terça-feira, 29 de outubro de 2013

Honestidade Intelectual


O que é honestidade intelectual?

1) É não afirmar que sabe, quando não sabe.

2) É ouvir críticas e pensar sobre elas.

3) É promover críticas, quando houver receptividade. E se calar, quando não houver.

4) É não tirar proveito da ignorância do próximo, para expor como verdadeiro um conhecimento duvidoso ou falso.

5) É reconhecer que não existem definições claras e inquestionáveis para os conceitos de conhecimento científico, verdade, racionalidade, lógica, intuição, epistemologia, ontologia e metodologia científica.

6) É não usar os argumentos da autoridade, da contra-autoridade, da tradição ou da revelação.

7) É não aceitar os argumentos da autoridade, da contra-autoridade, da tradição ou da revelação.

8) É não se apresentar como um especialista em uma área do conhecimento, sem jamais ter reconhecidamente produzido algum conhecimento não-trivial nesta área. 

9) É reconhecer que publicações locais com citações locais não caracterizam produção de conhecimento.

10) É reconhecer que é muito mais fácil perceber uma ideia tola do que uma pessoa tola. 

11) É reconhecer que não existe método universal para detectar ideias tolas e que, portanto, perceber uma ideia tola é uma tarefa difícil.

12) É perceber que é muito mais fácil criticar do que produzir.

13) É perceber que qualquer ideia não trivial pode ser criticada com propriedade.

A diferença entre utopia, sonho e realidade


Utopia

Prédios de arquitetura singela, a combinar suas transparentes paredes com o fino ar da manhã que as cercam, alternam ângulos agudos como navalhas com superfícies suaves como o ondular de um calmo lago. Os brilhantes e vespertinos raios solares parecem compor parte indefinida do robusto e delicado desenho de edifícios totalmente desprovidos de superfícies opacas, permitindo que a colorida imagem do verde e extenso gramado atravesse e se reflita no contorno que não discrimina entre o dentro e o fora. Sem que se perceba qualquer falha presença humana, aquela suave miríade de brilhos e cores, contrastes e tonalidades, espessuras e texturas, com sugestões de movimentos a partir do estático desenho arquitetônico, ambientam uma caleidoscópica sonoridade de sofisticados equipamentos eletrônicos, raros pássaros, extintos mamíferos, leves e pesados veículos, quedas d'água, flores crescendo, formigas construindo, rochas em avalanche, diálogos inefáveis. 

O navegar pelos transparentes corredores da irreconhecível e ainda familiar arquitetura remete a um fluxo de tempo enquanto sentimento, sem outras percepções sensoriais além da onírica. Não há sons. As recordações dos caminhos já percorridos não se estagnam. Não congelam na cronologia da dinâmica de mutações da paisagem e do ponto de vista. Pelo contrário, fazem parte da inacessível ontologia que origina presente e futuro. O passado é também dinâmico em percepção, pois em constantes mergulhos nas recordações do que se viu percebem-se novos aspectos explicáveis apenas em termos do presente estágio e das expectativas do que há por vir. Dessa forma, o futuro também influencia o passado naqueles brilhantes corredores, pois o tempo é apenas inerente a um ponto de vista. Apenas nós, os pontos de vista das coletivas consciências, lembramos com saudades e arrependimentos. Apenas nós, carregados de humanais sentimentos, aguardamos com ansiedade, excitação e medo. Apenas nós, seres humanos, conhecemos o tempo como sentimento. Humanais sentem o tempo que rasga a pele e quebra os ossos. Tempo é sentimento. Tempo é dor. Dor é o caminho para a liberdade. E a liberdade é igualmente um estado de espírito. 

A engenharia do infindável complexo de prédios - cuja transparência não se perde com a distância, mesmo que esconda incontáveis paredes por detrás de outras - é desprovida de métrica. Uma cristalina cúpula, de caráter puramente topológico tal qual fita de Möbius, constantemente se vira do avesso, permutando interior com exterior, sem que qualquer parte de sua superfície seja quebrada ou rasgada. Torres que remetem a garrafas de Klein que bem poderiam ficar alagadas por dentro e secas por fora, em caso de precipitação, são inundadas por conhecimentos e sentimentos traduzidos na forma de uma dinâmica de cores. Fótons individuais se perdem no labirinto de prédios sem individualidade, permanecendo presos em liberdade de reflexos, difrações, deflexões e alterações de cor e polaridade. O tridimensional se percebe bidimensionalmente, o qual transmuta para um tetradimensional de curvas de tempo que hora se abrem e hora se fecham, eclodindo em um foco de dimensão fractal. 

Livre arbítrio e destino coexistem. E, quebrando o silêncio das cores e luzes, ouve-se uma sonora voz a ecoar o seu nome. Neste momento seu conhecimento se multiplica e a gargalhada de sua iluminação ecoa por vidros, metais e mentes. 

Sonho

Um professor que perceba sua formação apenas como um primeiro e tímido passo para o conhecimento. Um autor que explicite as lacunas e as inconsistências das ciências exatas, a incoerência e a falta de humanidade das ciências humanas, a fragilidade e a pluralidade das filosofias, as incertas certezas da teologia, as obscenidades da cultura, os limites metodológicos das ciências biológicas, as dúvidas humanas e a paixão pelo conhecimento. Um cientista que questione a importância social de seu trabalho, que seja ousado, que ambicione, que seja perenemente insatisfeito com suas ideias. Um aluno que questione os seus mestres, que duvide de autores e que perceba que suas indagações são ingênuas. 

Realidade

O resto.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

QUALIS = Uróboro



Durante minha carreira jamais prestei atenção em parâmetros brasileiros de produção acadêmica. Meu Curriculum Vitae na Plataforma Lattes sempre foi incompleto; somente uma vez formatei artigo meu de acordo com a repugnante ABNT (não tive escolha, na época); e sempre estranhei a obsessão de colegas meus com o tal do QUALIS da CAPES. Meus padrões para produção científica e filosófica sempre foram baseados em critérios internacionais. Hoje reconheço que esta postura foi um erro meu. Foi um erro que pretendo remediar parcialmente nesta postagem. O QUALIS não pode ser ignorado, simplesmente porque ele serve de orientação para pesquisadores e até mesmo estudantes do país inteiro. E, por bem ou por mal, eu vivo e trabalho no Brasil. 

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) criou e sustenta um sistema de avaliação de periódicos especializados tanto nacionais quanto internacionais. Este sistema é conhecido como QUALIS. E tal fato é muito intrigante. Por um lado, a avaliação de perfil de periódicos especializados é uma tarefa extremamente complicada. E, por outro lado, já existem instrumentos confiáveis que promovem tal avaliação sobre periódicos do mundo inteiro. Portanto, por que um órgão brasileiro de fomento à pesquisa precisa criar um sistema como o QUALIS? E por que o QUALIS é usado para fins de avaliação de produção intelectual? Esta é uma forma de insistir na diferença entre ciência brasileira e ciência praticada no resto do mundo? 

Nas duas últimas postagens fiz uma breve avaliação sobre o perfil da produção filosófica brasileira. E os primeiros resultados foram assustadores. Diferente da produção acadêmica em áreas como física e matemática, a filosofia brasileira é praticamente inexpressiva. E, apesar disso, há um considerável apoio financeiro para pesquisas filosóficas que não têm relevância alguma perante o mundo. 

No entanto, é importante destacar que, como qualquer rede social, existe uma intrincada relação entre instituições e pessoas em nosso país. São pessoas que concebem e mantém instituições. E são instituições que definem o rumo profissional de pessoas. A discussão sobre a produção intelectual de filósofos brasileiros remete apenas a um dos ingredientes da rede acadêmica de nossa nação. Mas tal discussão fica incompleta enquanto não for promovida uma análise sobre influências institucionais. Afinal, os profissionais mais velhos de hoje definem instituições que exercem poderosas influências sobre os mais jovens. Em outras palavras, o sistema alimenta a si mesmo. Resta saber de que forma.

Neste sentido, a presente postagem pode ser entendida como a terceira parte de uma discussão iniciada aqui sobre a produção filosófica brasileira. 

O Scientific Journal Rankings (SJR) da SCImago é um conhecido e respeitado instrumento de avaliação da influência científica de periódicos especializados. Esta ferramenta opera de maneira parecida com o algoritmo PageRank, usado no mundo inteiro para avaliar a importância social de sites na internet. De acordo com o SJR (avaliação de 2012), os vinte periódicos mais importantes em filosofia são os seguintes: 

1. The Philosophical Review (EUA)

2. Ethics (EUA)

3. Nous (Grã-Bretanha)

4. The Journal of Philosophy (EUA)

5. Logica Universalis (Suíça)

6. Review of Philosophy and Psychology (Alemanha)

7. British Journal for the Philosophy of Science (Grã-Bretanha)

8. Mind (Grã-Bretanha)

9. Philosophical Quarterly (Grã-Bretanha)

10. Analysis (EUA)

11. Journal of Philosophical Logic (Holanda)

12. Logic Journal of the IGPL (Grã-Bretanha)

13. Philosophy and Phenomenological Research (Grã-Bretanha)

14. Philosophical Studies (Holanda)

15. Australasian Journal of Philosophy (Grã-Bretanha)

16. Review of Symbolic Logic (Grã-Bretanha)

17. Synthese (Holanda)

18. Philosophy of Science (EUA)

19. Erkenntnis (Holanda)

20. Studies in History and Philosophy of Science Part B - Studies in History and Philosophy of Modern Physics (Grã-Bretanha) 

Mesmo entre os cinquenta melhores periódicos de filosofia não há um único brasileiro. 

Agora comparemos os critérios internacionais do SJR com o sistema QUALIS da CAPES. De acordo com o QUALIS, cada um dos três melhores periódicos de filosofia do mundo tem conceito C, o mais baixo de todos. O norte-americano The Journal of Philosophy, que aparece no SJR como o quarto melhor periódico de filosofia do mundo, sequer consta no sistema QUALIS. Na verdade, apenas quatro periódicos da lista acima têm conceito A no QUALIS. A maioria tem conceito C, uns poucos têm conceito B e outros sequer são listados na base de dados da CAPES. E outras inconsistências entre SJR e QUALIS ocorrem, além dessas. Periódicos brasileiros de filosofia como Kriterion e Manuscrito, tão procurados pelos filósofos de nossas terras, têm ambos QUALIS A. Mas nenhum deles consta na lista SJR dos cinquenta melhores periódicos de filosofia. 

O leitor pode questionar sobre os motivos para tais inconsistências. Pois bem. A explicação está nos critérios usados pela própria CAPES. De acordo com o Comunicado número 001/2013 da CAPES (Área de Filosofia), assinado por Danilo Marcondes de Souza Filho, Ivan Domingues e João Carlos Salles, "[P]eriódicos em que não houve publicação por membros do corpo docente ou discente de um curso de pós-graduação em Filosofia no país são colocados na categoria C provisoriamente de modo a não contarem no percentual alocado pela Capes para os diferentes estratos e que não inclui o C. Quando houver publicações nesses periódicos eles serão então reclassificados, levando-se em conta a classificação anterior."

Em primeiro lugar, tal critério parte do pressuposto de que somente indivíduos vinculados a programas de pós-graduação podem ter suas publicações consideradas pela CAPES. Isso, por si só, não é uma estratégia inteligente. Mas o mais surpreendente é o bizarro ciclo imposto por tal regra. Pesquisadores brasileiros na área de filosofia são naturalmente impelidos a publicar artigos em periódicos classificados como QUALIS A. Afinal, isso facilita no processo de concessão de bolsas e (oficialmente) tem repercussão na avaliação de programas de pós-graduação. No entanto, importantes periódicos internacionais de filosofia são avaliados com QUALIS C ou até mesmo ignorados por esta base de dados, simplesmente porque não há brasileiros publicando neles. Logo, o QUALIS se demonstra como uma iniciativa institucional para (deliberadamente) isolar a filosofia brasileira do resto do mundo. Esta é parte da estratégia da CAPES para perpetuar um sistema de simples solidão. 

A única vantagem que consigo perceber neste monstro que se alimenta da própria cauda é a confortável ilusão de uma produção intelectual que interessa apenas a membros da grande família brasileira. 

Espero que o leitor não esteja cansado com tantas postagens seguidas sobre a filosofia no Brasil. Desde que o tema surgiu, tenho recebido um considerável volume de e-mails e mensagens no facebook, tanto de críticos quanto daqueles que apoiam e complementam as ideias aqui expostas. Um dos e-mails que recebi foi do lógico Jean-Yves Beziau, o qual chamou atenção para os conflitos entre QUALIS e a realidade mundial. O fato é que uma filosofia relevante certamente pode ter repercussões importantes sobre outras áreas do conhecimento, incluindo matemática. Mas, com o atual quadro da filosofia brasileira, nosso país só está perdendo... novamente.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Filosofia do Medo


A última postagem deste blog rapidamente se colocou entre as mais visualizadas desde 2009, o que demonstra que o tema desperta interesse. No entanto, algumas pessoas julgam que o levantamento realizado sobre pesquisadores do CNPq não foi justo. Muitos alegam que filosofia tem certas peculiaridades diferentes de áreas como matemática, física ou ciências biológicas. Por conta disso, em filosofia não se poderia usar critérios internacionais de publicação em periódicos especializados (indexados em Web of Knowledge - WoK) para fins de avaliação de produtividade acadêmica. Como eu mesmo não entendo o que seriam essas peculiaridades (apesar de meu doutoramento ter sido em filosofia, pela USP), resolvi aplicar os mesmos critérios de avaliação sobre outros filósofos que trabalham em diferentes partes do mundo. Vejam os resultados preliminares:

R. Lanier Anderson (Stanford University). Ele tem nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um dos artigos tem doze citações.

Christopher Bobonich (Stanford University). Ele tem catorze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Michael E. Bratman (Stanford University). Ele tem vinte e sete artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cento e noventa e duas citações.

Solomon Feferman (Stanford University). Ele tem quarenta e nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e seis citações.

Otávio Bueno (University of Miami). Este brasileiro que trabalha nos Estados Unidos é autor de pelo menos* trinta e dois artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações. 

Walter Carnielli (Unicamp). Outro brasileiro que já publicou pelo menos* trinta e três artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e quatro citações.

Jean-Yves Beziau (UFRJ). Este francês trabalha atualmente no Brasil e conta com pelo menos* doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem 4 citações.

Simon Evnine (University of Miami). Tem doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações.

Susan Haack (University of Miami). Tem pelo menos* quarenta e um artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Frank Arntzenius (University of Oxford). Conta com vinte e oito artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem trinta e três citações.

Brian Leftow (University of Oxford). Cinquenta artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cinco citações.

Simon Saunders (University of Oxford). Autor de pelo menos* vinte artigos veiculados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e uma citações.

Em suma, comparando os exemplos acima com a produção filosófica daqueles que são supostamente a elite da área em nosso país, ficam evidentes os seguintes fatos:

1) Se existe alguma expressividade internacional na produção filosófica brasileira, ela não está representada pela maioria dos pesquisadores do CNPq, pelo menos no nível mais alto, 1A. 

2) Se existe alguma relevância nas pesquisas de profissionais como Guido Antonio de Almeida (UFRJ), Ivan Domingues (UFMG), Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP), Marilena de Souza Chauí (USP), Nelson Gonçalves Gomes (UNB), Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio), Paulo Eduardo Arantes (USP), Raul Ferreira Landim Filho (UFRJ), Renato Janine Ribeiro (USP), Ricardo Ribeiro Terra (USP) ou Roberto Cabral de Melo Machado (UFRJ), ela é praticamente ignorada pela comunidade filosófica internacional. São todos eles pesquisadores nível 1A do CNPq, mas com produção quase invisível no cenário mundial.

3) A filosofia que parece ser praticada no Brasil é a filosofia do medo. Assim como existem alunos que são dominados pelo medo de participar de aulas, também existem professores/pesquisadores que têm medo de expor suas ideias perante o mundo. Este é o inconveniente perfil da filosofia no Brasil: ela é marcada por publicações predominantemente locais. 

Outras críticas foram feitas à postagem sobre pesquisadores do CNPq. Algumas pessoas demonstraram claramente nunca terem ouvido falar de Web of Knowledge. Houve quem dissesse que Web of Knowledge "não está com nada". Tais reações também são consistentes com um Brasil não apenas isolado do resto do planeta, mas perigosamente ignorante e ingênuo. 

Sempre ouço pessoas dizerem, em tom de conformismo: "É a realidade brasileira. É a realidade brasileira..." E sempre respondo: "Não existe uma realidade brasileira. Brasil é uma Ilha da Fantasia." O nosso país comumente confunde trabalho com ocupação. Raramente se trabalha neste país. Vivemos em uma nação na qual gente demais se mantém simplesmente ocupada de segunda a sexta e vegeta nos fins de semana. Mas, em produção real, são poucos os envolvidos. 

Recebi agora há pouco e-mail de um brasileiro que trabalha no departamento de filosofia de uma universidade dos Estados Unidos. Reproduzo abaixo parte da mensagem:


"[s]into uma diferença imensa no método americano em relação ao qual fui ensinado no Brasil. Apesar de sempre ter gostado de filosofia analítica, o que era exigido de mim na graduação era simplesmente interpretação de textos; nunca me pediram para escrever se algo era certo ou errado. Nunca interessou se eu poderia construir um argumento a favor ou contra um problema filosófico. Sou Teaching Assistant de Intro to Philosophy e exijo de meus alunos (mesmo quem está no primeiro semestre) que argumentem a favor e contra o fundacionalismo de Descartes, por exemplo, e que mostrem alternativas."


Resumindo, não recomendo aos jovens brasileiros que estudem filosofia em nosso país. Esta não é uma área forte por aqui. E há convincentes evidências de que fenômeno semelhante ocorre em outras áreas acadêmicas, como letras e educação. 
__________________________
*Emprego a expressão "pelo menos" para destacar que há pesquisadores homônimos, o que dificulta a filtragem de informações.

** Estarei viajando nos próximos dias. Por isso posso demorar para moderar e responder comentários.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O que é um Pesquisador do CNPq?



Tenho publicado menos textos neste blog por conta de um projeto que estou desenvolvendo em parceria com o meu filho e uma produtora de cinema no Rio de Janeiro. O tema do projeto é, naturalmente, educação (com foco em matemática). E sobre isso pretendo discutir abertamente quando a hora certa chegar. Além disso, nos últimos meses estou dando preferência à publicação de certas postagens mais especializadas, que exponham fatos pouco conhecidos e raramente discutidos de forma crítica. O presente texto é mais um exemplo das novas tendências deste site

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é um dos principais órgãos federais de fomento à pesquisa no Brasil. No entanto, já está bastante claro que a ciência brasileira passa por um período de grave crise, com periódicos especializados sendo citados na revista britânica Nature por fraude, número de citações a pesquisadores brasileiros caindo no mundo inteiro, crescente desinteresse dos jovens por ciências exatas e biológicas, entre outros exemplos. Portanto, acredito que seja importante promover uma análise sobre o complexo perfil de órgãos como o CNPq. Afinal, quando o CNPq avalia o mérito de uma proposta de desenvolvimento científico e tecnológico, o que exatamente é levado em consideração? 

Para aqueles que não sabem, o CNPq oferece bolsas de produtividade em pesquisa para profissionais do mundo acadêmico brasileiro (o que naturalmente inclui a concessão de bolsas para estrangeiros). Isso significa que todos nós pagamos, através de impostos, para que certas pessoas façam avançar o conhecimento científico e tecnológico de nossa nação e do mundo. No entanto, no site do CNPq não há informações detalhadas sobre o destino dessas verbas federais. Quem recebe essas bolsas? Por que alguns recebem este tipo de apoio e outros não? Quais são os critérios usados para a concessão de bolsas?

Importante também frisar que a concessão de bolsas não tem reflexos apenas sobre os cofres públicos e o bolso de quem recebe. Bolsas para pesquisadores apresentam reflexos muito visíveis em instituições nas quais estão lotados os pesquisadores, bem como em grupos de pesquisa.

Sozinho, não tenho condições de avaliar bolsistas do CNPq em todas as áreas e modalidades. Os motivos são dois: 1) Não tenho em mãos todas as informações necessárias e 2) Não tenho condições de processar todas essas informações sem ajuda. 

Por isso escolhi, por enquanto, uma única área do conhecimento para promover uma primeira análise: filosofia.

Tenho comigo a lista de todos os bolsistas de produtividade em pesquisa na área de filosofia, em nosso país. São, no total, cento e quarenta. Algumas dessas bolsas encerram no início de 2014 e outras em 2017. Para esta postagem decidi analisar prioritariamente os treze bolsistas nível 1A em filosofia. 1A é o nível mais elevado das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq. E a questão que levanto é a seguinte: Existe sintonia entre as exigências do CNPq para a concessão de bolsas de pesquisa e as demandas da comunidade acadêmica internacional? Se houver tal sintonia, parabéns ao CNPq! Afinal, ciência e filosofia são edificantes quando não estão sujeitas a fronteiras ditadas por divisões políticas, crenças pessoais, linguagem ou outros fatores sociais produzidos pela arbitrariedade humana. No entanto, encontrei fortes evidências de que o CNPq sustenta parte significativa de suas políticas de apoio à pesquisa em bases que pouco têm a ver com as tendências acadêmicas em escala global.

Como fiz a análise? Simplesmente comparei informações fornecidas pelos próprios pesquisadores na Plataforma Lattes (também de responsabilidade do CNPq!) com informações disponíveis em Web of Knowledge. Web of Knowledge (que abrevio como WoK) é um site de acesso restrito no qual consta a verdadeira produção científica relevante de todos os pesquisadores do mundo. Neste momento, portanto, convém que eu qualifique dois adjetivos:

1) Afirmo que as informações disponíveis em WoK são verdadeiras no sentido de serem obtidas diretamente a partir dos periódicos especializados que publicam resultados de pesquisas. Como a Plataforma Lattes está vergonhosamente infestada de mentiras (titulações falsas, publicações que nunca aconteceram, entre outras), a comparação entre essas duas fontes é fundamental para apurar fatos.

2) Afirmo que a produção científica e tecnológica reportada em WoK é relevante no sentido de espelhar a produção que atende a parâmetros mínimos de qualidade editorial acadêmica. É claro que existem periódicos especializados importantes ainda não indexados em WoK, assim como existem periódicos de qualidade questionável que estão indexados. No entanto, WoK ainda é a fonte mais confiável para uma primeira avaliação, tanto de produção científica e tecnológica quanto de impacto de pesquisas. 

Vale observar ainda que, usualmente, produção científica original e relevante se faz através da publicação de artigos em periódicos especializados de circulação internacional, com corpo editorial e sistema de referees. E filosofia, no âmbito internacional, não é exceção. Espero não ter que discutir sobre este ponto com eventuais críticos pré-programados com discursos vazios, repetitivos e sem sintonia com a realidade mundial.

Pois bem. Aqui estão os treze bolsistas de produtividade em pesquisa nível 1A do CNPq, na área de filosofia. 

Marilena de Souza Chauí (USP). Existem seis publicações de Chauí em periódicos indexados em WoK, no período de 1983 a 2012. O número total de citações a essas seis publicações, neste índice, é zero. Porém, de acordo com a Plataforma Lattes (última atualização em 02/09/2013), Chauí publicou quarenta e um artigos em periódicos supostamente especializados, trinta e cinco livros, sessenta e oito capítulos de livros e duzentos e sessenta e um textos em jornais e revistas não especializados, entre outros. Esses números evidenciam um perfil claro. O impacto internacional da produção acadêmica original de Chauí é muito pequeno. Ela privilegia, em suas publicações, mídias locais (de circulação nacional). Entre os trabalhos que ela mesma aponta na Plataforma Lattes como os mais relevantes, está um artigo em Revue des Sciences Philosophiques et Theologiques (sem citações registradas em WoK), um artigo na revista carioca Analytica (não indexada em WoK) e um artigo publicado em 1990 na Folha de São Paulo. Correndo o risco de subestimar o leitor, devo salientar que Folha de São Paulo não é uma publicação especializada em filosofia. É claro que não podemos ignorar honrarias internacionais feitas a Chauí, incluindo o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Université de Paris VIII. No entanto, como até mesmo o falecido cantor pop Michael Jackson e o ator hollywoodiano Ben Afleck já receberam títulos de Doutor Honoris Causa de prestigiadas instituições, eu gostaria de saber onde exatamente está a linha que separa mérito acadêmico de manobra política. 

Guido Antonio de Almeida (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (última atualização feita em 29/06/2010), Almeida é editor da revista carioca Analytica (não indexada em WoK). Na mesma base de dados são informados dois artigos publicados em Kriterion e três publicações em Revue Philosophique de Louvain. ambos indexados em WoK. No entanto, de acordo com o próprio autor, das três publicações em Revue Philosophique de Louvain, duas são resenhas. São resenhas que estão listadas no campo designado para artigos completos publicados em periódicos especializados. Redundante dizer que resenhas não são artigos completos! Portanto, as informações prestadas por Almeida na Plataforma Lattes são, no mínimo, contraditórias. Quanto aos demais artigos declarados, são todos em periódicos de circulação local e não indexados em WoK. Também é estranho perceber que Almeida afirma que Revue Philosophique de Louvain é uma publicação de Belo Horizonte, sendo que se trata de um periódico belga. E apesar de Kriterion e Revue Philosophique de Louvain estarem indexados em WoK, neste banco de dados não consta uma única dessas publicações. As informações sobre Kriterion ainda estão sendo alimentadas em WoK, o que justificaria a falta de dados. No entanto, Almeida declara uma publicação no volume 20 de Revue Philosophique de Louvain, em 1993. E vale observar que em 1993 a Revue Philosophique de Louvain estava no volume 91. Portanto, mais uma inconsistência. Almeida ainda destaca entre suas publicações mais relevantes quatro capítulos de livros e um trabalho completo publicado em anais de congresso. O que transparece nas informações prestadas por Almeida é que ele atribui uma importância secundária a seus artigos. Este, aliás, é um comportamento comum no Brasil. São muitos os pesquisadores que preferem publicar seus trabalhos em anais ou livros obscuros. Isso porque tais obras têm circulação extremamente limitada. Pouca gente lê, mesmo entre especialistas.

Itala Maria Loffredo D'Ottaviano (Unicamp). Há treze artigos de D'Ottaviano em periódicos indexados em WoK. Um desses artigos tem 22 citações (já excluídas as auto-citações), o que é um ótimo resultado. De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 20/08/2013), D'Ottaviano publica predominantemente em veículos de circulação nacional. Mas ela destaca como produções mais relevantes quatro artigos em periódicos especializados de circulação internacional e indexados, bem como um livro publicado em 2000 pela editora Kluwer. Ou seja, D'Ottaviano transparece clara sintonia com a realidade mundial do que se entende por produção acadêmica. O único ponto que gera dúvidas em seu perfil é que ela acumula uma bolsa nível 1A do CNPq com o cargo de pró-reitora de pós-graduação na Unicamp. Compatibilizar um cargo burocrático com atividades de pesquisa é certamente um desafio. 

Ivan Domingues (UFMG). Domingues conta com sete publicações em periódico indexado em WoK, apesar de apenas uma aparecer. Isso porque todas essas sete publicações são na revista Kriterion, cujos dados ainda estão sendo inseridos naquele site. Os demais artigos foram publicados em periódicos de circulação local. De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 14/03/2013) as publicações mais relevantes de Domingues são quatro livros (um pela L'Harmattan, França, e três pela Edições Loyola, Brasil) e a sua tese de professor titular. Ou seja, mais um exemplo de alguém que não percebe a fundamental importância da publicação de artigos originais em periódicos importantes. Vale observar também que diversidade de veículos é fundamental em produção acadêmica. A revista Kriterion não é o único periódico de filosofia indexado em WoK. 

Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 08/05/2013), Santos tem treze artigos completos publicados em periódicos. Falso! Ele inclui entre os artigos um texto publicado no jornal O Estado de São Paulo, demonstrando uma clara dificuldade para distinguir produção especializada do restante. Entre os demais artigos, há um em Cahiers de Philosophie du Langage (Paris). Os demais são locais. Mas nenhuma de suas publicações ocorreu em periódico indexado em WoK. Outro exemplo de falta de sintonia com o que se entende por produção filosófica em escala internacional.

Nelson Gonçalves Gomes (UNB). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 03/07/2013), Gomes tem considerável experiência internacional. No entanto, entre os treze artigos declarados, apenas um (outro brasileiro publicando em Kriterion!) aparece em WoK. Novamente zero é o número total de citações. As publicações que ele considera mais relevantes são predominantemente livros ou capítulos de livros, deixando espaço para um único artigo veiculado pela carioca (e não indexada) Analytica

Newton Carneiro Affonso da Costa (UFSC). da Costa comete algumas imprecisões na declaração de sua volumosa produção na Plataforma Lattes. Porém, de acordo com WoK, este pesquisador conta com noventa e seis publicações (muito mais do que os demais doze pesquisadores nível 1A somados). Todas as cinco publicações marcadas pelo autor como as mais relevantes são artigos em periódicos especializados indexados em WoK. Isso apesar de da Costa ter livros publicados em diversos países. 

Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 25/08/2013), Chateaubriand tem cinquenta e três artigos completos publicados em periódicos. Falso! Várias das referências naquela lista são resenhas e não artigos. Aparentemente esta é uma confusão comum em nosso país. Além disso, vinte e um dos artigos estão concentradas no mesmo periódico (o não-indexado Manuscrito) e no mesmo ano (2008). Um fenômeno realmente bizarro! No total, Chateaubriand conta com apenas três publicações em veículos indexados em WoK, das quais somente duas aparecem naquela base de dados. Zero citações em WoK. 

Paulo Eduardo Arantes (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 27/08/2013), Arantes é autor de sessenta e cinco artigos completos publicados em periódicos. Deste total, apenas três foram publicados em periódicos indexados em WoK; foram nos veículos Tempo Social (USP), Trans/form/ação (Unesp) e Cultural Critique (Un. Minnesota Press). Novamente zero citações em WoK. Entre as publicações marcadas por Arantes como as mais relevantes de sua carreira estão três livros publicados no Brasil. Ou seja, Arantes também não prioriza artigos publicados em periódicos especializados. Mais um exemplo de isolamento em relação ao mundo.

Raul Ferreira Landim Filho (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 05/11/2012), Landim é autor de trinta artigos completos em periódicos especializados. Apenas dois foram veiculados por periódico indexado em WoK (novamente na revista Kriterion, como tantos outros do Brasil). E novamente esses dados não puderam ser confirmados em WoK. Pelo menos Landim destaca quatro artigos entre suas cinco publicações mais relevantes. 

Renato Janine Ribeiro (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 30/07/2013), Ribeiro é autor de setenta e quatro artigos completos em periódicos especializados. Deste total, três foram veiculados em periódicos indexados em WoK. Apesar disso, há algumas publicações em periódicos estrangeiros, o que pelo menos demonstra uma diversidade de publicações maior do que a média dos pesquisadores nível 1A em filosofia. No entanto, Ribeiro também confere maior valor a livros do que artigos. Entre as cinco publicações destacadas pelo autor, apenas uma é artigo em periódico especializado. O restante são quatro livros publicados no Brasil. Zero citações em WoK e umas poucas citações em outros bancos de dados. 

Ricardo Ribeiro Terra (USP). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 02/09/2013), Terra é autor de quinze artigos completos em periódicos especializados. Apesar de algumas publicações no exterior, nenhuma delas foi em veículo indexado em WoK. Entre suas publicações mais relevantes, Terra destaca um livro organizado e publicado na Alemanha, dois livros escritos e publicados no Brasil e uma conferência plenária. 

Roberto Cabral de Melo Machado (UFRJ). De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 04/09/2013), Machado é autor de oito artigos completos publicados em periódicos especializados. Quatro foram em periódicos indexados em WoK, apesar de apenas um aparecer. Isso porque temos novamente um autor que prefere publicar em Kriterion. Entre suas publicações mais relevantes, Machado destaca cinco livros veiculados no Brasil. 

Em suma, salvo raríssimas exceções, os pesquisadores nível 1A do CNPq em filosofia estão isolados demais do mundo. Isso, na prática, reflete em isolamento do Brasil. Afinal, essa gente exerce considerável influência sobre jovens universitários. 

Espero que o exemplo aqui dado seja seguido por outros. A academia brasileira está doente. Precisamos tratá-la, antes que seja tarde demais. 

Para acompanhar algumas críticas a esta postagem, clique aqui.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Cruzeiro do Sul



Após um prolongado período sem postagens, finalmente retomo as atividades deste blog. Os textos prometidos ainda estão sendo desenvolvidos. Outros que não foram anunciados também serão postados. Mas o presente artigo tem um caráter especial, uma vez que o Brasil vive hoje uma surpreendente e necessária realidade: a revolta popular.

Sempre critiquei a indiferença do povo brasileiro com relação ao descaso com educação. Mas, aparentemente, errei em minha avaliação. No último dia 26 a revista Veja publicou uma edição histórica sobre as imensas manifestações que intimidaram seriamente autoridades políticas e policiais em todo o país. De acordo com o Departamento de Inteligência e Pesquisa de Mercado Abril, 45% dos manifestantes querem a melhora da educação brasileira. 

Há, evidentemente, muito caos em meio às manifestações. Este caos se torna claramente visível com a depredação de patrimônio público e particular. Mas até mesmo as exigências do povo carecem de articulação. Há, por exemplo, quem exija o fim da inflação, o que é simplesmente ridículo. Outros querem a legalização da maconha, algo que nada tem a ver com qualidade de vida. Mas a imensa maioria é mobilizada pelo fato de que o Brasil não está crescendo. Pelo contrário, em certas áreas da educação, saúde, justiça e segurança existe até mesmo retrocesso. 

Sem uma revolução drástica nos fundamentos político-sociais brasileiros (tese defendida há muito tempo neste blog) simplesmente não há esperança em nosso país. Com a atual inércia promovida pelo governo federal e apoiada por importantes segmentos sociais contrários à inovação e ao desenvolvimento, o Brasil está simplesmente fadado ao fracasso enquanto nação. 

O compositor Don Healy e eu fizemos uma música em homenagem àqueles que querem despertar o Brasil perante o mundo e diante de si mesmos. O vocal é de Iuska Wolski. 

A era em que Copa do Mundo ofuscava repressão social já passou. Mas o fato é que a revolta popular contra o atual estado em que o Brasil se encontra ainda é promovida por uma minoria. E revolta popular não se promove apenas com passeatas e gritos de palavras de ordem. Revolta popular se promove também com informação, análise crítica e, principalmente, denúncia. Afinal, manifestações em praça pública não podem ser realizadas todos os dias. Mas vigilância e denúncia certamente podem e devem ser praticadas diariamente. O Brasil, como qualquer outro país, precisa disso hoje e sempre.

Seguem abaixo a letra da música Cruzeiro do Sul e o link que permite acesso ao vídeo. 



Nesta noite
Ouvi
A minha voz

Nesta noite
De sonhos
Eu sei
É a minha vez

Marcham cem
Cem vezes mil
Gritam o som
Do meu Brasil 

Marcham cem
Cem vezes mil
Gritam ao som
Do meu Brasil 

Nesta noite
Sem fim
Não consigo
Adormecer

Nesta noite
Sem fim
Quando chega 
O amanhecer?

sábado, 13 de abril de 2013

Como conhecer o passado do Paraná? Basta conhecer o presente da Austrália!



Esta é uma postagem que venho preparando há meses, desde o ano passado. Finalmente posso publicá-la. O tema é da mais alta importância histórica, pois mostra de maneira exemplar (talvez até caricata) o absoluto desinteresse do paranaense sobre sua própria história. Por isso, imediatamente já me questiono: quantos demonstrarão algum interesse sobre este texto?

Em sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Geraldo Leão Veiga de Carvalho afirma (página 14): 

"O Paranismo, como o entendemos neste estudo, é resultado do ambiente formado desde as últimas décadas do século XIX para a edificação de uma identidade no Paraná. Foi definido oficialmente em termos estético-ideológicos por Romário Martins em 1927 e tem uma curta mas ativa presença institucional até o encerramento da circulação da revista Ilustração Paranaense, em 1931. Seus efeitos, porém, foram a tal ponto naturalizados no imaginário paranaense que podem ser notados ainda hoje em muitas formulações oficiais ou individuais."

Neste sentido, considero a mim mesmo como um paranista, apesar de ser natural do estado de São Paulo. E demonstro isso levantando a seguinte questão: qual é o real interesse do paranaense sobre o resgate histórico, social e cultural de seu próprio estado?

Há muitos anos ouço o professor curitibano Newton da Costa contar uma estranha história ocorrida na década de 1970, em Curitiba, Paraná. Segundo ele, o General Adyr Ticoulat Guimarães (irmão do médico e Senador Alô Ticoulat Guimarães) reuniu em sua biblioteca particular, ao longo de décadas, uma extensa coleção de publicações (entre livros, periódicos, panfletos e demais impressos) relativas ao estado do Paraná. E tenho esta informação confirmada por outra fonte, desta vez impressa. De acordo com o jornalista Aramis Millarch, em artigo originalmente publicado em 17 de fevereiro de 1974, a coleção do General Guimarães era a mais completa biblioteca paranista até então existente. Após o  falecimento deste ávido colecionador, a viúva do General fez contato com diversas instituições de ensino superior do estado (incluindo a UFPR), com o objetivo de vender ou doar aquele magnífico acervo. No entanto, não houve receptividade de qualquer uma dessas instituições. Nem mesmo o Governo do Estado do Paraná se interessou por aquela extensa coleção de fundamental importância histórica e cultural.

Mas algo inesperado (para os padrões tupiniquins) aconteceu. Uma instituição australiana comprou o acervo. O professor da Costa não recordava ao certo qual foi esta instituição. Ele apenas lembrava que em 1976 visitou uma biblioteca em Canberra, Austrália, e lá encontrou a Paraná Room, uma sala especialmente dedicada ao estado do Paraná, Brasil. 

Fiz contato com a Universidade de Canberra e, após extensas consultas entre arquivos e pessoas daquela instituição, recebi uma resposta definitiva e negativa. Nada sabiam a respeito desta suposta aquisição. 

Procurei contato, em seguida, com a Universidade Nacional da Austrália, também em Canberra. Novas consultas foram feitas e mais uma vez recebi uma resposta negativa.

Com receio de que este importante fragmento da história brasileira estivesse perdido para sempre, fiz uma última tentativa e enviei e-mail para a Biblioteca Nacional da Austrália, novamente em Canberra. Finalmente obtive uma resposta positiva. Traduzo abaixo trechos do e-mail que recebi:

"Agradecemos sua solicitação e pedimos desculpas pela demora para responder. No passado a Biblioteca Nacional da Austrália coletou grandes quantias de materiais da América do Sul, incluindo diversas coleções extensas. Uma delas, a coleção Guimarães, do Brasil, continha muito material do Paraná. De acordo com a nossa equipe da Overseas Colletion Development Unit, a coleção continha duas mil e quinhentas monografias do estado do Paraná e uma quantia não determinada de periódicos. [...] Contudo, a Biblioteca jamais teve uma Paraná Room; seu amigo pode ter visto o material à mostra em uma sala especial por um curto período de tempo. Nos últimos anos, porém, esta coleção, bem como outras da América Latina, foram transferidas para a Universidade La Trobe, por conta do ativo programa de estudos latino-americanos daquela instituição e do pouco uso deste material na Biblioteca Nacional. Você pode encontrar mais informações sobre as coleções latino-americanas da biblioteca da Universidade La Trobe em 

http://latrobe.libguides.com/latinamerica.

A Biblioteca Nacional da Austrália mantém poucos títulos sobre o Paraná, os quais foram adquiridos provavelmente fora das coleções que mencionei. Você pode encontrar este material em nosso catálogo 

http://catalogue.nla.gov.au/

Espero que estas informações sejam úteis para você.

Helen Wade
Reference Librarian
National Library of Australia"

Logo em seguida pude confirmar que a transferência acima mencionada da Biblioteca Nacional da Austrália para a Universidade La Trobe foi realizada em 1991.

Examinando o site da Universidade La Trobe (uma instituição de múltiplos campi no estado de Vitória, Austrália), encontrei apenas duzentas e uma publicações catalogadas on line sob a palavra de busca Parana, incluindo textos do século 19, publicados logo após a emancipação do estado em 1853. O mesmo site permite acesso também ao Boletim da Sociedade Paranaense de Matemática, única publicação especializada em matemática de nosso estado. Vale observar também que a Sociedade Paranaense de Matemática é a única sociedade estadual de matemática no Brasil e é a mais antiga sociedade de matemática deste país.

Entre as publicações paranaenses catalogadas on line na Universidade La Trobe podemos encontrar diversos documentos sobre a colonização do estado, bem como as constituições políticas oficiais promulgadas em 1892 e 1935. Há até mesmo um documento histórico sobre a tirania do Marechal Floriano Peixoto (estranhamente homenageado pelo estado de Santa Catarina, quando este nomeou sua capital como Florianópolis) e seus nocivos efeitos sobre o Paraná.

Em suma, se você, leitor ou leitora, deseja conhecer bem a história do Paraná, é melhor atualizar seu passaporte e comprar um bilhete aéreo para Canberra, Austrália. Sempre critico a falta de interesse do brasileiro sobre ciência e educação. Mas, pelo menos no estado do Paraná, este desinteresse vai muito além. Sequer o paranaense deseja conhecer a si mesmo. E isso se chama Brasil.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Submissão



Ele e Ela são casados. Ele, então, faz uma pergunta para Ela, em tom de determinação: "Posso ter uma amante, além de você?". Ela fica nervosa. Nunca havia sequer pensado nesta possibilidade. Hesita por alguns instantes. Mas, injuriada, Ela finalmente responde: "Não!". 

Agora, vejamos o que existe nas entrelinhas do primeiro ato desta pequena história real. Jamais podemos esquecer que o primeiro ato de qualquer arquitrama encerra informações vitais para o desenvolvimento do segundo e do terceiro atos. E quando as personagens são absolutamente lineares, basta prestar muita atenção no primeiro ato para sabermos com antecedência como a história se desenvolve e termina. Vejo inúmeros exemplos disso no cinema de má qualidade (como o filme Ilha do Medo, de Martin Scorsese) e na vida pessoal e profissional de indivíduos que conheço.

O simples fato de que Ele fez essa pergunta, já demonstra claramente que Ele não está satisfeito apenas com Ela. Portanto, é inevitável o envolvimento extra-conjugal. Ele realmente quer uma amante. Ela, por outro lado, não reagiu instantaneamente. Hesitou. E a hesitação é uma porta entreaberta. 

Ele consegue uma amante, a qual já cobiçava há algum tempo. Logo em seguida, Ele apresenta a desejada amante para a esposa. Silenciosamente, Ela aceita a nova realidade. Afinal, Ela é dependente financeira e emocional d'Ele. Ela é submissa.

Ele a traiu? Depende do ponto de vista. Do ponto de vista d'Ele, não houve traição alguma. Afinal, desde o início Ele sabia que Ela aceitaria a realidade de uma amante. Aquela hesitação era tudo o que Ele precisava saber. Não são palavras que definem o caráter de pessoas, mas ações. Além disso, Ela realmente aceitou a amante, apesar de jamais ter sido a mesma esposa amorosa de outrora. Do ponto de vista d'Ela, porém, a confusão em sua mente é grande demais para definir se houve traição. Afinal, traição não permite espaço para perdão. 

E do ponto de vista do leitor deste blog? Houve traição?

Reproduzo esta história com o objetivo de estabelecer uma analogia com parte da realidade das universidades federais de nosso país. O sistema centralizado e paternalista das instituições públicas de ensino superior no Brasil produz a médio e longo prazo um corpo docente infantil. Isso porque usualmente crianças não enfrentam os seus pais quando sofrem com abusos. Afinal, elas são dependentes. Sentem-se pequenas demais em relação aos seus genitores e mantenedores.

Recentemente tomei conhecimento de um procedimento preliminar que está circulando na Comissão de Ética da Universidade Federal do Paraná. É um procedimento preliminar de 49 páginas, no qual há duas acusações contra mim. Vários leitores deste blog são citados neste documento: Susan Blum, Luisandro Mendes, Gilson Maicá, Solange Mancini, Adam Azevedo, Luis Augusto Trevisan, entre outros (que assinaram seus comentários com pseudônimos). 

Por mórbida coincidência, no mesmo dia em que eu soube a respeito deste procedimento preliminar, também recebi um pornográfico formulário da UFPR. De acordo com as novas regras para o plano de carreira das instituições federais de ensino superior (resultantes da mais longa greve da categoria), tenho o direito para progredir de Professor Associado II para Professor Associado III simplesmente porque obtive meu título de doutor há dezenove anos. Para "conquistar" esta progressão, basta eu preencher o formulário, anexar fotocópia de meu diploma conquistado com real mérito, e enviar para o órgão "competente" da UFPR. Não fiz isso. E não farei. Não existe mérito algum em tempo de serviço. 

Conheço muitos professores de universidades federais que pensam da seguinte maneira: "Se um acordo é estabelecido entre a minha instituição e o Governo Federal, não tenho escolha. Preciso seguir este acordo."

Concordo que a vida oferece imposições difíceis de combater. Eventualmente somos também obrigados a nos submeter a muitas situações desagradáveis e indesejáveis. Por outro lado, isso não significa que devemos nos curvar sempre. A postura combativa faz parte do espírito científico. Durante séculos físicos se submeteram à mecânica clássica, enquanto descrição de certos fenômenos naturais. E isso ocorreu apesar das duras críticas promovidas por grandes pensadores, como Hertz, Helmholtz e Mach. Mas, com o passar do tempo, alternativas foram oferecidas e muitas vezes abraçadas, como a teoria da relatividade geral. 

No entanto, nas instituições federais de ensino superior de nosso país existe uma única situação que é sistematicamente questionada: dinheiro. Apesar dos discursos em favor de educação pública, gratuita e de qualidade, todas as greves são silenciadas com dinheiro. E quanto mais facilmente este dinheiro entrar, melhor. Tempo de serviço (como critério para obter aumento salarial), por exemplo, é algo que agrada aos mais velhos e se torna um sonho para muitos dos mais jovens. Nada além disso se questiona. Não existe espírito combativo nas instituições federais de ensino superior, a não ser quando o assunto é dinheiro. E dinheiro, por si só, não define educação e nem ciência. Em outras palavras, não existe senso crítico relevante nas instituições federais de ensino superior.

A postagem que mereceu destaque no procedimento preliminar da Comissão de Ética da UFPR foi aquela cujo título é REUNI, Andifes e demais mazelentos. Escrevi aquilo com o principal propósito de receber resposta. Como sei que professores universitários deste país encontram sérias dificuldades para ler entrelinhas, usei este fato para criar um instrumento de provocação. Demorou, mas finalmente funcionou. Aqueles que não contam com a estabilidade irrestrita do funcionalismo público, mas que precisam lutar diariamente pela sua inserção e manutenção na sociedade, sabem muito bem a diferença entre palavras e ações. Aqueles que fazem parte do mundo real, sabem que as importantes decisões são tomadas em bastidores e não em reuniões oficiais. Não foram reuniões oficiais que instituíram as ditaduras na América Latina. Não foram casamentos registrados em cartórios e prometidos diante de igrejas que garantiram a fidelidade de casais. É nos bastidores que a vida pública e a vida privada são definidas. 

Espero, a partir deste exemplo, que o leitor aprenda um pouco mais sobre as técnicas de manipulação das mentes ingênuas. E as instituições públicas de ensino deste país estão repletas de mentes ingênuas e submissas. 

Aproveitei este bizarro momento para convidar o Presidente da Comissão de Ética da UFPR (CE/UFPR) para conceder uma entrevista a este blog. Meu objetivo é tornar público as funções de tal comissão. A resposta que recebi por e-mail foi pragmática e sensata. A entrevista pode ser concedida, mas depois que a Comissão de Ética tomar uma decisão a respeito da presente demanda que me envolve. 

Enquanto isso não acontece, encaminho ao leitor cópia de carta que entreguei ontem para a CE/UFPR.
__________

Curitiba, 01 de abril de 2013

Ao Presidente da Comissão de Ética da Universidade Federal do Paraná

Professor Alexandre Knesebeck

Ref.: Procedimento Preliminar 43/2012 (ou 43/2013?)

Esta carta é minha resposta ao Procedimento Preliminar 43/2012 (ou 43/2013?), cuja cópia recebi no dia 26 de março de 2013. Não sei ao certo qual é o número do protocolo, pois em alguns documentos consta um número e, em outro, aparece um código diferente. Espero ter em mãos cópias dos documentos corretos. 

A acusação feita pela demandante, professora Silvia Helena Soares Schwab, se refere à minha conduta supostamente não compatível com os princípios enunciados no Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Reproduzo abaixo as alegações que supostamente sustentam tal acusação, seguidas de minhas respostas. Importante observar que existe uma estreita relação entre as duas alegações.

1) A demandante afirma que errei ao escrever em meu blog adonaisantanna.blogspot.com que o "Setor de Ciências Exatas não se opôs à adesão da UFPR ao REUNI". Ela sustenta seu questionamento na Ata da 515.a Reunião do Conselho Setorial realizada em 11/09/2007. Eu, por outro lado, sustento minha afirmação nas manobras políticas que não são registradas em atas, mas que testemunhei. A postura do Setor de Ciências Exatas foi exatamente a que narrei em meu blog: "Não somos favoráveis ao programa. Mas se a UFPR aderir, pode contar com o nosso apoio". Isso ocorreu em decorrência de forte pressão de instâncias superiores ao Setor de Ciências Exatas. Esta pressão era tão real e ampla que resultou na adesão da totalidade das universidades federais brasileiras ao REUNI. E, dado o caráter pedagogicamente ultrajante do REUNI, a adesão unânime das universidades federais a este obsceno programa apenas confirma a realidade política que simplesmente ignora supostas decisões democráticas registradas em atas. Além disso, o Setor de Ciências Exatas usufruiu dos benefícios financeiros do REUNI, sem demonstrar qualquer preocupação com o impacto futuro dessa decisão. Portanto, o registro em ata, mencionado pela demandante, não retrata com fidelidade a realidade política da UFPR, na qual frequentemente reuniões são meras formalidades que mascaram decisões feitas em bastidores. Se o Setor de Ciências Exatas fosse honestamente contra o REUNI, não teria usufruído dos benefícios financeiros deste programa.

2) A demandante questiona minha conduta de avaliação em disciplinas que ministrei para o curso de física desta UFPR durante o primeiro semestre de 2012, suportando seus argumentos a partir de fatos levantados no Processo 041847/2012-13 e em afirmações minhas publicadas no blog acima citado. Sobre isso posso dizer o seguinte: (i) Realizei duas provas escritas em cada uma das turmas e atribuí notas reais, conforme o desempenho de cada aluno; (ii) Aprovei com média 50 todos os alunos que não conquistaram média aritmética simples real de 50; (iii) Aprovei alunos com médias superiores a 50, nos casos em que esses alunos efetivamente conquistaram tais médias; (iv) Reprovei alunos que não compareceram em sala de aula durante a realização das provas regulares e de avaliações de segunda chamada; (v) Não houve o caso de algum aluno que tenha obtido nota máxima (100) em uma das provas e que tenha faltado à outra; mas, se houvesse, eu o teria aprovado com média 50; (vi) Não realizei exame final em qualquer uma das turmas; (vii) Não fiz controle de frequência em qualquer uma das turmas, até porque não faço controle de frequência desde 1994; (viii) Avisei meus alunos com a devida antecedência sobre meus critérios de avaliação. Minha justificativa para os critérios de avaliação adotados durante o primeiro semestre de 2012 já consta no Processo 041847/2012-13. Em resumo, apenas reagi à contradição entre exigências do REUNI e a realidade acadêmica no ensino de matemática. Ou seja, se um professor sozinho consegue manifestar na prática sua oposição contra o fato da UFPR ter assinado o contrato REUNI, não vejo motivos para que o Setor de Ciências Exatas não sustentasse sua suposta negação ao REUNI. Vale observar também que meus critérios de avaliação já foram submetidos para apreciação no Departamento de Matemática (unidade onde estou lotado) e na PROGEPE. Em nenhum dos casos minha conduta como professor foi de alguma forma reprovada.

Acrescento a seguir algumas considerações finais:

1) A demandante chegou ao ponto de registrar em cartório o testemunho de Juliano Cesar Gallice sobre o conteúdo publicado em uma das postagens de meu blog. Esta atitude sugere que a demandante tinha o receio de que eu deliberadamente mudasse o texto de minha postagem intitulada "REUNI, Andifes e demais mazelentos". Admito que já fiz alterações em textos publicados em meu blog. Mas tais alterações sempre foram da seguinte natureza: (i) correções de ortografia, pontuação e gramática; e (ii) acréscimo de informações complementares para facilitar a navegação em meu blog. Jamais fiz qualquer alteração que mudasse algum conteúdo relevante publicado.

2) A demandante demonstra uma postura obsessiva em relação aos meus critérios de avaliação de desempenho de alunos, o que caracteriza assédio moral. As evidências são as seguintes: (i) Ela afirma, em carta dirigida à Comissão de Ética, que os desdobramentos do processo 041847/2012-13 serão "eventualmente objeto de medidas administrativas de outro caráter, diferente do objeto desta representação que ora se apresenta, de caráter ético."; (ii) Ela dá prosseguimento a um processo iniciado por um colega seu do Departamento de Física (o então Coordenador do Curso de Física, Professor Celso de Araujo Duarte) e que, após avaliação em diferentes instâncias da UFPR, jamais resultou em qualquer atitude institucional contra a minha pessoa; (iii) Em nenhum momento, até agora, encontrei qualquer parecer de aluno ou ex-aluno meu que seja contrário aos critérios de avaliação que adotei durante o primeiro semestre de 2012; (iv) A demandante reproduziu de forma impressa, em dezenas de páginas do Procedimento Preliminar 43/2012 (ou 43/2013?), extensos trechos de meu blog que não têm relação alguma com as acusações que ela explicitamente levanta contra mim. Vale ainda observar que o item (i) acima sugere que a demandante não confia nos poderes conferidos à Comissão de Ética da UFPR.

3) Em momento algum o Professor Celso de Araujo Duarte ou a Professora Silvia Helena Soares Schwab conversaram pessoalmente comigo a respeito das acusações apresentadas no Processo 041847/2012-13 ou no Procedimento Preliminar 43/2012 (ou 43/2013?). Isso, por si só, já denuncia a maneira irregular como esses dois professores têm tratado aquilo que ambos parecem considerar como um problema em minha conduta profissional. 

4) Fiz muitas outras críticas em meu blog a respeito do Curso de Física da UFPR e que jamais foram citadas em processo algum desta universidade. Isso novamente sugere uma rivalidade pessoal da Professora Silvia Helena Soares Schwab contra mim, sem uma preocupação real a respeito de críticas à educação que promovo publicamente. Fiz também acusações contra outras instituições e empresas, sendo que algumas publicaram suas respostas em meu próprio blog. Em virtude disso já recebi ameaças de processo judicial, as quais jamais se concretizaram. Digo isso, como exemplo ilustrativo, porque é natural pessoas se irritarem quando seus erros são apontados, principalmente em público.

Coloco-me à disposição de todos aqueles que quiserem esclarecimentos a respeito de minhas atividades profissionais. E aproveito para avisar que esta carta será publicada em meu blog.

Atenciosamente

Adonai Sant'Anna
Matrícula 102806 - DMAT/UFPR

terça-feira, 26 de março de 2013

Que ensino se ensina em Portugal?



O texto abaixo é de autoria de Rolando Almeida, licenciado em filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e especialista em ensino de filosofia. Atualmente leciona na Escola Secundária Jaime Moniz, em Funchal (Ilha da Madeira), Portugal. Além disso, o Professor Rolando Almeida ministra cursos especiais para alunos selecionados como problemáticos, é revisor de material didático, produz material para um grupo editorial português e publica regularmente artigos de opinião em diferentes mídias. 

Aqui o autor expõe de forma crítica uma visão histórica e social para compreender a atual situação da educação portuguesa. Leitura absolutamente obrigatória para quaisquer interessados em educação, incluindo brasileiros. Afinal, as semelhanças entre os graves e crônicos problemas educacionais desses dois países (Brasil e Portugal) não são mera coincidência.

Aproveito a oportunidade para avisar que durante esta semana anunciarei os leitores contemplados com livros que estou distribuindo gratuitamente. Além disso, novas postagens estão a caminho. Teremos (i) continuação da lista de referências bibliográficas em matemática, física e filosofia da ciência, (ii) depoimento pessoal de um importante pesquisador brasileiro que decidiu seguir sua carreira nos Estados Unidos, (iii) texto sobre a Comissão de Ética da Universidade Federal do Paraná, (iv) entrevista com o diretor de cinema José Padilha, sobre seu novo filme RoboCop (a ser publicada em 2014), entre outras. 

Desejo a todos uma leitura crítica.
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Que ensino se ensina em Portugal?

Rolando Almeida

A partir de um post do blogue da revista de filosofia Crítica, descobri um link para o blogue de Adonai Sant'Anna. Comecei a ler os artigos postados no blogue e desde logo me interessou por dois motivos principais:

1) Porque se trata de um blogue com preocupações de divulgação do saber, da ciência e, principalmente, da matemática

2) Porque quem quer que se interesse por 1) remete a sua análise, quase inevitavelmente, para o estado do ensino, já que é o principal canal institucional de divulgação do saber e da ciência em geral, bem como das artes.

Como penso que é sempre bom manter feedback do trabalho que produzimos publicamente, apressei-me a enviar um mail ao autor deste blogue. Dessa troca inicial surgiu o desafio para que eu partilhasse algum conteúdo do que se passa no ensino secundário (médio no Brasil) português em geral e na filosofia em particular, já que é a minha área de interesse e profissional no ensino público português.

Se por um lado agradeço o convite que me foi endereçado para escrever algumas notas sobre o estado da educação ao nível do secundário em Portugal, por outro, o momento é algo perturbador e inquietante já que actualmente Portugal atravessa uma das mais graves crises económicas da sua história recente e tal contexto tem afectado todos os sectores da sociedade, incluindo o da educação e da condição profissional dos professores, bem como do contexto social e familiar dos alunos. Acresce ainda que dissertar sobre temas educativos exige não só concentração como uma forte humildade, pois estamos em terreno onde há poucas certezas e muitas dúvidas. O que aqui escrevo destina-se mais aos leitores brasileiros para que os mesmos entendam pelo menos em linhas gerais algumas das orientações educativas portuguesas. Quero ressalvar no entanto que qualquer ideia minha ou apreciação crítica estará, naturalmente, à disposição para o contraditório. Aceitei ainda o desafio pois entendo que muitos dos problemas abordados neste blogue são, em linhas gerais, semelhantes aos problemas que observo no sistema de ensino português. 

Em termos históricos o período a que me reporto nesta minha primeira análise é o que se segue à ditadura, precisamente aquele que vem logo após o 25 de Abril de 1974, data em que por golpe militar se chega à democracia em Portugal, após várias e longas décadas de ditadura.

Faço o apontamento da queda da ditadura para que se entendam algumas linhas que aqui desenvolvo. A primeira delas e, na minha opinião, a mais relevante é a da democratização do ensino. Na ditadura Portugal era um país de analfabetos. Num país muito pequeno (1*), era quase imperceptível a pronúncia de um nortenho para um habitante do sul do país. Recordo quando era mais pequeno, ainda era mais ou menos habitual usar legendas (2*) quando aparecia algum popular das zonas rurais na TV, tal era a diferença da oralidade. Dois factores mudaram completamente esta realidade: 

1) A escola

2) A televisão

Tanto o desenvolvimento dos meios de comunicação áudio visuais como o acesso à escola vieram a esbater muito estas fronteiras dentro de um país tão pequeno geograficamente. Mas há outros factores, entre os quais, a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, a globalização, a abertura de fronteiras dentro da Europa e o dinheiro fácil que entretanto foi chegando a Portugal. Nas últimas gerações a Educação tornou-se, em Portugal uma forte arma de combate político. Era necessário apresentar resultados, comparar, analisar. E é um facto que Portugal fez um feito histórico digno de nota. O esforço foi incalculável. Construíram-se imensas escolas e pela primeira vez, na década de 80 do séc. xx, Portugal via filhos da classe economicamente mais desfavorecida a entrar nas universidades, a estudar. No final dos anos 80 e início dos 90, vivia-se em Portugal uma espécie de euforia por estudar nas universidades. Duas razões principais explicam esta procura das universidades:

1) Realização profissional com acesso a empregos melhor pagos.

2) Estatuto social que os cursos superiores em Portugal conferem.

Esta realidade, exposta em 1) e 2) actualmente em Portugal tem-se progressivamente esgotado o que tem conduzido a uma discussão com algumas renovações sobre o papel da escola pública na sociedade e para a vida das pessoas. As novas gerações já muito dificilmente olham para a escola com as razões indicadas em 1) e 2). Em resultado de uma maior abertura ao exterior, de muitos estudantes portugueses terem tido a possibilidade de experiências académicas noutros países mais evoluídos cultural e cientificamente, hoje, um jovem de 15 ou 16 anos jamais espera de um curso superior o estatuto e segurança profissional vitalícia que antes se esperava. Mas ainda há muitos focos de resistência, já que as gerações mais velhas têm visto ao longo dos anos o seu emprego assegurado, mesmo sem serem produtivos, principalmente ao nível universitário. E em Portugal, tal como no Brasil, é quase preciso esperar que os mais velhos morram para renovar a frota. Saliento uma vez mais que o momento que vivemos em Portugal pode ser uma oportunidade de pelo menos alguma mudança, já que devido à crise profunda que estamos a viver, muitos sectores tradicionalmente seguros e vitalícios (o caso dos professores do ensino secundário) estão a ser abalados. Os sectores mais estáveis são os mais expostos à corrupção política e nesse aspecto os professores do ensino secundário perderam muito poder de actuação, já que deixaram de constituir pesados grupos de interesse no país.

Indicava há pouco que a educação no período pós democracia passou a ser usada politicamente como uma das estratégias mais fortes para os partidos políticos fazerem política. A educação estava na ordem do dia, não só politicamente, mas socialmente muito por força dos media. Um Ex ministro português chegou a ter um slogan político que era “a educação é a minha paixão”. Para quem vive em Portugal ou – ao que sei – também no Brasil, sabe que quando algum sector produtivo da sociedade é totalmente entregue ao poder político, é sujeito a uma manipulação quase permanente. E tem sido mais ou menos isso que tem acontecido com o sector educativo português. Para apresentar resultados passamos a ter uma escola mais facilitista. Não podemos de uma assentada considerar que tal pressuposto é corrupção política. Até certo ponto o modelo adoptado - quase que ideologicamente adoptado – no sistema educativo português, baseado no romantismo educativo pode fazer sentido. O que acontece é que muitas vezes essas teorias românticas foram entendidas ideologicamente. E são estas ideias também aquelas que passaram a ser centrais na discussão muito activa sobre educação e sistema educativo em Portugal. A par com os problemas profissionais dos docentes (que falarei brevemente mais à frente) esta questão tem sido até bem recentemente o nervo central da discussão e o que levou a que tivéssemos uma quantidade impressionante de ministros da educação desde que há democracia em Portugal. Nenhum ministério teve tantas alterações de ministro, como o da educação. Ao longo destas gerações democráticas tem sido um vai e vem onde quase ninguém se entende de põe exame, tira exame, põe rigor, tira rigor, facilita mais, facilita menos… visto de fora parece que em Portugal ninguém se entende sobre educação e não conseguimos ter um projecto que tenha continuidade. Creio que qualquer bom advogado formado nas melhores universidades do mundo não se entenderia com a confusão, a selva imensa de leis que se produzem em Portugal para o sistema de ensino. E é curioso que ao longo da minha carreira profissional de quase duas décadas tenho conhecido professores do ensino secundário que são verdadeiros entendidos em legislação, mesmo que não sejam grandes entendidos na sua área de ensino. Mas este é provavelmente o dado mais evidente do nosso sistema de ensino: não há projecto. Há pessoas, normalmente políticos, que quando chegam ao poder impõem as suas ideias e visões pessoais do que pensam ser um sistema educativo.

Há ainda uma marca identificativa do sistema de ensino português. É que ele depende exclusivamente de um estado paternalista. Pura e simplesmente num país como Portugal não existe liberdade de ensino, pluralidade de formas de ensinar e de escolas. Mesmo o ensino privado está sujeito ao controlo do estado. Não existe qualquer liberdade de escolha. O estado decide programas, currículos, escolas tipo, etc.. e nenhum privado pode algum dia alimentar o sonho de criar uma escola com o currículo X ou Y e vender a sua escola, colocando-a à escolha dos consumidores. Aliás, esta visão nem sequer é muito bem vista em Portugal. Como é um país muito sujeito à corrupção, as pessoas no geral pensam que se o estado não controlar, será ainda pior e que a corrupção aumentará. E sem dúvida que num contexto mental como o português, isso aconteceria. Só que o contrário também aconteceria, isto é, certamente assistiríamos a um surgimento vibrante de escolas verdadeiramente criativas e estimulantes para as comunidades, pensadas de acordo com os interesses das pessoas e não do que o estado pensa que é melhor para todos. Não vou explorar muito este ponto aqui já que ele nem me parece sequer motivo de interesse em Portugal e é até socialmente uma ideia muito mal vista. Por cá atribui-se total responsabilidade em matéria educativa ao estado. Por essa razão também, num país relativamente pobre no contexto europeu, temos um sistema educativo excessivamente caro para os contribuintes. De notar que a opção pelo ensino privado reveste-se da oferta extra curricular, como aulas de apoio ou actividades extra, para além de uma selecção do ambiente social, isto é, os filhos dos pobres, dos ciganos e das comunidades menos favorecidas não vão para as escolas privadas, vão todos para as escolas públicas. Isto nota-se muito mais nos ambientes mais urbanos.

Problemas profissionais

Os problemas profissionais são relevantes pois têm ocupado grande parte da discussão em matéria educativa em Portugal. Após a revolução de Abril (*3), o país precisou de muitos professores. Ainda hoje há muitos desses professores no sistema. Muitos deles entraram para o sistema de ensino quase sem preparação universitária alguma e, para muitos deles, foram criados cursos apressadamente ao sábado de manhã para se integrarem na carreira. Muitos outros ficaram pelo caminho. Nessa altura houve um forte investimento na formação de professores e a carreira era muito bem vista. Tinha uma remuneração razoável (apesar de nada perfeita), com horários laborais apetecíveis. E estávamos na época em que quem não quisesse estudar ia para casa, portanto os problemas de indisciplina resolviam-se com a técnica pouco sofisticada, mas funcional, de chumbar. Curiosamente temos tido imensos críticos do chumbo em Portugal e em muitas escolas a ideia do chumbo é muito mal vista, pelas piores razões, pois acho que há boas razões para ver o chumbo como algo a não desejar no ensino. 

Eu próprio pertenço a uma geração em que se formaram muitos professores em Portugal. Estávamos na Europa. O número de licenciados em Portugal era uma vergonha comparada com os nossos pares europeus. Tínhamos de formar pessoas. E fizemo-lo, mais uma vez, com um plano elaborado por políticos em cima do joelho. Chegou dinheiro a rodos da Europa ao país. Nessa altura era normal encontrar alguém sem grande formação, que trabalhava de pequenas tarefas agrícolas no quintal lá de casa e que passou a ser profissional de cursos. O que é um profissional de cursos? É alguém que recebe dinheiro para tirar cursos. Em Portugal pagou-se milhares de euros para as pessoas estudarem. E ainda se paga. Aliás, em Portugal paga-se mais a quem não quer estudar, para estudar, do que a quem quer estudar. Alguém que não queira estudar neste país fica 3 ou 4 vezes mais caro do que alguém responsável e que se aplique afincadamente nos estudos. 

A minha geração meteu no sistema de ensino milhares de professores, novamente, sem qualquer plano futuro, sem alguma visão de sustentabilidade. E o mais paradoxal é que os bons resultados desse investimento, mesmo após 3 ou 4 décadas, ainda só timidamente aparecem. Os mais críticos alegam que se deu formação às pessoas sem qualquer exigência. Seja como for, de uma forma geral, em Portugal, hoje temos como nunca tivemos, uma imensa geração muitíssimo mais preparada cientificamente e socialmente. Mas o que temos também é outro tipo de exigências sociais e económicas que o peso excessivo do estado controlador e apetecível tende a estrangular. E a própria sociedade vive a ilusão que tem de ser o estado a assegurar toda a vida social e económica. 

As coisas parecem lentamente mudar. Hoje em Portugal as novas gerações olham menos para o currículo e mais para as competências de cada um. Hoje começa a ser comum falar-se em analfabetos funcionais, pessoas que apesar de terem estudado muitos anos, são incapazes de pensar pela própria cabeça. Ou seja, há aqui uma mudança do que se passa a valorizar. Mas ao mesmo tempo vive-se intensamente a ilusão de que o estado e os políticos é que têm de decidir e resolver os problemas da vida de cada um. E sempre que as coisas estão nas mãos do poder político voltamos ao mesmo: projectos sem clareza nos objectivos, uma selva de leis, a confusão completa e uma ilusão de estabilidade que nos tempos presentes anda muitíssimo ameaçada. É o caso dos anos mais recentes da tão falada avaliação dos professores. O poder político espalha a notícia que avaliando os professores o sistema de ensino irá melhorar. O problema é que o poder político não quer melhorar o sistema de ensino. Apenas não pode é gastar tanto dinheiro nos salários dos professores e inventou uma forma de o fazer, não se auto penalizando na opinião pública. A ideia de que os professores têm de ser avaliados colou bastante bem na opinião pública, ao ponto dos próprios professores e seus sindicatos representantes aceitarem pacificamente a ideia (como se não houvesse pontos críticos na ideia em si). Mas nos últimos anos caíram ministros precisamente pela forma proposta para avaliar professores. Neste momento os professores do ensino público português têm uma avaliação burocrática que em nada tem que ver com a melhoria do ensino, mas que visivelmente os prejudica muito em termos de carreira profissional. Neste momento teme-se até que a avaliação conjugada com outros factores atire centenas senão milhares de professores para o desemprego. 

Numa reflexão pessoal final, pode-se pensar que em Portugal vive-se um momento de viragem e que as coisas estão a acontecer de um modo ou de outro. Mas se o leitor pensar deste modo e fizer uma revisão no meu longo texto, concluirá que em Portugal, neste momento, passa-se o que exactamente se tem sempre passado. O que o sistema educativo português precisa é de estabilidade durante alguns anos. E de maior liberdade de iniciativa individual ou de colectividades. Enquanto isso não acontecer andamos de reforma em reforma de acordo com as vontades das cores dos partidos eleitos pelo povo.

Notas:

(1*) - À volta de 10 milhões de habitantes, metade dos habitantes actuais de uma cidade como S. Paulo, só para ter uma ideia de dimensão.

(2*) - Ao contrário do que é hábito no Brasil, em Portugal usamos muito a legendagem e não a dobragem de filmes ou documentários

(*3) - Assim é conhecido em Portugal o golpe militar contra a ditadura em 1974.
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Rolando Almeida é professor de filosofia no ensino público português e autor do blog: 

http://filosofiaes.blogspot.pt/

Conta em breve voltar ao ensino com os seguintes temas:

1. O ensino da filosofia em Portugal

2. A formação científica dos professores