Em setembro de 2012 foi publicada uma postagem na qual constava o depoimento anônimo de um superdotado. A maior parte do relato desta pessoa era sobre sua experiência como aluno no Curso de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desde então já fui procurado por várias pessoas que se identificaram fortemente com aquilo que leram na postagem acima mencionada.
Como eu mesmo tenho um histórico de divergências com o Curso de Física da UFPR, evitei a publicação de diversos depoimentos semelhantes àquele do superdotado. Isso porque não quero transparecer a ideia de que estou de alguma forma empenhado na promoção de qualquer propaganda contra tal curso. Até porque os problemas crônicos do Curso de Física da UFPR são comuns a muitos outros cursos de diversas universidades espalhadas pelo território nacional. E o principal problema identificado em inúmeras situações é a falta de motivação.
No entanto, o depoimento abaixo tem dois diferenciais importantes em relação à postagem sobre o superdotado: 1) A ênfase no texto é sobre o problema da motivação tanto de alunos quanto de professores e 2) O texto é assinado.
Se houver algum aluno ou ex-aluno de qualquer universidade que queira contrastar os depoimentos já publicados aqui, no sentido de relatar algum ambiente motivador, certamente ficarei feliz em publicar seu testemunho. Mas, por enquanto, o que temos aqui é mais uma consequência do distanciamento entre universidades brasileiras e a realidade do mundo externo a elas.
A verdade é que as universidades públicas deste país estão apodrecendo por dentro e as privadas jamais atingiram maturidade suficiente para apodrecerem. Certamente existem exceções, mais na forma de pequenos focos de inovação e estímulo. Mas um país do tamanho do nosso jamais será construído a partir de exceções.
Segue abaixo o testemunho de Denis Wiener, ex-aluno meu do Curso de Física da UFPR. Denis ainda sonha em realizar contribuições em física teórica. Mas ele percebeu que este sonho não poderia ser alcançado em uma graduação em física.
Vale observar que o Centro Politécnico (mencionado no texto abaixo) é o campus da UFPR que sedia o Curso de Física.
Desejo a todos uma leitura reflexiva.
_____________
Depoimento
escrito por Denis Wiener
Ingressei no Curso de Bacharelado em Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2009. Três anos depois eu estava deixando o Centro Politécnico com uma angústia tremenda. Meu maior medo era ser "engolido" pelo Departamento de Física e acabar preso no tempo, me tornando um aluno ou professor "jurássico" desse local. Hoje em dia evito até mesmo passar em frente ao Centro Politécnico. Caminhar pelo local então é uma tremenda tortura. O Centro Politécnico e, principalmente, o Departamento de Física da UFPR pareciam lugares que retiravam toda a minha energia e amor pela ciência. É incrível pensar como meu amor pela ciência nasceu e morreu nesse mesmo local.
No ano de 2007, estava sendo observado o Cometa Mcnaught. Fiquei sabendo então que o astrônomo Germano Bruno Afonso (professor titular aposentado do Departamento de Física da UFPR) estaria com seu telescópio no parque Barigui (em Curitiba, Paraná), fazendo observações abertas ao público. Então eu, como grande entusiasta de astronomia e qualquer coisa relacionada ao universo, fui até o local e com um simples gesto de adolescente perguntei ao professor Germano: "Professor, eu quero ser astrônomo, como eu consigo isso?" Ele então respondeu: "Você poderá cursar Física na UFPR se isso lhe interessar". Dois anos depois lá estava eu, descendo do ônibus para a palestra "motivacional" do Curso de Física. Eu logo deveria ter suspeitado quando nessa palestra não foi nos explicado quais caminhos profissionais um físico pode seguir no Brasil. Pobre calouro. Mas como um bom brasileiro, eu não desisto nunca, nem mesmo sabendo que estava no caminho errado.
No meu ponto de vista, o Curso de Física na UFPR não preparava ninguém para o mundo real. Se eu fechar meus olhos, consigo lembrar de toda a rotina dos futuros físicos (ou futuros futuristas) daquele local. Todos descendo de um ônibus extremamente lotado que para em frente ao Centro Politécnico, com suas mochilas verde-musgo nas quais se lia "Física", com camisetas da banda AC/DC, andando rápido pelo meio da multidão, entrando para as salas de aula onde ninguém nem mesmo diz "Bom dia", alguns (que eu nunca ouvi nem mesmo suas vozes) sentados esperando um professor de física chegar desanimado para dar uma aula entediante de duas horas seguidas no mesmo tom de voz monótono. Na hora do intervalo muitos se dirigiam para o Centro Acadêmico de Física, com certeza um local a ser evitado, pois era o habitat dos alunos que estão perdidos no tempo entre o primeiro e o quarto ano do curso, e que ainda têm a esperança de contribuir com a ciência, apesar de ainda estarem cursando Cálculo II pela n-ésima vez seguida. Afinal, sendo brasileiros, eles não desistem nunca. Lembro até hoje daquele local. Sofás furados, um videogame velho, o teto xadrez pintado de preto e branco, uma minúscula foto do professor Hugo Kremer na parede, uma mesa de pebolim. É fácil perceber por que aquele é um mundo ideal. A maioria dos alunos ainda não sabe o que é o mundo real e talvez nunca saibam se não saírem de lá. Percebi lá (e por outros motivos) que a vida não é ficar jogando videogame e pebolim após assistir aulas chatas do Curso de Física. No mundo real as pessoas têm que batalhar por suas coisas, contas devem ser pagas, casas devem ser compradas, conforto deve ser buscado. Ostentação é diferente de buscar uma vida digna. Viver com dignidade é algo que muito me angustiou vivendo e estudando no Centro Politécnico, pois lá eu vi que ninguém pensa nisso, a maioria se contenta com nada.
A angústia que eu sentia nessa época era tão grande que comecei a ter insônia e tremedeiras constantes, com medo de me tornar um professor do Departamento de Física. Eu me imaginava sentado em uma escrivaninha, em uma sala apertada em um corredor escuro e sombrio do Departamento. Imaginei tornando-me um ser sem nenhum contato social interessante, sem saber sorrir, apenas trabalhando em uma pesquisa que jamais será relevante para a vida das pessoas no mundo. Imaginei sendo um aluno que fica o dia todo estudando, recebendo uma bolsa-miséria para ser monitor de uma disciplina entediante. Eu queria viver, queria ser dinâmico, queria ter uma vida digna, queria ter uma família, uma casa, um carro. Foi então que eu tomei a decisão mais importante da minha vida: deixar o Curso de Física, a UFPR e todo esse mundo da fantasia e ingressar em uma faculdade e um curso que podem me ensinar como encarar a vida real e como resolver os problemas reais. Hoje em dia eu curso Engenharia Mecânica em uma faculdade particular e trabalho na iniciativa privada. Este não é o curso da minha vida, mas é algo que eu gosto de fazer e que atualmente me dá uma estabilidade financeira e uma vida mais digna para planejar meu futuro e me dedicar à ciência. Afinal de contas, a vida não é o que se ensina no Centro Politécnico. Meu amor e minha dedicação pela ciência irão continuar por toda a minha vida. Aprendi que não é necessário cursar Física para se fazer física. Pois o Curso de Física não me ofereceu nada de útil para a minha visão de mundo, apenas me mostrou como não devo ser.
Carl Sagan (autor do livro Cosmos) disse uma vez em entrevista: "A ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é uma maneira de pensar, uma maneira de analisar criticamente o mundo e a vida". Dessa forma me pergunto por que os alunos do Curso de Física (que querem ser cientistas) não analisam criticamente as suas vidas e para qual caminho elas estão seguindo.