quinta-feira, 27 de agosto de 2015
Foi bom enquanto durou
Caros amigos, esta postagem anuncia o fim das atividades regulares do blog Matemática e Sociedade.
Há algum tempo eu já sabia que este fórum não poderia durar indefinidamente. Mas hoje ficou claro que não devo dar continuidade a novas postagens minhas. Se alguma pessoa quiser veicular texto próprio por aqui, certamente o farei com prazer. Mas eu mesmo não publicarei novos textos meus. O motivo principal se resume da seguinte forma: já escrevi o que eu queria escrever. Se eu persistir com novos textos meus, estarei apenas fazendo propaganda. E propaganda é algo que nunca me agradou. Gosto de ideias, mas não de ideologias. As ideias mais importantes já colocadas são as seguintes:
1) As universidades brasileiras não funcionam e jamais funcionarão, enquanto nosso país insistir com esta visão avessa a mérito, competitividade, colaboração, empreendedorismo e ousadia.
2) A maioria dos professores de matemática não leciona. Eles apenas falam sozinhos em sala de aula, deixando seus alunos igualmente sozinhos. Alunos entram ignorantes em sala de aula e saem inseguros sobre eles mesmos.
3) Conteúdos de matemática são apresentados em sala de aula de forma dogmática e errada, sem qualquer cultivo ao senso crítico. Não há debates sobre matemática em sala de aula. Logo, não se estuda matemática no Brasil.
4) Alunos de cursos superiores são, em geral, indivíduos que não se interessam por ciência ou cultura em geral. Querem apenas diplomas. Buscam apenas salários, para alimentar uma cultura consumista desprovida de sonhos. E sonhar com casa na praia e carro na garagem não é sonhar.
5) Brasileiros em geral (incluindo professores) não têm a mais remota ideia do que seja educação. E não querem saber.
6) A estabilidade irrestrita concedida a professores de universidades públicas é um veneno social. Mas a ignorância desses mesmos professores não permitirá que esta realidade mude.
7) Professores universitários em nosso país são, em geral, um péssimo exemplo social em sala de aula e no cotidiano.
8) Brasil não é um país democrático. Não existe liberdade de expressão, uma vez que não existe liberdade de pensamento. Não existe liberdade de escolha, uma vez que são ignoradas as escolhas.
9) Domina a cultura do medo em nossa nação. Alunos não questionam professores ou autores de livros e apostilas. Professores se acomodam em suas carreiras, sejam em instituições públicas ou privadas. Governantes temem a perda de popularidade, tornando-se escravos da opinião popular.
Agradeço a todos os colaboradores e comentaristas que enriqueceram este blog com ideias, críticas e informações. E agradeço aos leitores silenciosos que apenas acompanharam com interesse os textos aqui veiculados. Sei que fiquei devendo textos prometidos há algum tempo. Mas espero contar com a compreensão daqueles que propuseram parcerias e solicitaram discussões sobre temas específicos. Assuntos sobre matemática, educação e sociedade jamais se esgotam. Porém tento crer que já colaborei bastante por aqui, dentro dos limites impostos pela internet.
Comentários ainda são bem-vindos e serão respondidos, enquanto este site estiver no ar.
Um grande abraço a todos
Adonai
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Teoria do caos e histórias de amor
Em postagem do início deste ano publiquei um texto que faz breves referências ao emprego de matemática para modelar histórias de amor. O que segue abaixo é uma adaptação de artigo mais detalhado sobre o tema e que publiquei na última edição da revista Polyteck.
Este blog está com as suas atividades parcialmente suspensas por tempo indeterminado. No entanto, é com grande satisfação que compartilho o presente artigo com os leitores de Matemática e Sociedade. Agradeço à equipe Polyteck pela gentileza de permitir a reprodução do artigo em questão neste blog.
Dedico esta postagem a Bárbara Guerreira, a mulher com quem aprendo a cada dia aquilo que é realmente importante.
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O Caos do Amor
de Adonai Sant'Anna
Em cálculo diferencial e integral, o conceito de derivada é empregado para modelar localmente fenômenos do mundo real, como a queda livre de um corpo ou o decaimento radioativo de uma porção de plutônio enriquecido. E o conceito de integral é empregado para resgatar a dinâmica desses fenômenos em escalas que transcendem um comportamento localizado em torno de um único instante.
As primeiras aplicações de equações diferenciais ocorreram em física teórica. Tradicionalmente, a sua aplicação se restringiu quase que exclusivamente, nos últimos três séculos e meio, a áreas científicas e tecnológicas já muito acostumadas com a quantificação de grandezas como massa, carga elétrica, corrente, campos e potenciais. Com o passar do tempo, elas passaram a ser empregadas em áreas do conhecimento como engenharia, química, biologia, medicina, economia e, recentemente, até mesmo em psicologia e artes.
Uma descoberta feita pelo matemático francês Henri Poincaré, em 1890, surpreendeu cientistas do mundo inteiro. Ele percebeu que mudanças mínimas em condições iniciais de um sistema dinâmico descrito por certas equações diferenciais apresentavam repercussões gigantescas com o passar do tempo. A ideia de que pequenas causas poderiam repercutir na forma de grandes efeitos era algo já antecipado séculos antes por historiadores. Mas Poincaré foi o primeiro a discutir um fenômeno análogo em um contexto matemático: a evolução dinâmica de um caso particular do problema de três corpos - em mecânica clássica - em relação às condições iniciais. E a ferramenta matemática empregada foi justamente equações diferenciais.
Nascia então um campo de estudo de sistemas de equações diferenciais não-lineares cujas soluções são extremamente sensíveis a condições iniciais, chamada de Teoria do Caos. As aplicações advindas dessa descoberta têm sido inúmeras. Entretanto, nos últimos anos foi possível acompanhar aplicações surpreendentes em áreas das ciências humanas que, tradicionalmente, são avessas a modelagens matemáticas. Entre os exemplos mais notáveis está a modelagem de histórias de amor.
De acordo com Sergio Rinaldi, Pietro Landi e Fabio Della Rossa, "[a] evolução de relações românticas é marcada por todas as características típicas já conhecidas na teoria dos sistemas não-lineares". Isso porque relações amorosas se modificam com o passar do tempo, frequentemente passando por tumultos e então evoluindo para estados praticamente estacionários, mas ainda extremamente sensíveis a perturbações, mesmo que sejam pequenas.
Os três pesquisadores acima citados estão se especializando no tema, principalmente por conta da liderança de Sergio Rinaldi, um engenheiro eletrônico italiano que tem se destacado consideravelmente tanto em estudos sobre aplicações de sistemas dinâmicos quanto em divulgação científica. Entre os resultados alcançados e recentemente publicados, há sistemas de equações diferenciais usados para: (i) descrever a dinâmica do relacionamento entre Scarlett e Rhet, no filme E o Vento Levou...; (ii) interpretar matematicamente a história de amor entre Elizabeth e Darcy, no grande clássico da literatura Orgulho e Preconceito, de Jane Austen; (iii) analisar a instabilidade do relacionamento entre a Bela e a Fera, na conhecida produção dos estúdios Disney; (iv) e até mesmo avaliar a frequência de relações sexuais entre casais estáveis.
Em geral, os modelos propostos para descrever histórias de amor são compostos por duas equações diferenciais ordinárias, uma para cada parceiro. As variáveis de estado correspondem a sentimentos e são funções reais dependentes do tempo. Valores positivos dos sentimentos podem ser interpretados como variando de simpatia a paixão. E valores negativos podem ser associados com estados emocionais que variam de antagonismo a desdém.
As equações diferenciais costumam ser descritas a partir de uma igualdade entre a taxa de variação de sentimentos (dada por uma derivada em relação a tempo) e uma função que depende explicitamente do estado emocional de ambos e do apelo sexual do(a) parceiro(a).
A modelagem matemática de relações amorosas serve não apenas ao propósito de identificar zonas de estabilidade e instabilidade emocional, como também para avaliar a consistência de histórias de amor imortalizadas pela literatura e cinema. Se uma história de amor não cativa o público, é possível que exista nela uma inconsistência matemática. Daí o interesse desses modelos na arte milenar de contar histórias.
Um dos resultados obtidos, no caso do filme A Bela e a Fera, foi a interpretação de uma bifurcação de sela-nó (bifurcação de dobra) que permite compreender a evolução de uma história de amor. Tal história seria caracterizada por uma surpresa repentina provocada pela inevitável explosão de sentimentos dos envolvidos. Outro resultado curioso e recente é a evidência de que caos emocional pode se manifestar, em certos casos particulares, de forma independente de qualquer contexto social em que os protagonistas de uma história de amor estejam inseridos.
Há, naturalmente, questões em aberto no que se refere ao emprego de equações diferenciais para o estudo de relações amorosas. Um deles é o caso de triângulos amorosos, tema ainda não bem compreendido neste contexto. Rinaldi e colaboradores chegaram a desenvolver um estudo muito particular sobre o triângulo amoroso retratado no filme Jules et Jim, de François Truffaut. Mas as condições exploradas no modelo proposto ainda são bastante idealizadas.
Claramente é uma área de pesquisa que está apenas engatinhando, uma vez que a maioria dos artigos se refere a estudos de caso (E o Vento Levou..., A Bela e a Fera, Orgulho e Preconceito, entre outros). Uma descrição mais ampla sobre relações de amor ainda precisa ser feita. No entanto, relações de amor e rejeição não precisam se referir necessariamente a casos amorosos de casais. Por que não modelar matematicamente, por exemplo, processos de discussão, aceitação e rejeição em ciência?
A teoria da relatividade geral de Einstein é um ótimo exemplo. Ele introduziu uma constante cosmológica em sua equação de campo, para sustentar uma crença pessoal em um universo finito, fechado e estático, no qual a densidade de energia da matéria define a geometria do espaço-tempo. Pouco depois, de Sitter apresentou uma solução para a equação de campo de Einstein, com constante cosmológica, para um universo sem matéria alguma.
Ao longo das décadas seguintes, a constante cosmológica passou por altos e baixos, sendo aceita ou rejeitada por físicos, em uma intrincada sequência de argumentos - ocasionalmente até ingênuos. Os físicos ainda estavam aprendendo com a própria teoria iniciada por Einstein.
Em virtude de profundas sutilezas teóricas e de sensíveis observações experimentais, a teoria da relatividade geral não foi desenvolvida por Albert Einstein, como muitos pregam. Ela foi apenas concebida pelo físico alemão. O crescimento e o amadurecimento desta teoria foi um processo gradual, que já dura um século e ainda continua, graças ao árduo e refinado empenho de muita gente. Um exemplo que certamente vale a pena lembrar é o trabalho do físico brasileiro George Matsas que, em 2003, resolveu o célebre paradoxo do submarino, no contexto da teoria da relatividade geral.
Até hoje persistem casos de físicos que procuram insistentemente rejeitar as ideias de Einstein sobre a gravitação. Em contrapartida, há também toda uma cultura de mistificação em torno da física quântica, como bem aponta Giancarlo Ghirardi, em seu excelente livro Sneaking a Look at God's Cards. Essas dinâmicas sociais em torno de ideias científicas não poderiam também ser modeladas via equações diferenciais? As relações entre cientistas e teorias científicas não seguem padrões que podem ser descritos através da matemática?
A teoria do caos tem por meta exatamente a compreensão de fenômenos imprevisíveis. E a aceitação de uma nova ideia, assim como o amor, é um fenômeno com consequências difíceis de serem antecipadas.
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