Dois dias atrás publiquei uma postagem na qual se discutia a respeito da falta de correlação entre as opiniões de alunos sobre a natureza da ciência e a capacidade de os mesmos realizarem atividades de investigação científica. A postagem é fundamentalmente baseada em pesquisas publicadas em um importante periódico especializado em educação científica. No mesmo texto decidi levantar questionamentos sobre uma eventual extensão desses resultados. E um dos temas secundários abordados foi o fato de que existem profissionais altamente qualificados em ciência que insistem em visões perigosamente não qualificadas mas difundidas entre leigos entusiastas de misticismo. Estes seriam exemplos de pessoas que já desenvolveram atividades investigativas em ciência, mas que não têm opiniões consistentes sobre a natureza da ciência. Para ilustrar o ponto citei o exemplo de Gabriel Guerrer, doutor em física que ministra cursos sobre eventuais relações entre física quântica e misticismo.
Imediatamente após a publicação da postagem eu a encaminhei para Guerrer, como usualmente faço ao veicular textos que promovem críticas a indivíduos. Em mensagem pessoal Guerrer perguntou se eu daria a ele o direito a resposta. Naturalmente garanti que sua visão teria tanta visibilidade quanto a minha postagem de crítica.
Pois bem. O texto a seguir é a resposta de Gabriel Guerrer. A seguir faço eu mesmo alguns comentários sobre a visão que ele aqui promove.
Desejo a todos uma leitura crítica.
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(Sem Título)
de Gabriel Guerrer
Além disso, propaga uma informação errônea ao citar meu nome ao lado dos termos "cura quântica, saúde quântica". Meu trabalho não envolve o uso desses termos. As informações que tenho transmitido para o público são através de um curso chamado "Física Quântica - Imaginando o Invisível". Como o nome já sugere, ofereço uma exploração criativa das possibilidades interpretativas da Física Quântica, das mais convencionais às mais exóticas - todas igualmente possíveis perante as evidências empíricas.
Durante o curso ofereço poucas certezas e muitas perguntas, estimulando um livre pensar guiado pelo melhor do senso crítico. Porém, concordo que é um lugar bastante delicado que requer responsabilidade e que muitos abusos tem sido cometidos por alguns divulgadores despreparados. Não é raro escutar absurdos como por exemplo, o de que a Física Quântica prova cientificamente a existência do espírito.
Por outro lado, podemos fazer perguntas muito interessantes, entre elas: o que significa a relação direta dos pioneiros da Física Quântica (Schrodinger, Einstein, Planck, Heisenberg, Pauli) com o Misticismo [1]? O que significa habitar uma Realidade não-local? Seria a consciência um fenômeno não-local [2]? Seria a consciência apenas um produto final do processo evolutivo [3]?
Tenho um enorme desconforto perante o modelo operante de grande parte das instituições acadêmicas. Sinto em geral uma apatia criativa incompatível com a minha paixão e curiosidade por esses temas tão fascinantes. Infelizmente, o modelo atual é de manutenção do conhecimento já adquirido e não um celeiro de novas ideias. Para inovar é necessário flertar com as anomalias, margear as bordas e buscar novas (ou rever antigas) formas de pensamento. Nesse contexto, sinto que as perguntas mais interessantes são proibidas e fortemente evitadas, com raras exceções em território nacional a exemplo de [4], [5] e [6]. É por esse desconforto e para me manter motivado que tomei a difícil decisão de seguir temporariamente como pesquisador independente.
Sinto essa dificuldade em diversas áreas da dinâmica social, de modo que acredito estar relacionada a algo mais profundo, um modelo cultural ultrapassado. Os modelos culturais, por sua vez, estão correlacionados com o consenso vigente sobre a Realidade. Acontece que a visão atual ainda se baseia na Física Clássica e na visão Materialista reducionista, que não podemos esquecer, é uma premissa metafísica.
A Física Quântica está longe de criar uma imagem bem definida sobre a Realidade, porém pode afirmar algumas coisas sobre o que não é. Aprendemos que a Realidade é não-local e possivelmente não-dual. Coincidentemente (ou não) essa é a mensagem que os místicos de todos os tempos tem nos comunicado. O Misticismo genuíno propõe desde tempos imemoriais técnicas para se atingir essa experiência subjetiva que transcende a razão. Devemos simplesmente ignorar esses dados sobre a Realidade obtidos por séculos de exploração do aparato humano?
Concordo com os pioneiros da Física Quântica, o Misticismo não pode ser derivado da Ciência, são caminhos linearmente independentes. Mas assim como eles, também acredito na melhor combinação entre Ciência e Misticismo, em outras palavras, a melhor combinação entre nossas capacidades complementares: razão e intuição. É desse encontro que surge a criatividade, a arte, a beleza, a compaixão e a sensação de propósito. Uma cultura que estimula a experiência integral de nossas potencialidades humanas pode ser a solução para os difíceis momentos que atravessamos.
Gabriel Guerrer
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Referências
[1] Ken Wilber, Quantum Questions - Mystical Writings of the world´s greatest Physicists
[2] Dean Radin, Entangled Minds: Extrasensory Experiences in a Quantum Reality
[3] Thomas Nagel, Mind and Cosmos: Why the Materialist Neo-Darwinian Conception of Nature is Almost Certainly False
[4] INTER PSI - Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais
[5] NUPES - Núcleo de pesquisa em espiritualidade e Saúde
[6] NEIP - Núcleo de estudos interdisciplinares sobre Psicoativos
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Minhas respostas a Gabriel Guerrer
de Adonai Sant'Anna
Faço a seguir uma lista de respostas a cada um dos principais pontos discutidos por Guerrer em seu texto acima.
1) De fato não conheço os detalhes de seu trabalho. Porém é falso afirmar que baseio minhas opiniões em impressões pessoais. Assisti vídeos seus e li sua página pessoal na internet. E sua resposta está confirmando minhas opiniões, conforme detalho a seguir.
2) Se cito seu nome ao lado dos termos "cura quântica, saúde quântica" é porque há um contexto explicitado em minha postagem original. O que afirmo explicitamente é que "hoje Guerrer segue um caminho que muito se assemelha ao de Amit Goswami, o famoso indiano que busca unificar física quântica com espiritualidade." E sua resposta confirma minha afirmação.
3) Você questiona o que significa a relação direta dos pioneiros da física quântica com misticismo. Bem, Kepler se interessava por astrologia, mas a obra que o consagrou como uma contribuição perene à sociedade nada tem a ver com astrologia. Biógrafos de Niels Bohr comumente o associam ao ateísmo, apesar de ele mesmo reconhecer que "o oposto de uma verdade profunda pode ser uma outra verdade profunda". O zoólogo Richard Dawkins é ateu e chega a pregar ódio contra religiões. Mas isso jamais enfraqueceu a fé daqueles que alimentam religiosidade. E Dawkins jamais apontou um único caminho sensato o bastante que justifique que religiosidade é algo necessariamente ruim e apenas ruim. E, finalmente, Alan Turing era homossexual. No entanto, não vejo que relação pode existir entre computação digital e homossexualidade. Além disso, o que você entende por relação direta com misticismo? Práticas místicas da cultura indiana, por exemplo, demandam uma vida de dedicação que os criadores da física quântica jamais tiveram. Eles demonstraram curiosidade sobre o tema, assim como Einstein demonstrava curiosidade pela música. Mas Einstein jamais foi reconhecido como um músico importante.
4) Você questiona o que significa habitar uma realidade não local. O croata Tristan Hübsch publicou, anos atrás, um artigo interessantíssimo no qual ele mostra que um sistema acoplado no qual tanto observador quanto objeto observado obedecem à equação de Schrödinger, necessariamente viola o princípio de linearidade da mecânica quântica. Você discute sobre isso em seus cursos? Faço esta comparação porque usualmente o observador é tratado como um objeto clássico, em mecânica quântica. Mas se tratarmos o observador como objeto quântico teremos uma inconsistência com a própria teoria. Portanto, diante disso, questiono: o que você quer dizer com "habitar uma realidade não local"?
5) Você questiona se a consciência é um fenômeno não local. O que isso significa? Onde está o senso crítico que você afirma seguir? Jamais encontrei uma definição para "fenômeno não-local" na literatura especializada. Se você conhecer alguma, eu poderia aprender muito com isso. Existem sim definições para não-localidade em situações específicas. Um sistema de duas ou mais partículas é dito não local se não puder ser dividido em subsistemas não triviais. O que isso tem a ver com consciência? Consciência é um sistema com duas ou mais partículas? Afinal, o próprio conceito de consciência é ainda uma questão em aberto, tanto entre neurologistas quanto filósofos da ciência. Citar um parapsicólogo como Dean Radin, sem qualificar sobre o que você está falando, não me parece um bom caminho para quem defende senso crítico, como afirma fazer. Isso novamente reforça a tese de que praticar ciência (como você já o fez brilhantemente) não o qualifica a opinar sobre ciência.
6) Você afirma que se sente desconfortável perante o modelo operante de grande parte das instituições acadêmicas. Ora, você não é o único! Jamais ouvi falar de um grande cientista que se sinta confortável com instituições acadêmicas. O próprio Peter Higgs é um dos exemplos emblemáticos deste sentimento de desconforto. É justamente esta insatisfação que serve de agente motivador. Fugir da vida acadêmica para se tornar um "pesquisador independente", como você mesmo afirma, não é uma ideia inteligente. Isso é simplesmente sinônimo de isolamento. E ciência exige interação com pares, justamente porque todo cientista sabe que pode estar errado em suas opiniões. É preciso coragem para confrontar suas ideias. E trocar ideias predominantemente com leigos não ajuda o pesquisador e ainda contribui para alimentar confusões entre leigos.
7) Você afirma que a física quântica permite inferir que a realidade é não local. Este é um exemplo de erro grotesco que comete, justamente por falta de cultura científica. Ou seja, seu isolamento social da comunidade científica já começa a surtir efeitos muito rapidamente. A física quântica se divide em vários ramos, frequentemente inconsistentes entre si. A interpretação usual da mecânica quântica (regime não relativístico) aponta, de fato, para a perspectiva de uma realidade inundada por fenômenos não locais entre certos sistemas físicos. No entanto, na eletrodinâmica quântica (regime relativístico), não há um único análogo à não-localidade. Ou seja, sobre qual física quântica você está falando? Veja que sequer estou discutindo sobre interpretações da mecânica quântica, cujo tema vai muito além de certezas como aquelas que você promulga.
8) Você discursa sobre misticismo genuíno vivendo em uma terra na qual este misticismo não é praticado. Assim como você se isola da vida acadêmica, também se isola do tal misticismo genuíno, com o qual apenas algumas culturas não ocidentais convivem. Observe que não estou discursando contra possíveis relações íntimas entre física quântica e misticismo. Pode ser que elas existam de fato e que sejam extremamente relevantes. Mas para conquistar esse tipo de conhecimento você precisaria trabalhar de forma interdisciplinar, promovendo uma colaboração entre culturas distintas. Trocar ideias com leigos ou pessoas isoladas tanto da vida acadêmica quanto de culturas místicas, não ajuda.
Minha recomendação final a Gabriel Guerrer é que ele reveja seus métodos de investigação e divulgação de conhecimentos. Conheço-o pessoalmente e sei que tem uma capacidade intelectual excepcional. É um jovem brilhante que merece toda forma de apoio a investigações científicas e culturais sérias. Mas este caminho escolhido me parece muito perigoso. Não desejo vê-lo arrependido quando estiver com idade mais avançada.