sábado, 31 de maio de 2014

Depoimento de Ex-Aluno do Curso de Física da UFPR



Em setembro de 2012 foi publicada uma postagem na qual constava o depoimento anônimo de um superdotado. A maior parte do relato desta pessoa era sobre sua experiência como aluno no Curso de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desde então já fui procurado por várias pessoas que se identificaram fortemente com aquilo que leram na postagem acima mencionada. 

Como eu mesmo tenho um histórico de divergências com o Curso de Física da UFPR, evitei a publicação de diversos depoimentos semelhantes àquele do superdotado. Isso porque não quero transparecer a ideia de que estou de alguma forma empenhado na promoção de qualquer propaganda contra tal curso. Até porque os problemas crônicos do Curso de Física da UFPR são comuns a muitos outros cursos de diversas universidades espalhadas pelo território nacional. E o principal problema identificado em inúmeras situações é a falta de motivação.

No entanto, o depoimento abaixo tem dois diferenciais importantes em relação à postagem sobre o superdotado: 1) A ênfase no texto é sobre o problema da motivação tanto de alunos quanto de professores e 2) O texto é assinado.

Se houver algum aluno ou ex-aluno de qualquer universidade que queira contrastar os depoimentos já publicados aqui, no sentido de relatar algum ambiente motivador, certamente ficarei feliz em publicar seu testemunho. Mas, por enquanto, o que temos aqui é mais uma consequência do distanciamento entre universidades brasileiras e a realidade do mundo externo a elas.

A verdade é que as universidades públicas deste país estão apodrecendo por dentro e as privadas jamais atingiram maturidade suficiente para apodrecerem. Certamente existem exceções, mais na forma de pequenos focos de inovação e estímulo. Mas um país do tamanho do nosso jamais será construído a partir de exceções. 

Segue abaixo o testemunho de Denis Wiener, ex-aluno meu do Curso de Física da UFPR. Denis ainda sonha em realizar contribuições em física teórica. Mas ele percebeu que este sonho não poderia ser alcançado em uma graduação em física. 

Vale observar que o Centro Politécnico (mencionado no texto abaixo) é o campus da UFPR que sedia o Curso de Física.

Desejo a todos uma leitura reflexiva.
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Depoimento

escrito por Denis Wiener

Ingressei no Curso de Bacharelado em Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2009. Três anos depois eu estava deixando o Centro Politécnico com uma angústia tremenda. Meu maior medo era ser "engolido" pelo Departamento de Física e acabar preso no tempo, me tornando um aluno ou professor "jurássico" desse local.  Hoje em dia evito até mesmo passar em frente ao Centro Politécnico. Caminhar pelo local então é uma tremenda tortura. O Centro Politécnico e, principalmente, o Departamento de Física da UFPR pareciam lugares que retiravam toda a minha energia e amor pela ciência. É incrível pensar como meu amor pela ciência nasceu e morreu nesse mesmo local.

No ano de 2007, estava sendo observado o Cometa Mcnaught. Fiquei sabendo então que o astrônomo Germano Bruno Afonso (professor titular aposentado do Departamento de Física da UFPR) estaria com seu telescópio no parque Barigui (em Curitiba, Paraná), fazendo observações abertas ao público. Então eu, como grande entusiasta de astronomia e qualquer coisa relacionada ao universo, fui até o local e com um simples gesto de adolescente perguntei ao professor Germano: "Professor, eu quero ser astrônomo, como eu consigo isso?" Ele então respondeu: "Você poderá cursar Física na UFPR se isso lhe interessar". Dois anos depois lá estava eu, descendo do ônibus para a palestra "motivacional" do Curso de Física. Eu logo deveria ter suspeitado quando nessa palestra não foi nos explicado quais caminhos profissionais um físico pode seguir no Brasil. Pobre calouro. Mas como um bom brasileiro, eu não desisto nunca, nem mesmo sabendo que estava no caminho errado.

No meu ponto de vista, o Curso de Física na UFPR não preparava ninguém para o mundo real. Se eu fechar meus olhos, consigo lembrar de toda a rotina dos futuros físicos (ou futuros futuristas) daquele local. Todos descendo de um ônibus extremamente lotado que para em frente ao Centro Politécnico, com suas mochilas verde-musgo nas quais se lia "Física", com camisetas da banda  AC/DC, andando rápido pelo meio da multidão, entrando para as salas de aula onde ninguém nem mesmo diz "Bom dia", alguns (que eu nunca ouvi nem mesmo suas vozes) sentados esperando um professor de física chegar desanimado para dar uma aula entediante de duas horas seguidas no mesmo tom de voz monótono. Na hora do intervalo muitos se dirigiam para o Centro Acadêmico de Física, com certeza um local a ser evitado, pois era o habitat dos alunos que estão perdidos no tempo entre o primeiro e o quarto ano do curso, e que ainda têm a esperança de contribuir com a ciência, apesar de ainda estarem cursando Cálculo II pela n-ésima vez seguida. Afinal, sendo brasileiros, eles não desistem nunca. Lembro até hoje daquele local. Sofás furados, um videogame velho, o teto xadrez pintado de preto e branco, uma minúscula foto do professor Hugo Kremer na parede, uma mesa de pebolim. É fácil perceber por que aquele é um mundo ideal. A maioria dos alunos ainda não sabe o que é o mundo real e talvez nunca saibam se não saírem de lá. Percebi lá (e por outros motivos) que a vida não é ficar jogando videogame e pebolim após assistir aulas chatas do Curso de Física. No mundo real as pessoas têm que batalhar por suas coisas, contas devem ser pagas, casas devem ser compradas, conforto deve ser buscado. Ostentação é diferente de buscar uma vida digna. Viver com dignidade é algo que muito me angustiou vivendo e estudando no Centro Politécnico, pois lá eu vi que ninguém pensa nisso, a maioria se contenta com nada. 

A angústia que eu sentia nessa época era tão grande que comecei a ter insônia e tremedeiras constantes, com medo de me tornar um professor do Departamento de Física. Eu me imaginava sentado em uma escrivaninha, em uma sala apertada em um corredor escuro e sombrio do Departamento. Imaginei tornando-me um ser sem nenhum contato social interessante, sem saber sorrir, apenas trabalhando em uma pesquisa que jamais será relevante para a vida das pessoas no mundo. Imaginei sendo um aluno que fica o dia todo estudando, recebendo uma bolsa-miséria para ser monitor de uma disciplina entediante. Eu queria viver, queria ser dinâmico, queria ter uma vida digna, queria ter uma família, uma casa, um carro. Foi então que eu tomei a decisão mais importante da minha vida: deixar o Curso de Física, a UFPR e todo esse mundo da fantasia e ingressar em uma faculdade e um curso que podem me ensinar como encarar a vida real e como resolver os problemas reais. Hoje em dia eu curso Engenharia Mecânica em uma faculdade particular e trabalho na iniciativa privada. Este não é o curso da minha vida, mas é algo que eu gosto de fazer e que atualmente me dá uma estabilidade financeira e uma vida mais digna para planejar meu futuro e me dedicar à ciência. Afinal de contas, a vida não é o que se ensina no Centro Politécnico. Meu amor e minha dedicação pela ciência irão continuar por toda a minha vida. Aprendi que não é necessário cursar Física para se fazer física. Pois o Curso de Física não me ofereceu nada de útil para a minha visão de mundo, apenas me mostrou como não devo ser.

Carl Sagan (autor do livro Cosmos) disse uma vez em entrevista: "A ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é uma maneira de pensar, uma maneira de analisar criticamente o mundo e a vida". Dessa forma me pergunto por que os alunos do Curso de Física (que querem ser cientistas) não analisam criticamente as suas vidas e para qual caminho elas estão seguindo.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Islamismo não é Humano


Em postagens anteriores apontei algumas falhas graves nos estudos de ciências humanas no Brasil, com especial ênfase na área de filosofia. Aqui o foco é outro: islamismo, uma vasta, complexa, polêmica e fundamental área do conhecimento praticamente ignorada pelas ciências humanas em nosso país.

Recentemente houve uma exposição de arte islâmica no Brasil que despertou grande interesse da população, apesar da organização do evento apresentar falhas graves, conforme se discute no texto que segue esta breve apresentação. Além disso, é impossível negligenciar as históricas relações entre civilizações ocidentais e povos islâmicos, seja na forma do desenvolvimento de ciências e artes, de relações comerciais e até mesmo de guerras. Ou seja, é uma questão estratégica para o nosso país o conhecimento sobre os povos de cultura islâmica.

No entanto, é praticamente inexistente em nossa nação o estudo da cultura islâmica, apesar de muitos muçulmanos terem migrado para o Brasil desde mais de um século atrás. 

É claro que a cultura islâmica não exerceu influência tão significativa sobre o Brasil quanto a africana ou a européia. No entanto, o Paraná também não exerce influência alguma sobre a Austrália. E isso jamais desestimulou o interesse australiano sobre a cultura e a história do estado do Paraná, conforme já foi discutido neste blog. A Alemanha nunca sofreu com doenças tropicais. E nem por isso aquele país perdeu o interesse sobre o assunto, chegando a premiar Carlos Chagas pelos seus estudos sobre a doença que hoje leva o seu nome. Ao contrário do que o povo brasileiro (incluindo aquela massa sem vida das universidades) normalmente pensa, conhecimento relevante não é apenas aquele que apresenta reflexos imediatos para o próprio brasileiro. Frequentemente a relevância de um conhecimento precisa de tempo e muito trabalho para ser evidente. E qualquer lacuna na estrutura da educação e da pesquisa em nosso país pode facilmente resultar em frustrações e graves prejuízos sociais e até econômicos. Isso porque um dos principais objetivos do desenvolvimento científico é estar preparado para o imprevisível

O texto abaixo é uma colaboração de Youssef Cherem, professor da Universidade Federal de São Paulo que tem encontrado grande dificuldade para desenvolver seus estudos sobre cultura islâmica em nosso país. Cherem chegou a receber do CNPq a resposta de que sua área de pesquisa não é prioritária e, por isso, não poderia receber apoio financeiro para apresentação de trabalhos seus aceitos em eventos internacionais.

Caso os pesquisadores na área de ciências humanas não saibam, islamismo faz parte do estudo de ciências humanas. E espero que o texto abaixo seja mais uma referência para a relevância e extraordinária beleza dos estudos nesta área do conhecimento.

Tive a oportunidade de contato com o professor Youssef Cherem graças a este blog, que atraiu a sua atenção. Em função disso eu o convidei para contribuir com um texto neste site e ele prontamente aceitou.

O artigo abaixo é um breve esboço de um fragmento da cultura islâmica, a saber, sua arte.

Que o leitor faça bom proveito desta postagem que tanto engrandece não apenas este blog, mas também a visão de cada leitor que tiver contato com as palavras do professor Cherem.

E para uma perspectiva diferenciada sobre cultura islâmica, clique aqui.
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Arte Islâmica no Mundo e no Brasil


escrito por Youssef Cherem


A história e a cultura de povos não-ocidentais ainda carece de um tratamento adequado nas instituições de ensino no Brasil. É incoerente que um país com pretensões internacionais como o Brasil continue a não oferecer a seu público, tanto acadêmico quanto o geral, um espaço de reflexão crítica sobre esses temas. Embora recentemente tenha havido um crescimento de produções acadêmicas sobre a África, o mesmo não pode ser dito sobre outros continentes. 

Neste breve artigo é esboçada primeiramente uma definição crítica do campo de estudos da arte islâmica. Em seguida, mostro alguns exemplos de como o assunto tem sido tratado (ou não tratado) no Brasil. Finalmente, ofereço uma sucinta perspectiva sobre um tema recorrente nas discussões a respeito da arte islâmica: a questão das imagens figurativas. Espero que este texto suscite o interesse do leitor e o leve, porventura, a outros questionamentos.

Em primeiro lugar, existe uma ambiguidade originária: o termo “islã” é empregado tanto como crença (a religião islâmica, o islamismo) quanto cultura (a “civilização islâmica”). Por outro lado, falta clareza em relação aos próprios limites no tempo e no espaço de realizações que constituiriam a arte islâmica. Uma definição geral poderia ser a do Dictionary of Art

a arte feita por artistas cuja religião é o islamismo, para patronos que viviam em terras predominantemente muçulmanas, ou para propósitos que estão restritos ou peculiares a uma população muçulmana ou a um ambiente muçulmano. (Nota #1)

Em sua definição prática, como tratada geralmente nas grandes obras de referência sobre o tema, a arte islâmica teria uma circunscrição geográfica (embora fluida) e temporal, já que essas obras geralmente terminam por volta de 1800. Mas os estudos atuais têm uma grande tendência a tratar como “arte islâmica” também manifestações artísticas de todos os países de maioria muçulmana, seja por uma ligação com métodos de criação, materiais, cultura etc. considerados característicos dos países muçulmanos, seja também por falta de termo melhor, ou seja por um motivo de “relações públicas”, ao tentar fazer da “arte islâmica” (e da cultura dos países muçulmanos em geral) um subconjunto do islamismo enquanto religião. A arte tenderia assim a ser derivada de princípios religiosos, o que leva a interpretações religiosas e místicas, ou até filosóficas, numa linha tanto hermenêutica quanto causal: a religião islâmica seria tanto a causa primeira da arte islâmica, quanto sua chave de interpretação. 

Os desafios de sistematização são colossais: cerca de 1400 anos de arte produzida em um território imenso, incluindo povos, comunidades políticas, línguas e meios de expressão dos mais variados: da Espanha (de meados do século VIII até 1492), do Norte da África, Oriente Médio e Ásia Central, com algumas incursões em áreas “periféricas” como sul da Rússia, norte da Índia, oeste da China e sudeste da Ásia, que têm hoje um contingente populacional de muçulmanos expressivo: a Indonésia é o país com maior população muçulmana (quase 200 milhões), e há cerca de 150 milhões de muçulmanos na Índia e a mesma quantidade no Paquistão. Mas essas áreas marginalizadas são, com poucas exceções, raramente tratadas.

Por outro lado, apesar do conhecimento acrítico repassado em várias instâncias, inevitavelmente temos que separar o termo “islâmico” referindo-se à religião e o termo “islâmico” referindo-se à cultura. Os estudiosos do século XIX preferiam fazer referência às produções artísticas dos países do Oriente Médio e Norte da África como arte “árabe”, “turca” ou “persa”. Uma alternativa seria lidar com a arte em termos histórico-políticos, com uma sucessão de dinastias e impérios. Em todo caso, ligar o termo “islâmico” à “religião islâmica” leva a vários absurdos. É óbvio que nem tudo o que é feito por artistas cuja religião é o islamismo pode ser caracterizado como arte islâmica: uma pintura do herói persa pré-islâmico Rostam ou do Xá Abbás o Grande são tão islâmicos quanto uma estátua de Saddam Hussein ou um retrato de Atatürk.




O herói Rostam laça seu cavalo Rakhsh (Trovão) (detalhe). Do épico persa O Livro dos Reis (Shahnama), de Ferdawsi (940-1020). Pintura atribuída a Mir Musavvir. Irã, Tabriz, período safávida, ca. 1525. Aquarela, tinta e ouro sobre papel. Freer and Sackler Galleries, Washington. 

Para detalhes sobre a imagem acima clique aqui.




Xá Abbás I. Palácio de Chehel Sotun, Isfahan, séc. XVII.




Uma arte “islâmica”? Cantil com figuras cristãs. Período aiúbida. Latão com prata embutida; Alt: 45.2 Comp: 21.5 D: 21.5 cm,  Síria ou N. do Iraque, Freer and Sackler Galleries, F1941.10.

Em vista disso, seria melhor afirmar, como Sheila Blair e Jonathan Bloom, sobre “uma relação tênue e problemática com o islamismo” (Sheila S. Blair and Jonathan M. Bloom. The Mirage of Islamic Art: Reflections on an Unwieldy Field, The Art Bulletin, 85(1), 2003, p. 152.)

Neste caso, poderíamos fazer um bom uso da prática tradicional em português: a separação entre o vocábulo “islamismo”, para se referir à religião, e “islã” ou “islão” para se referir à civilização (ou civilizações), não existe em outras línguas, como o inglês ou o francês – em que “islamismo” (islamism, islamisme) é um termo novo que se refere a uma ideologia política. Eu sigo o uso corrente em português, que emprega “islamismo”  para se referir especificamente ao fator religioso. 

Aqui vale uma pequena digressão sobre o “estado da arte” – ou sua ausência – nos estudos sobre a arte islâmica e o Oriente Médio em geral no Brasil. Até onde eu saiba, só existe uma disciplina permanente que lide exclusivamente sobre qualquer tema a respeito do Oriente Médio em universidades brasileiras. 

A produção intelectual sobre arte islâmica no país é praticamente inexistente. À parte de uma tese da Universidade de São Paulo (USP) sobre a mesquita de Ibn Tulun (Nota #2), e de um ou dois livros impressos (Nota #3), ainda não existe produção ou reflexão sobre o tema no país. Este fato não é isolado, mas representa o campo acadêmico de várias disciplinas das ciências sociais no Brasil, que tendem a ter um olhar introspectivo, centrado na realidade brasileira (em si mesma ou como ponto de partida para outros contextos). No caso brasileiro, ao contrário do que acontece com a história da África, a história do Oriente Médio ou da Ásia ainda é periférica, talvez por ter menos impacto na nossa identidade nacional (apesar dos milhões de descendentes de libaneses, sírios e japoneses no Brasil).

Só recentemente começaram a surgir estudos antropológicos, históricos e políticos sobre islamismo ou sobre o Oriente Médio. Mesmo as traduções de obras estrangeiras são escassas, de qualidade duvidosa e defasadas em relação à produção internacional (um exemplo é o livro “Os Assasinos”, de Bernard Lewis, um texto de 1967, que só foi traduzido ao português em 2003, e em cuja tradução se encontram absurdos linguísticos como transcrever a palavra árabe شيخ‎ como “xaíqh” – ao invés da transcrição usual shaykh ou a forma aportuguesada xeque, ou uma palavra com quatro i: haxixiiiin (sic!).)

Os poucos artigos que existem à disposição do público sobre arte islâmica, publicados on-line, são exemplos das mazelas que assolam as ciências humanas neste país. Em primeiro lugar, tudo tem que ter uma ligação com o Brasil. Devemos ser bem claros: não, não vamos encontrar arte islâmica no Brasil. Nem em museus. Algumas poucas exposições aconteceram, como uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em 2011 e uma exposição no Serviço Social do Comércio (SESC) sobre arte iraniana contemporânea em 2012. A respeito da exposição do CCBB, que foi um sucesso de público, seu próprio curador, Rodolfo Athayde, comete dois equívocos em uma entrevista ao jornal O Globo, afirmando:

Os extremismos islâmicos são hoje um tema da mídia, e a exposição traz a possibilidade de entender melhor essa cultura, que é vinculada à religião. A ideia é oferecer uma janela para o diálogo - diz Athayde, idealizador da mostra. - As obras não vieram de coleções montadas na Europa ou nos Estados Unidos. Fomos diretamente à fonte. A Síria foi o território fundacional da primeira grande dinastia islâmica, e o Irã tem uma cultura profunda, com um legado não árabe da cultura muçulmana.

O primeiro equívoco é vincular, logo explicitamente, a(s) cultura(s) (ele usa o singular) islâmica(s) à religião. Se fizermos um exercício comparativo, poderíamos reescrever em uma frase de um hipotético curador árabe numa exposição sobre arte brasileira no Cairo: “A violência nas periferias das grandes cidades brasileiras são hoje um tema da mídia, e a exposição traz a possibilidade de entender melhor essa cultura, que é vinculada à religião católica e às crenças derivadas das religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda”. Não que essa proposição seja inerentemente “falsa”, mas o modo como é transmitida a mensagem faz com que a imagem que se passa seja patentemente distorcida. Outro grande equívoco é dizer: “Fomos diretamente à fonte”. As maiores coleções de arte islâmica disponíveis em museus, estão no Ocidente – Paris, Berlim, Nova York, Washington, Londres, Toronto, São Petesburgo. É impossível excluir referências a essas coleções se quisermos obter um panorama de toda uma civilização. É, ademais, a partir desses grandes centros e de um punhado de universidades e instituições, que se produz o conhecimento sobre esse legado. Um dos grandes obstáculos a serem superados é o acesso a coleções e materiais em países cujo contexto político impede ou dificulta o estudo. Houve razões políticas e técnicas para se recorrer à Síria e ao Irã para a organização de uma exposição dessa natureza (não vou entrar em detalhes aqui), mas é um mito achar que materiais vindos desses dois países são “superiores” ou, como implícito na afirmação, “mais autênticos”.

Às vezes as percepções propagadas no Brasil pela mídia chegam a casos cômicos. Vejamos algumas afirmações coletadas ao acaso:

Segundo Lygia Rocco (Nota #2), “O início da formação da “nação árabe” foi em 622 da era cristã, com o advento do Islão, adquirindo seus contornos maiores com a chegada dos muçulmanos à Península Ibérica.

Esta afirmação ignora o próprio conceito de “nação”, que é um conceito moderno, e não pode ser desligado da noção de Estado moderno – o Estado nacional. Ora, como tal, mesmo se relaxarmos o conceito de nação a ponto de igualá-lo a “povo”, essa afirmação é claramente incorreta, segundo conhecimentos históricos básicos: vários povos árabes constituíram reinos de rica cultura, muito antes do advento do islamismo, como exemplificado no caso do Iêmen, da dinastia dos Lakhmidas, dos palmirenos e dos nabateus (Petra). Mesmo a ideia de “contornos maiores” é discutível, seja no plano de dominação política seja no plano demográfico, já que no século VIII (a conquista e/ou ocupação da Península Ibérica) a maioria da população do Oriente Médio não era nem muçulmana, e nem árabe.

Rocco também escreve que “O fluxo mais importante da imigração árabe para o Brasil começou por volta de 1880. A maioria são sírios e libaneses, e antes de 1943, sírio-libaneses, pois até esta data Síria e Líbano eram um só país.

A administração francesa na Síria e no Líbano após a Primeira Guerra Mundial era claramente separada: o Grande Líbano e a Síria (e esta era dividida em vários Estados). 

Rocco ainda afirma: “Os primeiros imigrantes deixaram seu país de origem pressionados pelo governo turco.

Aqui podemos consultar algumas referências: Inventing Home: Emigration, Gender, and the Middle Class in Lebanon, 1870-1920, de Akram Fouad Khater; The Culture of Sectarianism: Community, History, and Violence in Nineteenth-Century Ottoman Lebanon, de Ussama Makdisi, e The Long Peace: Ottoman Lebanon, 1861-1920, de Engin Akarli. Os imigrantes (súditos do Império Otomano) que deixavam o Líbano e a Síria não foram pressionados pelo governo turco para emigrarem; as autoridades tentavam inclusive dissuadi-los. As razões da emigração foram sim, políticas, econômicas e sociais; mas o governo turco não fomentou de forma alguma a emigração.

Rocco também afirma: “Na arquitetura e na arte árabes, observa-se que existem elementos que identificamos como “mouriscos” ou árabes, pois compartilham elementos comuns de formas conhecidas associadas ao termo “arte islâmica”.

Uma definição vazia fundamentada em raciocínio circular: a arte árabe tem elementos árabes, por isso é árabe...

E, finalmente, segundo Rocco, “O azulejo é uma constante na arquitetura árabe.” 

Claro! Isso desconsiderando todas as mesquitas (por exemplo, egípcias), casas, escolas, mausoléus etc. que não têm azulejo algum. 

Fonte das citações acima: Lygia Rocco. A construção arquitetônica como reflexo da imigração árabe no Brasil. 06/07/2005

Outra afirmação curiosa é a que escutei recentemente de um professor, Plínio Gomes, que afirmou, a respeito da profissão de fé islâmica, que, “Não sendo muçulmano fica muito difícil entender”

Ora, se for difícil entender isso, eu não sei qual é o nível de inteligência do espectador brasileiro. Neste mesmo vídeo, são feitas duas afirmações incorretas: a de que o verde é o símbolo do islã porque era a cor da tribo do profeta Maomé, e de que o crescente seria uma metáfora, em que o começo de um novo mês lunar significaria o começo de uma nova era para a humanidade, com o surgimento do islamismo. Ora, qualquer um que faz uma pesquisa “básica” no Google encontra as seguintes referências: Star and Crescent e The Crescent Moon.

A referência a cores na Encyclopaedia of the Qur’an não diz nada sobre uma cor ser “símbolo do islã”;  enquanto que uma entrada específica para “verde” ou para “cores” não existe na Encyclopaedia of Islam.

Também é incorreta a afirmação de Plínio, no mesmo vídeo, de que o profeta Maomé é representado coberto com um véu para não estimular a idolatria. Bastaria ler o artigo de Christiane Gruber. “Between Logos (Kalima) and Light (Nur): Representations of the Prophet Muhammad in Islamic Painting”, Muqarnas, 26, 2009, pp. 229-262, para poder delinear a evolução das representações de Maomé e suas causas. No caso, três tipos principais de representações de Maomé  – representações realistas, com inscrições ou luminosas – não têm uma progressão histórica exata, mas não há menção alguma do medo de adoração das imagens de Maomé, mas sim uma atitude para com a representação em certos contextos – históricos ou místicos. Entre 1200 e 1400 predominam representações realistas de Maomé; retratos com inscrições caligráficas no rosto se desenvolvem no máximo até por volta de 1400; e representações com sua face velada ou com chamas predominam após 1500 (também as faces de sua família e de outros profetas são cobertas). Gruber afirma: “Os retratos com véu surgem por volta de 1500 no contexto do início da dinastia safávida, provavelmente devido a uma constelação de fatores ligados à nova síntese emergente sufista-xiita” (Gruber, 2009, p. 253).

Novamente Lygia Rocco: A partir do século VIII o império islâmico começa a entrar em decadência.” 

Aqui qualquer um pode pegar um mapa histórico do mundo depois dessa época e mostrar a extensão dos impérios islâmicos... 

E de novo um raciocínio circular: Os elementos constantes da arquitetura islâmica de caráter militar e defensivo são muros, torres, portas e castelos fortificados.” 

Claro, e os elementos constantes da arquitetura cristã de caráter militar e defensivo são... “muros, torres, portas e castelos fortificados”!



A arte islâmica e a questão das imagens


A questão da permissibilidade de imagens no islamismo é controversa. Mas às vezes ela tende a ser mais simples do que parece à mesma vista. Encontramos defensores e detratores da ideia da arte como representação natural ou mimética do mundo. Mas existe mesmo uma proibição categórica à representação figurativa, seja na arte, seja nos princípios da religião islâmica?

O historiador Marshall Hogdson vê aniconismo islâmico como sucessor de duas tendências já presentes no Oriente Médio antigo: os judeus e os zoroastristas (ver o caso do decálogo judaico em Êxodo 20,4-5 e o do bezerro de ouro em Ex. 32, 1-19). Neste caso, o culto às imagens implica na presença de divindades estrangeiras opostas à ordem moral exclusivista de Iahweh. Não existe aí uma proibição absoluta, como mostram vários casos. A proibição de imagens refere-se aos deuses estrangeiros, e não qualquer espécie de desenho, pintura ou escultura (Ex 20,23 e 34,17; Lv 19, 4.26; Dt 4,23-24.27,15.). Moisés levanta uma serpente de bronze no deserto (Num. 21, 4-9), Deus manda que Moisés faça querubins para a Arca da Aliança (Ex. 25, 17-21), e Salomão mandou esculpir querubins e outras figuras para o Templo e para o seu palácio (I Reis 7). É interessante notar que foi somente nos séculos V-VI que os judeus proibiram imagens em sinagogas, como podemos notar a partir da sinagoga de Dura Europos, do século III.

As fontes a respeito do assunto, no islamismo, podem ser divididas em várias categorias: o Alcorão, os hadith (histórias transmitidas oralmente a respeito do profeta Maomé); fontes históricas; fontes arqueológicas; e a opinião dos juristas. Não há proibição explícita no Alcorão à confecção de imagens, conquanto estas não sejam ídolos destinados à adoração (Notas #4 e #5). As ideias expostas nos hadith são mais explícitas, mas encontram-se dispersas, sem nenhuma ordem, coordenação, ou ideia geral. Não existe uma teoria islâmica sobre as imagens, como na teologia cristã. O que existem são atitudes, episódios e casos concretos. 

Não existiu uma iconoclastia muçulmana propriamente dita, a exemplo do caso bizantino. Uma das poucas atitudes públicas do profeta Maomé em relação a imagens foi a destruição dos ídolos da Kaaba, mas o historiador muçulmano Azraqi (m. 858) afirma que ele não permitiu a destruição de uma figura de Maria com Jesus no colo: “Apaguem todas as figuras exceto as que estão sob as minhas mãos”. Azraqi comenta que a figura permaneceu lá até a destruição da Kaaba em 683 d.C. (5, 6). 

Um aspecto a se notar é que a destruição de símbolos de outras religiões se deveu mais àquilo que esses símbolos representavam do que ao aspecto da representação em si (Nota #10). Desta forma, os incidentes de destruição de cruzes foram bem comuns. A cruz, além de símbolo universal do cristianismo, representava também o Império Bizantino; era utilizada mesmo pelos partidários da iconoclastia. Foi assim que em 686-689, Abd al-Aziz ibn Marwan (irmão do califa Abd al-Malik), ordenou que cruzes de ouro e prata fossem destruídas no Egito, e que declarações baseadas no Alcorão fossem afixadas às igrejas, declarando: “Maomé é o grande apóstolo de Deus e Jesus também é apóstolo de Deus. Mas, na verdade, Deus não é gerado e não gera.” A cruz era símbolo de uma doutrina que contradizia a doutrina islâmica sobre Jesus Cristo: segundo os muçulmanos, Jesus não morreu na cruz (somente um sósia), mas subiu aos céus (ver Alcorão, sura 4:157-158). No entanto, outras passagens do Alcorão parecem contradizer esse versículo; e outras interpretações afirmam a morte de Jesus. A esse respeito, ver, entre outros, (Nota #12), (Nota #13), (Nota #14). O califa ‘Umar ibn Abd al-Aziz (717-720) proibiu os cristãos de ostentarem cruzes. Foi seu sucessor, o califa Yazid II bin Abd al-Malik (r. 720-24), que determinou uma política explícita de destruição de imagens; tal atitude, no entanto, não sobreviveu a seu breve reinado: seu sucessor, Hisham (724-743), revogou o edito (Nota #11). Oleg Grabar, no entanto, joga dúvidas sobre a própria veracidade histórica do documento, porque é só nos séculos X e XIV que fontes árabes que se referem a este evento (Nota #9). 

Parece que, desde os primeiros séculos do islamismo, houve uma divisão clara entre contextos seculares, em que seria permitida ou ao menos tolerada a representação de seres animados, e ambientes religiosos, nos quais tais representações seriam, além de desnecessárias, nefastas. É assim que os palácios omíadas de Khirbat al-Mafjar e Qusayr Amra contêm pinturas e esculturas de formas humanas e animais, mas as grandes mesquitas de Damasco e Jerusalém não – há mosaicos de cidades, árvores e rios na mesquita omíada de Damasco e representações de joias e árvores no Domo da Rocha, em Jerusalém, mas nenhuma representação de um ser “animado” (vegetais não eram considerados como tendo alma). 



Mosaico na sala de banhos do palácio de Khirbat al-Mafjar. Jericó. Primeira metade do séc. VIII. Fonte: The Yorck Project: . Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM.



Cenas de afresco de Qusayr Amra, Jordânia, -. Fotografia: David Bjorgen.




Mosaicos na mesquita de Damasco.

É em razão disso, e também por não haver uma teoria ou política clara que estabelecesse de modo abstrato e geral uma atitude para com todos os tipos de imagens, que Terry Allen prefere chamar a atitude muçulmana como anicônica, e não iconoclasta (Nota #7). Alguns temas nas tradições orais (hadith) atribuídas ao profeta em relação à produção de artefatos com figuras ressaltam os aspectos morais dos produtores (pintores, artesãos), consumidores e admiradores de imagens de seres vivos (tudo leva a crer que são as imagens de seres vivos que incomodam mais, embora haja clara evidência do culto às pedras entre os árabes pré- e pós-islâmicos). Há vários hadith afirmando que a pior punição no dia do julgamento será a daqueles que fazem imagens; outros tantos afirmando que os anjos não entram em uma casa em que haja um anjo ou um cachorro (Notas #5e #6). Em outra estória, Maomé pede à sua esposa Aisha que tire de sua vista uma cortina grossa, cujas imagens lhe atrapalhavam a oração (Sahih Bukhari 7:72:842).

O profeta teria amaldiçoado, entre outras coisas, os tatuadores e tatuados, os usurários e os que pegam empréstimos com usura; os que vendem cachorros; o dinheiro originado da prostituição, e finalmente amaldiçoou os que fazem imagens (Sahih Bukhari 7:63:259). 

Outros hadith afirmam que, no dia do julgamento, os feitores de imagens serão chamados a insuflar vida em suas obras, e serão punidos por sua prepotência de querer agir como Deus. As imagens não são, aqui, compreendidas como uma mímese da natureza; elas são associadas à produção de seres vivos a partir da matéria inanimada. O ato de criar imagens de seres animados é visto como uma imitação, um orgulho vão, e finalmente um desafio e um confronto a Deus, que finalmente humilhará o artista com a punição eterna de sua vaidade. O Alcorão (3.43) afirma que Jesus criará um pássaro de barro, soprará nele a vida, e ele ganhará vida. É esse milagre que, aparentemente, os artistas tentariam imitar? Mas, neste caso, os artistas tentariam imitar a Jesus, e não a Deus (Jesus é um simples profeta milagreiro, segundo o islamismo). Por conseguinte, esse hadith não parece ter originado dessa passagem alcorânica. As palavras utilizadas para “imagem” ou “figura” em árabe nos fornecem outra pista. A palavra taswir, “criação de imagens”, deriva do verbo sawwara (صوّر), “formar, dar forma”. Da mesma raiz deriva o substantivo sura (pl. suwar): fotografia, imagem, figura, usado para artes representativas, incluindo pintura, desenho, escultura e fotografia. No uso alcorânico, sawwara (dar forma) é sinônimo de bara’a e khalaka (criar);  Deus tem os epítetos de khâlik e bâri’ (criador). O particípio ativo musawwir ( “que dá forma”) refere-se a Deus no Alcorão (59, 24), mas refere-se também a pintor e desenhista. Em persa, é usado como nome do profissional (como em “Mir Musawwir”), mas em outros contextos usa-se negaranda ou naqqash (pintor, desenhista, artesão, escultor). A prepotência do artista está em querer imitar a Deus, e quem sabe, superá-lo – mas a natureza, como obra de Deus, é perfeita. Estamos bem longe da obra de arte como reflexo da criação de Deus e um engrandecimento e louvor à perfeição da natureza. Por que, então, alguém tentaria imitar a Deus nessa tarefa inglória e insana? 

Existiria alguém louco o bastante para imaginar que, num passe de mágica, um passarinho de barro sairia voando, um galo de metal cacarejaria de madrugada, ou um leão de pedra evisceraria seus admiradores? Que artista seria louco o bastante? Aqui, temos duas alternativas de interpretação: ou tomamos essas tradições ao pé da letra, o que implicaria que todos os artistas são prepotentes, infiéis, idólatras, vaidosos, inimigos de Deus, e, no limite, irracionais, desvairados, possessos por espíritos malignos – sendo que ninguém perguntou aos pobres artistas o que eles acham de suas próprias obras – ou então aceitamos isso como uma crítica àqueles artistas e/ou pagãos que acreditam que essas estátuas realmente têm vida, porque seriam habitadas por um deus ou uma entidade qualquer. 

Em todo caso, as consequências desse tipo de pensamento foram mais sociais do que as não verificáveis punições escatológicas. Embora Terry Allen tenha afirmado que há um ponto de vista “islâmico” dos teólogos e um ponto de vista “islâmico” da maioria da população (contrastar com a posição de Hodgson (Nota #8), que deriva a atitude dos juristas de uma atitude enraizada na sociedade em geral), essas atitudes de rejeição às imagens no plano religioso transbordaram frequentemente para outros contextos, mas de forma pontual e não generalizada. O status religioso dúbio das imagens não evitou seu uso em contextos privados ou não religiosos. Oleg Grabar afirma que quase todas as dinastias islâmicas, com a exceção das dinastias bérberes do Norte da África, “patrocinavam ou utilizavam arte figurativa”, comentando também a profusão de imagens figurativas em todos os grandes impérios muçulmanos (turcos, persas, mogóis) após a conquista mongol do século XIII. Uma exceção foram os países árabes, nos quais “o gosto e o interesse nas representações desapareceu quase que completamente” a partir do século XIV (Nota #9, p. 49). No entanto, não parece ter havido uma grande consternação entre os cidadãos egípcios e suas autoridades religiosas quando esculturas como O Renascimento do Egito, de Mahmud Mukhtar, foram erguidas. 



O Mi’raj, ou Viagem Noturna de Maomé em seu corcel Buraq. Folio do Bustan (Jardins) de Saadi. Período safávida (1501–1722), ca. 1525–35. Calígrafo: Sultan Muhammad Nur (ca. 1472–ca. 1536). Atual Uzbequistão e Afeganistão, provavelmente Bukhara e Herat. Ouro, tinta e cores sobre papel. 27.9 cm x 18.4 cm. Metropolitan Museum.



Mahmud Mukhtar (1891-1934). Renascimento do Egito (Nahdat Misr), 1919-1928, localizada na entrada da Universidade do Cairo.

Notas

1. “Islamic Art”, in: Turner, Jane (ed.). The Dictionary of Art. London: MacMillan, 1996.

2. Rocco, Lygia Ferreira: A Mesquita de Ibn Tulun como representação da herança arquitetônica árabe - Estudo da Mesquita de Ibn Tulun como monumento-síntese das características árabes e das transferências de elementos arquitetônicos. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Árabe, USP, 2009.

3. Leite, Sylvia: Simbolismo dos padrões geométricos da arte islâmica. Ateliê Editorial, 2007. Hanania, Ainda Rameza: A caligrafia árabe. Martins, 1999.

4. Creswell , K. A. C.: The Lawfulness of Painting in Early Islam. Ars Islamica, Vol. 11/12 (1946), pp. 159-166 .

5. Grabar, Oleg. “Islamic Attitudes Toward the Arts.” In: The Formation of Islamic Art. Rev. and enl. ed. New Haven: Yale University Press, 1987

6. Arnold, Thomas W. Painting In Islam: A Study Of The Place Of Pictorial Art In Muslim Culture. With introduction by B. W. Robinson. New York: Dover Publications, Inc., 1965.

7. Allen , Terry: “Aniconism and Figural Representation in Islamic Art”. In: Five Essays on Islamic Art. Occidental (CA): Solipsist Press, 1988. 

8.  Hodgson , G. S.: Islam and image. History of Religions, Vol. 3, No. 2 (Winter, 1964), pp. 220-260.

9. Grabar, Oleg: “Islam and Iconoclasm.” In: Early Islamic Art, 650-1100, volume I, Constructing the Study of Islamic Art. First published in Iconoclasm, A. Bryer and J. Herrin, eds (Birmingham, 1977), pp. 45-52. 

10. King, G. R. D.: Islam, Iconoclasm, and the Declaration of Doctrine. Bulletin of the School of Oriental and African Studies, University of London, Vol. 48, No. 2 (1985), pp. 267-277.

11. Vasiliev, A. A.: The Iconoclastic Edict of the Caliph Yazid II, A. D. 721. Dumbarton Oaks Papers Vol. 9/10, (1956), pp. 23-47.

12. Parrinder, Geoffrey: Jesus in the Qur’an. Oneworld: 1995.

13. Lawson, Todd: The Crucifixion and the Quran: A Study in the History of Muslim Thought. OneWorld: 2009.

14. Cumming, Joseph L: Did Jesus Die on the Cross? The History of Reflection on the End of His Earthly Life in Sunna and Tafsir Literature. 


Referências


Ao leitor que eventualmente se interessar pelo tema, seguem abaixo sugestões de leitura.

Blair, Sheila: Islamic Calligraphy. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2006.

Blair, Sheila: The Art and Architecture of Islam 1250-1800. Yale University Press Pelican History of Art. New Haven [Conn.]: Yale University Press, 1994.

Canby, Sheila R: Persian Painting. Northampton, Mass.: Interlink Pub Group, 2004.

Ettinghausen, Richard: The Art and Architecture of Islam 650-1250. The Pelican History of Art. Harmondsworth, Middlesex, England ; New York, N.Y., U.S.A: Penguin Books, 1987.

Grabar, Oleg: Mostly Miniatures: An Introduction to Persian PaintingPrinceton, N.J.; Chichester: Princeton University Press, 2001.

Hillenbrand, Robert: Islamic Art and Architecture. World of Art. London: Thames and Hudson, 1999.

Lapidus, Ira M.: A History of Islamic Societies. 2nd ed. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2002.

Tabbaa, Yasser: The Transformation of Islamic Art During the Sunni Revival. Seattle: University of Washington Press, 2001.

The New Cambridge History of Islam. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2010.

Welch, Stuart Cary (1976): A King's Book of Kings: The Shah-nameh of Shah Tahmasp. 

sábado, 24 de maio de 2014

Preconceito e Educação


Preconceito, por definição, é uma opinião ou sentimento concebido sem exame crítico. Educação, de acordo com o senso comum, é o processo social que visa a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de seres humanos. Se este processo social for realizado de forma sistemática e institucionalizada, temos a educação formal. Portanto, neste contexto, uma pessoa formalmente educada não é necessariamente desprovida de preconceitos. Com efeito, o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um indivíduo pode, sem dúvida, ser direcionado para posturas preconceituosas. 

Como já foi demonstrado matematicamente em postagem anterior, pessoas são naturalmente tendenciosas. Não há como evitar. Faz parte do íntimo de todos nós a incapacidade de sermos imparciais. E, se não conseguimos ser imparciais, como evitar o preconceito? Afinal, o próprio conceito de exame crítico é muito vago. As ideias que parecem claras para uns, não são para outros.

Existem aqueles que defendem a postura do respeito em relação a ideias ou sentimentos de outros, especialmente quando tais ideias ou sentimentos provocam algum tipo de desconforto. Se, por exemplo, uma pessoa não é religiosa, ela deve respeitar quem é. No entanto, tal postura geralmente oculta ignorância: se uma pessoa não é religiosa, ela não demonstrará o menor interesse por religião, apesar de religião obviamente desempenhar um papel fundamental nas sociedades humanas. Neste sentido, respeito é um eufemismo para "Por favor, fique longe de mim! Eu não incomodo você se você não me incomodar."

O suposto respeito por ideias ou sentimentos alheios frequentemente se traduz como segmentação social e, portanto, repercute na formação de grupos isolados: existem aqueles que gostam de futebol e os que desprezam, aqueles que gostam de cinema e os que preferem teatro, aqueles que se interessam por aspectos filosóficos da ciência e os que estão focados em aplicações. E grupos como estes raramente interagem entre si de forma socialmente construtiva.

Como minhas tendências pessoais sempre foram contra o isolamento social, prefiro a discussão. Entre guerra e acordo de paz, fico com a guerra. Entre tolerância e preconceito, fico com a argumentação. 

Muitas ideias já foram defendidas neste blog, sendo que uns poucos leitores decidiram contestá-las. Ao perceber que umas poucas discussões se prolongavam demais, sem sinal algum de convergência de ideias, pedi para encerrarmos o diálogo. Mas isso jamais significou que respeito ou desrespeito aqueles que discordam de mim. Apenas significou que discussões devem avançar e não estagnar. Se ocorre alguma forma de impasse, espero que o outro lado pense tanto nas minhas ideias quanto eu penso naquelas com as quais não concordo.

No entanto, já percebi em sala de aula que existe até mesmo preconceito com relação ao significado de preconceito. Quando alunos afirmam que equação de reta qualquer no plano cartesiano é dada por y = ax b ou que divisão de número real por zero é impossível de calcular, respondo que estes são preconceitos. E a reação usual dos alunos é uma risada, principalmente nos últimos dez anos. Aparentemente existe o preconceito de que preconceitos se aplicam somente sobre questões de ordem moral ou social e jamais sobre assuntos de raro apelo emocional mundano, como matemática. 

Universidades deveriam ser os ambientes ideais para o rompimento de preconceitos. Ainda que sejamos individualmente incapazes de evitar preconceitos, isso não deveria impedir nossa busca pela análise crítica do conhecimento. Afinal, em grupos somos capazes de minimizar nossos preconceitos inerentes enquanto indivíduos. Daí a importância do trabalho interdisciplinar promovido por equipes em ambientes destinados à produção do conhecimento científico, tecnológico e artístico, como universidades. Grupos de pessoas que compartilham as mesmas ideias apenas operam dentro dos limitados parâmetros de um indivíduo qualquer. Mas grupos de pessoas com ideias diferentes tendem a inovar de maneira significativa, se elas perceberem que o significativo avanço intelectual é muito mais importante do que a opinião ou visão de um único indivíduo. 

Mesmo quando um único indivíduo apresenta uma ideia absolutamente inovadora ou revolucionária, como Einstein ou Xenakis, a decisão sobre sua legitimidade e relevância é inevitavelmente promovida pelos contornos sociais definidos pelos pares profissionais de tais indivíduos. A teoria da relatividade geral não é um triunfo apenas de Albert Einstein. É um triunfo da espécie humana, que foi capaz de analisar criticamente o alcance e os limites desta fundamental teoria científica. Muitos foram aqueles que testaram e muitos são aqueles que ainda testam a consistência teórica e experimental da teoria da relatividade geral.

O processo educacional que considero ideal é aquele que estimula o senso crítico. Educação não deveria ser um processo de mero adestramento para fins de inserção social. Educação deveria ser a permanente crítica sobre aquilo que se julga já estabelecido. Educação não deve promover zonas de conforto, mas insegurança. Quem se sente intelectualmente seguro é um tolo. Isso porque ainda não foram respondidas as questões mais fundamentais e antigas da existência humana: quem somos, de onde viemos e para onde iremos. 

Não sabemos ainda se algum dia seremos capazes de colonizar outros mundos. Não sabemos ainda se estamos a sós no universo. Não sabemos se algum dia poderemos usar conhecimentos físicos sobre a natureza do tempo para estudar história. Não sabemos quem de fato foi Jesus Cristo. Não sabemos se algum dia será impossível a composição de novas músicas. Não sabemos se algum dia venceremos os limites de nossa própria capacidade intelectual. Não sabemos sequer se continuaremos a existir por muito mais tempo, enquanto civilização. 

Em suma, trabalho intelectual sério demanda trocas de ideias, discussões, argumentos, defesas, ataques, guerra. Mas é uma guerra na qual a vitória de um argumento não deve ser encarada como uma vitória pessoal. Se Einstein criou a teoria da relatividade geral, foi porque ele avaliou criticamente a gravitação newtoniana. Sem a obra de Isaac Newton, não haveria qualquer ideia conceitualmente oposta à noção de ação-a-distância, presente na gravitação universal. Além disso, as ferramentas do cálculo diferencial e integral de Newton foram fundamentais para o desenvolvimento da própria teoria da relatividade geral. Sem um dos criadores das bombas V-2 que os nazistas lançaram sobre Londres na Segunda Guerra Mundial, os americanos não teriam enviado homem algum para a Lua. Sem a Copa do Mundo que iniciará no próximo mês, não teríamos tantas discussões fervorosas sobre a melhor distribuição de recursos públicos em educação, saúde e segurança em nosso país. Sem guerra, jamais sentiríamos a necessidade pela paz. Sem preconceito, não pensaríamos na necessidade de senso crítico.

Para encerrar esta breve discussão sobre preconceito e educação convido o leitor a examinar cuidadosamente a imagem no topo deste texto, clicando sobre ela. Como já insisti em outras ocasiões, cada imagem é escolhida de forma a se adequar aos propósitos de suas respectivas postagens. E esta aqui não é exceção. Na imagem abstrata associada a este texto há duas outras imagens concretas e não concatenadas. Consegue identificá-las?

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Pacto Criminoso Entre Universidades, Polícia Federal e MEC


Muitas denúncias foram feitas neste blog: professores de universidades federais que recebem salários equivalentes a dedicação exclusiva sem qualquer contrato de dedicação exclusiva, tráfico de monografias, dissertações, teses e artigos científicos, descaso com a melhor professora de matemática do país, pesquisadores do CNPq sem produção intelectual relevante, mediocridade no ensino de direito, mediocridade no ensino de matemática, mediocridade de movimentos sindicais de professores de ensino superior, influência da educação brasileira sobre o crime organizado, falta de confiabilidade do voto eletrônico, entre outras. E muitas denúncias são feitas diariamente por muita gente em todo o Brasil, sejam em forma impressa ou eletrônica. No entanto, praticamente nada muda diante de tais denúncias. 

Portanto, cabe a pergunta: por que continuar com as denúncias? A resposta é simples: porque há uma inércia cultural muito grande a ser vencida em nosso país. Quem entender o significado disso, certamente não ficará calado.

No dia oito de maio deste ano recebi em minha conta adonai@ufpr.br um e-mail do endereço saulotomaz4@uol.com.br com a seguinte mensagem:

"463129 
Especializada na emissão de diplomas: Diploma de Conclusão do Ensino
Fundamental e Médio/ Diploma de conclusão do Ensino Superior (diversas
áreas). Nossos diplomas são confeccionados e emitidos dentro das
próprias instituições de ensino. Toda a documentação necessária é gerada
de maneira quente sem o emprego de qualquer tipo de falsificação. São
diversas opções para alavancar a sua carreira. Não deixe a vaga passar,
compre agora o seu diploma! Não fornecemos diplomas de nenhuma área da
saúde. 

Informações é somente pelo email diplomas-brasil@hotmail.com 

Site: www.sdplo.com

463129"

Respondi tal e-mail no mesmo dia com o que se segue:

"Oi
Recebi email de vocês sobre obtenção de diplomas. Com funciona o trabalho
de vocês.

Adonai"

Ao responder, tomei cuidado em retirar minha assinatura eletrônica, na qual consta o endereço deste blog. Porém, nos e-mails seguintes mantive a assinatura, na esperança de que a pessoa do outro lado percebesse quem sou. Obviamente tal indivíduo não prestou atenção neste detalhe. Seguem abaixo todas as mensagens que trocamos. Tomei o cuidado de não editar os conteúdos dos emails. Por isso, peço ao leitor compreensão com relação aos eventuais erros ortográficos e de pontuação. No final desta postagem faço uma breve discussão que justifica a tese que defendo aqui: existe um pacto criminoso entre universidades, MEC (Ministério da Educação) e polícia federal.

E-mail que recebi no dia nove de maio, do endereço diplomas-brasil@hotmail.com associado ao nome Osvaldo Vilela:


"Bom dia

Por qual curso possui interesse?"


Respondi no dia dez de maio:

"Direito. Tem como conseguir um diploma de direito em alguma universidade
federal?

Seria de muita ajuda se pudesse.

Adonai"

Recebi no dia onze de maio, da mesma conta diplomas-brasil@hotmail.com:

"Olá, peço que leia atentamente para entender como funciona o procedimento do meu
trabalho para que não haja objeções futuras .
 
Antes
 de qualquer coisa vou esclarecer como que é feito todo o processo, e 
como funciona nosso trabalho, deixando você mais seguro de onde estará 
investindo seu dinheiro e tendo a plena certeza de como que o nosso 
trabalho é sério.
 
Por ser um trabalho ILEGAL e muito sério , temos sempre que trabalhar com muito
sigilo e ter certeza do que estamos fazendo.
 
Num
 processo como este, muitas pessoas são envolvidas, tanto dentro do MEC,
 e também dentro da instituição de ensino, por isso não existe milagres.
 
 
Com
 o diploma que irei te fornecer você se tornará EX-ALUNO DA INSTITUIÇÃO,
 COMO QUALQUER OUTRO ALUNO QUE TAMBÉM CURSOU NORMALMENTE DENTRO DESSA 
INSTITUIÇÃO , TERÁ O R.A ACADEMICO (número de registro junto com a 
instituição) QUE TE PERMITIRÁ PEDIR UMA SEGUNDA VIA DE TODOS SEUS DOCUMENTOS
DIRETAMENTE COM A UNIVERSIDADE ,TAMBÉM TERÁ A FOLHA PRESENCIAL QUE É PREENCHIDA
IGUAL A DE UM EX-ALUNO ,que será a prova de que você comparecia as aulas, E TERÁ UM
REGISTRO COM A DOCUMENTAÇÃO DE NOTAS DAS PROVAS DESENVOLVIDAS PARA PASSAR DE
SEMESTRE E ASSIM SE FORMAR, ou seja, uma DOCUMENTAÇÃO COMPLETAMENTE ORIGINAL !
 
Para tudo e todos você terá se formado normalmente , as únicas pessoas que saberão
disso somos nós ... eu e você .
E
 depois que a documentação estiver toda em suas mãos eu apago todo e 
qualquer registro que haja em meu computador de todo  nosso processo , 
defendendo assim a conduta e a integridade de nosso cliente mantendo 
todo um sigilo.
 
A documentação que você receberá dentro de 25 dias num pacote por Sedex:
 
-DILPOMA
-HISTORICO ( com as devidas notas e frequência nas aulas)
-CERTIFICADO
 DE COMPROVAÇÃO DE HORAS DO SEU ESTÁGIO(pois se não tiver o comprovante 
de estágio vão ver que esse diploma não é válido).-CERTIFICADO DE COLAÇÃO DE GRAU
-CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO-CARTEIRINHA
 DE ACESSO A FACULDADE COM NÚMERO DO R.A ACADEMICO (que é a mesma 
carteirinha que os alunos usam para entrar na faculdade , e você terá a 
sua , e nela terá o numero do R.A o qual você poderá usar para pedir a 
segunda via de toda a documentação dentro da faculdade).
-LINK COM PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL (que te mandarei via e-mail no dia que você
receber toda a documentação )
-COPIA
 DO TCC (trabalho de conclusão de curso) ENVIADO POR E-MAIL EM PDF E TXT
 ( mandarei também no mesmo dia que você receberá a documentação por 
e-mail ).
 
Você
 vai poder fazer pós-gradução em qualquer instituição,  vai poder fazer 
qualquer concurso público,  vai poder apresentar em qualquer consulado 
para pedir visto pra viajar pro exterior, vai poder apresentar em 
qualquer multinacional do mundo para conseguir emprego... SUA 
DOCUMENTAÇÃO SERÁ ORIGINAL !
 
 
Se ainda sim tiver alguma dúvida de tudo que citei acima, me coloco a disposição.
 
Att."

Respondi no dia onze de maio:

"Oi
Tenho só as seguintes dúvidas:

1) Posso escolher qualquer universidade federal para emitir meu diploma?
Se não posso, quais são as minhas opções?

2) Quanto custará e como pagarei? Pergunto porque eu também não quero que
minha forma de pagamento possa ser rastreada, já que você mesmo disse que
o processo todo é ilegal. Espero que minha preocupação não incomode você.

3) Sei que pode parecer paranoia minha, mas tem alguma forma de garantia
que eu vá receber toda a documentação prometida após o pagamento?

Att."

Recebi a seguinte resposta no dia doze de maio:

"Boa tarde
Trabalho com duas instituições, ambas do estado de São Paulo. Inicialmente
 por uma questão de segurança não revelamos os nomes das instituições de
 ensino, somente após fechar negocio que passamos as opções disponiveis.
 É uma medida de segurança necessária pois a maior parte das pessoas 
entram em contato somente para obter essa informação e prezamos pelo 
sigilo total. Espero que compreenda nossa politica de segurança. O valor
 é de 3500,00. Podemos
 fechar o pagamento em 50% (que será usado para pagar as custas dos 
procedimentos (condição, homologação e envio), além das custas com os o 
nossos colaboradores - todos esses valores devem ser pagos, por nós, à 
vista e em dinheiro) e 50% restante quando do recebimento do mesmo e a 
averiguação de sua autenticidade. Todos
 os certificados emitidos por nós são legítimos, expedidos por 
instituições que existem e tem credibilidade no mercado de trabalho. 
Justamente por esta razão não trabalhamos com descontos. E nenhuma 
criação de documento é feita sem a contratação do serviço, pois o mesmo 
vai para pagamento das pessoas que trabalham dentro das instituições e 
criam as documentações. Dentro
 das instituições há pessoas que são nossas parceiras. Elas criam todo o
 histórico escolar/acadêmico do interessado, com notas, freqüência, e 
todos os registros pertinentes a cada curso. Estes dados são inseridos 
no banco de dados da instituição, então é como se a pessoa realmente 
tivesse iniciado e concluído o curso naquela instituição. Os
 registros escolares/acadêmicos ficam armazenados para sempre, o que 
facilita caso mais adiante precise-se de uma confirmação de 
autenticidade, conclusão ou expedição de segunda via de qualquer um dos 
registros.Todo
 o material usado na confecção dos documentos é exatamente o mesmo usado
 por cada instituição de ensino, com assinaturas e carimbos legítimos. 
Por isto garantimos que não há restrição no uso da documentação, seja 
para obtenção de registro junto aos conselhos regionais profissionais, 
para comprovação de estudos em concursos públicos ou para matrícula para
 prosseguimento de estudos.

Deseja adquirir? é necessário que me mande por email os seguintes documentos
escaneados...

CPF FRENTE E VERSO
RG FRENTE E VERSO
CÓPIA DA ASSINATURA
FOTO 3X4
HISTÓRICO ESCOLAR

Para quaisquer outras dúvidas estou a disposição"

Não respondi a este último e-mail, simplesmente porque não quero entregar dados pessoais para um criminoso. Mas uma pessoa com acesso a informações privilegiadas (como um agente da polícia federal) poderia facilmente dar continuidade a uma troca de e-mails como esta e flagrar pelo menos um dos responsáveis por tal atividade. 

Vale observar que o site mencionado na primeira mensagem existe e se trata de um blog que anuncia a venda de diplomas. Segundo o blog, "De modo algum isso nos orgulha, porém em um país famoso pelo seu 'jeitinho brasileiro', quem é 100% honesto acaba sempre ficando em desvantagem!"

Se o leitor procurar no google, encontrará vários sites na internet que anunciam os mesmos serviços prometidos para mim: a obtenção de diplomas universitários de cursos que jamais foram realizados. Até mesmo no Facebook já encontrei uma página de venda de diplomas, com mais de duzentas e sessenta curtidas. 

Se houvesse interesse real na erradicação desta gravíssima atividade criminosa, ela não estaria anunciada de forma tão aberta na internet. 

Vejam bem. O preço por um diploma de um curso de direito é três mil e quinhentos reais, de acordo com e-mail que recebi. Esta pode não ser uma quantia irrisória (dada a realidade econômica brasileira). Mas tampouco é uma fortuna. Se o preço por um diploma de graduação em direito é tão baixo, a única conclusão a qual se pode chegar é a seguinte: o risco da atividade criminosa em si é muito baixo.

Funcionários de universidades e do MEC ou quaisquer outras pessoas não colocariam seus empregos e suas vidas em risco elevado por tão pouco dinheiro, o qual é diluído entre membros de uma quadrilha. Se o preço é tão baixo, é porque o risco é igualmente baixo e a demanda é grande. 

Se há demanda elevada e risco baixo, é porque inevitavelmente a polícia federal, instituições de ensino superior e MEC estão de acordo: este problema não nos preocupa seriamente. E nem deveria! Afinal, a maioria dos brasileiros está mais interessada em diplomas do que em conhecimento.

Eventualmente um ou outro criminoso são autuados. Mas combate real contra o tráfico de diplomas no Brasil simplesmente não existe. 

É uma estratégia parecida com o combate à pirataria e aos descaminhos econômicos, já discutidos neste blog. 

Em suma, se há quem curta uma comunidade Facebook que anuncia venda de diplomas, quem está disposto a denunciar crimes perante a polícia federal e cobrar resultados?

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O estado da educação nas faculdades de direito do Brasil


O texto abaixo é uma extraordinária contribuição de Ítalo José da Silva Oliveira, mestrando em Direito na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Já há algum tempo venho negociando com ele a publicação desta postagem, a qual é um retrato sóbrio mas incisivo sobre o ensino nas faculdades de direito de nosso país. Devo confessar que eu mesmo fiquei surpreso com o que li, pois sempre percebi que, de fato, os melhores alunos da Universidade Federal do Paraná (instituição onde trabalho) são os do curso de direito. No entanto, não há como negar: mesmo os mais brilhantes cedem à mediocridade social que inunda nosso país. 

Espero que o leitor saiba aproveitar o artigo abaixo. O Brasil precisa urgentemente de significativas transformações sociais.
_____________

O estado da educação nas faculdades de direito do Brasil
escrito por Ítalo José da Silva Oliveira



Pretendo descrever a situação da educação, incluindo a pós-graduação, nas escolas de direito do Brasil. Como me formei na Faculdade de Direito do Recife (FDR), integrada desde 1946 à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), minhas considerações naturalmente estão baseadas em minha experiência como discente; no entanto, dado que muito do que ocorre na FDR está relacionado a uma conjuntura nacional, não é descabido supor, como os relatos que conheço indicam, que grande parte disso se repete nas faculdades de direito ao redor do país – de modo que há razões para admitir que as induções empíricas feitas neste texto têm certa plausibilidade, mesmo quando carentes de estatísticas. Também falarei um pouco sobre a produção acadêmica na área e a prática profissional. Ainda que minha avaliação seja limitada e sujeita a imprecisões, tenho esperança de que sirva para estimular o debate sobre a educação superior em direito, algo com que me preocupo.

Atualmente o vestibular tradicional não é mais o principal critério de seleção dos interessados em ingressar na UFPE, que recentemente aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e usará a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); mas isso não deve mudar o fato de que o curso de direito, como o de medicina, esteja entre os três cursos mais concorridos da UFPE. Dada as grandes diferenças sociais de acesso à educação e a condições apropriadas para uma boa formação, a concorrência elevada para o curso de direito, em regra, tende a atrair os melhores e mais bem qualificados alunos (alunos com uma boa base educacional), enquanto cursos de baixa concorrência, como filosofia, atraem, em regra, os piores alunos no momento do ingresso (alunos com uma base não tão boa). Apesar disso, um professor eminente da casa costumava criticar a faculdade dizendo que na FDR os alunos “entram inteligentes e saem burros” (não exatamente com essas palavras) – o que parece paradoxal.

Ora, tradicionalmente, a FDR é considerada uma das melhores escolas de direito do Nordeste e por ela já passaram (como docentes ou discentes) personalidades influentes da cultura e da história do Brasil: filósofos e juristas como Tobias Barreto, Sílvio Romero e Pontes de Miranda; o famoso abolicionista Joaquim Nabuco; os escritores Castro Alves, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna; o empresário Assis Chateaubriand; os políticos Miguel Arraes e Marco Maciel; o músico Alceu Valença; o tradutor e lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (editor do popular “Dicionário Aurélio”); só para citar alguns.

Lembrando que foi na FDR onde surgiu um movimento intelectual brasileiro importante que abrangia diversas Humanidades, denominado Escola do Recife, sobre o qual Antônio Paim escreveu em seus estudos de história das ideias brasileiras.

Os desempenhos dos alunos da FDR no Exame de Ordem (no qual é necessário ter a aprovação para poder se inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil [OAB] e, assim, poder exercer legalmente a advocacia) também sugerem a boa qualidade do curso: em 2012, no V Exame de Ordem, por exemplo, a UFPE obteve o segundo maior índice de aprovação do país, com 78,57%, sendo que o total percentual dos aprovados entre todos os inscritos foi de apenas 24%. Por que então alguém diria aquilo?

Em primeiro lugar, a razão para pessoas como aquelas terem circulado pela FDR teve a ver, no passado, com fato de ela ter sido, por muito tempo, uma das únicas instituições de ensino para onde a elite econômica da região Nordeste poderia mandar seus filhos, e isso atraiu jovens com os mais diversos interesses; a faculdade tinha um perfil mais humanístico do que hoje (mais “técnico”). Atualmente, essas pessoas poderiam estar mais bem alocadas em cursos como sociologia, história, letras, filosofia, administração, economia, música, cinema e outros – à época inexistentes. O fato de haver certa tradição familiar em direito, associada ao prestígio e às possibilidades econômicas do curso, também contribuiu, e ainda hoje contribui, para o ingresso de pessoas com diferentes interesses, mas sujeitas àquela tradição. Algo semelhante ocorre com a “irmã-gêmea” da FDR, a Faculdade de Direito de São Paulo (hoje parte na Universidade de São Paulo, USP).

Em segundo lugar, ao aceitarmos um bom aproveitamento no Exame da OAB como critério de qualidade do curso de direito, deixamos de questionar os próprios critérios usados pelo exame e pelos concursos públicos em geral, e veremos que é duvidoso que sejam avaliações produtivas.

A estruturação dos cursos de direito do país é inevitavelmente influenciada pelo mercado de serviços jurídicos, mas, e talvez isso seja mais relevante, também pelo Exame da OAB e pelos concursos públicos em geral. Esses dois últimos são, na imensa maioria dos casos, tanto em faculdades públicas quanto privadas, os maiores desejos dos estudantes de direito: o sonho brasileiro da estabilidade financeira. Uma ressalva: o Exame de Ordem é almejado principalmente na medida em que é necessário para a aprovação em concursos públicos, como em cargos para a Defensorias Pública, Procuradorias e Promotorias. Há um ditado interno irônico que diz que é advogado quem ainda não passou em concurso. Com isso quero ressaltar que o interesse em empreender e buscar o sucesso profissional na iniciativa privada não é tão comum entre os estudantes brasileiros de direito quanto o interesse em concursos públicos. Metaforicamente, podemos dizer que hoje em dia não existem sonhos nas faculdades de direito do Brasil. Diante da pergunta “O que você quer ser quando crescer?”, o estudante de direito típico vira os olhos, confuso, sem saber o que dizer, até responder: “Passar em concurso”. “Sim, mas o que você quer ser?” insistem os sonhadores. O estudante então diz: “Ah, a minha profissão. Aí vai depender do concurso em que eu passar, né!”. E como passar nesses concursos?

No Brasil, as provas de concurso público, bem como as do Exame de Ordem, em geral requerem, acima de tudo, uma habilidade: memorização. O candidato precisa sempre saber o que está escrito na legislação (em alguns casos literalmente) e, eventualmente, o que está dito no momento em decisões judiciais e doutrinas jurídicas dominantes. A avaliação usual é feita mediante provas de múltipla escolha (sobre alguns problemas desse tipo de avaliação, ver AQUI), na qual o candidato precisa separar, dentre as alternativas, as respostas certas e erradas, sendo que o critério de certo e errado consiste basicamente na identificação de passagens da legislação, decisões e manuais de direito. Isso oferece um critério bastante objetivo e neutro para a seleção de candidatos, mas quase inteiramente inútil na avaliação das competências e dos conhecimentos do candidato – mesmo das competências e dos conhecimentos relevantes para o cargo do concurso.

Assim, a maioria dos alunos tende a menosprezar quaisquer disciplinas e iniciativas pedagógicas que não sejam imediatamente úteis para o propósito de passar em um concurso público. Matérias como filosofia, sociologia, psicologia, economia e ciência política são vistas com a suspeita de inutilidade; são entraves aos seus objetivos. As disciplinas que lhes interessam não têm sufixo “-logia”, nem começam com “Teoria”; são matérias que quase sempre começam com “Direito” (Constitucional, Civil, Penal, etc.) e devidamente lecionadas: os alunos desejam que o professor siga a ordem da legislação, apresentando-a passo a passo (algo que poderia ser feito, individualmente, por qualquer um, em qualquer lugar tranquilo, apenas lendo). Na verdade, o imediatismo dos alunos chega a tal ponto, que a própria faculdade de direito é com frequência vista apenas como um obstáculo entre o aluno e seu tão sonhado cargo público bem remunerado, de modo que muitos alunos menosprezam quaisquer disciplinas, focando-se nos assuntos de cursinhos preparatórios e estudos em casa para concurso, além de fazerem de tudo para concluir o curso no menor prazo possível (há outro ditado interno que diz que as maiores felicidades do aluno da FDR ocorrem quando entra na faculdade e quando sai). Em resumo, a questão é obter um diploma. A recente proliferação de faculdades de direito privadas pelo Brasil é, em parte, consequência dessa demanda, ao mesmo tempo em que contribui para a manutenção dela.

Há professores (não todos, é claro) que são lenientes com o desprezo dos alunos pelo estudo sério e pelo conhecimento acadêmico e, sob estímulo do menor esforço, compactuam com os alunos de diversas formas: dando aulas restritas à apresentação da legislação; facilitando a aprovação na disciplina; não exigindo tarefas ou projetos extraclasse, senão para facilitar a aprovação; realizando seminários durante toda a disciplina, fazendo, na prática, com que os alunos deem aulas no lugar do professor; etc. Qualquer exigência que não conste na ementa de uma disciplina ou não tenha sido verticalmente dada em sala de aula pelo professor é motivo para revolta dos alunos – insatisfação essa que os professores procuram evitar. Esse equilíbrio de interesses que satisfaz tanto a maioria dos alunos quanto boa parte dos professores é às vezes chamado nos corredores de “pacto de mediocridade”.

Vale ressaltar que, nas faculdades públicas de direito, mesmo os piores professores – ainda que sob os critérios de memorização e de aulas expositivas desejados pelos alunos –, mesmo os professores mais arbitrários e intransigentes, dificilmente (para não dizer “nunca”) são demitidos ou exonerados, dada a estabilidade do emprego público. Ou seja, a não ser que seja um professor substituto, o professor tem seu emprego garantido independente da qualidade de seu trabalho. Na prática, isso contribui para a reprodução das práticas de educação, quaisquer que sejam, boas ou más, nas faculdades de direito do país – a despeito do fato de uma das finalidades da estabilidade ser garantir a independência do pesquisador. Essa é uma discussão complexa e não estou sugerindo que não deva haver essa estabilidade no Brasil, mas que isso precisa ser discutido e repensado. AQUI um texto útil para começar a discussão, falando sobre como funciona a estabilidade (tenure) nas universidades americanas.

O professor Torquato Castro Júnior (UFPE), da FDR, investigando as práticas de ensino nas faculdades de direito em relação com a prática profissional, costuma dizer, concordando com o jurista Luis Alberto Warat, que as faculdades de direito mais se parecem com misteriosos templos religiosos (o “monastério dos sábios”, nas palavras de Warat) do que com instituições produtoras de conhecimento, pois “doutrinação”, para não dizer “adestramento”, é o termo mais apropriado ao que é feito pelos professores de direito no culto aos deuses “Norma Jurídica”, “Estado Democrático de Direito”, “Constituição”, “Princípios Jurídicos”, entre outros. Os professores, segundo ele, mais parecem sacerdotes que realizam a catequese dos alunos inculcando coisas como “Isso é certo”, “Aquilo é errado”, “Isso pode”, “Aquilo não pode”, e a pergunta mais frequente nas salas de aula tem a forma de “Isso pode, professor?”, ao que o professor responde com a autoridade de um padre pregador da religião “Direito”, à qual os alunos estarão convertidos ao final do curso. Esse processo de catequese é reforçado pela prática jurídica, em questões massificadas ou burocráticas, quando o aluno, em estágio ou como profissional (seja em escritórios de advocacia, seja em cargos do poder judiciário), realiza as operações clássicas de copiar e colar textos no computador ou no máximo um exercício argumentativo pobre baseado em hábitos aprendidos na faculdade e na prática profissional. Naturalmente, essa catequese e esses hábitos são totalmente inapropriados para lidar com questões complexas, nas quais o profissional se depara com problemas que exigem soluções individuais e criativas, que envolvem conhecimentos e sensibilidade que vão muito além da capacidade de memorização.

Uma educação assim, alheia às práticas de pesquisa científica, gera efeitos curiosos quando alunos e professores são chamados a escrever textos acadêmicos: suas monografias, dissertações, artigos e teses mais se parecem com petições iniciais, nas quais interesses prévios são defendidos ou contrapostos face a um julgador através de “argumentos” que recorrem sempre ao que “a lei diz” ou ao que “o legislador quis dizer” ou ao “espírito da lei” ou aos “princípios jurídicos” ou ao que “a Constituição diz” ou à “doutrina majoritária”, etc. Assim, alunos e professores escrevem sobre coisas como a aplicabilidade (ou não) da Lei Maria da Penha para homens, a constitucionalidade (ou não) da Lei Seca, se o conceito de família da Constituição inclui (ou não) uniões homoafetivas, se há “colisão de direitos fundamentais” entre direito à propriedade e direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, etc. Através de diversas estratégias retóricas, criam uma série de justificações com algum encadeamento lógico questionável que tentam firmar uma escolha política com ares quase científicos, para tornar sua retórica mais eficaz. Hipóteses, inferências a partir delas, pesquisas e testes empíricos, coleta de dados, produção ou uso de estatísticas, consideração de consequências, consideração de posições divergentes, explicações de fatos, teorias, autocrítica, reconhecimento de dificuldades ou fraquezas (fora as vantagens) da própria posição, apresentação de problemas em aberto, simplicidade teórica, tudo isso são procedimentos marginais, raríssimos nos textos acadêmicos de professores e alunos de escolas de direito no Brasil – mesmo sendo esses procedimentos, entre outros, fundamentais à atividade científica. E, ironicamente, a literatura jurídica está cheia de “teorias” – termo usado para nomear, de modo retoricamente eficaz, interesses prévios defendidos em fóruns. Obviamente, a defesa acadêmica séria de uma solução jurídica para um caso ou para um tipo de caso pode ser feita, mas, sem dúvida, não da forma como tem sido feita na imensa maioria dos casos – com pretensões pseudocientíficas e argumentação “estritamente” jurídica. Para entender um pouco sobre como pode ser feita uma pesquisa empírica em direito, recomendo o ensaio acessível AQUI. Um curto artigo, de 1999, do professor João Maurício Adeodato (UFPE, FDR) já denunciava alguns problemas e tentava oferecer “Bases para uma metodologia de pesquisa em direito”.

Outro vício ainda mais curioso que pode ser amplamente encontrado em textos acadêmicos de professores e alunos de direito é a sequência: a) introdução; b) evolução histórica; c) conceitos; d) fontes do direito; e) princípios; f) questões legais e jurisprudenciais; g) conclusão. Sem nenhuma razão lógica, essa sequência aparece em monografias de graduação, teses de mestrado e doutorado e até em artigos. E professores chegam a repreender alunos que não incluam um desses elementos em seus textos acadêmicos, pois esses professores foram formados acreditando na correção e na utilidade desse procedimento – o que contribui para a reprodução desse hábito. De onde ele vem? Sua causa próxima está nos manuais de direito (“Manual de Direito X”, “Curso de Direito Y”, “Noções de Direito Z”, etc.), que seguem irrefletidamente essa sequência, mas também por motivos didáticos – o que, em geral, não deveria ser o caso de um texto acadêmico fruto de uma “pesquisa”, cujo objetivo é diferente.

Costumo dizer que, no Brasil, não existe propriamente academia em direito. Isso porque existem relações tais entre a prática profissional e a “academia” (incluindo aqui as “pesquisas”), que o ambiente autocrítico e o compromisso e a curiosidade intelectuais são severamente restringidos ou postos de lado. Por quê? Há várias razões: (1) aparentemente, parte das especializações em direito são fundamentalmente cursinhos preparatórios para concurso, cujo principal objetivo não é aprimorar as competências práticas profissionais ou produzir conhecimentos úteis à prática, mas ajudar na aprovação dos seus alunos em concursos públicos, ao mesmo tempo em que atribui ao aluno um título que agrega status e valor ao seu currículo profissional (servidores públicos, por exemplo, ganham adicionais pela titulação que possuem, e os concursos em geral contam com uma prova de títulos, incorporados à pontuação do candidato); (2) o interesse no mestrado e no doutorado nem sempre é na pesquisa acadêmica ou científica, mas no título que confere ao currículo várias vantagens (além das já citadas): aumento de status no meio social (o que tem implicações no fortalecimento de sua retórica forense, dando mais valor também aos seus pareceres jurídicos); a pós-graduação se torna acessória da prática profissional; o professor e Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Lênio Luiz Streck (UNISINOS), crítico constante do ensino jurídico no Brasil, fala um pouco disso AQUI, uma matéria sobre o “jeitinho” de juristas obterem doutorado na Argentina; (3) trabalhos polêmicos ou críticos, por mais bem fundamentados e por mais importantes que sejam socialmente, podem ter uma repercussão negativa para o autor, em seu meio profissional, podendo gerar inimigos ou represálias; existe uma cultura de aparências amistosas entre os profissionais do direito do país (e professores de direito normalmente também atuam na prática jurídica), uma cordialidade, que é uma das bases de sustentação da retórica (e do sucesso) dos profissionais – de modo semelhante ao que ocorre na política; obviamente, networking e boas relações pessoais são fundamentais em qualquer profissão, mas em direito isso está de tal modo atrelado à academia, que dificulta a existência de um ambiente livre para críticas, típico da academia e da ciência em qualquer área; (4) alguns trabalhos considerados “acadêmicos” que seguem o modo de operação de uma petição inicial e são com frequência classificados como “doutrina jurídica” estão diretamente ligados a interesses econômicos do autor, cuja atividade profissional (digamos, um escritório de advocacia) se beneficia da aceitação da visão doutrinária defendida por ele quanto a uma questão jurídica; não estou sugerindo que haja má fé por parte do autor; trata-se de uma tendência à adequação entre sua visão de mundo e seus interesses econômicos – ou, em outros termos, um conflito de interesses entre seu interesse científico e seu interesse econômico; algo semelhante também parece ocorrer entre economistas, como mostrou o documentário Inside Job (2010) sobre a crise financeira de 2008. Isso parece comprometer gravemente qualquer noção aceitável de imparcialidade científica.

Nenhum desses fatores e considerações já citados, nada do que eu disse até agora, implica que, em direito, no Brasil não existam pesquisadores e estudantes sérios, curiosos, ambiciosos, que tentam realizar um bom trabalho sob padrões internacionais e almejam a excelência, fazem críticas e autocríticas independentes, e buscam uma formação além da mera reprodução de leis e doutrinas. Com certeza, existem; eu mesmo conheço vários. Receio, entretanto, que sejam a minoria, embora eu não tenha dados ou argumentos que confirmem em definitivo essa suspeita.

Mais considerações sobre o estado atual dos cursos de direito podem ser encontradas em textos do professor João Maurício Adeodato – por exemplo, na sua entrevista à Revista Jurídica CONSULEX, em 15 de fevereiro de 2012.

O “Documento de Área” (disponível AQUI) que faz parte da Avaliação Trianual (2013), da CAPES, no tópico “I. Considerações gerais sobre o estágio atual da área” (neste caso, de direito) diz o seguinte: “Hoje a produção científica brasileira da Área do Direito adquiriu inserção e respeitabilidade internacionais, o que se deixa traduzir pelo elevado número de publicações e participações de docentes e discentes brasileiros no exterior, bem como o despertar do interesse pelas escolas superiores brasileiras de Direito.”.

Resolvi investigar a consistência dessa afirmação quanto à inserção da produção jurídica brasileira no cenário internacional. Suponho que o “elevado número de publicações” se refira a publicações em periódicos estrangeiros respeitados, já que as produções em periódicos nacionais dificilmente alcançam qualquer repercussão na comunidade acadêmica internacional (a não ser, é claro, que sejam publicadas em inglês em algum periódico nacional respeitado, sob critérios internacionais). Seguirei um procedimento semelhante ao seguido AQUI e AQUI, com algumas alterações substanciais, numa avaliação da produção filosófica brasileira feita pelo professor Adonai Sant’Anna (UFPR). Por limitações minhas, usei apenas a Plataforma Lattes, do CNPq, para acessar informações quanto à produção jurídica brasileira. De certa forma, isso tende a criar uma distorção estatística em favor dos pesquisadores (a não ser que eles tenham preenchido errado, possibilidade que não levarei em consideração), já que a plataforma é usada por eles para obter bolsas dos órgãos de fomento à pesquisa e, portanto, eles têm interesse em manter a plataforma com informações atualizadas e úteis para esse fim – ainda que exista a possibilidade de haver informações inconsistentes com o que poderíamos encontrar numa comparação com um banco de dados internacional importante como o Web of Knowledge.

Quero deixar bem claro que, por mais que meu objetivo aqui seja unicamente discutir a educação jurídica do país, na esperança de contribuir para melhorá-la, evitarei fazer uma avaliação caso a caso dos pesquisadores, a fim evitar que alguém se sinta difamado ou injuriado, e farei, portanto, apenas comentários gerais, descrevendo padrões nos resultados.

Objetivo: avaliar a repercussão internacional da produção acadêmica brasileira em direito; avaliar se “Hoje a produção científica brasileira da Área do Direito adquiriu inserção e respeitabilidade internacionais, o que se deixa traduzir pelo elevado número de publicações (...)”, tal como o “Documento de Área” da Avaliação Trianual (2013), da CAPES, afirma.

Procedimento: usei os filtros do espaço de busca da Plataforma Lattes para identificar os pesquisadores 1A e 1B, que, para o CAPES e CNPq, representam o topo do ranking dos pesquisadores “Bolsistas de Produtividade do CNPq” e no campo de “Atuação profissional”>“Grande área: Ciências Sociais Aplicadas”>“Área: Direito”>“Subárea: Todas”>“Especialidade: Todas”. Ao todo são onze pesquisadores, sendo sete classificados como 1A, e quatro como 1B. Em seguida, avaliei, através dos “Indicadores de Produção”, o total de “Artigos Completos Publicados em Periódicos”, o “Total de Artigos com Citações” e a “Soma das Citações”, esses dois últimos em relação a duas bases de dados, o Web of Science (que faz parte das ferramentas do Web of Knowledge) e o Scopus – de ambas as quais o CNPq recupera os dados. Algumas eventuais informações adicionais foram encontradas ao longo do Lattes do pesquisador. As aspas indicam a expressão exatamente como está escrita na Plataforma Lattes. Minha avaliação buscou encontrar padrões, em vez de apresentar análises individuais. Os dados da plataforma foram coletados entre os dias 21 e 27 do mês de abril, de 2014.

Uma ressalva: do grupo 1B, dois pesquisadores são, na verdade, da área de exatas (um de engenharia, outro de geociências), sendo que um deles tem graduação em engenharia civil, administração e direito, mas seu mestrado e doutorado são em engenharia civil, e em ambos as “Áreas de atuação” de 1 a 5 são em exatas e apenas a sexta área é, conforme os próprios pesquisadores definiram, em direito (“Legislação Ambiental” e “Direito Ambiental”). Esse último detalhe deve ter sido a causa de o filtro da pesquisa da plataforma incluí-los, mas percebemos que, numa avaliação qualitativa, não temos razões para incluí-los dentro do grupo da área de direito. São amostras alheias ao objeto da nossa análise que por acaso passaram pela filtragem automática. Portanto, não os levarei em consideração aqui, de modo que a amostra passa a ser de nove pesquisadores.

Resultados:


  • A maioria dos pesquisadores, somados os dois grupos tem, individualmente, um número de “Artigos Completos Publicados em Periódicos” superior a 50, tendo alguns pesquisadores um número superior a 100 artigos.
  • Entre todos os pesquisadores, sem exceção, o número do “Total de Artigos com Citações” é zero na principal base de dados internacional usada pelo CNPq, a Web of Science.
  • Consequentemente, a “Soma das Citações” que constam na Web of Science também é zero.
  • Já na base Scopus, o “Total de Artigos com Citações” de quase todos os pesquisadores, individualmente, é menor ou igual a dois, sendo que apenas um dos pesquisadores tem nove artigos citados na base Scopus.
  • A “Soma das Citações” de cada um, separadamente, é menor ou igual a quatro citações na base Scopus, com exceção de um pesquisador que possui dezenove citações.
  • Todos os pesquisadores dos grupos 1A e 1B, sem exceção, dentro do percentual total de sua produção, têm poucos artigos publicados em periódicos estrangeiros, em língua estrangeira, notadamente o inglês – hoje, língua franca da ciência. Essa é a provável causa de, apesar de terem um número elevado de publicações totais, esses pesquisadores quase não são citados pela comunidade acadêmica de direito do mundo, segundo as informações que a Plataforma Lattes recuperou das bases Web of Science e Scopus.

Se esses resultados estão certos, é correto afirmar que “Hoje a produção científica brasileira da Área do Direito adquiriu inserção e respeitabilidade internacionais, o que se deixa traduzir pelo elevado número de publicações (...)”? Se pensarmos meramente na quantidade de artigos publicados, mesmo que em português e em periódicos de circulação nacional ou local, então está confirmado o “elevado número de publicações”, embora não esteja clara qual a suposta relação desse número com a “inserção e respeitabilidade internacionais” que supostamente a produção científica brasileira na área de direito teria adquirido. Ao contrário, nossos dados sugerem que essa produção passa praticamente desapercebida para a comunidade científica internacional na área de direito. Nossos dados sugerem que praticamente não existe inserção internacional da produção científica brasileira na área de direito – ao menos não, se considerarmos apenas a produção dos representantes dos dois mais altos níveis de pesquisa do CNPq, os 1A e os 1B.

Nesse ponto, colocamos (e deixaremos) uma pergunta em aberto: por que o “Documento de Área” da Avaliação Trianual (2013), da CAPES, afirma algo tão radicalmente inconsistente com informações oficiais presentes na própria Plataforma Lattes?

Vale destacar que nossos resultados não implicam que os pesquisadores analisados não sejam intelectualmente competentes; é possível, inclusive, que sejam intelectualmente brilhantes e eruditos (como eu creio que são, pois conheço alguns deles). Não é isso o que está sendo colocado em questão aqui.

Nossos dados também nada dizem sobre o conteúdo das publicações dos pesquisadores brasileiros analisados – se são produções boas ou não. O que os dados mostram claramente é que, seja o que for que os pesquisadores da amostra andem produzindo, a repercussão internacional desses trabalhos é quase nula.

É importante deixar claro que nossos resultados não implicam que pesquisadores “Bolsistas de Produtividade do CNPq” das classes 1C, 1D e 2, em direito, não tenham produção internacionalmente relevante. É possível que tenham. Para avaliar isso, convido meus leitores a realizar uma pesquisa empírica semelhante à apresentada neste texto. O número total de “Bolsistas de Produtividade do CNPq” das cinco classes é, atualmente, menor que 110 pesquisadores – um número tratável até para uma análise feita por apenas uma pessoa, desde que disponha de algum tempo; se a análise for feita por uma pequena equipe, pode ser mais rápida.

Outro ponto que é preciso deixar claro é que existem pesquisadores (incluindo mestres, graduados, estudantes, técnicos, etc.) que hoje não são “Bolsistas de Produtividade do CNPq” em um número, a princípio, não tratável por apenas nosso procedimento de análise (mais de cento e quarenta mil). Dentro dessa amostra existe a possibilidade de haver pesquisadores com trabalhos de repercussão internacional (medida pelo número de artigos e citações registradas em base de dados como a Web of Science). Por outro lado, é importante frisar também que os pesquisadores “Bolsistas de Produtividade do CNPq” das cinco classes (especialmente das duas primeiras) representam, nos critérios das agências brasileiras de fomento à pesquisa científica, o topo do ranking nacional – de quem é natural esperar produções científicas internacionalmente relevantes.

Um ponto importante que os resultados dessa pesquisa (bem como os da pesquisa sobre a área de filosofia no país realizada pelo professor Adonai Sant'Anna AQUI e AQUI, já citada acima) colocam em questão são os critérios de mérito usados para classificar os “Bolsistas de Produtividade do CNPq” em cinco classes. Se os órgãos de fomento à pesquisa científica do Brasil estão realmente preocupados com a “inserção e respeitabilidade internacionais” da produção acadêmica brasileira, então seus critérios de promoção parecem necessitar ser mais rigorosos quanto a isso, ao mesmo tempo em que deveriam estimular nossos pesquisadores a publicar em periódicos internacionais respeitados (principalmente em inglês), pois, ao menos nas áreas e amostras analisadas pelas duas pesquisas, os atuais estímulos e avaliações não parecem estar funcionando.

Eu gostaria de falar ainda sobre duas iniciativas acadêmicas interessantes dentro da área jurídica, uma realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e outra por um grupo de alunos da FDR. Ambas vão na contramão do perfil da educação jurídica brasileira e merecem nossa atenção. No primeiro caso, trata-se da Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV (EDRJ)e da Escola de Direito de São Paulo da FGV (EDSP). A segunda iniciativa é um projeto idealizado pelos alunos da FDR chamado Direito em Foco (DF), do qual falarei agora – para depois falar da FGV.

O DF é um grupo criado e mantido por estudantes da FDR (sendo que alguns membros já se formaram) cujos objetivos integram três eixos de atividades paralelas: o “Eixo 1 – Teoria Geral e Filosofia do Direito”, o “Eixo 2 – Ensino Jurídico”, o “Eixo 3 – Laboratório Direito em Foco (LDF)”. Entre os membros do grupo estão os estudantes André Lucas Fernandes, Saulo Calado, Fernando Henrique Melo, Dã Felipe Mario, Raphael Tiburtino, Vitor Galvão Fraga, Waldo Ramalho, João Amadeus, Hélio Lemos Júnior, eu próprio, e vários outros – todos preocupados com a educação jurídica brasileira, bem como com a prática profissional. O DF também é aberto a quaisquer interessados – pertencentes ou não a um curso da UFPE.

O grupo surgiu a partir de insatisfações, ideias e discussões de dois alunos da FDR: André Lucas Fernandes e Saulo Calado. Juntos, no segundo semestre de 2011, eles idealizaram um grupo que estudasse assuntos marginalizados pela maior parte do currículo da FDR, especialmente teoria e filosofia do direito, com a ousada esperança de, quem sabe, reviver o ambiente da antiga Escola do Recife (citada no começo deste texto). No início de 2012 as atividades do grupo iniciaram-se propriamente com a criação de um grupo no Facebook e de reuniões periódicas nas quais havia discussões, organizadas por módulos de estudo, sobre temas fundamentais da teoria e filosofia do direito (Eixo 1), como a obra do jurista Hans Kelsen e a tradicional dicotomia entre Direito Natural e Direito Positivo. O grupo cresceu bastante desde sua criação. Entre as conversações, eram frequentes críticas ao ensino jurídico da FDR e das escolas de direito brasileiras. Dessas discussões surgiu o Eixo 2, que, segundo o blog do grupo, está “voltado a discutir as questões estruturais da falha no ensino da Faculdade de Direito e no ensino do direito no Brasil. Esse eixo manifesta uma complementação na formação do aluno, pois busca estimular, além do estudo, uma efetiva ação política contextualizada. É que o estudo, como exercício do saber, basta por si; contudo, pode servir para mudar a realidade em que vivemos.”.

André Lucas Fernandes, inclusive, foi bastante ativo nas discussões sobre o novo Projeto Político Pedagógico (PPP) da FDR e ajudou na idealização e realização de um seminário sobre ensino jurídico organizado pela comissão do PPP, da qual ele era um dos membros. O DF apoiou diretamente esse seminário, inclusive na execução. Além disso, em diversas ocasiões o DF expos críticas ao ensino jurídico, como nesta “NOTA SOBRE INADEQUAÇÃO PEDAGÓGICA E DESVIO DE FUNÇÃO NOS ESTÁGIOS DE DIREITO” e neste post “Sobre Ensino Jurídico e suas Mazelas”, além de ter publicado uma “NOTA SOBRE ASSÉDIO NO ESTÁGIO”.

O grupo chegou ainda a criar o denominado “Eixo 3 – Laboratório Direito em Foco (LDF)”, cujo objetivo era treinar os estudantes de direito para serem profissionais jurídicos diferenciados, em vez de meros reprodutores; por várias razões, esse eixo enfrentou dificuldades e falhou até agora, mas o DF pretende continuar insistindo para o sucesso desse eixo.

O DF solicitou este ano (2014) ser reconhecido pela UFPE como grupo de extensão, mas sempre enfrentou dificuldades para se enquadrar nas classificações burocráticas da administração universitária, por causa da variedade das atividades que o DF realiza, além de sua própria estrutura organizacional ser diferenciada. Mesmo sem apoio oficial, além de contribuições informais de professores como Torquato Castro Júnior, o grupo fez dois anos em 2014. Alguns dos membros do DF tem se destacado notavelmente: Hélio Lemos Júnior e Waldo Ramalho, juntos com mais dois alunos da UFPE organizados num grupo liderado pelo professor Artur Stamford, venceram em primeiro lugar um concurso de vídeo promovido pela “Missão dos Estados Unidos no Brasil” e participaram de um evento em Nova York sobre propriedade intelectual. Waldo Ramalho, atualmente, está estudando na EDRJ, graças a uma bolsa de estudos que ele obteve da instituição.
O primeiro ponto que vale a pena destacar sobre a EDRJ é o ensino nas salas de aula: as aulas expositivas são reduzidas ao mínimo, enfatizando a participação dos alunos e a discussão da matéria, em vez da mera exposição da matéria. Com compromisso a esse modelo, os alunos costumam ler previamente os textos, a fim de integrar-se à discussão. Projetos extraclasse que integram a nota ou dão pontos extras são exigências comuns feitas aos alunos.

Os professores são preparados para esse modelo de ensino e os testes de contratação de professores incluem uma banca interna, uma externa, mais a participação de pedagogos e a opinião de alunos, de modo a realizar uma avaliação competente e ampla das capacidades do docente. Além disso, há avaliações periódicas do corpo docente, sendo, inclusive, seriamente considerada a opinião dos discentes sobre ele (ver, por exemplo, Avaliação Institucional, da EDSP, e a Ouvidoria Acadêmica, da EDRJ). A autonomia de uma instituição privada também facilita a manutenção de um quadro qualificado de docentes, uma vez que professores que têm realizado um mau trabalho podem ser demitidos sem grandes dificuldades. A contratação de professores também leva em consideração um plano que a instituição possui para o docente contratado, de modo que sua experiência é tão importante quanto seu título – havendo, assim, professores que ocupam ou passaram, no Brasil ou no exterior, por importantes cargos públicos ou privados, relacionados à matéria que irão lecionar.

Do sétimo ao décimo período, o graduando passa a cursar somente disciplinas eletivas nas escolas de direito, administração, ciências sociais ou economia da FGV, ou ainda nas instituições conveniadas no Brasil e no exterior; também somente a partir do sétimo período é permitido ao aluno estagiar, sendo que até o sexto período o aluno estuda em tempo integral. Entre as disciplinas obrigatórias da graduação da EDRJ estão: Análise Econômica do Direito; Direito Global I; Ideologias Mundiais; Estatística; Finanças Públicas; Oficina de Pesquisa (3º e 4º períodos); Direito Penal Econômico; Teoria da Decisão; Mediação e Negociação; Regulação do Mercado de Valores Imobiliários, entre outras. Citei essas disciplinas em especial, porque são bastante diferentes do currículo da maioria das faculdades de direito do país, incluindo a FDR; notemos, por exemplo, as disciplinas de Estatística e Oficina de Pesquisa, que preparam o aluno para realizar pesquisas empíricas qualificadas. Isto é, todos os alunos terão, pelo menos a partir do terceiro período, experiência com pesquisa, porque a instituição percebe a relevância da atividade de pesquisa tanto para a produção de conhecimentos úteis à sociedade e ao mercado quanto para a formação dos profissionais aptos às demandas contemporâneas. Aliás, ambas as escolas de direito da FGV têm tradição em pesquisa, mantendo vários centros de pesquisa: Centro de Justiça e Sociedade (CJUS), Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), Centro de Direito e Meio Ambiente (CDMA), na EDRJ; e o Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada, na EDSP. Mais sobre o Projeto Pedagógico do Curso da EDRJ AQUI.

Vale observar que a EDRJ foi criada 2002 e, portanto, é uma instituição muito jovem comparada, por exemplo, à FDR (fundada em 1827 na cidade de Olinda e transferida para o Recife em 1854).

Tanto as escolas de direito da FGV quanto a iniciativa do DF mostram um pouco do que pode ser feito na área jurídica brasileira; são belos exemplos de vontade, imaginação e persistência.

Por fim, quero dizer que não tenho propostas de soluções milagrosas para os diversos problemas encontrados na educação jurídica brasileira. Espero que tenha ficado claro que tais problemas existem numa escala e profundidade tamanhas, que quaisquer soluções precisarão atingir diferentes pontos de forma contundente. Tentativas de solução puramente internas às escolas de direito dificilmente darão conta da complexidade dos problemas em nível nacional – tampouco tentativas puramente externas. É preciso que empresas, gestores, políticos, alunos e professores tenham força de vontade política para mudar esse quadro, além de criatividade e persistência.


Peço perdão, se alguém se sentiu ofendido com o que foi dito. Meu compromisso desde o início foi tão somente com a discussão e a melhoria da educação jurídica brasileira. Em qualquer área, principalmente quando falamos de temas sociais, é muito difícil fazer críticas importantes sem acabar causando insatisfação por parte de alguns setores.