O texto a seguir é de autoria do Professor José Mario Martínez, do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade Estadual de Campinas. Originalmente foi publicado na página pessoal do autor em abril de 2003. Ele gentilmente permitiu que seu texto fosse reproduzido aqui. Agradeço a Aline Pêgas Pereira pela recomendação deste pequeno manual para desestimular os bons alunos, o qual me parece extremamente eficaz. Apenas lamento que eu mesmo não tenha tido a ideia de escrever uma postagem tão genial quanto o que segue abaixo. Isso porque tudo o que o Professor Martínez escreve é exatamente o dia-a-dia das universidades públicas deste país.
Os bons alunos são muito chatos. Eles são arrogantes, pretensiosos, vem nos incomodar nas nossas salas, fazem perguntas que não sabemos responder, são exigentes e, em última análise, ameaçam nossas posições acadêmicas e nossas convicções democráticas e igualitárias.
Depois de muitos anos de experiências acumuladas por mim e por meus colegas, resolvi elaborar este decálogo que, espero, contribua para eliminar tão perniciosa casta de nossa Universidade.
1. Mostre-se sempre infeliz. Esteja triste e desanimado. Diga, nas suas aulas, que a carreira acadêmica não vale a pena, e que as perspectivas de emprego são remotas. Insista em que a Universidade está sucateada ou que está dominada por caciques impenetráveis, segundo sua preferência. Insinue sempre que eles escolheram de maneira errada sua profissão e que aquele seu colega de escola que era bem burrinho e vagabundo ganha muito mais que você. Fomente a ideia de que, no mercado de trabalho, o que mais importa é saber inglês e se dar bem na entrevista. Jamais deixe escapar que o conhecimento e a pesquisa fornecem momentos de autêntica alegria.
2. Comece suas aulas às 8 horas e termine às 10 horas, sem intervalo, e queixe-se de que não dá tempo de dar tudo o que você sabe. Não dê tempo aos bons alunos para refletir ou questionar. Lembre sempre que o objetivo de sua aula é mostrar que você sabe muito mais que eles. Não vacile: humilhe os bons, para que aprendam.
3. Suas provas devem ser metade muito fáceis e metade muito difíceis. O objetivo é que, na medida do possível, todos os alunos tirem nota 5, o que contentará os medíocres e diminuirá a vaidade dos bons. Se algum aluno bom, motivado pelo desafio, faz as questões difíceis e não tem tempo para as fáceis, seja inflexível: dê nota 5 para ele.
4. Suas provas devem ser longas, porque a velocidade é democrática. Aplique provas longas que possam ser resolvidas decorando 13 fórmulas adequadas às palavras-chave das perguntas. Alunos bons podem pretender deduzir as fórmulas, mas não terão tempo. Zero neles.
5. Aplique provas onde a segunda questão dependa da conta feita na primeira, a terceira da conta da segunda, e assim por diante. Ficam muito elegantes e mostram sua imaginação e compreensão global do tema. A vantagem é que um aluno bom pode errar na primeira conta e tirar zero em conseqüência, o que aumentará muito sua reputação de professor rigoroso.
6. Jamais devolva as provas corrigidas para seus alunos. Os alunos bons podem pretender estudar erros e aprender com eles no dia seguinte. Quem sabe até encontram um erro seu. A justificativa para esta atitude é simples: um estudante da Universidade de Utrecht, em 1734, reclamou da nota que tinha tirado na prova de Anatomia 23 anos antes e, como o professor não guardava a cópia, a Universidade foi obrigada a trocar sua nota, de 5 para 6. Não há registros do nome desse estudante, mas todos sabem que foi assim mesmo.
7. Como você não devolve as provas, será fácil abaixar alguns pontos na nota dos alunos bons, por motivos fúteis. Faça com que o processo de revisão seja o mais constrangedor possível, para que o aluno se envergonhe de pretender saber por que tirou 9 e não 10, e aceite o desconto nivelador. Marque uma reunião na sua sala para todas as revisões, chegue atrasado, e garanta uma boa fila: o aluno se sentirá mal de se queixar do 9 quando seus colegas estão se queixando do 3.
8. Os trabalhos em grupo são uma boa oportunidade de infernizar a vida dos alunos bons. Nunca coloque os alunos bons no mesmo grupo: eles podem se potencializar e ficar melhores ainda. Coloque o aluno bom com colegas bem fraquinhos e chatinhos, de maneira que ele tenha que fazer tudo e sofra.
9. Os painéis nos congressos de iniciação cientifica também são uma excelente oportunidade de desestimular alunos bons. Passeie entre os painéis admirando aqueles pôsteres que incluem texturas coloridas, relevos, e os mais avançados meios de apresentação computacional e posterológica. Despreze pôsteres apressados e manuscritos. Não deixe de enfatizar que, nesta etapa da vida, é mais importante a forma que o conteúdo.
10. Nas reuniões de departamento, defenda sempre as propostas mais burocráticas e formais. Pré-requisitos, horários rígidos, barreiras para trancamento e mudança de turma. Proponha, sempre, incluir mais disciplinas no seu curso. É necessário ter os alunos bons bastante ocupados com bobagens formais, para que não perguntem.
Olá, professor Adonai!!!!
ResponderExcluirFui sempre um aluno chato e, através dessa postagem, pude relembrar... certos acontecimentos que se passaram comigo, pois, muitos dos meus mestres, umas "figuraças"... agiam assim mesmo!!!!
Contribuindo com mais uma desas formas "exterminadoras de alunos chatos", tenho essa aqui que aconteceu comigo... "APOSTE UMA GRADE DE CERVEJAS NO INÍCIO DE UM SEMESTRE COM UM SEU COLEGA E ... O PERDEDOR, SERÁ AQUELE QUE APROVAR MAIS ALUNOS NO FINAL DESSE PERÍODO E PORTANTO, DEVERÁ PAGAR DA CONTA"!!!! kkkkkkk!!!!!!!
Um abraço!!!!!
Francisco Valdir
ExcluirVocê foi um aluno chato e ainda sobreviveu ao sistema! Você está verdadeiramente de parabéns! Isso exige muita força, determinação.
Nossa! Isso descreveu um professor de cálculo que eu tive na UFPR... Oh WAIT...
ResponderExcluirPois é, Adonai.
ResponderExcluirInfelizmente, em nosso país professores universitários (ou não), são pessoas que não gostam de alunos (interessados ou não). Professores não gostam de ler ou de estudar, e afirmam que este é um defeito dos alunos. É também comum notar que tem uma formação medíocre e ainda tem de fingir o tempo todo que sabem, e que acreditam na importância do que fazem. Além disso, não gostam de ser questionados e se sentem profundamente inseguros quando isso ocorre, aí adotam os mais covardes métodos de suprimir a criatividade de alunos com alguma capacidade crítica. O interessante é que isto ocorre do primário a pós-graduação!
At.
Gilson
Com certeza, posso afirmar que não sou um bom aluno, mas posso afirmar que TODOS os 10 itens acontecem na prática e quase que diariamente na universidade onde estudo ! Mas eu consigo relevar todos os itens e seguir em frente, mas um em particular vem me incomodando muito. O item 2. Curso engenharia em uma universidade pública paulista, e é incrível o enorme tempo que perdemos em aula, sim perdemos, pois as aulas são meras cópias do livros-texto "padrão". Ainda assim sempre tento ignorar as aulas e estudar pelos bons livros que nunca são usados nem recomendados pelos professores. Sinceramente já aceitei esta condição, o meu objetivo agora é poder sair o mais rápido possível da universidade. Só não largo já, pelo fato de que ainda vou precisar de uma formação para arrumar trabalho.
ResponderExcluirEsse texto é brilhante.
Abraços!
Descreve de forma perfeita certos professores que tive na graduação.
ResponderExcluirNão acontece somente nas universidades públicas. Estudei em uma privada (:D) e aconteceu quase tudo o descrito acima.
ResponderExcluirNa minha graduação em Química, os itens mais comuns eram: 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 10.
ResponderExcluir:(
Muito do que sofri se encaixa em um ou mais destes itens.
:(
Neste ano, começando minha segunda graduação, o desrespeito se referia aos itens 2, 3, 4 e 10 com exceção de um único professor (que agia de modo correto e altamente coerente, sendo portanto um dos melhores professores que tive nos dois cursos), apesar do deslize dele na elaboração e aplicação da segunda prova (momento em que ele acabou cometendo o deslize do item 3, que me desmotivou e contribuiu para minha nota diminuir, de modo que fui melhor na primeira prova, que estava com grau de dificuldade mediano). Entretanto, foi compreensível tal deslize, visto que ele estava sendo severamente pressionado pela coordenação e outros órgãos envolvidos na obtenção de resultados e maiores índices de aprovação.
Entretanto, da mesma forma que tive um dos melhores professores de minha vida nesta segunda graduação, tive também a infelicidade de ter o pior professor da minha vida, de todos os tempo. Ele não somente "vomitava" a matéria numa velocidade estonteante e sem explicar quase nenhum conceito envolvido (partindo erroneamente do pressuposto que os alunos já conheciam o que ele afirmava) e perguntava se alguém tinha entendido sem sequer dar chance dos alunos refletirem sobre o tema, como também era estúpido e grosseiro com quem fosse sanar dúvidas pessoalmente com ele, chegando a levar este tipo de atitude até mesmo para o lado pessoal, a ponto de rechaçar praticamente o estudante.
Levei muitos "petardos na orelha" com este professor e não me faltou vontade de brigar com ele e levar para o "tudo ou nada".
Entretanto, sei que não valeria a pena.
Mas, infelizmente, ele foi um dos responsáveis por me fazer desanimar ainda mais dessa minha segunda graduação (que, por si só, eu já não gostava por se tratar de uma área que nunca me interessou, mas que era mais voltada para o mercado de trabalho do que a Química) e, por fim, acabei parando o segundo curso sem ao menos completar um ano de estudo.
Na verdade, não foi o principal motivo, mas contribuiu bastante, sem dúvidas.
:(
Por outro lado, também existe o problema da má criação e má educação de muitos alunos.
ResponderExcluirNeste segundo curso, em um dado momento, perguntei para a professora de uma das disciplinas sobre uma falha nos dados do exercício que ela havia passado para nós.
Foi uma pergunta despretensiosa, pois realmente o gráfico resultante dos dados ficaria incoerente com as informações teóricas.
Apesar da aula dela não ser muito boa, ela ao menos sempre foi uma professora honesta, sincera e que reconhecia seus erros e seus problemas/dificuldades quando era o caso. Sempre que alguém quisesse saber mais, ela se empenhava em ajudar.
No entanto, por ela não dar uma aula estimulante, a maioria dos alunos detestava a aula dela. Quanto a mim, também não gostava muito, mas procurava tirar o que tinha de bom da aula dela e deixava passar o que não era bom.
O problema é que a raiva dos meus colegas para com a professora chegou em tal nível que, quando fiz a minha pergunta despretensiosa sobre o gráfico para ela e ela passou a demorar um pouco para me dar uma resposta, tiveram dois colegas do outro lado da sala que, em tom alto, agressivo e em uníssono, gritaram:
ResponderExcluir"é isso aí Leandro. Destrói a professora"!!!!!!!
Aquilo me chateou de tal maneira que me desanimou ainda mais para sequer um dia voltar para a sala de aula pois, mesmo que eu tenha consciência e capacidade para bem ministrar uma aula de Química a nível de ensino médio, fico imaginando algum aluno falando isto ao meu respeito, talvez por algo muito menor do que uma mera dúvida de um exercício.
Essa professora saiu da aula super transtornada e até hoje me sinto parcialmente culpado por isso!!!!!!
Penso que, mesmo que ela não tenha mérito para assumir a posição em que ela se encontra e seu respectivo cargo (o que também não cabe a mim verificar), não é por este caminho que devemos tratar as pessoas, pois todos têm sentimentos e estão passíveis de ficarem traumatizados com as reações de outras pessoas!!!!!!
Mesmo que eu me sentisse o mais competente dos professores, esse tipo de reação dos alunos me assustaria profundamente, pois é natural que nos imaginemos no lugar da professora que passou por isso.
Mais doloroso do que a própria ofensa em si, talvez seja o fato de que se tratavam de alunos de Ensino Superior, sendo que este tipo de comportamento é mais comum (mas não menos problemático) em alunos do Ensino Médio!!!!!!
ResponderExcluirEstas e outras situações envolvendo absurdos tanto por parte de alunos quanto por parte de professores me leva a uma conclusão de que a nossa sociedade está profundamente doente, decadente e sem a menor perspectiva de melhora, até porque as forças que poderiam se reunir para "virar o jogo" estão muito diluídas pela sociedade.
:(
Mas ainda tenho esperança na melhoria e na mudança, até porque neste segundo curso conheci muitas pessoas novas (no auge dos seus 17, 18 anos) que estão vindo com a mentalidade e a consciência de que o Sistema está podre e precisa ser consertado, o que muito me anima que eles tenham esta visão.
:)
Inclusive, recomendei este blog para 3 dos meus ex-colegas e espero que eles estejam visitando este site.
:)
Além do mais, para um desses três, em especial, tive a felicidade de poder contribuir para que ele perdesse o preconceito acerca da "divisão por zero", mostrando-lhe o trecho do livro "O que é uma Definição", no tópico que fala da "Divisão por Zero" para ele ler, no que prontamente ele adorou, apesar de não compreender muito bem a parte da linguagem formal.
:)
Se ele quiser ler, certamente emprestarei a ele.
:)
Ele ficou feliz, pois desde o ensino fundamental, os professores de Matemática dele haviam criado uma lista de "Mandamentos da Matemática", sendo que um desses mandamentos era justamente "Não dividirás por zero". Mas ele sempre achou estranho aquela atitude, pois o próprio zero, intuitivamente, parecia ser uma resposta razoável para uma divisão por zero.
:)
Segundo ele, pelo menos ele fica feliz em saber que o tema "Divisão por Zero" não apresenta uma resposta consensual entre todos os matemáticos de que isto não possa ser feito. O fato de ter algum matemático que questione a suposta "impossibilidade de dividir por zero" já é um alívio para ele, que aprendeu Matemática de modo tão dogmático.
:)
Me alegra muito saber que, vez em quando, posso ajudar a minimizar ou eliminar preconceitos de jovens tão inteligentes e capazes, como é o caso desse meu ex-colega.
:)
Estou cursando o PROFMAT e é incrível como os ítens 3, 4 e 5 são aplicados fielmente!
ResponderExcluirO pior de tudo, Prof Adonai, é que quando questiono estes métodos bisonhos de avaliação no fórum que tem lá, sempre aparecem uns "gostosões" dizendo que é o aluno que tem que se adaptar ao curso, que os que mais reclamam são os que menos estudam, e por ai vai. Porém quando argumento que a crítica construtiva faz parte do processo de quem faz e estuda ciência, todos se calam.
Hugo
ExcluirNão tento mais dialogar com os medíocres. O que posso esperar, a esta altura, é que as novas gerações mudem a realidade. Só isso.
Verdade professor.
ExcluirNa realidade o objetivo da maioria que estuda comigo é memorizar o máximo possível a matéria e tirar nota nas provas. Tem até alguns tentam manter um ar de intelectualidade, mas na realidade é tudo falso.
Sinceramente, me dá até um certo nojo desse tipo de atitude.
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