quinta-feira, 31 de julho de 2014

Como escolher um professor orientador?


Nesta postagem discuto sobre o delicado problema da escolha de um professor orientador em um curso de graduação ou de pós-graduação. Mas abordo somente os casos de orientação para iniciação científica (IC) e pós-graduação acadêmica. As orientações de atividades como PET (Programa de Educação Tutorial, o antigo Programa Especial de Treinamento), TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e monitoria são temas para postagens futuras. A pós-graduação profissional também tem caráter muito diferente, como no caso de MBA (Master of Business Administration). Não trato deste tema aqui.

Existem programas de pós-graduação acadêmica que adotam uma estranha estratégia: são os colegiados dos cursos que definem quem orienta quem. Evite esses programas! Colegiados de cursos não estão qualificados para definir se um orientador é adequado para um estudante ou se um estudante é adequado para um professor orientador. A escolha de uma parceria entre orientador e orientando (independentemente se for de IC ou pós-graduação) deve sempre ocorrer por comum acordo entre ambos. Se houver este acordo, e se o candidato for aprovado em todas as etapas de seleção de alunos para o programa, o papel do colegiado se resume a simplesmente decidir se aprova a escolha das partes interessadas. Geralmente a decisão é pela aprovação.

Fique longe também das modalidades de especialização e aperfeiçoamento, quando o assunto é pós-graduação. São geralmente farsas. 

Nesta postagem assumo ainda que um professor orientador deve ser maduro o bastante para saber o que espera de seus orientandos. No entanto, o mesmo não pode ser dito a respeito de quem será orientado. Afinal, maturidade acadêmica é algo que o estudante ainda está buscando.

Em função disso apresento a seguir uma lista de três requisitos que todo professor orientador deve atender. O foco inicial é pós-graduação. Sobre iniciação científica discuto ao final.

1) Produção consistente, sistemática e relevante. O bom orientador é aquele que produz conhecimento. Se um professor pesquisador demonstra estar mais preocupado com ABNT do que com o assunto a ser desenvolvido em seu projeto de pós-graduação, certamente ele não se qualifica como orientador. Produção de conhecimento somente pode ser reconhecida se os relatos de produção forem publicados em veículos internacionais (indexados pelo menos em Web of Knowledge), especializados, com corpo editorial e sistema de referees. Em certas áreas do conhecimento, em nosso país, não existe a tradição de publicação em periódicos internacionais importantes, como ocorre em filosofia e educação. Mas existem maneiras de contornar esta dificuldade: (i) procurar realizar cursos de pós-graduação em boas instituições dos Estados Unidos, Europa ou Ásia; (ii) procurar contato com os raros pesquisadores de nosso país (em filosofia e educação, entre outros exemplos) que publicam no exterior; (iii) procurar programas de pós-graduação em áreas diferentes (da formação do candidato) mas correlatas (por exemplo, um filósofo pode, em princípio, cursar mestrado ou doutorado em física, matemática ou engenharia, se quiser focar em filosofia da ciência ou filosofia da tecnologia). No entanto, não basta que o orientador publique em bons periódicos de circulação internacional. É necessário também que as publicações do orientador sejam guiadas por um "fio condutor". Em outras palavras, o que define o perfil do orientador? O que este pesquisador busca, academicamente falando? Qual é o problema central que serve de orientação para todos os seus projetos de pesquisa? Além disso, o orientador precisa demonstrar produção sistemática. Ou seja, não basta que ele publique um artigo bom a cada dez anos. Há muitos casos de pesquisadores que não publicam ideia alguma há muito tempo. Por último, é igualmente importante que as pesquisas do orientador sejam citadas na literatura especializada, evidenciando a relevância do que produz. 

2) Compromisso com uma rede social academicamente relevante. O bom orientador é aquele que tem bons contatos com pesquisadores de diferentes partes do mundo. O papel de um bom orientador não é apenas orientar a elaboração de uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Ele deve colocar o orientando em contato com a vida acadêmica, a qual não tem fronteiras geográficas, a não ser a estratosfera de nosso planeta (por enquanto). No Brasil existe um preconceito com relação a contatos profissionais, frequentemente sintetizado pela sigla QI (Quem Indique). Se você está iniciando sua carreira profissional, não basta fazer um bom trabalho. Precisa ser conhecido entre pares profissionais de diferentes lugares e instituições. Além disso, um único orientador, independentemente de sua competência profissional, jamais pode oferecer uma visão tão ampla quanto aquela que se consegue com dezenas ou centenas de visões de diferentes cantos do planeta. Se o orientando deseja alcançar independência de pensamento, precisa conhecer múltiplas formas de pensamento. Somente assim poderá definir a sua própria.

3) Boa vontade. Um bom orientador não é aquele trata o orientando com delicadeza, mas com educação. No Brasil existe uma confusão muito grande entre educação e delicadeza. Uma pessoa delicada é aquela que trata as demais com tato, com muito cuidado, para não magoá-las. Uma pessoa educada é aquela que tem uma visão bem informada de mundo. Uma pessoa pode ser delicada, sem ser educada. E uma pessoa pode ser educada, sem ser delicada. O bom orientador deve ser educado, mas não delicado. Se o orientador aponta com severidade (porém, com propriedade) para os erros de seu orientando, isso somente contribui para o desenvolvimento intelectual do último. Afinal, não existe caminho suave para a educação. No entanto, não é fácil fazer a distinção entre severidade e má vontade. O bom orientador é um profissional que se empenha no crescimento intelectual de seu orientando. E este é o sentido que aqui emprego para a expressão "boa vontade". Neste link o leitor encontra uma excelente discussão sobre a arte do elogio e da crítica, promovida pelo psicólogo Raj Raghunathan. Uma forma de avaliar se o possível orientador é um profissional de boa vontade é a análise do Curriculum Vitae de seus orientados do passado. Esses orientados se destacaram profissionalmente? Como o brasileiro típico é uma pessoa emocionalmente muito frágil, frequentemente joga fora oportunidades valiosas. Ou seja, se você deseja uma boa orientação, controle suas emoções.

Com relação a iniciação científica, o aluno de graduação pode ser flexível com as exigências 1 e 2 acima, mas não com a 3. 

7 comentários:

  1. Excelente postagem Professor Adonai! Certamente será muito útil para mim (apesar de eu já ter em mente quem eu gostaria que me orientasse).

    Sobre "O bom orientador deve ser educado, mas não delicado", acho que dependendo do aluno é possível que o bom orientador seja ambos (educado e delicado), na medida certa, obviamente. Claro que isso é quase impossível na prática, pois é necessário que o orientador conheça muito bem o aluno e que o aluno seja maduro e responsável, uma raridade hoje em dia.

    Aguardo as postagens sobre TCC, PET e monitoria.

    Obrigado pela atenção!

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    1. Pois é, Henrique. Teorizar sobre esse tipo de problema é sempre bem mais fácil que viver a prática.

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  2. Quem dera o único obstáculo para um estudante universitário fosse somente a escolha do orientador.

    Sendo uma via de mão dupla, o orientado também precisa ser escolhido por um orientador para que se dê início aos trabalhos acadêmicos.

    E, quando se trata da seleção de orientados por um dado orientador, muitas vezes a escolha não se dá por critérios meritocráticos, ou seja, tal seleção apresenta os mesmos problemas dos concursos para professores e da estabilidade incondicional.

    Dada esta triste realidade deste país, imaginem a seguinte situação: um bom e dedicado aluno, interessado em fazer IC, por exemplo, seleciona um dado orientador. Este orientador, por sua vez, sabe do potencial e do mérito do referido aluno, mas não adota o critério meritocrático por valorizar mais as questões de convívio social e contatos propriamente do que a competência acadêmica propriamente dita. Naturalmente este aluno interessado, caso não tenha as habilidades desejadas pelo referido professor, não será aceito como orientado, pois possui somente o mérito da competência acadêmica.

    Uma vez não aceito, esse aluno busca por outros orientadores, mas os que ele encontra e o aceitam como orientado não se enquadram entre os bons critérios citados nesta postagem para um bom orientador.

    Nesta situação, o que fazer com o referido estudante??????

    Ele simplesmente se perde e é deixado à revelia, ficando "à deriva"??????

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  3. Já cheguei a pensar que a relação entre estudante e orientador era similar àquela entre Alice e o Gato de Cheshire.

    Sebastião

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  4. Hoje saiu no site do UOL uma reportagem sobre a fuga de cérebros do Brasil como consequência da crise financeira pela qual as agências de financiamento em pesquisa estão passando. Oras, esse problema sempre esteve presente no cenário acadêmico e caracteriza muito bem como a nossa sociedade desconhece a importância dos desenvolvimentos científicos alcançados pela humanidade, além dos desdobramentos políticos associados. Entretanto, neste período de incertezas pelo qual estamos passando, todo o cuidado é pouco, já que não podemos nos dar o luxo de retrocedermos o pouco que temos. Enfim, quando a falta de investimentos afeta a formação de futuros pesquisadores, qualquer sinal de alerta deve ser acionado em qualquer país civilizado. Será que é nesse ponto o nosso problema?

    Marcelo Marchiolli

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    1. Marcelo

      Acabo de divulgar a notícia em meu perfil pessoal no Facebook. Grato pela recomendação. Com relação à sua pergunta, não sei mais o que pensar. Os alunos que vejo hoje na UFPR (universidade onde trabalho) são divididos em dois perfis: 99% deles não têm interesse algum em ciência; e 1% deles são simpatizantes da atividade científica, mas demonstram pouco empenho para investir em ciência.

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