sábado, 6 de dezembro de 2014

Como o vestibular seleciona os piores alunos


Leciono na Universidade Federal do Paraná (UFPR) há 25 anos. E o que posso dizer sobre o aluno típico da UFPR? É um indivíduo desprovido de senso crítico, iniciativa, ambição e criatividade. Além disso, o aluno típico da UFPR lê muito pouco. Mas, é uma pessoa que adora obedecer. O aluno típico da UFPR é um indivíduo que sempre demonstra grande preocupação com aquilo que o professor quer. É um cãozinho pronto para adestramento. Se o professor diz "pula", ele pula. E fica muito feliz com manifestações de aprovação de seus mestres, mesmo que sejam referentes a atos tolos.

É claro que há exceções. Há aqueles que questionam seus professores e buscam por novas formas de pensar. Mas alunos assim são raríssimos na UFPR. E têm sido cada vez mais raros.

Há muito tempo me preocupo com esta questão. Por que os alunos da UFPR são tão pobres, intelectualmente falando? Será isso reflexo da realidade brasileira como um todo? Talvez. Mas o fato é que o vestibular, uma das etapas de seleção de novos alunos, certamente colabora para a seleção das piores mentes. E as piores mentes são aquelas que assumem que a melhor política educacional é aquela na qual o professor manda e o aluno obedece.

Recentemente visitei uma página do Curso Positivo, uma instituição de ensino destinada a preparar jovens para o ingresso em universidades. Na página em questão há a lista completa das questões de matemática do Vestibular UFPR 2014/2015. Nos próximos parágrafos apresento algumas das questões, acompanhadas de breves discussões no contexto de minhas preocupações com o perfil dos alunos selecionados para a vida universitária.

Questão 55. O motivo de uma pessoa ser destra ou canhota é um dos mistérios da ciência. Acredita-se que 11% dos homens e 9% das mulheres são canhotos. Supondo que 48% da população brasileira é constituída de homens, e que essa crença seja verdadeira, que percentual da população brasileira é constituído de canhotos? 

Bem. Nesta questão falta um ingrediente fundamental em ciência e, em particular, matemática: qualificação de discurso. Qual é o universo de discurso? Esta alegada crença de que 11% dos homens e 9% das mulheres são canhotos se refere a qual população? É a população brasileira ou mundial? Se for a população brasileira, a resposta 9,96% é consistente com o enunciado. Mas o texto não qualifica. Portanto, se o universo de discurso for a população mundial, certamente deveríamos admitir a possibilidade de que 11% dos homens e 9% das mulheres serem canhotos é apenas uma média mundial, podendo apresentar flutuações em diferentes países e em diferentes épocas. Neste caso, não há uma única resposta, como se espera no enunciado. Para muitos, esta crítica pode soar como mero preciosismo (termo muito usual entre aqueles que adoram nivelar todos a um único patamar intelectual). Mas o que esta questão sugere é que respostas únicas e inequivocamente corretas podem ser dadas mesmo diante de enunciados vagos. Ou seja, não se espera aqui qualquer análise crítica. O que se espera é obediência. Se 11% dos homens e 9% das mulheres do planeta Terra são canhotos, então 11% dos homens e 9% das mulheres no Brasil são canhotos. Pois assim falou o professor. 

Questão 56. Qual é o número mínimo de voltas completas que a menor das engrenagens deve realizar para que as quatro flechas fiquem alinhadas da mesma maneira novamente?

Temos aqui o mesmo problema da falta de qualificação de discurso. Mas desta vez ele é bem mais grave. Em primeiro lugar, a compreensão do enunciado depende da visualização de uma imagem que, acredito, retrata as três engrenagens. Pois bem, repito algo que venho insistindo há muito tempo: matemática não se faz a partir de figurinhas. Usando justamente as tais figurinhas, existem várias falácias matemáticas. Uma das mais conhecidas é a "prova" de que todo triângulo é isósceles. Figurinhas podem ser uma ferramenta didática interessante para o desenvolvimento de intuições. Mas certamente não constituem conhecimento matemático. Em segundo lugar, o enunciado não permite inferir se os dentes das engrenagens têm o mesmo tamanho ou se eles se encaixam. Portanto, mais um exemplo de pensamento normativo em detrimento do pensamento crítico.

Questão 59. O ângulo de visão de um motorista diminui conforme aumenta a velocidade de seu veículo. Isso pode representar riscos para o trânsito e os pedestres, pois o condutor deixa de prestar atenção a veículos e pessoas fora desse ângulo conforme aumenta sua velocidade. Suponha que o ângulo de visão A relaciona-se com a velocidade v através da expressão A = kv + b, na qual k e b são constantes. Sabendo que o ângulo de visão a 40 km/h é de 100 graus, e que a 120 km/h fica reduzido a apenas 30 graus, qual o ângulo de visão do motorista à velocidade de 64 km/h?

Este enunciado carrega um vício que é insistente no Brasil, a saber, a absoluta indiferença em relação a justificativas. Sem qualificar o conceito de ângulo de visão, simplesmente apresenta-se uma fórmula desprovida de qualquer justificativa e diz-se: "Apenas aplique a fórmula e você ficará bem." Em várias turmas minhas já tentei estimular os alunos a criarem modelos matemáticos para descrever o mundo real. Em turmas de cálculo eu apresentava ferramentas básicas de derivação e integração de funções reais e pedia para os alunos desenvolverem modelos elementares de dinâmica populacional. E ainda assim os alunos sempre (sim, sempre) insistem em usar regra de três para resolver qualquer problema. Ou seja, todas aquelas ferramentas apresentadas e discutidas em sala são completamente ignoradas. Em uma turma de último período do curso de matemática, pedi para os alunos desenvolverem um modelo matemático para cobrir certos fenômenos linguísticos. E eles não tinham a mais remota ideia de como usar ferramentas matemáticas para descrever qualquer fenômeno do mundo real, fosse qual fosse. Esta questão 59 é um exemplo formidável. Se o professor apresentar a fórmula, basta o aluno saber aplicá-la. Mas a questão realmente importante é: de onde veio esta fórmula? Justificar a origem de uma fórmula matemática para resolver um problema do mundo real é algo que demanda senso crítico, algo realmente importante em matemática. Mas, na UFPR, bem como na maioria das universidades deste país, jamais se espera senso crítico de seus alunos. O que se espera é simplesmente obediência. Trata-se de uma cega obediência ao professor. Como professores também, em sua absoluta maioria, não pensam, temos assim o moto-contínuo da ignorância.

Questão 62. Um retângulo no plano cartesiano possui dois vértices sobre o eixo das abscissas e outros dois vértices sobre a parábola de equação y = 4 - x^2, com y>0. Qual é o perímetro máximo desse retângulo?

Em 25 anos de docência na UFPR jamais conheci um único aluno de primeiro período que soubesse responder no primeiro dia de aula o que é uma parábola. Certamente muitos alunos conseguem apresentar a resposta correta para esta questão. Mas eles sabem o que estão fazendo? Garanto que não. Estão apenas adestrados a seguir procedimentos, nada além disso. Não têm a mais remota ideia do que é livre pensamento. Na verdade a situação é muito mais grave. Em todas as turmas de calouros que lecionei, jamais encontrei qualquer aluno que soubesse sequer a equação de uma reta qualquer no plano cartesiano. Invariavelmente os alunos respondem que a equação de uma reta qualquer no plano cartesiano é y = ax + b. E quando eu pedia para eles justificarem esta resposta, irremediavelmente respondiam "Foi assim que eu aprendi.". E, pior, isso já aconteceu em turma de último período do Curso de Matemática da UFPR. 

Não quero estender esta breve análise para demais questões do vestibular UFPR 2014/2015. Isso porque vou acabar me repetindo. 

Na página do Curso Positivo há enfáticos elogios a essas questões. Chega-se a afirmar que os enunciados são impecáveis. Ou seja, existe uma perfeita sintonia entre UFPR e Positivo. E esta sintonia gira em torno de uma ignorância jamais percebida. Isso porque provas objetivas não permitem a avaliação de senso crítico. E senso crítico é uma virtude extremamente difícil de ser avaliada. Demanda real preparo dos avaliadores, algo que evidentemente não podemos esperar da UFPR e nem do Positivo. 

Uma contradição que vejo nisso tudo é que a UFPR conta com ótimos professores de matemática. São frequentemente profissionais engajados tanto com docência quanto com pesquisa. Mas, quando o assunto é vestibular, a única coisa que vejo é o estímulo à mediocridade. Por quê? É este sistema de avaliações objetivas que encerra a verdadeira armadilha? Se for, por que não acabar de uma vez por todas com este sistema de avaliação? Por que professores têm que ser obedientes à tradição do vestibular? É justamente esta postura da cega obediência que está contaminando o futuro intelectual de nosso país. 

Moral da história. Não existe qualquer conspiração organizada para destruir a educação brasileira. Eu já ouvi muitos discursos repetitivos e impensados que insistem na visão de que educação ruim para o povo garante a perpetuação do poder de uns poucos. Nada disso. O verdadeiro inimigo da educação brasileira é um só: ingenuidade. E a questão realmente importante é esta: como estimular o senso crítico em uma pessoa ingênua?

32 comentários:

  1. Esta postagem tem muito a ver com um tema que perpassa outros textos já publicados aqui no blog,qual seja,a petrificação da estupidez no sistema educacional brasileiro.Provas de vestibular e concursos públicos (baseados quase que exclusivamente em questões objetivas) apenas expõem o projeto (exitoso,diga-se de passagem) de criar um exército de autômatos incapazes de pensar por si próprios.Caso a marcha da insensatez na educação brasileira não seja revertida,o Brasil corre o sério risco de se tornar inviável como país (se é que isso já não aconteceu...).

    P.S: Prezado Prof. Adonai,por que o senhor não reúne algumas postagens deste blog e publica um livro abordando as mazelas da nossa educação? Creio que suas reflexões são importantes demais para estarem confinadas ao espaço efêmero e limitado de um blog.

    Saudações,

    Francisco

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    1. Francisco

      Eu já tentei publicar alguns dos conteúdos daqui na forma de livro, mas não houve muita receptividade. Discuto um pouco sobre isso na postagem abaixo.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/09/imposturas-intelectuais.html

      No entanto, estou neste momento testando uma nova estratégia de divulgação, pagando ao Facebook para impulsionar algumas postagens. Se os resultados forem bons, aí sim posso partir para a segunda parte desta estratégia, a qual pretendo publicar na forma de postagem nos próximos dias. O Brasil tem solução sim. Mas esta solução precisa emergir rapidamente. Caso contrário, nossa nação sucumbirá de forma irreversível.

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  2. Professor Adonai, como poderia ser um processo de seleção aceitável?

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    1. Anônimo

      Eu não acho que exista algum processo de seleção aceitável. Toda avaliação é feita por pessoas. E pessoas são sempre falíveis. No entanto, sou a favor do seguinte processo de avaliação para admissão em um curso superior: histórico escolar e de atividades extra-curriculares, cartas de recomendação e entrevista. Mas este processo somente funciona em ambientes que estimulam a meritocracia. A bem da verdade sua questão, além de fundamental, é extraordinariamente difícil de responder. O que coloco aqui é apenas um esboço. Mas há muito sobre o que discutir. Avaliação é um processo e não uma resposta.

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    2. Escrevi um comentário razoavelmente detalhado, mas provavelmente apertei o botão errado e o perdi. Damn!

      De todo modo, discordo de você, Adonai, quanto a sua proposta. Meus argumentos são basicamente o que está presente nesse artigo: http://www.scottaaronson.com/blog/?p=2003

      Não acho que exista nenhuma correlação entre inteligência e atividades extracurriculares nem histórico escolar do ensino médio. Pra ser honesto, às vezes considero que esta última é negativa: meus amigos mais inteligentes eram preguiçosos no ensino médio e não costumavam tirar notas lá muito boas - exceto em suas áreas de interesse. Não obstante, todos passaram em cursos tradicionais da USP depois de um ano de cursinho. Por outro lado, conheci vários robôs que tiravam A em tudo, mas nunca entendiam direito o que estavam fazendo.

      A questão das atividades extra-curriculares seria ainda mais difícil de ser implementada no Brasil, pois isto depende basicamente dos pais e não dos filhos. Ou seja, quem tem sorte e nasce numa família responsável e estruturada se dá bem, enquanto que aqueles com grande potencial, mas que nunca tiveram incentivo para tais atividades, ficariam para atrás.

      Ainda sobre vestibulares: Sempre tive a impressão que o da Unicamp é o mais bem feito do Brasil.

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    3. Acredito haver uma falha nessa forma de seleção. Mas entendo os seus méritos.
      Eu, por exemplo, odiei profundamente todos os meus anos no ensino médio e fundamental, e esse ódio se apresentava na forma de apatia e falta de vontade de estudar. Eu só fui entender o que se passava no final do ensino médio, após conhecer um professor exemplar de filosofia, que abriu os meus horizontes, e só ali eu descobri que havia outra coisa fora o que me era passado em sala, me apaixonando pelo estudo.
      A partir daí, passei a estudar tudo por conta própria. Porém, tinha preso a mim a âncora do meu passado escolar, com notas medíocres e quase nenhuma atividade extra curricular que envolvesse o meio Acadêmico.
      Mas que culpa eu tive?
      Não acho que um jovem já tem em si a capacidade crítica de olhar e fazer um julgamento correto sobre o mundo que o cerca. Isso tem que ser ensinado. Se me foi ensinado que física era calcular a velocidade de uma bolinha, e eu achei isso um saco, que culpa eu tive? Se me foi ensinado que matemática era achar ângulos em triângulos e achar as raízes de X de uma função de 2° grau, e eu achei isso um saco, que culpa eu tive?

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    4. Patrick

      Pode crer que entendo muito bem o que diz. Se você examinar as biografias dos grandes pensadores, perceberá que cada um deles pode contar com o apoio de pelo menos uma pessoa próxima. Instituições, por si só, não alavancam vidas. É preciso apoio pessoal. Mas apoio pessoal não ocorre com frases cliché do tipo "Vá em frente, que vale a pena." Apoio pessoal demanda honesto compromisso entre pessoas que frequentemente enfrentam atritos.

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  3. Sou aluno da ufpr, e acho que o professor estava se sentindo sozinho e angustiado quando escreveu. :( to "tristi" kkk

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    1. Anônimo

      A bem da verdade eu não estava triste não. Mas existe a possibilidade de que você não seja um aluno típico.

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  4. Exercitando o senso crítico... o custo da correção subjetiva não seria alto? seria necessário escalar diversos professores para ler e realizar a correção de cada resposta de cada prova. São quantos os alunos anualmente que realizam o vestibular?Atualmente a leitura das respostas é feita por um sistema com o código de barras nos cartões e somente a redação é avaliada. O tempo de apresentação dos resultados no ENEN das provas objetivas leva 24 horas. O da redação semanas. Também, diversas entidades fazem teste de inglês, GRE, GMAT e certificação profissional utilizam provas objetivas. O formato da prova diminui o senso crítico desses estudantes ou profissionais certificados? Segundo a sua visão, todo aprovado no IELTS ou TOEFL não seria capaz de estudar no exterior, pois não teriam senso crítico para dissertar sobre as áreas de conhecimento que foram avaliados objetivamente, no entanto falam, escrevem e lêem inglês. Na verdade, para poder afirmar isso, seria necessário aplicar um experimento controlado, porque opinião não é informação!

    Silva, J. B.

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    1. J. B. Silva

      Muito bem colocado seu comentário. No entanto, os resultados mostrados pelo Brasil apenas reforçam o texto. Basta acompanhar testes como o PISA ou até mesmo a queda de qualidade em graduações de todo o país. A literatura é muito extensa.

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    2. A questão não é nem a prova ser objetiva ou não, é a própria qualidade das perguntas. Eu não sei qual é a taxa de aprovação ou reprovação da Ivy League, mas o processo de seleção que o prof. Adonai propõe é, a meu ver, parecido com o americano. Eu simplesmente suponho que muitos tentam e não conseguem, mas tivéssemos a opinião de alguém que trabalha com esse tipo de seleção, seria bem fácil fazer uma comparação.
      Não faz sentido a afirmação "Segundo a sua visão, todo aprovado no IELTS ou TOEFL não seria capaz de estudar no exterior, pois não teriam senso crítico para dissertar sobre as áreas de conhecimento que foram avaliados objetivamente", essas avaliações de inglês são relativas a um nível básico de conhecimento objetivo. O que se avalia no IELTS ou o TOEFL (que na verdade são testes básicos se comparados ao Proficiency de Cambrige ou aos testes da Alliance Française) não é o conhecimento crítico sobre áreas específicas do conhecimento. Felizmente, o TOEFL é só um entre vários critérios de seleção de um aluno estrangeiro nos EUA.

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  5. Oi professor tudo bem ?

    bom, vou expor minha opinião aqui ,achei bem interessante a discussão. acredito sinceramente que precisamos nas universidades alunos que tenham potencial para evoluir ,não basta ter excesso de conhecimento pontualmente.O vestibular é um teste que analisa pontualmente o conhecimento adquirido e de certa forma a capacidade do aluno resolver um problema com um conhecimento adquirido.O vestibular então deve ser como um ponto de partida,mas nos moldes em que foi feito não contempla a busca pela inteligência . Agora mudando um pouco para outro tópico...assumir que o professor de ensino superior está apenas para tirar dúvidas ou apenas para servir como um guia ,que é a visão de muitos professores em nossa instituição ,é jogar no lixo o significado de professor superior e assumir somente a forma de pesquisador,para ser bem rude mesmo, não deveriam nem ser chamados de professores e sim de pesquisadores somente.Não podemos nos guiar á ferro e fogo por modelos de escolas que deram certo ou errado em outros países, parece contraditório mas a cada cultura deve existir um modelo de educação que á satisfaça(note que em um mesmo lugar podem existir várias culturas).Estamos á procura. para terminar,eu sinceramente ainda vejo o professor de ensino superior como um educador, portanto deve ainda despertar a fantasia pelo conhecimento, dar a vida ao conhecimento , mostrar ao aluno com brilho a importância de uma integral ou de uma derivada ou enfim do tema em que se propôs á falar.Penso sinceramente que professores não devem ser livros ambulante que demonstram ser desprovidos de afeto com o conhecimento.Bom, por mim digo que aprendi muito na universidade UFPR ,estou aprendendo á estudar na marra, aos poucos, semestre por semestre aprendo táticas novas,aprendi a ponderar muito os livros que leio e a ter um pouco mais ideias ,mas ainda sou um "cão adestrado" como você fala, vejo nos professores os meus pais ,e ainda crio relações de carinho com meus professores.As vezes é melhor não contrariar o pai não é mesmo ?

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    1. Luis Felipe

      Você tocou em uma questão realmente importante: as relações entre cognição e afeto, sendo que este afeto se aplica tanto a pessoas quanto à ciência. Há algum tempo estou trabalhando em um texto sobre o tema, o qual é muito complicado. Mas posso adiantar que concordo integralmente com a sua visão, apesar de naturalmente seu comentário não esgotar o assunto. Conhece o filme Dark Matter? Retrata com perturbadora fidelidade este ponto.

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  6. Caro Adonai,
    Você sugere análise do histórico escolar como um dos critérios de ingresso ao ensino superior, entretanto, como na educação básica é largamente utilizada avaliações objetivas, não seria "mais do mesmo", ou seja, avaliaríamos um histórico de notas provenientes de avaliações objetivas? Além disso, temos escolas com currículos bastante diferenciados e os critérios de avaliação de cada escola podem ser bastante subjetivos. Também gostaria de brevemente comentar sua proposta em posts anteriores a respeito da importância da família na vida do estudante. Pois bem, não discordo da importância, porém, muitas crianças possuem um modelo de família que pouco pode contribuir para a educação escolar. Eu leciono em uma escola de periferia há 10 anos, onde muitos pais são analfabetos ou semianalfabetos, alguns estão presos, trabalham o dia todo, etc. Também percebo que o nível social, com raras exceções, é um fator que interfere de modo considerável no aprendizado do estudante.

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    1. Clayton

      Justamente por conta disso sugiro que sejam objetos de avaliação o histórico extra-curricular, bem como outros fatores. Jamais defendo qualquer forma infalível de avaliação, mas apenas formas de avaliação que levem em conta critérios mais abrangentes e flexíveis.

      Sobre sua experiência em escola de periferia, seria sensacional se você pudesse contribuir com uma postagem sobre o tema. Meu contato com escolas de periferia foi muito pequeno. Já você tem ampla experiência e escreve muito bem. Poderia escrever algo a respeito? Poderia ser na forma de depoimento pessoal, se preferir. Seu texto pode ser crucial para uma discussão melhor qualificada sobre o papel da família no processo educacional. O que me diz?

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  7. Caro Adonai,

    Agradeço pelo convite, mas não sei meus relatos poderiam contribuir. Dada a complexidade da questão, receio que eu acabe generalizando nos argumentos ou ainda propondo alguma solução simplória. Imagine, por exemplo, o que dizer em uma reunião de pais para uma mãe alcoólatra e em situação de pobreza com 4 filhos? Ou ainda para um aluno que comenta que um colega ganha pouco mais que 1 salário mínimo por mês em um supermercado próximo enquanto seu irmão ganha o mesmo valor em poucos dias vendendo drogas em frente a escola? Creio que iniciativas importantes a respeito da melhoria educacional ultrapassam o contexto escolar, ou seja, ações para diminuir a desigualdade social no país...

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    1. Clayton

      Seus argumentos apenas reforçam meu convite. Você poderia relatar os fatos, em todos os detalhes possíveis, incluindo, talvez, fotografias. Esta realidade jamais pode ficar de fora. Não há necessidade de você apresentar propostas de solução ou julgamentos. Se o assunto fosse de tratamento fácil, já estaria resolvido há muito tempo. Mas não podemos deixar esta discussão à margem da sociedade. Por favor, pense a respeito.

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  8. Sobre esta questão penso que a situação poderia melhorar se nos primeiros anos de estudo, ou seja, alfabetização, já tivéssemos professores altamente qualificados e que compreendessem a educação como um todo e não apenas, dentro de seu ambiente ou sala de aula. Desta forma perceberia o que seria importante na educação de uma pessoa. Esta pessoa evoluiria e pressionaria os níveis superiores para cima. Infelizmente a realidade é que nos primeiros anos selecionam professores que aceitam receber muito pouco por um trabalho de muito valor. Ao longo do tempo, a seleção acaba levando a uma baixa capacitação dos professores, visto que não compensa tanto trabalho. Resultado a principal fase de preparação para a vida acaba prejudicada de forma viral. Muito poucos se salvam! Quando chegam nos níveis mais altos não estão capacitados a compreenderem o mundo. Apenas seguem uma cartilha horrorosa de vida (adjetivo de meu ponto de vista). Desta forma os níveis superiores (classificação linear, não adjetivo) ficam prejudicados e dificilmente podem evoluir. São nivelados por baixo. Enquanto não trabalharem forte nas primeiras etapas, não haverá saída.
    Tudo isto me parece tão óbvio, que fico tentado a pensar que tudo faz parte de um planejamento. Para que o resultado fosse este mesmo que temos agora, nossa realidade....

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    1. João Luiz

      Concordo plenamente com a sua visão. É exatamente este o ponto. Parece que o Brasil jamais poderá alcançar isso? Não necessariamente. Veja o exemplo da realidade dos EUA logo após a Segunda Guerra Mundial. Aquele país combateu países de regimes totalitários e opressores. E o que fez logo em seguida, quando acabou a guerra? Criou o macartismo, que é outro sistema totalitário e opressor. Povos são costumeiramente contraditórios. E o Brasil não é diferente neste sentido. É uma terra de contradições. Por isso mesmo precisamos insistir nestes pontos, entre eles a elevada qualificação de professores das séries iniciais.

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  9. Caro Adonai
    Achei o tema do post extremamente atraente assim como o texto. Entendo sim que os alunos de qualquer curso superior brasileiro hoje são assim (obviamente não todos). Como ex-aluno da UFPR, gostaria de comentar 3 passagens que ilustram que o problema posto está disseminado por ambos os lados, tanto por parte dos alunos quando por parte da maioria dos professores desta instituição:
    1 - Tive um professor do ciclo básico do meu curso que exigia em suas provas, em geral com duas questões que as respostas aos problemas propostos tivessem 3 casas decimais. Você só ganhava a questão se conseguisse acertar até a última casa. A alegação do professor: engenharia é uma ciência exata !!! Olhando hoje depois de 20 anos de experiência, constato que o "dito" nunca saiu a campo, nunca avaliou um problema prático, nunca fez nada que não fosse meramente acadêmico. Ao invés de ensinar junto com a sua "suposta exatidão" conceitos como incerteza, propagação de erros em arredondamentos sucessivos e etc. preferia sempre a via mais fácil, não permitindo qualquer discussão. Que margem fica para a imaginação do aluno ou mesmo para o questionamento?
    2 - No último ano do meu curso me matriculei em uma disciplina do ciclo básico de outro curto e que não havia em minha grade. Fiz isto pela vontade de agregar algo em minha formação. Com a bagagem que já tinha, obviamente costumava perguntar muito ao professor que se mostrava extremamente obtuso e irritado com a situação. Na primeira prova resolvi todas as questões, porém para a minha surpresa obtive uma nota extremamente baixa apesar dos resultados dos meus problemas estarem idênticos aos dos demais. Ao conversar com o professor fui informado que minha nota era baixa pois os métodos pelos quais resolvi os problema não eram os ensinados em sala, claro eu havia aprendido métodos mais avançados. Pergunto, que espaço fica ao aluno que não quer ser um cachorrinho ? Que não quer pular da forma que o ditador quer ?
    3 - Essa é por observação; Na maioria das turmas das quais fui aluno, em geral os alunos mais "curiosos" e mais "questionadores" eram discriminados tanto por parte dos demais alunos quando por parte de professores (para os quais este tipo de aluno significa uma só coisa: mais trabalho).
    Olhando hoje vejo a quantos equívocos fui submetido em minha formação (obviamente também cometi muitos deles), mais o sistema educacional não só em cursos superiores mais em toda a sua cadeia é mais ou menos assim, não torna o cidadão um ser pensante e sim faz dele uma máquina de decorar. Quando fui para a UFPR vindo do interior tinha diversos sonhos e fantasias do mundo que estava se abrindo à minha frente, tomei a primeira grande decepção quando descobri que em uma instituição deste porta a biblioteca era fechada diariamente após as 19 horas e não abria as sábados e domingos (não sei como é hoje). E quem quer estudar ? E aqueles que são pontos fora da curva ? Nunca ouvi nenhuma manifestação de docentes ou dirigentes da instituição quando fui questionar o motivo para isto que considero um equívoco completo. É uma limitação extrema a quem realmente quer estudar.
    Não vejo solução a curto ou médio prazo se não tomarmos, enquanto sociedade, a educação como algo sagrado.

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    1. Caro Ricardo. Em meu comentário acima, me refiro aos primeiros anos de educação. Ao longo do tempo a situação somente piorou porque não cuidamos dos anos iniciais. Então como consequência, os atuais mestres, são oriundos de uma educação deficitária, portanto são de pouca capacidade imaginativa, já que nos seus primórdios foi domesticado. Você acha viável domar animal adulto? Mais fácil iniciar quando jovem! Nossa realidade se deve a isto. Invista-se, com vontade, na educação inicial, que resto anda com suas pernas. Se não andar haverá pressão em cima!
      Observação importante, investir não significa apenas colocar dinheiro como acontece hoje. A questão não se resolve apenas com dinheiro. É necessário consciência e vontade. Selecionar os melhores! Sim, meritocracia!

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    2. Ricardo

      Eu também fui aluno da UFPR. Tive um professor, por exemplo, que enunciou um teorema no quadro e o "demonstrou". Em seguida enunciou um novo "teorema" que contradizia o anterior e também o "demonstrou". Questionei este professor? Não, claro que não. Eu sabia onde estava! Afinal, este mesmo professor andava pelos corredores mantendo-se encostado na parede. E era profundamente sexista. Ou seja, era evidentemente uma alma perturbada. Jamais se chuta cachorro morto. Não leva a nada. Neste país arrebentado como o nosso, a melhor solução é a formação de grupos que compartilham interesses em comum e que procurem agir de forma construtiva. Entendo que mesmo assim não é nada fácil lidar com a realidade brasileira. Mas a vida é curta. E nada melhor do que morrer em batalha.

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    3. Vale observar também que este meu último comentário apenas complementa a resposta de João Luiz Faria, cuja visão precisa ser compreendida por muito mais gente, justamente por tocar no cerne da questão.

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    4. Prezados Adonai e João, acho que elencamos as causas principais, nossas noções e ideias sobre o assunto parecem convergir. Abraço.

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    5. Sim. Mas isso não basta. Mais gente precisa convergir.

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  10. Ficou um ponto em aberto no artigo - como avaliar num vestibular o pensamento crítico? Há formas de se usar questões de múltipla escolha (ou qualquer outro método informaticamente avaliável) para isso?

    Suas críticas a questões de vestibulares que penalizam o raciocínio crítico são boas, mas não basta reformular questões como aquelas de forma a não penalizar. Também é preciso formular questões outras de forma a estimular.

    Caso contrário o raciocínio crítico continuará não sendo mais que um "excesso de bagagem" nos vestibulares.

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    1. Anônimo

      Sou contra o vestibular. O processo de seleção de jovens para ingresso em universidades deveria ser algo completamente diferente do que se pratica hoje em nosso país. Está entre meus planos uma postagem exclusivamente sobre o tema. Peço apenas um pouco de paciência. Muita coisa já foi discutida neste blog. Mas muito mais precisa ser discutido ainda. E há considerável demanda por múltiplos temas. Neste momento o que deve ser percebido é que a cultura acadêmica das universidades brasileiras em geral é avessa tanto à inovação quanto à mais elementar racionalidade. E o vestibular é um dos vícios políticos neste país que deve ser extinto de uma vez por todas.

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  11. Adonai

    Excelente postagem.

    A falha de enunciado da Questão 55, mais do que as demais, vai além daquilo que se entende por um "espantoso absurdo", usando de eufemismo.

    Gostaria de comentar o trecho a seguir:

    "[...] Em turmas de cálculo eu apresentava ferramentas básicas de derivação e integração de funções reais e pedia para os alunos desenvolverem modelos elementares de dinâmica populacional. E ainda assim os alunos sempre (sim, sempre) insistem em usar regra de três para resolver qualquer problema. [...]"

    Realmente o uso indiscriminado de regra de três é um seríssimo problema em nosso ensino.

    Tomei consciência disso quando fui aluno do falecido (e ótimo) professor Gilberto Yosimasa Odo (conheceu ele????) em Física Geral A. Inicialmente, quando ingressei na UFPR, eu também tinha o péssimo hábito de querer resolver tudo por regra de três. Com muita sabedoria, dedicação, calma e paciência (e que paciência, pois eu estava "impregnado" com as supostas "maravilhas" da regra de três) o professor Gilberto Odo conseguiu, aos poucos, "abrir minha mente" e me fazer enxergar os problemas de querer resolver tudo por regra de três. Posso dizer que, se hoje consigo raciocinar melhor, muito da "culpa" é do falecido professor Odo. Foi quase o primeiro semestre inteiro de 2001 para que eu pudesse finalmente desprender-me da regra de três. Não que eu tenha demorado tudo isso para perceber as limitações do uso indiscriminado deste método, mas como estudante imaturo é difícil aceitar que algo tão usado por muitos professores de ensino médio (em todas as disciplinas que envolvem matemática) como se fosse o supra sumo dos métodos, falha miseravelmente sem tanto esforço. É um verdadeiro choque para um calouro quando descobre isto.

    Desde 2001 venho aprimorando esta consciência e explicando para outros professores de ensino médio que o uso indiscriminado da regra de três pode criar no aluno a falsa ilusão de que tudo se resolve fácil assim, mas sempre fui criticado por estar sendo preciosista.

    Os colegas que alegam ser preciosismo da minha parte (professores de matemática, química e física) afirmam que o importante é resolver o exercício dado, não importando o método adotado e que minhas alegações não apresentam base de fundamentação na literatura especializada em Educação.

    De fato, não sei se alguém estudou os efeitos do uso indiscriminado da regra de três no ambiente escolar, mas parto do princípio que se tal problema ocorreu comigo de forma grave a ponto de dar bastante trabalho ao professor Odo, não seria absurdo pensar que esta mesma falha grave poderia ocorrer com outros. E o trecho acima mostra que realmente ocorre com outros, ou seja, não aconteceu só comigo.

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    1. Leandro

      Conheci sim Gilberto Odo. E lembro que logo após o falecimento dele (aliás, com uma doença que o levou a muita dor) vários alunos praticamente celebraram a sua morte. Professores que exigem o pensamento crítico de seus alunos comumente desagradam muita gente.

      E, com relação à regra de três, de fato demorei para perceber como os alunos são escravos desta técnica. Se duvidar, usarão regra de três até para curar dor de cotovelo.

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    2. "[...] vários alunos praticamente celebraram a sua morte. [...]"

      Estou realmente chocado em saber disso.

      =(

      De todos os professores que tive tanto da Química quanto da Física, o que mais senti a morte foi justamente a do Odo. Mesmo no decorrer da minha graduação, quando não era mais aluno dele, vez ou outra cruzava com ele pelos corredores do departamento de Física e aproveitava para conversar um pouco, às vezes com alguma dúvida (o que prontamente ele me ajudava), às vezes para conversar sobre assuntos aleatórios.

      Ele sempre me perguntava como eu estava indo no curso, me aconselhava em momentos difíceis. Enfim, um ser humano sensacional.

      A maior tristeza que tenho é ter sido aluno dele no auge dos meus 16 anos, quando estava no primeiro ano de graduação. Digo isto porque na época eu era praticamente um crianção e penso que se tivesse sido aluno dele uns 2 ou 3 anos depois, certamente teria aproveitado melhor suas aulas.

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  12. É por este motivo que, sempre que possível, evito ensinar qualquer coisa com um uso irrestrito da regra de três.

    Quando algum aluno me pergunta o motivo de não usar a regra de três até mesmo em Estequiometria, digo que a regra de três é funcional para sistemas que se comportam de tal maneira que é possível obter um gráfico cartesiano de uma função afim, ou seja, quando uma variável dependente oscila linearmente e na mesma proporção quando da mudança da variável independente. Se, por outro lado, tal oscilação da variável dependente não for linear, podendo ser exponencial, "do 2º grau", "3º grau", etc, a regra de três falha miseravelmente.

    Explico também que, apesar da regra de três funcionar bem para muitos problemas de estequiometria devido a variações proporcionais diretas nas quantidades envolvidas, falha miseravelmente no estudo de cinética das reações químicas, pois a velocidade de uma reação pode variar diretamente com a concentração de algum dos reagentes (ou todos eles), mas também pode oscilar com o quadrado, cubo, raiz quadrada, etc, das concentrações dependendo do tipo de reação química.

    Sei que nem tudo o que falo em termos matemáticos pode ser considerado correto em termos de um bom rigor técnico e procuro falar para o aluno que um conhecimento mais detalhado, profundo e correto sobre funções ele pode conseguir com o professor de matemática ou então buscar por outras fontes.

    No lugar da regra de três, procuro sempre ensinar usando métodos que, ao meu ver, ajudam a evitar a preguiça de raciocínio, como as técnicas de Análise Dimensional, Fator Unitário e Sistemas de Equações Algébricas (para cálculo estequiométrico).

    Creio que isso ajuda a evitar o aluno de bitolar-se, pois são métodos mais abrangentes, penso eu.

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