domingo, 31 de agosto de 2014
Fundamentos da Ciência e Fator de Impacto
Tanto pesquisadores e cientistas quanto editores de periódicos científicos frequentemente fazem uma distinção entre ciência e fundamentos da ciência. Nem sempre essa distinção é promovida de forma explícita ou sequer consciente. Mas certamente é colocada em prática no mercado editorial científico, ainda que a fronteira entre ciência e fundamentos da ciência não seja suficientemente clara. Muitas vezes essa prática de discriminação se manifesta simplesmente a partir de iniciativas justificadas por uma simples intuição do pesquisador ou de um editor que deve decidir pela publicação ou não de um artigo. Mas, para não deixar o leitor desorientado sobre o que tento discutir nesta postagem, posso tentar estabelecer um esboço muito simples aqui, para diferenciar ciência de fundamentos da ciência, correndo o risco de ser simplório. Mesmo assim, aqui vai.
A atividade tradicional de desenvolvimento da ciência é a exploração de métodos e técnicas bem conhecidas para, principalmente, resolver problemas que naturalmente surgem no cenário científico-tecnológico. Já a pesquisa sobre fundamentos da ciência visa o esclarecimento sobre os limites metodológicos e epistemológicos de diferentes áreas do conhecimento ou até mesmo a concepção de novas teorias científicas. Posso citar um exemplo muito simples e bem conhecido. A criação do cálculo diferencial e integral por Isaac Newton e Gottfried Leibniz estabeleceu um novo fundamento na prática científica. Já a resolução de equações diferenciais (como a equação do calor, entre outros exemplos) se identifica com a prática científica mais usual, no sentido de empregar os fundamentos do cálculo diferencial e integral para resolver certos problemas específicos. Em suma, o cientista tradicional é um resolvedor de problemas, enquanto o cientista que trabalha com fundamentos da ciência é um delineador ou criador de mundos, os quais devem dar origem a novos problemas.
Neste contexto quero ilustrar a tese de que pesquisas sobre fundamentos da ciência raramente são publicadas em veículos de elevado fator de impacto, apesar do desenvolvimento da ciência depender consideravelmente deste tipo de atividade. E ilustro tal tese a partir de alguns exemplos bem conhecidos em áreas como física, matemática, linguística e filosofia.
O teorema de Bell é um dos resultados mais importantes sobre fundamentos da mecânica quântica. E, até onde sei, foi o primeiro teorema da história a abordar uma questão de caráter metafísico. Basicamente este teorema estabelece que é impossível conceber qualquer interpretação realista e local do universo de fenômenos físicos descritos pela mecânica quântica. No entanto, apesar de milhares de citações em artigos científicos, livros especializados e até mesmo em publicações escritas por leigos, originalmente o trabalho de John Bell foi publicado em 1964 no primeiro volume de um obscuro periódico chamado Physics.
Outro resultado importante, porém mais recente, é devido a Avshalom Cyrus Elitzur e Lev Vaidman. Estes dois físicos israelenses (Vaidman é de origem russa) demonstraram em 1993 que é possível fotografar objetos sem jamais incidir um único fóton sobre eles. Trata-se de outro exemplo claro de pesquisa sobre fundamentos da mecânica quântica, uma vez que Elitzur e Vaidman reacenderam as discussões a respeito de processos de medição sem interação. O tema chegou a ser matéria de capa de Scientific American. No entanto, originalmente foi publicado em um periódico de baixo fator de impacto, a saber, Foundations of Physics.
Saindo do domínio quântico cito mais um exemplo da física teórica. Em 1988 o físico greco-brasileiro Constantino Tsallis publicou uma generalização da estatística de Boltzmann-Gibbs, hoje conhecida como estatística de Tsallis. Trata-se de outro evidente caso de estudo de fundamentos, uma vez que esta obra reavalia consideravelmente os fundamentos da mecânica estatística, estendendo as fronteiras de aplicações deste ramo do conhecimento. Existem mais de dez mil citações ao artigo original de Tsallis. No entanto, o trabalho seminal deste brilhante físico foi originalmente veiculado no Journal of Statistical Physics, um periódico com fator de impacto moderado, dentro dos padrões usuais da física teórica.
Recentemente a mídia nacional ficou eufórica com a notícia do primeiro brasileiro a conquistar a Medalha Fields, o equivalente ao Nobel da matemática. Usualmente ganhadores desta honraria não desenvolvem pesquisas sobre fundamentos da matemática. Mas houve uma exceção: o norte-americano Paul Joseph Cohen. Em 1966 Cohen conquistou a Medalha Fields por ter provado que a hipótese do continuum e o axioma da escolha são indecidíveis relativamente aos demais axiomas da teoria de conjuntos de Zermelo-Fraenkel. Seu trabalho original foi publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences, que tem sido tradicionalmente um periódico de elevado fator de impacto. No entanto, vale a pena fazer quatro observações: 1) Cohen era um cientista no sentido tradicional do termo, tendo feito inúmeras contribuições em análise matemática, equações diferenciais e no estudo de grupos topológicos; 2) Cohen não priorizava o estudo de fundamentos; 3) A comunidade matemática internacional ficou pasma diante da ideia de Cohen de criar a técnica de forcing para resolver o problema da hipótese do continuum; 4) O reconhecimento do trabalho de fundamentos de Cohen com a outorga da Medalha Fields é um fato isolado no história deste prêmio.
Talvez o exemplo mais famoso de fundamentação da matemática seja a criação da teoria de conjuntos, pelo russo Georg Cantor, no final do século 19. Porém, Cantor encontrou forte resistência contra as suas ideias e enfrentou enorme dificuldade para publicar seus resultados. Praticamente toda a comunidade matemática de sua época era contrária a noções conjuntistas como a existência de diferentes tipos de infinitudes ou de números transfinitos. O grande matemático francês Henri Poincaré chegou a se referir à teoria de conjuntos de Cantor como uma doença grave infectando a matemática. Mas hoje em dia vastos ramos da matemática são fundamentados em teorias de conjuntos, como a geometria, a álgebra, o cálculo diferencial e integral, a análise matemática, a teoria de probabilidades e a topologia, entre muitos outros exemplos.
Uma das grandes revoluções no estudo de linguística foi devida ao norte-americano Noam Chomsky, no final da década de 1950, quando ele identificou padrões matemáticos nas gramáticas de linguagens naturais. Hoje em dia as gramáticas gerativas de Chomsky são tema de milhares de projetos de pesquisa em todo o mundo, com uma verdadeira avalanche de citações. No entanto, seu trabalho seminal sobre propriedades formais de gramáticas foi publicado em um periódico recém criado (e, portanto, pouco conhecido) chamado Information and Control. Hoje em dia esta revista tem o nome Information and Computation, cujo fator de impacto é 0,604, um valor baixo se compararmos com outros veículos especializados em linguística ou teoria da computação.
A filosofia, neste contexto, se coloca em uma posição extraordinariamente delicada no mercado editorial acadêmico. Isso porque o objeto de estudos do filósofo é tradicionalmente o de investigação sobre questões de caráter fundamental. Cito aqui o exemplo particular da filosofia da ciência. Em 1983 os filósofos Karl Popper e David Miller publicaram um célebre artigo sobre probabilidade indutiva na revista Nature. Como o leitor bem deve saber, a britânica Nature é simplesmente o mais importante periódico científico. No entanto, este trabalho de Popper e Miller é uma solitária exceção na produção filosófica mundial. Periódicos multidisciplinares de elevado fator de impacto como Nature, Science e Proceedings of the National Academy of Sciences praticamente nunca publicam artigos de filosofia da ciência ou mesmo de filosofia em geral. O periódico filosófico com maior fator de impacto hoje em dia é o Natural Language Semantics. E o fator de impacto deste veículo é 2,699, um valor muito pequeno em comparação com a Nature (42,351).
Apesar da óbvia importância do desenvolvimento da ciência tradicional, o estudo sobre fundamentos da ciência é justamente aquele que faz a atividade científica dar significativos saltos, desvendando novas percepções sobre a própria atividade científica em si. Mas a verdade é que estudos sobre fundamentos da ciência continuam a ser discriminados diante de uma visão pragmática e altamente profissional sobre como deve se comportar o cientista em seus projetos de investigação.
É claro que muitas pesquisas sobre fundamentos da ciência apresentam aspectos claramente especulativos, revelando até mesmo uma espécie de preguiça intelectual daqueles que tentam promovê-las. Um exemplo radical disso é o constrangedor evento envolvendo o físico Alan Sokal e o periódico Social Text. Em outros casos, certas investigações sobre fundamentos da ciência mais parecem revelar desejos pessoais de um investigador do que alguma busca legítima por conhecimentos científicos. E de forma alguma isso necessariamente caracteriza algum ato de má fé do pesquisador, mas apenas uma inerente ingenuidade dele. Um exemplo bastante triste sobre este fato é o que aconteceu com o físico japonês Takao Tati. Mas o que não deve ser ignorado é que a qualidade de um projeto de pesquisa precisa ser avaliada com um cuidado que transcende a preocupação sistemática com o fator de impacto de um periódico. Afinal, não são periódicos e nem cientistas que perdem ou vencem na constante batalha do desenvolvimento científico. Os adjetivos "vencedor" e "perdedor" são aplicáveis somente a ideias, quando o assunto é ciência. Henri Poincaré foi um gigante da matemática. No entanto, ele mesmo não soube avaliar as ideias de Cantor, conforme citado acima. Mesmo assim, apesar de inúmeros desgastes pessoais de Cantor, suas principais ideias matemáticas triunfaram com o passar do tempo. E boas ideias conseguem atingir uma longevidade que ultrapassa consideravelmente a existência de qualquer ser humano.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Termo de compromisso sugerido por um jovem estudante
Desde o nascimento deste blog, há quase cinco anos, tenho procurado por motivos para mantê-lo. Tanto é verdade que vez ou outra penso em encerrar a publicação de novas postagens. No entanto, vez ou outra recebo alguma forma de estímulo para dar continuidade à existência deste fórum. E o fato é que há pelo menos meia dúzia de postagens novas a caminho neste exato instante. São textos que dependem de ações de outras pessoas que têm procurado colaborar comigo.
Além disso, recebo um volume considerável de e-mails e mensagens de pessoas que desejam compartilhar ideias e experiências pessoais. Eventualmente peço para publicar tais relatos aqui. E a presente postagem se enquadra nesta última categoria.
Edson Oliveira da Silva é músico instrumentista, especializado em cavaquinho, violão e bandolim, estudante do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFCE) e professor de ensino médio e de cursos pré-vestibular na rede pública e privada de Fortaleza, Ceará.
Recentemente Edson foi obrigado a assinar um documento no qual ele se compromete a não reprovar mais por faltas no Curso de Licenciatura em Matemática da UFCE. Em função disso, Edson encaminhou ao Coordenador do Curso um outro documento. Trata-se de uma sugestão de termo de compromisso a ser assinado por todos os professores de instituições federais de ensino superior (ifes).
Adverti Edson Oliveira da Silva que a publicação de seu documento neste blog poderia prejudicá-lo na UFCE. No entanto, ele insistiu que não devo me preocupar com isso. Apenas lamento que exemplos como o deste jovem sejam tão raros em nossas terras.
Segue abaixo o texto enviado por Edson Oliveira da Silva ao Coordenador do Curso de Licenciatura em Matemática da UFCE.
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TERMO DE CONSCIÊNCIA PARA DOCENTES DE IFES
Eu NOME DO PROFESSOR, professor da Universidade X, atesto estar ciente diante dos rigorosos e fiscalizadores Código de Ética e Conselho Nacional de Professores das Universidades Públicas, que PERDEREI meu cargo de professor se cometer os seguintes atos:
- Ministrar uma disciplina que eu não domino, pois é um ato de desonestidade intelectual ficar “enrolando” os alunos.
- Reprovar por falta quando eu mesmo não gosto de perder tempo fazendo chamadas, e também por saber que eu mesmo falto muito.
- Viajar para o exterior e deixar meus alunos do Doutorado dando aula por mim, mesmo sabendo que no Sistema consta o meu nome naquela Disciplina, e não os deles.
- Comparecer apenas dois dias na semana para lecionar uma disciplina, quando no Sistema diz que são três. Pois tenho que trabalhar X horas para ganhar $Y.
- Cobrar conteúdos que estão fora da ementa.
- Cancelar Bolsas, alegando que o bolsista faltou muito, quando eu sei que tem um que viajou para outro estado e só retornou após um mês, e mesmo assim recebeu os miseráveis reais da bolsa.
- Lecionar quando sei que sou gago, portanto não sei me expressar em público.
- Modificar os objetivos pedagógicos dos projetos da Universidade. Por exemplo, o PIBID tem como objetivo principal melhorar a relação ensino-aprendizagem da Matemática na Educação Básica (Fundamental e Médio) e aproximar o licenciando do ambiente escolar. Portanto, não faz sentido pedir para bolsistas deste Projeto falar sobre Matemática Pura nas reuniões do mesmo.
- Colocar questões em prova que nem eu mesmo sei fazer, apesar do meu mestrado e/ou doutorado.
- Aprovar ou reprovar alunos movido por questões pessoais, religiosas, políticas, sexuais etc.
- Acumular cargos visando apenas o dinheiro, quando é impossível cumprir a carga horária de todos.
Entrei na Universidade através de Concurso Público também. Se posso perder minha vaga por não cumprir determinadas condições, professores também deveriam perder as suas pelo mesmo motivo. O fato é que: Professor de universidade pública tem seu emprego garantido, independentemente da qualidade de suas aulas e posturas acadêmicas. Por que médicos, psicólogos, advogados, políticos e outros profissionais podem ter suas licenças cassadas e professores não? O que há de tão especial entre os professores? Eles são incapazes de errar? Precisamos criar um código de ética para professores no Brasil e conseqüentemente um Conselho Nacional de Professores.
Profº Edson Oliveira da Silva, Maracanaú - Ce
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
O que a União Internacional de Matemática não disse sobre Artur Avila
No último domingo, dia 10, divulguei em primeira mão, na página Facebook deste blog, a notícia de que Artur Avila ganharia a Medalha Fields. É o primeiro brasileiro a receber o mais importante prêmio de matemática, concedido a cada quatro anos pela União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês). Dois dias depois a notícia ganhou destaque na mídia brasileira e estrangeira.
Este ano de 2014 tem sido ímpar para o Brasil. Criou-se um rebuliço imenso em torno de uma Copa do Mundo que abriu com um gol contra da seleção de nosso país. E, como se fosse antecipação de cena em uma produção cinematográfica sensacionalista, este gol contra anunciou uma vergonhosa partida de futebol na qual a seleção brasileira, jogando em casa, perdeu por sete a um da seleção alemã.
Se o Brasil tivesse conquistado a Copa do Mundo de 2014, certamente haveria muita euforia. Não seria uma contribuição importante de nosso país para o mundo, mas ainda seria algo a ser comemorado. Porém, o Brasil perdeu e perdeu feio.
Mas finalmente o Brasil conquistou uma posição muito mais importante do que qualquer evento esportivo. Pela primeira vez nosso país está na lista dos contemplados pela Medalha Fields, o Nobel da Matemática. Por que esta conquista é mais importante do que um campeonato esportivo? Simplesmente porque matemática é ciência! A obra de Avila é perene, enquanto as civilizações humanas persistirem. É o Brasil deixando sua marca perante o mundo, dizendo: nós também contribuímos para o desenvolvimento das civilizações. E isso é motivo de real orgulho. O Brasil se tornou um pouco mais visível no cenário científico mundial.
Mas por que Avila conquistou a Medalha Fields? Segundo a IMU, Avila resolveu problemas importantes e abriu campos de estudos na teoria de sistemas dinâmicos. Uma descrição mais detalhada sobre sua obra pode ser encontrada aqui. No entanto, os artigos científicos de Avila são apenas o fruto de seu árduo trabalho e de seu inquestionável brilhantismo. E a Medalha Fields é uma humilde demonstração do reconhecimento desses frutos. Mas ainda resta uma justificativa para esta fenomenal conquista que precisa ser esclarecida.
Artur Avila é egresso do IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), uma instituição que não promove greves, não se submete a programas de cotas sociais e raciais, não depende da ação de órgãos sindicais e nem admite estudantes através de exames nacionais como o ENEM. Apesar de certas idiossincrasias inevitáveis em qualquer ambiente profissional, o IMPA é um centro de excelência reconhecido internacionalmente. E a conquista de Avila não é devida somente a ele, mas ao trabalho duro e sério de pesquisadores do IMPA. Esses pesquisadores não apenas criam matemática de ponta no Brasil, como também desenvolvem programas de ensino e extensão que beneficiam inúmeros jovens de nosso país (incluindo Avila). Em suma, o IMPA simplesmente funciona!
Quando comparei as universidades federais brasileiras com instituições norte-americanas de ensino superior em artigo publicado em Scientific American Brasil, fui recebido por alguns com certo ceticismo. Pois bem. Que tal compararmos nossas universidades federais com o exemplo do IMPA?
Como já disse uma pessoa que admiro muito, a melhor das sementes não consegue germinar em terreno de sal. O Brasil não é, ainda, um terreno de sal. Mas deixar o desenvolvimento científico de nossa nação somente nas mãos de uns poucos (como os pesquisadores do IMPA) não é uma estratégia inteligente de apoio aos milhares (ou milhões) de jovens talentosos que existem em nosso país. Precisamos de mais instituições focadas seriamente na atividade científica. Esta foi a mensagem deixada por outro jovem talentoso que, em passado não muito remoto, foi indicado ao Prêmio Nobel de Física e decidiu ficar em terras brasileiras para alavancar a projeção científica desta grande nação. Espero que o leitor saiba de quem estou falando.
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
A matemática das confusões mentais
Esta é a postagem de número 200. Por isso publico aqui um texto especial, como forma de celebração. O objetivo neste artigo é divulgar um modelo matemático que justifica por que é tão difícil as pessoas entenderem o que ouvem e leem (e até mesmo o que falam e escrevem). Para alguém como eu, que trabalha com ensino, pesquisa e extensão há algum tempo, a motivação é clara. Só espero que o leitor se interesse tanto pelo tema quanto eu.
A discussão que se segue demanda um pouco de paciência do leitor, uma vez que faço uso de conceitos matemáticos raramente conhecidos entre leigos. Evito certos detalhes técnicos, sempre que possível. Afinal, este blog não é um veículo científico, no sentido estrito do termo. Mas se o leitor não dedicar uma certa dose de esforço para acompanhar os conteúdos aqui abordados, provavelmente continuará seguindo o caminho usual da incompreensão, que tanto isola as pessoas umas das outras. Os únicos pré-requisitos matemáticos para esta postagem são
(i) a noção usual de que todo conjunto é subconjunto de si mesmo, bem como o conceito de subconjunto próprio,
(ii) o conceito de função e
(iii) a definição de conjuntos disjuntos (conjuntos sem elementos em comum).
Estas são noções usualmente estudadas até mesmo no ensino médio.
Pois bem. Aqui vai.
Intuitivamente falando, álgebra é um ramo da matemática que foca no estudo de operações definidas sobre certos conjuntos. Um ramo bem conhecido da álgebra é a teoria de grupos. Um grupo é um conjunto G, munido de uma operação binária *, que satisfaz os seguintes postulados (ou princípios):
G1) Se a e b são elementos de G, então a*b também é elemento de G.
G2) Se a, b e c são elementos de G, então (a*b)*c = a*(b*c).
G3) Existe um elemento e de G tal que para todo elemento a de G tem-se a*e = a.
G4) Para todo elemento a de G existe um elemento b de G tal que a*b = e, sendo que e é o mesmo elemento de G citado no postulado G3.
A constante e citada nos postulados G3 e G4 é chamada de elemento neutro do grupo G.
Um exemplo típico de grupo é o conjunto dos números inteiros (que inclui tanto os números inteiros positivos quanto os negativos e o zero), munido da operação de adição usual +. Com efeito, um número inteiro somado com outro número inteiro resulta em um número inteiro (postulado G1); Se m, n e p são números inteiros, então (m+n)+p = m+(n+p) (postulado G2, também conhecido como a propriedade da associatividade da operação *); O número inteiro 0 (zero) é o elemento neutro deste exemplo de grupo, ou seja, qualquer número inteiro m somado com 0 resulta no próprio m (postulado G3); E, finalmente, qualquer número inteiro m somado com o seu simétrico aditivo -m resulta em 0 (postulado G4).
Se o postulado G4 for eliminado, diz-se que G é um semigrupo. Em outras palavras, um semigrupo é um conjunto G munido de uma operação binária *, que satisfaz os seguintes postulados:
G1) Se a e b são elementos de G, então a*b também é elemento de G.
G2) Se a, b e c são elementos de G, então (a*b)*c = a*(b*c).
G3) Existe um elemento e de G tal que para todo elemento a de G tem-se a*e = a.
Logo, todo grupo é um semigrupo, apesar da recíproca não ser verdadeira. Consegue dar um exemplo de semigrupo que não seja grupo?
Para efeitos da discussão que pretendo promover nesta postagem, preciso agora de mais um conceito importante, a saber, o de semigrupo livre.
Um semigrupo livre é um semigrupo G cuja operação binária * é a justaposição de elementos de G. Levando em conta os postulados de semigrupo, fica claro que a aplicação da operação binária * de justaposição em um semigrupo G simplesmente forma sequências finitas de elementos de G, o que não ocorre necessariamente em um semigrupo qualquer.
Ou seja, a única diferença entre semigrupos e semigrupos livres reside na imposição sobre a natureza da operação binária *. Se a e b são elementos de um semigrupo livre, então a*b é denotado simplesmente por ab. Como se observa no site Wolfram MathWorld, a operação binária * aplicada a elementos de um semigrupo livre G resulta em elemento de G que jamais pode ser reduzido a elementos mais simples de G.
Neste contexto, fica fácil perceber que o conjunto dos números naturais (inteiros positivos) munido da operação de justaposição de números naturais é um semigrupo livre. Consegue determinar qual é o elemento neutro neste semigrupo livre?
Vale observar que semigrupos livres G jamais podem ser grupos, uma vez que não existem elementos simétricos (relativamente à operação de justaposição) para todos os elementos de G. Além disso, semigrupos livres nunca são comutativos. Com efeito, se a e b são elementos de um semigrupo livre G, distintos entre si, então ab é uma sequência finita diferente de ba.
Existe um conceito relacionado a semigrupos livres, que pretendo explorar a partir do próximo parágrafo: linguagem.
Um alfabeto é qualquer conjunto finito. No caso da linguagem portuguesa brasileira o alfabeto é o conjunto de todas as palavras dicionarizadas de nosso idioma (por exemplo, aquelas que ocorrem no Dicionário Houaiss de língua portuguesa) e de todos os nomes próprios. E este é um conjunto finito, denotado aqui por ALP (Alfabeto da Língua Portuguesa).
A linguagem conhecida como português brasileiro permite a formação de frases a partir de seu alfabeto ALP. E frases são formadas a partir da justaposição de elementos do alfabeto. Ou seja, frases são simplesmente sequências finitas de elementos de um alfabeto. Considere como exemplo os elementos "ela" e "come". É possível fazer a seguinte justaposição: "ela*come", a qual normalmente se lê "ela come". Em outras palavras, a justaposição de elementos do alfabeto é uma operação binária, aqui denotada pelo símbolo *. Neste contexto, a linguagem português brasileiro é um subconjunto do semigrupo livre obtido a partir de ALP.
O que significa dizer que um semigrupo é obtido a partir de um alfabeto? Significa simplesmente que a partir de um alfabeto (como ALP) é possível definir o conjunto de todas as sequências finitas de elementos do alfabeto. Tal conjunto é um semigrupo livre.
No exemplo acima citado do conjunto dos números naturais, o alfabeto é o conjunto cujos elementos são 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Todos os números naturais são apenas frases obtidas a partir deste alfabeto, pela justaposição dos elementos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
Em outras palavras, o conjunto dos números naturais é uma linguagem. Isso porque uma linguagem é simplesmente qualquer subconjunto de um semigrupo livre. Logo, qualquer subconjunto do conjunto dos números naturais é uma linguagem obtida a partir do alfabeto formado pelos elementos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
Vejamos mais detalhadamente o exemplo da linguagem português brasileiro:
(i) de acordo com o axioma G1, a justaposição de dois elementos quaisquer do alfabeto ALP pode resultar em uma frase da linguagem português brasileiro ou, pelo menos, em uma sequência finita que pertence a um conjunto H que contém o conjunto de todas as frases da linguagem português brasileiro;
(ii) de acordo com o axioma G2 a frase "(ela*come)*calmamente" é igual à frase "ela*(come*calmamente)", eliminando a necessidade do emprego de parênteses e permitindo escrever simplesmente "ela*come*calmamente" ou, de forma abreviada, "ela come calmamente";
(iii) de acordo com o axioma G3 a frase " " (conjunto vazio) é o elemento neutro.
É importante que se faça uma observação sobre a notação aqui empregada. Enquanto no exemplo do conjunto dos naturais denotamos, por exemplo, "2*3" por "23", no exemplo da linguagem português brasileiro denotamos "ela*come*calmamente" por "ela come calmamente".
A vantagem de caracterizar o conceito de linguagem como subconjunto de um semigrupo livre é considerável. Isso porque tal visão é aplicável a qualquer linguagem finitária conhecida pelo ser humano, seja natural (português, inglês, persa, italiano etc.) ou formal (cálculos proposicionais, cálculos predicativos, teorias de tipos, linguagens de computador etc.).
Agora é possível apresentar uma definição recursiva para o importante conceito de string:
(I) Todo elemento de um alfabeto é um string e
(II) Se S e T são strings de um semigrupo livre G (obtido a partir do alfabeto), então S*T é um string do mesmo semigrupo.
Portanto, frases de uma linguagem natural como o português brasileiro são exemplos de strings. Neste texto estou interessado somente em strings que pertencem a uma dada linguagem, seja formal ou natural.
No entanto, na prática, uma linguagem natural é muito mais do que um simples subconjunto de um semigrupo livre. Isso porque frases de uma linguagem natural têm significado. E é aí que a coisa toda começa a ficar complicada. Supostamente, frases de uma linguagem natural significam coisas.
Até este momento nada de novo foi apresentado ao leitor. É a partir dos próximos parágrafos que apresento ideias que não existem na literatura especializada sobre linguística e matemática. Ao final desta postagem justifico a origem das ideias aqui apresentadas.
Qual é o significado de um string de uma linguagem qualquer, como o português brasileiro? A resposta mais abrangente que conheço a esta pergunta é a seguinte: o significado de um string de uma dada linguagem L é um conjunto (ou classe) de objetos que não tem um único elemento em comum com L. Essa correspondência entre strings de L e conjuntos disjuntos de L é promovida por uma função específica. Como é esta função?
Considere o string "ela", da linguagem português brasileiro. Qual é o significado deste string? O significado de "ela" é o conjunto que tem como elementos os seguintes objetos: Madame Curie, Hipacia de Alexandria, a primeira amiga do(a) leitor(a), a mãe do(a) leitor(a), a jovem que estacionou seu Peugeot vermelho na esquina das ruas curitibanas Brigadeiro Franco e Comendador Araújo às 14:32h (hora local) do dia 26 de março de 2007 etc. Ou seja, é um conjunto com muitos elementos. Já o string "ela come" pode significar todos os elementos correspondentes ao significado de "ela" ou algum subconjunto próprio do significado de "ela". No entanto, o significado de "ela come" jamais pode ter elementos que não pertencem ao significado de "ela". Isso porque, à medida em que se escrevem frases mais longas a partir de uma mesma frase mais curta, os possíveis significados dessas novas frases vão se especializando. Por exemplo, o significado da frase "ela come carne" exclui o elemento "Hipacia de Alexandria", se assumirmos que Hipacia de Alexandria era vegetariana.
Semântica é o estudo de significados em linguagens. Neste sentido, as ideias acima apresentadas constituem uma teoria semântica. As vantagens desta abordagem são as seguintes:
1) É aplicável para qualquer forma de linguagem finitária, natural ou formal.
2) É independente de qualquer teoria usual de verdade. Portanto, não se compromete com a polêmica noção de verdade em filosofia da ciência.
3) É independente de operadores usuais da lógica, uma vez que não se compromete com noções como "e", "ou", "se, então" ou "não".
A grande desvantagem desta teoria semântica é a seguinte: É geral demais.
Teorias demasiadamente gerais são extremamente úteis ou extremamente inúteis. Como esta visão semântica admite que o significado de uma mesma frase (ou string) pode ser um conjunto grande demais, resta a questão: esta teoria semântica pode ser útil?
A resposta, creio, é positiva. Linguistas reconhecem que nenhuma teoria semântica para linguagens naturais pode ser completa (em sentido intuitivo do termo) sem uma visão da contraparte pragmática das mesmas linguagens.
O que é pragmática? Existem várias visões na literatura especializada sobre o conceito de pragmática em linguística. Adoto aqui a seguinte concepção: pragmática é o estudo de significados linguísticos que são dependentes de contextos sociais.
Por exemplo, a frase "Você sabe que horas são?" pode ser interpretada como um pedido de informação ou um pedido para uma pessoa sair. O significado pretendido pela pessoa que verbalizou a frase (ou interpretado por quem ouviu) depende de um contexto de interação social. A nova questão agora é a seguinte: É possível descrever matematicamente contextos sociais?
A resposta, novamente, é positiva. Dado um string s (de uma dada linguagem) é possível definir uma função de probabilidade (chamada de função de propensão) sobre o conjunto correspondente ao significado de s. Tal função de propensão tem o efeito prático de ponderar o que mais provavelmente significa um string dito, escrito, lido ou ouvido. A partir desta função de propensão é possível, em seguida, definir uma função de pensamento. A função de pensamento de um string s resulta simplesmente no conjunto de elementos do significado de s que têm propensão máxima. Isso permite caracterizar o que mais provavelmente uma pessoa quis dizer ao falar ou escrever o string s.
Temos, portanto, uma teoria pragmática aplicável a linguagens naturais (além das formais).
O problema desta teoria pragmática acima apresentada é que ela genuinamente se identifica com a prática. Explico.
Um indivíduo comunicante que diz o string "ela come carne" pode estar querendo se referir a um significado que tem um único elemento. Tal significado fica caracterizado pela função de pensamento deste indivíduo. No entanto, um outro indivíduo comunicante pode ter uma função de pensamento completamente diferente daquela que é inerente a quem disse o string "ela come carne". E, portanto, ao ouvir o string "ela come carne", entende algo completamente diferente do que o primeiro indivíduo "quis dizer".
Esta é uma forma de caracterizar matematicamente o velho discurso que estabelece "mas o que eu quis dizer foi que...". Daí o título da postagem.
Tudo o que está escrito nos parágrafos acima é uma versão altamente informal de uma teoria matemática que Otávio Bueno (University of Miami), Newton da Costa (Universidade Federal de Santa Catarina) e eu criamos e desenvolvemos na forma de artigo científico. Nosso trabalho foi recentemente submetido para publicação em um conhecido periódico dedicado a estudos sobre a mente.
No formalismo que desenvolvemos obtivemos os seguintes resultados:
1) Demonstramos um teorema que permite inferir sintaxes de linguagens a partir de semântica, o que encontra contraparte na vida real. Isso porque usualmente as pessoas começam a aprender idiomas a partir das dimensões semântica e pragmática. Sintaxe é o último objeto de estudo entre aqueles que aprendem uma língua. Fenômeno semelhante ocorre até mesmo no estudo de matemática. Os primeiros passos em estudos de matemática são cálculo diferencial e integral, álgebra linear, geometria e, enfim, áreas com forte identificação no mundo real. Lógica é o último passo no estudo de matemática.
2) Definimos rigorosamente os conceitos de ambiguidade, vaguidade e sinonímia, entre outras noções usuais em estudos sobre semântica. E tais conceitos são aplicáveis a qualquer tipo de linguagem.
3) Mostramos a impossibilidade de definir o conceito de antonímia para uma linguagem qualquer, o que também está de acordo com a realidade. Os tratados sobre antonímia em linguagens naturais são muito extensos, pois o tema é polêmico. Para baixar um texto sobre o problema de definir antonímia clique aqui.
É sempre muito arriscado divulgar trabalhos científicos que ainda estão submetidos para publicação. Mas, neste caso, decidi arriscar.
Por um lado, faço isso porque confesso estar empolgado com o artigo. E, por outro lado, uso este blog para convocar potenciais interessados em dar continuidade a este trabalho.
Este artigo que Bueno, da Costa e eu submetemos para publicação foi inspirado em uma ideia que estava engavetada há cerca de cinco anos. A grande motivação para levar tal projeto adiante foi uma reportagem recentemente publicada pela revista Polyteck. Trata-se de um artigo sobre o cérebro Google, uma rede de mil computadores que conseguiu aprender (isso mesmo, aprender!) a diferenciar rostos humanos de rostos de gatos. A ideia de que é possível conceber um programa de computador que crie categorias de objetos de uma mesma natureza (como faz o cérebro humano) foi o ponto de partida para crermos que tais categorias se identificam com os conjuntos de significados de strings que usamos em nosso formalismo. Ou seja, acreditamos que nosso trabalho seja um passo para a concepção de máquinas que não apenas aprendam conceitos, mas que também sejam capazes de expressar linguisticamente tais conceitos.
Isso tudo aponta para uma tendência natural: a criação de um programa de computador que simule interações sócio-linguísticas entre indivíduos comunicantes. Neste sentido precisamos de alguém (preferencialmente jovem) criativo, que saiba criar e desenvolver programas de computador e que esteja determinado a trabalhar em parceria conosco. Tudo o que precisamos é de um protótipo simples, mas rico o bastante para motivar pesquisadores a usarem nosso formalismo para estudos sócio-linguísticos em ambientes virtuais.
Não estou interessado em orientar dissertações, teses ou quaisquer outras maluquices dos desgastantes rituais acadêmicos deste país. Para nenhum de nós faz diferença se eventuais interessados têm algum vínculo institucional com alguma empresa ou universidade. Só queremos alguém que conheça muito bem programação de computadores e que esteja suficientemente motivado a desenvolver estudos sobre inteligência artificial.
Também não ofereço garantia alguma sobre qualquer projeto a ser desenvolvido nesta linha. Afinal, como já observei, sequer sabemos se nosso artigo será aceito ou não para publicação. Mas temos razões para crer que estamos abrindo uma área de pesquisa muito rica, com ramificações em linguística, matemática, inteligência artificial, neurociências, teoria da cognição, teoria dos jogos, filosofia e talvez até mesmo música.
Estudiosos de linguística que conheçam bem a obra de Montague também são bem-vindos. Isso porque existem estreitas relações entre o que fizemos e a teoria semântica de Richard Montague.
Aos leitores que desejam apenas acompanhar este processo todo, sem efetiva participação, aviso que veicularei neste blog todas as novidades, assim que elas surgirem.
Alea jacta est.
Uma pequena dose de humor
A postagem especial (número 200), já anunciada anteriormente, está quase pronta. O tema é um modelo matemático recentemente criado e que justifica muitos dos problemas mais comuns de comunicação. Tal modelo, em princípio, encontra diversas aplicações em diferentes áreas do saber.
Enquanto finalizo os últimos detalhes do próximo texto a ser publicado no blog Matemática e Sociedade (o que deve acontecer em breve), aproveito para relembrar uma anedota que veiculei anos atrás em um antigo blog meu, já desativado. É uma história ficcional que, a exemplo da história do Estudante Brilhante, mostra um pouco a respeito das confusões linguísticas do dia a dia de todos.
Desejo a todos uma leitura verbalizada. E espero que entre as linhas o leitor encontre as entrelinhas.
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Filosofia Hospitalar
Sala de jogos no hospício. Profundos pensadores estão em silêncio.
Aristeu se inquieta e discursa para todos: "O cético é aquele que vê mistério na magia e por isso a nega. Logo, céticos são pessoas fantasiosas. Se magia pode até mesmo matar um ser humano é porque essa magia opera diretamente sobre as crenças pessoais da vítima, de forma análoga ao efeito do placebo em um processo de cura. Aquele que nega a magia não é um cético. É apenas um tolo."
Abreu se irrita com Aristeu e responde: "O cético é aquele que crê que está certo sobre seu ceticismo. Portanto, é um crente."
Aristeu reage com fúria contra Abreu: "O crente é aquele que crê que o cético está enganado. Portanto, é um descrente."
Pirineu interrompe com pompa: "Tanto crentes quanto céticos são egoístas."
Abreu aproveita a oportunidade e golpeia Aristeu na cabeça, gritando: "O egoísta é um escravo cujo dono é muito desatento."
Pirineu diminui o tom de voz, para tentar conquistar respeito: "O honesto é aquele que às vezes crê e às vezes duvida, conforme o incentivo dado."
Iseu se incomoda com a mudança de assunto e professa: "Ateu é aquele que depende da crença de outros em Deus. Sem os crentes o ateu não teria o que negar."
O alter ego de Iseu complementa apenas mentalmente: "Sem Deus, ateus sentiriam um vazio em suas vidas."
Inconsciente pelo golpe na cabeça, Aristeu sonha que ainda discursa: "É gratificante crer em Deus. Mas negar a Sua existência... isso sim é uma aventura."
Preocupado, Criseu examina Aristeu, ainda inconsciente, e confirma: "Crentes não precisam de ateus. Mas também não gostam deles."
Nereu explica calmamente para Eriseu: "Niilistas, por definição, não existem."
Eriseu pensa com inveja diante de Nereu: "Livre arbítrio é poder escolher a escravidão."
Eriseu responde com segurança a Nereu: "Escravidão é não conseguir parar de pensar em pipoca quando eu quero. Sou escravo de mim mesmo e isso machuca."
Aristeu finalmente desperta e conta a sua primeira piada, colocando a tônica na sílaba "pu" da última palavra: "Como evitar umacacofonia no computador?"
Nereu lê em um guardanapo jogado ao chão: "A palavra final não é a última. Afinal, a última palavra não foi final."
Aristeu retoma o discurso: "Se a fé remove montanhas, a lógica as contorna. É mais fácil."
Nereu responde no guardanapo: "A centésima pessoa a ler esta frase não sabe que foi a centésima pessoa a ler esta frase."
O subconsciente de Nereu reage: "Se você for a centésima pessoa a ler esta frase então não saberá que foi a centésima pessoa a ler esta frase. Portanto, você não sabe o que faz."
Criseu lê o guardanapo pelo reflexo nos olhos de Nereu e verbaliza: "Se você for a centésima pessoa a ler esta frase, então sabe que não sabe se é a centésima pessoa a ler esta frase. Portanto, você sabe o que faz."
Aristeu conclui a palestra solitária: "Jamais negarei seu direito de me contestar. Mas, por favor, não me processe."
Observando os filósofos do hospício, um enfermeiro pensa: "Quem não tem companhia, vira ventríloquo."
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