Peço desculpas ao leitor, pelo fato desta postagem ser extensa. Mas lamentavelmente não posso omitir detalhes.
Quando publiquei a postagem na qual critico certas posturas dos ocupantes de prédios da UFPR, recebi uma resposta e um convite do movimento OCUPA EXATAS UFPR. Antes que esta resposta fique enterrada de uma vez por todas no Facebook, reproduzo aqui o texto original na íntegra, veiculado no dia 14 de novembro deste ano:
"Caro Professor Adonai,
Muitos dos que aqui ocupam o bloco PA e PC foram e são seus alunos, e por isso apreciamos seu oportuno posicionamento.
Algumas de suas críticas ao movimento são compreenssíveis, porém não se confirmam.
Citamos alguns exemplos, rebatendo algumas dessas críticas:
'Já não é fácil ter que encarar alunos que não estudam, que não perguntam, que não questionam o conhecimento supostamente estabelecido, que não conhecem coisa alguma do mundo onde vivem. Mas mais difícil ainda é encarar um movimento desfocado e inconsistente, em um ambiente míope e intelectualmente estagnado'
A greve estudantil, assim como as ocupações surgem exatamente para estudar, perguntar e questionar mais o mundo que vivemos, especificamente neste caso o modelo político vigente, que permite que a MP746 seja imposta sem o necessário diálogo e debate, o mesmo com a PEC 55. Se a condução desse debate está enviesada é passível de divergências, mas é inegável que se está discutindo e procurando entender melhor os meandros da PEC e da MP do que anteriormente ao movimento.
'O que se faz realmente necessário é conhecimento! E falo de conhecimento que demanda real esforço para ser alcançado.'
E conhecimento não é o que estamos tentando construir? Estamos nos esforçando para convidar os cursos ao debate, com contrários e favoráveis a nossas pautas. Assembleias de cursos, aulas públicas, reuniões constantes, leitura dos textos da PEC e da MP, estudos da história econômica do país para nos situarmos e entendermos essas medidas em todas suas dimensões, enfim, abordagens distintas para a análise mais completa que nos é possível, fugindo de simplificações e discursos enlatados.
'Os manifestantes demonstram serem ignorantes ou mal intencionados. Isso porque as melhores ideias jamais precisaram de movimentos populares para se estabelecerem. O domínio do fogo, a concepção da agricultura, a mecânica newtoniana, o cálculo diferencial e integral, a mecânica quântica, a teoria dos jogos e a teoria da evolução das espécies são ideias que naturalmente se inseriram nas sociedades desenvolvidas, por serem esteticamente belas e profundamente práticas. Houve aqueles que se sentiram ameaçados pelas ideias de Darwin e pela teoria heliocêntrica, entre outros exemplos históricos. Mas eles foram naturalmente calados pelo tempo.'
Aqui o argumento mais infeliz. Uma resposta completa e exemplificada nos demandaria mais espaço. Resumiremos alguns pontos.
Esquece-se do sangue derramado na luta pela consolidação do que o senhor afirma 'ideias que naturalmentes se inseriram nas sociedades desenvolvidas'. As grandes transformações sociais, as revoluções, banhadas ao sangue popular, que permitiram o surgimento de novas eras, rompendo o obscurantismo de eras anteriores, e.g., do feudalismo ao capitalismo, simbolizada também pela sangrenta revolução burguesa de 1789, na França.
O que seria da sua liberdade de cátedra sem o passado de luta de movimentos populares? O quão diferente seria o panorama da - ainda desigual - ciência brasileira, se não fosse pela luta de movimentos de emancipação da mulher, da liberdade do negro, pela democracia? Quantos colegas seus foram perseguidos, perderam o cargo, foram presos, torturados na luta pela liberdade de pensamento? Quantos novos Marie Curie, Ada Lovelace, Milton Santos, Neil deGrasse, Albert Einstein, Alan Turing poderíam ter surgido, mas ficaram pelo caminho, fuzilados, impedidos, esquecidos, proibidos por aqueles que alegavam, em nome da ciência de sua época, a legitimidade da opressão à mulher, do racismo, da perseguição a minorias étnicas e sexuais?
A nossa luta é política, e isso não exclui a racionalidade. O senhor tenta passar a imagem de 'jovens despreparados emocionalmente', 'irracionais', mas em momento algum vemos alguma fundamentação para essas ilações, a não ser alguns sofismas muito comuns da crítica rasa que abundam pela internet, fruto da 'era da informação', citada também no seu texto. Não vemos análise alguma das pautas do movimento, a PEC 55 e a MP 746, o mais importante no momento.
'Parte de meu trabalho é lecionar para muitos alunos que não estudam, que não refletem, que não discutem.'
Aqui estamos estudando, refletindo e discutindo.
'Em contextos sociais, se uma ideia precisa ser imposta, isso significa que provavelmente não é uma boa ideia, mas apenas um delírio compartilhado por um punhado de hasteadores de bandeiras.'
A nossa pauta é exatamente a luta contra essas ideias impostas sem que suas necessidades sejam demonstradas: a PEC e a MP. O que fazer quando uma medida de amplo alcance e transformação como estas nos são impostas? Consentir ou reagir? Sobre a ocupações, o que estamos impondo é exatamente o que o senhor diz que mais falta aos alunos: o questionamento e a reflexão.
Finalmente, supor que aqui falte 'capacidade de discernimento' é subestimar aqueles que são e foram alunos seus. Como aqui defendemos as melhorias na pesquisa, qualidade da educação, sem cultivarmos inimigos internos, seja docente ou discente, decidimos convidá-lo para um diálogo em que as divergências sejam debatidas, com reflexões e questionamentos de ambas as partes, em que ideias não sejam impostas, mas construídas. Propomos uma data ainda essa semana, como sua agenda lhe permitir.
Aguardamos uma resposta com data e local de sua preferência.
Atenciosamente,
Ocupa Exatas UFPR."
Imediatamente respondi, aceitando o convite e propondo o debate para o dia 16 de novembro, às 19:00h. No dia seguinte à minha resposta, eu ainda não havia recebido qualquer retorno. Insisti. Foi quando finalmente recebi a seguinte mensagem:
"Estamos buscando um consenso no horário internamente, pois no ímpeto da resposta nos esquecemos das diversas atividades que os comandos de greve e as ocupações estão realizando essa semana, as quais não podemos atropelar.
Teremos alunos participando da J3M do depto. de matemática, alunos da física em assembleias de curso,alunos da computação comprometidos com minicursos e oficinas até sexta-feira. Ainda temos também os professores que continuam a dar aula e a cobrar presença. Como o senhor dá aulas no horário de quarta às 19h, sugerimos para a próxima semana, dia 23, no mesmo horário, no auditório do departamento de informática, onde há conforto suficiente para todos. Aproveitaremos o tempo até lá para ampliar a divulgação, convocando mais estudantes e docentes a contribuir com o evento.
Ansiamos pelo debate."
No mesmo dia 15 respondi que eu concordava com a nova data. Perguntei se eu poderia fazer a divulgação do debate. Não obtive resposta.
No dia 18 de novembro, motivado em parte por certos comentários anônimos que recebi em meu blog, insisti novamente com o movimento OCUPA EXATAS UFPR. Eu queria saber se eu poderia divulgar a data, o local e o horário do debate. Eu precisava apenas da confirmação desses alunos. Recebi a seguinte resposta:
"Sim, professor. Pode divulgar."
E foi o que fiz! Anunciei em minha página pessoal Facebook que, no dia 23 de novembro, haveria um debate entre alunos do movimento de ocupação e eu. Este debate aconteceria às 19:00h no auditório do Departamento de Informática da UFPR.
Pois bem. Cheguei ao local, na data e no horário combinados. Estavam lá cerca de vinte alunos meus e uma professora da UNIBRASIL que tem acompanhado com interesse esses movimentos estudantis recentes. No entanto, não havia um único representante dos alunos ocupantes. Não fomos recebidos por aluno algum do OCUPA EXATAS UFPR.
Por volta das 19:30h, dois alunos meus se dirigiram para o bloco PC, um dos prédios ocupados. Eles queriam saber por que não havia membro algum do movimento de ocupação para participar do debate. Segundo esses meus dois alunos, os ocupantes nada sabiam a respeito de debate algum.
Por volta das 19:40h, um rapaz se aproximou de mim e pediu desculpas pelo transtorno provocado. Ele se identificou como um dos membros do OCUPA EXATAS UFPR. Segundo este rapaz, que afirmou ser aluno de Ciência da Computação, houve falha de organização para o debate, provocada por tumultos ocorridos na UTFPR. Minutos depois, outro membro do OCUPA EXATAS UFPR se aproximou de mim com um discurso semelhante. Estava bastante óbvio que o segundo membro do OCUPA EXATAS UFPR nada sabia a respeito do primeiro.
Pois bem. O que aprendi com isso? Aprendi que não existe seriedade entre os alunos do OCUPA EXATAS UFPR. Em momento algum recebi qualquer mensagem pedindo para adiar a data do debate. Os alunos deste movimento simplesmente ignoraram um convite feito por eles mesmos.
Como não tive chance de conversar com aqueles que ironicamente se dizem abertos ao diálogo, coloco aqui mesmo o que eu gostaria de ter dito a eles:
1) É uma mentira a afirmação de que "[a] greve estudantil, assim como as ocupações surgem exatamente para estudar, perguntar e questionar mais o mundo que vivemos". Receber somente professores e alunos que apoiam o movimento, não cria ambiente algum de esclarecimento. Sou abertamente contra este tolo movimento estudantil. No entanto, fui convidado para um debate que foi posteriormente ignorado pelos próprios alunos ocupantes.
2) Comparar este movimento de ocupação de prédios públicos com a Revolução Francesa é simplesmente um disparate. Se esses alunos ocupantes realmente se julgam capazes de derramar sangue em um país como o nosso, no qual há liberdades que simplesmente não existiam na França monárquica, então eles estão dominados por uma cegueira ideológica potencialmente incurável. Além disso, qual é o critério racional que estabelece que derramamento de sangue é uma boa ideia? Já não basta o que aconteceu com Guilherme Irish? É este o tipo de legado que os ocupantes querem deixar para o país? É este tipo de legado que os ocupantes esperam de seus opositores? Não conseguem perceber que esta pobre noção de revolução somente coloca pai contra filho, alunos contra alunos, pessoas contra pessoas? Ou será que estes ocupantes acham que o Governo Federal se importa com o sangue derramado de um aluno que tentou lutar contra o sistema vigente?
3) A menção a preconceitos contra minorias também é ingênua. Por um lado, ignora outras visões preconceituosas (como a de que revoltas populares constituem caminhos legítimos para resolver problemas sociais). E, por outro lado, ignora o papel da educação no combate real, honesto e natural aos preconceitos. Não são gritos e imposições que serão capazes de vencer preconceitos. Pelo contrário, gritos apenas tornam as pessoas mais surdas. Pessoas jamais podem ser honestamente convencidas por mecanismos artificiais definidos por imposições arbitrárias. Quando digo que as melhores ideias conquistam naturalmente seu espaço, eu jamais insinuei que elas rapidamente conquistam seu espaço. A luta contra preconceitos não ocorre na forma de batalhas sangrentas, mas na forma de educação. É uma educação que deve começar na família, se formalizar nas escolas e se estender com o convívio diário com diferentes visões de mundo.
4) A partir do momento em que meus alunos e eu somos impedidos de entrar em uma sala de aula, definitivamente não tenho liberdade de cátedra alguma. Por conta disso, fortemente recomendo que parem de ser hipócritas.
5) As pessoas mais qualificadas para avaliar o eventual impacto da PEC 55 e da MP 746 jamais serão encontradas entre alunos que ocupam prédios públicos e muito menos entre aqueles que defendem ideologias radicais. Aprendam com a ciência de hoje, como são avaliados impactos sociais! O mundo evoluiu muito desde a Revolução Francesa. Aprendam com gente como Philip Tetlock, este sim um cientista político sério!
6) Alunos podem sim promover mudanças significativas para a sociedade. Querem saber como? Então aprendam com colegas seus! Aprendam com o exemplo da Polyteck!
7) Aqueles que querem mudar sociedades precisam, antes de mais nada, de cultura científica. Quem, entre os ocupantes, conhece teoria das decisões e sabe aplicá-la? Teorias científicas não são meros caprichos humanos. Teorias científicas ajudam a definir estratégias de impacto. A melhor decisão não é aquela que produz o melhor resultado! A melhor decisão é aquela que é tomada com bases racionais.
8) Não existe UFPR! A Reitoria da UFPR entrou com pedido de reintegração de posse dos prédios ocupados ao mesmo tempo em que o Setor de Educação da UFPR publica nota de apoio ao movimento estudantil. Ou seja, a UFPR carece de unidade institucional. Isso mostra que os alunos, sejam ocupantes ou não, estão mergulhados em uma realidade desprovida de referências.
9) Os alunos ocupantes apelaram para a estratégia da imposição justamente porque eles não contam com qualquer outra forma de apoio institucional. Os alunos ocupantes estão sozinhos nesta luta já perdida. E é neste momento que cabe a reflexão honesta: se não podemos lutar agora, devemos primeiramente nos armar. E a arma a ser usada é educação.
10) Como uma pessoa pode ser educada de forma sensata no Brasil? A resposta que proponho é a seguinte: iniciativa honesta e livre de ideologias ultrapassadas. Assim como André Sionek, Fábio Rahal e Raisa Jakubiak lutam diariamente contra um sistema engessado, disforme e quebrado, influenciando construtivamente milhares de estudantes por todo o país, cada um de nós pode fazer exatamente a mesma coisa. Se apenas três jovens são capazes de fazer a diferença, lutando consistentemente contra a mediocridade de nossa educação, imaginem o que milhares de alunos ocupantes poderiam estar fazendo agora!
Eu adoraria estar apoiando os alunos que são contrários ao atual governo federal. No entanto, praticamente todas as pessoas de nossa nação carecem de referenciais para um convívio social saudável. E os alunos, ocupantes ou não, igualmente navegam como meros náufragos nesta realidade corrompida de cola na escola, de agendamentos não cumpridos, de falta de sintonia com os mais recentes avanços das ciências e das artes, de jeitinhos desonestos para lidar com problemas do cotidiano.
Recebi neste blog comentários anônimos de alguém que disse que estaria presente ao debate, para me ensinar os princípios básicos da boa argumentação. Este alguém não se manifestou. E eu estava lá! Novo blefe dos encapuzados que se escondem no anonimato. E por que fazem isso? Porque são covardes. Porque não entendem que, em um debate, o que está em jogo são ideias e não pessoas. Alguns me disseram que eu perderia no debate. Outros disseram que eu ganharia. Tolices! Não estou disputando qualquer campeonato de debates. Estou apenas tentando acrescentar algo construtivo em meio a um ambiente de tumulto.
Se não querem ajuda, nada posso fazer. Não posso ocupar casas de ocupantes. Não posso forçá-los ao diálogo.
Durante toda a minha vida estudei em escola pública. Tínhamos aulas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Essas disciplinas eram evidentes propagandas políticas da ditadura militar, semeadas entre jovens que não tinham acesso a internet, que não tinham acesso a visões diferentes de mundo. Engolimos a propaganda ideológica de morrer pela pátria e viver sem razão? Não! O que fizemos? Estudamos! Fizemos contato com a NASA, para recebermos por correio informações a respeito de outras realidades. Buscamos conhecimentos fora da escola. Criamos nossos próprios laboratórios domésticos. Escrevemos nossas próprias histórias ficcionais. Fizemos concursos para estabelecer quem escrevia a melhor enciclopédia. Fabricamos nossa própria pólvora. Fabricamos nossos próprios rádios sem pilhas. Participamos de feiras de ciências, sem apoio de professor algum. E conquistamos prêmios nessas feiras! Cavamos, lutamos, estudamos. Alguns de nós se tornaram médicos, químicos, matemáticos, filósofos e, claro, professores. E agora o que temos? O que temos são alunos que acham chata a leitura do Discurso do Método, de Descartes, e outros que ocupam prédios. Temos jovens que são norteados por visões tolas a respeito de revoluções sociais, verdadeiras vítimas de uma educação boçal que valoriza o consumo e esquece por completo o mundo das ideias, o mundo das verdadeiras revoluções produzidas pela ciência e pelas artes.
Gritar palavras de ordem em uníssono com alunos não é forma alguma de apoio à educação. Apoio à educação ocorre de forma diária e lenta. É algo que consome décadas de dedicação. Não se conquista educação da noite para o dia. Não se conquista educação com um clique no computador ou um berro na esquina. Se alguém neste mundo se julga informado por ter acesso à internet, este mesmo alguém deve agradecer aos céus por não estar sendo testemunhado pelos seus antepassados.
Lamento muito não poder levar a sério nem mesmo os jovens deste país. É realmente uma pena. Os jovens eram a minha última esperança. E até mesmo esta esperança está sob ameaça.
Na foto acima vemos o autor desta postagem e seus alunos, discutindo sobre mecânica celeste em frente ao prédio ocupado por alunos grevistas.
Na foto acima vemos o autor desta postagem e seus alunos, aguardando em vão os membros do OCUPA EXATAS UFPR.