segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Fazer pesquisa não é tão difícil assim



Atividades de ensino em uma universidade federal implicam em uma carga horária mínima de oito horas/aula semanais e máxima de doze, sendo que pelo menos metade dela deve ser destinada a cursos de graduação. As demais horas semanais, no caso de um professor com contrato de Dedicação Exclusiva, têm que ser distribuídas entre pesquisa e extensão, além de preparação de aulas, avaliações e atendimento a alunos. É claro que o docente pode eventualmente assumir um cargo administrativo, desde simples representação em colegiados de cursos até Reitor. Dependendo do cargo, o professor não é obrigado a lecionar. O curioso é que não existem atividades de pesquisa que dispensem um docente de suas atribuições de ensino na graduação, a não ser no caso de afastamentos para visitações científicas em outras instituições (como nos casos de realização de doutorado e pós-doutorado). Isso demonstra que a atividade administrativa nas universidades federais têm um status completamente diferenciado em relação à pesquisa. Alguns docentes chegam a pensar que atividades administrativas são um privilégio. Afinal administração pode demandar tempo o bastante para impedir um professor de lecionar. E existem muitos professores nas universidades federais que não gostam de lecionar. Portanto, pesquisa não é tão exigente assim.

A pesquisa e a extensão são exercícios profissionais que têm sido discutidos ao longo de múltiplas eras burocráticas. Dependendo da área de atuação de um docente, os critérios que burocraticamente definem pesquisa podem mudar de forma significativa. Entre matemáticos, por exemplo, o critério mais usado é o de publicações. Se o docente publica frequente e consistentemente em periódicos especializados indexados, de circulação internacional, com corpo editorial, sistema de referees (avaliadores) e bom fator de impacto, ele pode se caracterizar como um pesquisador. Além disso, diante da atual realidade brasileira, tem se exigido cada vez mais que o pesquisador seja membro de algum grupo de pesquisa credenciado no CNPq. Já em educação matemática, pelo menos em nosso país, essas exigências comumente não fazem muito sentido. Um professor pode ficar caracterizado como pesquisador em educação matemática se ele simplesmente participar de congressos nacionais e regionais, publicando apenas resumos ou artigos em volumes de anais de eventos com circulação insípida ou em periódicos de circulação regional ou nacional. Até mesmo publicações de artigos em jornais não especializados, como a Folha de São Paulo, contam pontos de produtividade. Pesquisadores em educação matemática vivem uma realidade muito menos exigente do que aquela dos pesquisadores em matemática. Muitos deles chegam até mesmo a achar que um periódico é indexado quando tem ISSN, o que é realmente tragicômico. E esta é uma dolorosa realidade, mesmo em uma época na qual existem importantes periódicos internacionais de educação matemática. 

Já o conceito de administração nas universidades federais é bem menos polêmico. Se o docente assume uma função gratificada ou um cargo de confiança, pode diminuir consideravelmente seus encargos didáticos ou até mesmo abrir mão deles, independentemente da qualidade de seu trabalho. Como a autonomia das universidades federais não existe na prática, mas apenas no papel, as decisões administrativas se resumem a decisões da seguinte natureza:

(i) Devemos lotar nossos docentes em departamentos ou coordenações? 

(ii) Devemos dividir administrativamente a universidade em setores ou institutos?

(iii) Devemos eleger o Reitor por lista tríplice ou eleições diretas?

(iv) Devemos distribuir as novas vagas docentes dadas pelo Governo Federal por pedidos de balcão e negociações ou por critérios técnicos? 

(v) Devemos conceder o pedido de afastamento daquele professor ou negar?

Ou seja, a autonomia administrativa universitária se refere, na prática, a questões de pouca relevância para a qualidade das atividades acadêmicas. Uma instituição que não tem autonomia para demitir, contratar ou negociar salários e atividades só pode contar com a boa vontade de seus membros. Uma instituição que não tem autonomia para negociar salários ou cargos, não tem condições de oferecer vantagens aos mais produtivos. Uma universidade que não tem autonomia para preencher vagas congeladas (por decorrência de falecimentos, aposentadorias ou exonerações de cargo) por burocratas de Brasília encontra sérias dificuldades para atender às suas demandas locais. Uma universidade que não tem autonomia para usar critérios mais justos de seleção de alunos do que o insano vestibular é uma instituição intelectualmente morta. As universidades federais vivem a frustração da falta de autonomia, a qual impossibilita a concepção e  manutenção de políticas acadêmicas bem definidas e que tenham relevância significativa para a sociedade.

No entanto, essas mesmas universidades aceitam com tranquilidade o fato de que administração é uma atividade mais exigente do que pesquisa. Portanto, se algum dia as universidades federais conquistarem autonomia real, certamente não poderão manter a maioria dos professores hoje existentes em seus quadros docentes. Caso contrário, teremos uma realidade acadêmica brasileira muito mais presente em reuniões sem sentido do que em seminários de pesquisa. 

Lembro quando Antonio José de Nardi foi Diretor do Setor de Ciências Exatas na Universidade Federal do Paraná, em meados dos anos 1990. Ele nunca teve o perfil de pesquisador. No entanto, sempre apoiou grupos de pesquisa. Quando assumiu seu cargo na Direção do Setor, percebeu que seu escritório era grande demais e decidiu transformar aquela imensa sala em duas. Uma seria usada por ele e a outra seria destinada à realização de seminários de pesquisa. 

Anos depois, em uma reunião do Conselho Setorial realizada neste mesmo ambiente destinado prioritariamente a seminários, uma professora recomendou que aquela sala deveria ser utilizada única e exclusivamente para reuniões administrativas. Curiosamente todos os demais membros do Conselho se calaram, reprovando silenciosamente esta absurda ideia. 

No entanto, se algum dia as universidades federais conquistarem a tão sonhada autonomia, muitas questões de extrema relevância deverão ser discutidas. Isso necessariamente implica em mais reuniões. E em um ambiente que já aceita com naturalidade que administração insípida exige mais empenho do que pesquisa, qual será o espaço reservado aos grupos que tentam alavancar o conhecimento científico?

Sem desenvolvimento científico, universidades se transformam em meras repetidoras de conhecimentos registrados em livros. 

O ensino superior público brasileiro, principalmente nas universidades federais, é um sistema que não funciona mais. Precisa ser reconstruído, sob novos princípios e com nova gente.

Um comentário:

  1. Caro Adonai,
    resta a questão: de quem é filha a universidade brasileira? Da ineficiente e insípida burocracia estatal.

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