sábado, 15 de novembro de 2014

O que há de errado com as instituições privadas de ensino superior?


Educação é responsabilidade do Estado? Sim. Mas este saber comum tem sido gravemente distorcido por representantes do ensino superior da iniciativa privada de nosso país. Isso porque educação não é responsabilidade apenas do Estado, mas de todos nós.

Recentemente publiquei na página Facebook deste blog que a Universidade Stanford, referência mundial em termos de ensino superior e pesquisa, é uma instituição privada sem fins lucrativos, com orçamento de cinco bilhões de dólares e isenta de tributação federal. Pois bem. Em nossa nação, instituições educacionais sem fins lucrativos também são imunes do imposto sobre a renda, como ocorre nos Estados Unidos, país que abriga Stanford. No entanto, órgãos como o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) frequentemente reclamam da carga tributária incidente sobre universidades privadas. Neste link o leitor pode acessar uma simulação promovida pelo próprio SEMESP em uma instituição hipotética com 500 alunos, na qual o lucro líquido é de apenas 6,06%, diante de uma tributação de 15%. E como o imposto de renda pode atingir até 30% do montante tributável, isso restringiria muito mais a margem de lucro. 

Mas o que mais perturba em um órgão como o SEMESP é o parecer de seu presidente, Hermes Ferreira Figueiredo, que afirma: "A carga tributária do Brasil é uma das mais altas do mundo. As garantias de educação e saúde, que são responsabilidades do Estado, ainda deixam a desejar.

Bem, se um empresário deseja lucro, por que trabalhar com educação? O lucro real da educação não é financeiro, mas social. Educação é responsabilidade sim do Estado, mas não apenas do Estado. Existe alguma universidade privada em nosso país que se aproxime de Stanford em termos de qualidade de produção de conhecimento? Não, claro que não. E por quê? Porque os empresários que administram as universidades privadas de nosso país não demonstram o mais remoto interesse nem por educação e nem por pesquisa. Se querem lucro, que vendam papel higiênico. Papel higiênico é um bem necessário em qualquer país civilizado, apesar de substituível por outras formas de papel. Mas educação não pode ser tratada da mesma forma. Educação é uma responsabilidade da sociedade como um todo, incluindo empresários.

Por que lucrar com educação? Não bastam salários compatíveis com as funções exercidas? Por que alimentar o desejo de ganhar fortunas com educação, se existem inúmeras outras formas de investimento para buscar lucros? Educação e saúde jamais deveriam ser encarados como oportunidades de lucro. Isso porque nenhuma sociedade se sustenta sem saúde e educação. 

Somente no ano fiscal de 2013-2014 a Universidade Stanford arrecadou quase um bilhão de dólares a partir de 82.300 doadores. Por quê? Porque esta universidade beneficia e é beneficiada por toda uma comunidade local e internacional que deseja ver esta instituição crescendo mais ainda em termos de influência e não de tamanho. E as universidade privadas de nosso país? Quais são os benefícios reais delas às comunidades locais e internacionais? 

Certamente existem muitas instituições privadas de ensino superior no Brasil que promovem programas sociais relevantes. Mas qual seria o alcance de tais programas se essas instituições abrissem mão de seus lucros e fossem gerenciadas por comissões formadas por representantes dos principais segmentos sociais diretamente envolvidos, como ocorre em Stanford? Por um lado, o fim do lucro aumentaria consideravelmente a receita dessas instituições e, por outro, estimularia várias pessoas físicas e jurídicas a fazerem generosas doações, como forma de agradecimento. Não seriam apenas as pessoas institucionalmente vinculadas que vestiriam a camisa da instituição, mas também demais membros das comunidades local e internacional. 

Outra consequência natural do fim dos lucros seria a oferta de salários competitivos para professores, o que permitiria a contratação dos melhores docentes e pesquisadores. E, claro, haveria mais verbas para pesquisa e programas sociais. 

Ou seja, pelo menos do ponto de vista tributário, há espaço para a criação e/ou manutenção de universidades privadas de destaque internacional em nosso país. Resta apenas saber se há espaço do ponto de vista social. Menos de 14% dos jovens bolsistas do Programa Ciência Sem Fronteiras do Governo Federal estão nas cem melhores universidades do mundo, de acordo com critérios da Times Higher Education. Ou seja, mesmo recebendo bolsas de estudos, nossos alunos de ensino superior ainda demonstram incompetência ou medo, quando o assunto é excelência. Por que, no início do Ciência Sem Fronteiras, tantos jovens procuraram instituições portuguesas? Por conta de dificuldades para lidar com idiomas estrangeiros. Isso é covardia e incompetência. 

O que há de errado com as instituições privadas de ensino superior de nosso país? É o mesmo que há de errado no país inteiro: falta-nos visão, ambição e ousadia. Afinal, o que querem os empresários da rede privada de ensino superior? O objetivo é ganhar mais, fazendo menos; ou fazer mais e melhor, ganhando um salário digno?

14 comentários:

  1. Professor Adonai, fazendo uso dum experimento mental tendo como base o Capitalismo Darwiniano, imagino que a privatização das universidades e a contratação de professores/pesquisadores/Diretores/Reitores no regime CLT(ou algo parecido) ainda é a melhor solução pra crise na Educação superior brasileira. Na Educação básica as escolas de nível fundamental e médio devem ser Federalizadas e os professores dessas escolas também deveriam ser contratados no regime CLT. Essas seriam as providencias urgentíssimas, outras menos urgentes consequentemente viriam em seguida...

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    1. Mas quem garantirá que a iniciativa privada irá se comprometer com a qualidade do ensino e pesquisa? Como o próprio texto ressalta: "Porque os empresários que administram as universidades privadas de nosso país não demonstram o mais remoto interesse nem por educação e nem por pesquisa". Não creio que a privatização seja a solução: “para todo problema complexo, há uma solução simples... e errada!”. Sugiro que leia: http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/07/privatizar-usp-nao-e-solucao.html

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    2. Henrique

      Em nenhum momento eu sugiro a privatização do ensino superior. Universidades federais e estaduais devem continuar a existir. O que sugiro é um conjunto de mudanças do ensino superior privado. Além disso, sou da opinião de que o inimigo maior da educação em nosso país é a ingenuidade. O fato de empresários não demonstrarem interesse por educação ou pesquisa não significa que eles não tenham interesse nesses assuntos. Minha esperança é que empresários sejam apenas ingênuos e que, por conta disso, possam rever suas estratégias em seus empreendimentos.

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    3. Anônimo

      Somente agora percebi que o comentário de Henrique Felipe era resposta ao que você escreveu. Como Henrique, não gosto da ideia de privatização de universidades públicas. E também não aprecio a centralização da educação por parte do governo federal. Universidades federais, por exemplo, deveriam contar com políticas educacionais e orçamentárias menos dependentes do governo.

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    4. Henrique

      Usando do gedankenexperiment, imagino que o próprio mercado capitalista Darwiniano garantiria a qualidade do ensino e pesquisa nessas universidades privadas, pois, as que se saíssem melhores lucrariam mais, seriam mais procuradas por estudantes, conseguiriam mais verbas pra pesquisas etc, logo isso as incentivaria a serem cada vez melhores...

      Complementando, sou um leitor assíduo desse blog e de vários outros. leio e estudo compulsivamente... não sei quem é você, Henrique, nem procurei saber, mas, me baseando no seus escritos, Imagino que você precise, entre outras coisas, digamos, sair da Matrix politica em que o Brasil esta envolto, ler/estudar um pouco mais, ser mais racional...

      Quanto ao professor Adonai, compreendo os motivos pelos quais ele se mostra contra a privatização das universidades federais...

      abraços

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    5. Professor Adonai

      Realmente, meu comentário foi resposta para o Anônimo. Eu acho interessante quando o senhor fala de ingenuidade. Eu nunca havia pensado nisso.

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    6. Anônimo

      Agradeço pela crítica e pela resposta ao meu comentário. Seu pensamento, nesse último comentário que você fez, é parecido com o de algumas pessoas que conheço. Entretanto, ainda assim não acredito que seja a solução do problema.

      Em relação ao seu complemento, procurar saber quem sou eu não seria algo produtivo e também não iria acrescentar nada de conhecimento a você. Também não me interessa quem você é (Anônimo, já é suficiente para mim), mas tem algo em seus comentários que não pude deixar de notar: você não leva em conta as pessoas, que são fundamentais em todo esse processo.

      Por fim, acredito que eu não deva estar contribuindo muito para essa postagem, portanto me limitarei apenas em ler os comentários.

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    7. Henrique

      Uma das principais funções das escolas seria ensinar, desde os primeiros anos escolares, crianças e jovens a pensarem e raciocinarem corretamente. Infelizmente isso não acontece e esses são introduzidos ao circulo vicioso e destrutivo dos sentimentos. Sentimentos são um dos principais motivos do atraso da humanidade. Sentimentos permitiram o holocausto Nazista, sentimentos causam as corrupções, incompetências, violências e criminalidades...

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    8. sentimentos podem ser facilmente manipulados pelos outros...

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  2. Um texto desses desperta em muitos os instintos mais primitivos...

    http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=34

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  3. "Por conta de dificuldades para lidar com idiomas estrangeiros. Isso é covardia e incompetência."
    Gostaria de comentar, que não saber idioma(inglês), que imagino seja o considerado principal, possa ser sinônimo de covardia e incompetência. Conheço pesquisadores renomados, que sabem inglês, mas que são totalmente incompetentes e covardes, pois sentam em cima de sua cátedra segura, que lhes confere poderes e não são capazes de enxergar além de seus próprio umbigo. Assim como conheço pessoas que são verdadeiros pesquisadores e não são considerados por não seguir a cartilha dos deuses da ciência!
    Toda a questão administrativa e acadêmica, está estagnada, esta sim, por covardia e incompetência. Infelizmente a politicagem vigente nos meios acadêmicos é contraproducente. E o mais estarrecedor é que não enxergam que o problema não está em saber ou não, um ou mais idiomas, mas sim na própria concepção do que seja educação e pesquisa, do que seja humanidade.
    Infelizmente alguém, algum dia disse: não é suficiente ser honesto, é necessário parecer honesto. Pois bem imediatamente passou a valer: basta parecer honesto!
    No momento que aqueles que realmente entenderem que ser honesto é fundamental, verão que ser honesto consigo mesmo, levará ã compreensão do que é ciência e educação. Mais ainda, e mais importante, o significado de LIBERDADE!

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    1. João Luiz

      Excelente complementação ao texto. A verdade é que tenho evitado escrever textos mais longos. Há muitas outras variáveis em jogo além da questão da covardia de alunos, professores e pesquisadores. Mas este domínio do medo (que você mesmo aponta) tem um peso gigantesco no Brasil.

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  4. Quando eu fui fazer minha inscrição e decidir o país, reparei que as melhores universidades do Reino Unido não abriam vagas para estudantes de graduação. Levando em conta os rankings gerais, a melhor que um aluno de graduação poderia cursar seria provavelmente Manchester ou Bristol.

    Simplesmente pensei que nos EUA fosse a mesma coisa e que absolutamente nenhuma universidade entre as melhores do mundo (as do top 10 mais ou menos) aceitasse alunos para graduação. Fui surpreendido agora ao ver alunos de Harvard na lista.

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