zero citações em WoK. Entre as publicações marcadas por Arantes como as mais relevantes de sua carreira estão três livros publicados no Brasil. Ou seja, Arantes também não prioriza artigos publicados em periódicos especializados. Mais um exemplo de isolamento em relação ao mundo.

Raul Ferreira Landim Filho (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 05/11/2012), Landim é autor de trinta artigos completos em periódicos especializados. Apenas dois foram veiculados por periódico indexado em WoK (novamente na revista Kriterion, como tantos outros do Brasil). E novamente esses dados não puderam ser confirmados em WoK. Pelo menos Landim destaca quatro artigos entre suas cinco publicações mais relevantes. 

Renato Janine Ribeiro (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 30/07/2013), Ribeiro é autor de setenta e quatro artigos completos em periódicos especializados. Deste total, três foram veiculados em periódicos indexados em WoK. Apesar disso, há algumas publicações em periódicos estrangeiros, o que pelo menos demonstra uma diversidade de publicações maior do que a média dos pesquisadores nível 1A em filosofia. No entanto, Ribeiro também confere maior valor a livros do que artigos. Entre as cinco publicações destacadas pelo autor, apenas uma é artigo em periódico especializado. O restante são quatro livros publicados no Brasil. Zero citações em WoK e umas poucas citações em outros bancos de dados. 

Ricardo Ribeiro Terra (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 02/09/2013), Terra é autor de quinze artigos completos em periódicos especializados. Apesar de algumas publicações no exterior, nenhuma delas foi em veículo indexado em WoK. Entre suas publicações mais relevantes, Terra destaca um livro organizado e publicado na Alemanha, dois livros escritos e publicados no Brasil e uma conferência plenária. 

Roberto Cabral de Melo Machado (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 04/09/2013), Machado é autor de oito artigos completos publicados em periódicos especializados. Quatro foram em periódicos indexados em WoK, apesar de apenas um aparecer. Isso porque temos novamente um autor que prefere publicar em Kriterion. Entre suas publicações mais relevantes, Machado destaca cinco livros veiculados no Brasil. 

Em suma, salvo raríssimas exceções, os pesquisadores nível 1A do CNPq em filosofia estão isolados demais do mundo. Isso, na prática, reflete em isolamento do Brasil. Afinal, essa gente exerce considerável influência sobre jovens universitários. 

Espero que o exemplo aqui dado seja seguido por outros. A academia brasileira está doente. Precisamos tratá-la, antes que seja tarde demais. 

Para acompanhar algumas críticas a esta postagem, clique aqui.