domingo, 22 de abril de 2012
Be it, don't dream it
Rocky Horror Picture Show é provavelmente o filme mais bem sucedido da história do cinema. Simplesmente não se compara com Star Wars ou Titanic. Quando um cinema de rua, nos Estados Unidos, está com problemas para arrecadar bilheteria, basta exibir uma reprise de RHPS para lotar a sala. Existe uma gigantesca audiência ávida para ver e rever esta obra prima sem paralelo da sétima arte britânica. É o único filme, até onde tenho conhecimento, que naturalmente leva a platéia a fazer parte do show. Testemunhei pessoalmente este fenômeno em uma exibição gratuita feita em Columbia, South Carolina. O público levou lanternas para a sala de exibição e criou um espetáculo de luzes projetadas sobre o teto, que acompanhavam a exibição da película, formando uma espécie de dança luminosa. Inúmeras falas dos atores eram seguidas por corais uníssonos que adaptaram a mensagem do diretor para o gosto coletivo e bem direto do público. E o mais curioso é que se trata de um filme com final nada feliz. O casal de protagonistas Brad e Janet simplesmente se separa, apesar de estarem noivos. O carismático vilão é covardemente morto por um de seus súditos. O respeitável professor de Brad e Janet se transforma em um perdido travesti. E, como conclusão final, o anfitrião do espetáculo se refere à humanidade como um bando de criaturas rastejantes, perdidas no espaço e no tempo.
O tema central do filme é a entrega absoluta ao prazer. Afinal, não há como resistir. "Be it, don't dream it" é o belíssimo refrão de uma das músicas do terceiro ato. O magistral ator e cantor Tim Curry faz o vilão Doutor Frank-N-Furter, transexual da Transilvânia. Ele é um cientista. Mas trata-se de um cientista que usa seu conhecimento com uma única finalidade: conceber um homem musculoso, de pouca inteligência, que simplesmente lhe dê prazer.
Neste sentido RHPS caracteriza muito bem uma transição fundamental que ocorreu no século passado. Houve época em que se esperava que o cidadão colaborasse para construir sua nação. É muita famosa a frase de John Kennedy: "Não pergunte o que o país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país." Kennedy foi assassinado.
Hoje não existem mais nações. As fronteiras entre países se tornam cada vez mais simbólicas. O que governa o planeta é apenas dinheiro, nada mais. A própria ciência é mero instrumento para criar novas formas de gerar prazer. E o objetivo do dinheiro é proporcionar prazer.
Participei recentemente de um evento cultural (Liter Arte Paranaense) no qual vários escritores frustrados (cujos livros simplesmente não vendem) criticavam incessantemente a Rede Globo de Televisão. Diziam que seus livros representam cultura, enquanto Big Brother Brasil não é cultura alguma. Ao mesmo tempo caíam em vergonhosa contradição, afirmando que tudo é cultura. É claro que televisão é cultura! É a cultura do prazer. O que dói no cotovelo desses autores é o fato de eles não ganharem tanto dinheiro quanto a Rede Globo. Só isso. Não percebi qualquer interesse real por cultura naquele evento. O que testemunhei foi um público que se dividiu em três categorias: aqueles que não conseguiam parar de conversar durante a mesa-redonda sobre a importância do docente para a comunidade local, aqueles que acompanharam passivamente a discussão sem fazer pergunta alguma e, finalmente, a categoria unitária formada pela única pessoa que levantou alguma questão.
Em várias postagens venho insistindo em comparações entre Brasil e países desenvolvidos. Mas o fato é que o Brasil deixou escapar a sua chance de participar do período de desenvolvimento. O Brasil perdeu sua chance de lutar por ideais em favor do coletivo. A época dos ideais já se foi. Hoje nosso país está simplesmente acompanhando a transformação do mundo ocidental em favor do prazer do indivíduo. Por isso que apareceram tão poucos manifestantes nas marchas contra a corrupção (três mil em Brasília e números da mesma ordem em outras capitais). Cada vez menos gente se indigna contra os absurdos dos poderes públicos. Por isso que não existe massa crítica de cidadãos que tome qualquer atitude significativa para melhorar nossa educação. Por isso que existem tantas pessoas que julgam o intelectual como uma pessoa que busca no conhecimento uma fuga da realidade.
O que fazer, então? A resposta é simples: adaptar-se e esperar. Aquela maioria que só está interessada em carro novo e casa na praia continuará intelectualmente inerte. É uma população mentalmente morta. Aquela minoria que luta pelo bem coletivo, e que naturalmente busca e desenvolve o conhecimento e a cultura, continuará trabalhando como sempre trabalhou. O resultado desta combinação de almas solitárias é difícil de prever.
A história já deixou muito claro que civilizações inteiras nascem, crescem e morrem. E as civilizações que morreram jamais voltaram. Quando será a morte da nossa eu não sei. Mas os sintomas não são animadores. E a maioria não está nem um pouco preocupada. Isso porque um final triste não faz mais diferença. O que interessa é o prazer e apenas o prazer.
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Após fazer uma dinâmica com meus alunos calouros (esta semana), sempre pergunto o que eles querem da vida deles. O prazer continua em primeiro lugar. Mas há alguns (poucos) que lembram do legado não como "lado material" para filhos, mas sim um legado, uma marca, na/para a humanidade. Fazer algo pelo outro, sem pensar em divisões, ou seja, para todos. Na "marcha" de 21 de abril (ontem) uma das palavras de ordem era: "Ei, você aí parado, também já foi roubado" mostrando justamente que a luta não é para os mil ou dois mil ou três mil da marcha, mas sim para todos. Outra faixa que me impressionou era: "Qual a diferença entre um corrupto e um assassino? O corrupto você escolhe, o assassino escolhe você. Até quando ficaremos calados? Seus filhos te cobrarão."
ResponderExcluirJá sobre o evento, apesar de ter percebido o mesmo que você, não concordo totalmente pois sinto que pelo menos tentaram fazer algo. E a desistência e a omissão, a meu ver são piores do que as tentativas mesmo que vãs e frustradas. Pois é por elas que podemos melhorar cada vez mais. Um exemplo: é através desse seu post que podemos (coloco-me junto com os organizadores pois faço parte da humanidade)melhorar o evento no ano que vem. Elevando o nível das discussões; sabendo posicionar cada elemento como: exposição, livros vendidos, palestras e mesas-redondas, em locais diferenciados. Apenas como exemplos do que pode ser melhorado. Mas dou parabéns pela iniciativa.
Esqueci de comentar que dias atrás vi um pedaço de um filme (eu sei, eu sei, você sempre me critica por isso, mas é o mínimo espaço de tempo que me permite estar na frente de uma TV). E o pouco que vi dele me deixou a pensar sobre esta possível realidade: no filme, chamado - se não me engano - de Idiocracy, mostra o porquê da humanidade estar "emburrecendo".
ResponderExcluirEnquanto casais com QI alto ficam "esperando" para ter filhos, os de baixo QI proliferam em demasia. No filme é mostrado isso comparando duas famílias e apesar de ser um humor escrachado, me fez pensar sobre isso. Apesar de ter visto apenas este pedaço do filme, até quando congelam o ator Luke Wilson para ser descongelado no futuro. Fica a dica para você, Adonai: Mais um filme de humor negro. E agradeço a você por ter me dado a chance de ter conhecido Rocky Horror Picture Show no ano passado.
Pois é, Susan
ResponderExcluirAlgo que me preocupou também no Liter Arte foi a avaliação de membro da comissão organizadora de que aquele evento foi um sucesso. Minha noção de sucesso não é a mesma.
Pois é, Susan
ResponderExcluirOutra preocupação minha foi a avaliação de membro da comissão organizadora de que o Liter Arte foi um sucesso. Meu conceito de sucesso não corresponde àquilo.
Sempre morei em uma pequena cidade do interior de São Paulo, até que fui cursar a Universidade em uma grande cidade também do interior de São Paulo. Sempre estudei em escola publica, e consequentemente nunca tive muito contato com a "elite". Apos entrar em engenharia em uma universidade publica, comecei a ter contato com a "elite", e cheguei a mesma conclusão que você ,Adonai, chegou no seu post acima, a grande parte dos meus colegas de classe apenas desejam um "bom emprego" , e pra isso colam em provas, copiam relatorios de outros alunos , dizem que calculo e eletromagnetismo "não servem pra nada na pratica,e que nunca irão utilizar isso na vida", creio que 98% da minha turma seja assim, todos buscam apenas um SUV e uma casa, o resto ...que resto?
ResponderExcluirEstudante
ResponderExcluirAté pouco tempo atrás um de meus objetivos neste blog era alavancar discussões para tentar despertar uma massa crítica que efetivamente fizesse algo para melhorar a educação. Hoje percebo que esse tipo de propósito é uma absoluta perda de tempo. Como não tenho vocação para Dom Quixote, percebo que sobraram apenas duas metas: 1) Fazer uns poucos perceberem que o Brasil é uma terra irremediavelmente atrasada do ponto de vista intelectual e 2) estimular talentos a procurar por focos de produção intelectual em nosso país ou no exterior. É muito menos do que eu gostaria de realizar, mas ainda é uma meta que pode me estimular.
Veja Adonai, posso estar MUITO enganada (pois tenho sim minhas cegueiras), mas:
ResponderExcluir"tentar despertar uma massa crítica que efetivamente fizesse algo para melhorar a educação."
e
"1) Fazer uns poucos perceberem que o Brasil é uma terra irremediavelmente atrasada do ponto de vista intelectual e 2) estimular talentos a procurar por focos de produção intelectual em nosso país ou no exterior."
são praticamente "sinônimos"... ou estou tão enganada assim?? Massa crítica não seria percepção de realidade e busca de mudança na procura de produção intelectual?
Sei que vc não tem dom de Dom Quixote. Mas deixar de lutar com moinhos e se "enterrar" literalmente, também não resolve.
Susan
ExcluirNão são sinônimos. No primeiro caso se trata de uma ação que melhore o sistema educacional como um todo. No segundo temos uma postura em favor do indivíduo que produz intelectualmente. O primeiro implica no segundo, mas a recíproca não é verdadeira.
Sociedade fútil! o que define uma pessoa com sucesso é o dinheiro da mesma. Veja bem, com o dinheiro podemos nos divertir mais, " aproveitar a vida!", é exatamente o que as propagandas querem dizer. Como um algoritmo para a felicidade. Compre meu produto e será feliz!, bem, até o próximo lançamento. Criam ilusões do que é felicidade.
ResponderExcluirÉ incrível como uma pessoa consegue xingar, brigar, destruir patrimônio publico por um simples jogo de futebol. Sociedade fútil! Pelo que parece, pão e circo ainda funciona muito bem.
Um jogo de futebol movimenta milhões de pessoas. Um protesto contra a corrupção um, dois mil. Um exemplo é o abaixo-assinado da lei da ficha limpa que teve pouco mais de um milhão de assinantes, isso é menos de 1% da população brasileira, e quem não assinou não disse o motivo, salvo duas exeções que vi na internet. Não há mobilização da sociedade para garantir melhorias para ela mesma. Se um dia vai mudar isso? acho que não. O que uma pessoa diferente pode fazer é ser diferente, mostrar as outras pessoas que existem outros caminhos, que isso não é ruim.
A minha primeira aula na UFPR foi com você, Cálculo I na turma de Física (Bacharelado)em 2010. Você não imagina como foi marcante pra mim. Sai da sala super entusiasmado. Mudou completamente a minha visão do que é matemática e Física, na verdade eu não sabia. Os outros professores são todos iguais, não se preocupam se o que estão falando na sala esta certo, só repetem o que está no livro, pelo menos os do departamento de Física. Isso me desanima dessa universidade, pois não quero isso, não quero ser igual a eles. Tem professor que nem assisto aula, só vou fazer prova. O fato de você ser diferente dos outros professores, me ajudou a eliminar varios preconceitos. Infelizmente, sempre fui muito tímido, é um trauma pra mim, quando eu queria tirar uma duvida simplesmente não conseguia.
Eu só queria lhe dizer obrigado por me apresentar outros caminhos.
Bacana Felipe... Gostei do que escreveu...
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