quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Diálogo?


Peço desculpas ao leitor, pelo fato desta postagem ser extensa. Mas lamentavelmente não posso omitir detalhes.

Quando publiquei a postagem na qual critico certas posturas dos ocupantes de prédios da UFPR, recebi uma resposta e um convite do movimento OCUPA EXATAS UFPR. Antes que esta resposta fique enterrada de uma vez por todas no Facebook, reproduzo aqui o texto original na íntegra, veiculado no dia 14 de novembro deste ano:

"Caro Professor Adonai,

Muitos dos que aqui ocupam o bloco PA e PC foram e são seus alunos, e por isso apreciamos seu oportuno posicionamento.

Algumas de suas críticas ao movimento são compreenssíveis, porém não se confirmam.

Citamos alguns exemplos, rebatendo algumas dessas críticas:

'Já não é fácil ter que encarar alunos que não estudam, que não perguntam, que não questionam o conhecimento supostamente estabelecido, que não conhecem coisa alguma do mundo onde vivem. Mas mais difícil ainda é encarar um movimento desfocado e inconsistente, em um ambiente míope e intelectualmente estagnado'

A greve estudantil, assim como as ocupações surgem exatamente para estudar, perguntar e questionar mais o mundo que vivemos, especificamente neste caso o modelo político vigente, que permite que a MP746 seja imposta sem o necessário diálogo e debate, o mesmo com a PEC 55. Se a condução desse debate está enviesada é passível de divergências, mas é inegável que se está discutindo e procurando entender melhor os meandros da PEC e da MP do que anteriormente ao movimento.

'O que se faz realmente necessário é conhecimento! E falo de conhecimento que demanda real esforço para ser alcançado.'

E conhecimento não é o que estamos tentando construir? Estamos nos esforçando para convidar os cursos ao debate, com contrários e favoráveis a nossas pautas. Assembleias de cursos, aulas públicas, reuniões constantes, leitura dos textos da PEC e da MP, estudos da história econômica do país para nos situarmos e entendermos essas medidas em todas suas dimensões, enfim, abordagens distintas para a análise mais completa que nos é possível, fugindo de simplificações e discursos enlatados.

'Os manifestantes demonstram serem ignorantes ou mal intencionados. Isso porque as melhores ideias jamais precisaram de movimentos populares para se estabelecerem. O domínio do fogo, a concepção da agricultura, a mecânica newtoniana, o cálculo diferencial e integral, a mecânica quântica, a teoria dos jogos e a teoria da evolução das espécies são ideias que naturalmente se inseriram nas sociedades desenvolvidas, por serem esteticamente belas e profundamente práticas. Houve aqueles que se sentiram ameaçados pelas ideias de Darwin e pela teoria heliocêntrica, entre outros exemplos históricos. Mas eles foram naturalmente calados pelo tempo.'

Aqui o argumento mais infeliz. Uma resposta completa e exemplificada nos demandaria mais espaço. Resumiremos alguns pontos.

Esquece-se do sangue derramado na luta pela consolidação do que o senhor afirma 'ideias que naturalmentes se inseriram nas sociedades desenvolvidas'. As grandes transformações sociais, as revoluções, banhadas ao sangue popular, que permitiram o surgimento de novas eras, rompendo o obscurantismo de eras anteriores, e.g., do feudalismo ao capitalismo, simbolizada também pela sangrenta revolução burguesa de 1789, na França.

O que seria da sua liberdade de cátedra sem o passado de luta de movimentos populares? O quão diferente seria o panorama da - ainda desigual - ciência brasileira, se não fosse pela luta de movimentos de emancipação da mulher, da liberdade do negro, pela democracia? Quantos colegas seus foram perseguidos, perderam o cargo, foram presos, torturados na luta pela liberdade de pensamento? Quantos novos Marie Curie, Ada Lovelace, Milton Santos, Neil deGrasse, Albert Einstein, Alan Turing poderíam ter surgido, mas ficaram pelo caminho, fuzilados, impedidos, esquecidos, proibidos por aqueles que alegavam, em nome da ciência de sua época, a legitimidade da opressão à mulher, do racismo, da perseguição a minorias étnicas e sexuais? 

A nossa luta é política, e isso não exclui a racionalidade. O senhor tenta passar a imagem de 'jovens despreparados emocionalmente', 'irracionais', mas em momento algum vemos alguma fundamentação para essas ilações, a não ser alguns sofismas muito comuns da crítica rasa que abundam pela internet, fruto da 'era da informação', citada também no seu texto. Não vemos análise alguma das pautas do movimento, a PEC 55 e a MP 746, o mais importante no momento.

'Parte de meu trabalho é lecionar para muitos alunos que não estudam, que não refletem, que não discutem.'

Aqui estamos estudando, refletindo e discutindo.

'Em contextos sociais, se uma ideia precisa ser imposta, isso significa que provavelmente não é uma boa ideia, mas apenas um delírio compartilhado por um punhado de hasteadores de bandeiras.'

A nossa pauta é exatamente a luta contra essas ideias impostas sem que suas necessidades sejam demonstradas: a PEC e a MP. O que fazer quando uma medida de amplo alcance e transformação como estas nos são impostas? Consentir ou reagir? Sobre a ocupações, o que estamos impondo é exatamente o que o senhor diz que mais falta aos alunos: o questionamento e a reflexão.

Finalmente, supor que aqui falte 'capacidade de discernimento' é subestimar aqueles que são e foram alunos seus. Como aqui defendemos as melhorias na pesquisa, qualidade da educação, sem cultivarmos inimigos internos, seja docente ou discente, decidimos convidá-lo para um diálogo em que as divergências sejam debatidas, com reflexões e questionamentos de ambas as partes, em que ideias não sejam impostas, mas construídas. Propomos uma data ainda essa semana, como sua agenda lhe permitir. 

Aguardamos uma resposta com data e local de sua preferência.

Atenciosamente, 

Ocupa Exatas UFPR."

Imediatamente respondi, aceitando o convite e propondo o debate para o dia 16 de novembro, às 19:00h. No dia seguinte à minha resposta, eu ainda não havia recebido qualquer retorno. Insisti. Foi quando finalmente recebi a seguinte mensagem:

"Estamos buscando um consenso no horário internamente, pois no ímpeto da resposta nos esquecemos das diversas atividades que os comandos de greve e as ocupações estão realizando essa semana, as quais não podemos atropelar. 

Teremos alunos participando da J3M do depto. de matemática, alunos da física em assembleias de curso,alunos da computação comprometidos com minicursos e oficinas até sexta-feira. Ainda temos também os professores que continuam a dar aula e a cobrar presença. Como o senhor dá aulas no horário de quarta às 19h, sugerimos para a próxima semana, dia 23, no mesmo horário, no auditório do departamento de informática, onde há conforto suficiente para todos. Aproveitaremos o tempo até lá para ampliar a divulgação, convocando mais estudantes e docentes a contribuir com o evento.

Ansiamos pelo debate."

No mesmo dia 15 respondi que eu concordava com a nova data. Perguntei se eu poderia fazer a divulgação do debate. Não obtive resposta. 

No dia 18 de novembro, motivado em parte por certos comentários anônimos que recebi em meu blog, insisti novamente com o movimento OCUPA EXATAS UFPR. Eu queria saber se eu poderia divulgar a data, o local e o horário do debate. Eu precisava apenas da confirmação desses alunos. Recebi a seguinte resposta:

"Sim, professor. Pode divulgar."

E foi o que fiz! Anunciei em minha página pessoal Facebook que, no dia 23 de novembro, haveria um debate entre alunos do movimento de ocupação e eu. Este debate aconteceria às 19:00h no auditório do Departamento de Informática da UFPR.

Pois bem. Cheguei ao local, na data e no horário combinados. Estavam lá cerca de vinte alunos meus e uma professora da UNIBRASIL que tem acompanhado com interesse esses movimentos estudantis recentes. No entanto, não havia um único representante dos alunos ocupantes. Não fomos recebidos por aluno algum do OCUPA EXATAS UFPR.

Por volta das 19:30h, dois alunos meus se dirigiram para o bloco PC, um dos prédios ocupados. Eles queriam saber por que não havia membro algum do movimento de ocupação para participar do debate. Segundo esses meus dois alunos, os ocupantes nada sabiam a respeito de debate algum. 

Por volta das 19:40h, um rapaz se aproximou de mim e pediu desculpas pelo transtorno provocado. Ele se identificou como um dos membros do OCUPA EXATAS UFPR. Segundo este rapaz, que afirmou ser aluno de Ciência da Computação, houve falha de organização para o debate, provocada por tumultos ocorridos na UTFPR. Minutos depois, outro membro do OCUPA EXATAS UFPR se aproximou de mim com um discurso semelhante. Estava bastante óbvio que o segundo membro do OCUPA EXATAS UFPR nada sabia a respeito do primeiro. 

Pois bem. O que aprendi com isso? Aprendi que não existe seriedade entre os alunos do OCUPA EXATAS UFPR. Em momento algum recebi qualquer mensagem pedindo para adiar a data do debate. Os alunos deste movimento simplesmente ignoraram um convite feito por eles mesmos.

Como não tive chance de conversar com aqueles que ironicamente se dizem abertos ao diálogo, coloco aqui mesmo o que eu gostaria de ter dito a eles:

1) É uma mentira a afirmação de que "[a] greve estudantil, assim como as ocupações surgem exatamente para estudar, perguntar e questionar mais o mundo que vivemos". Receber somente professores e alunos que apoiam o movimento, não cria ambiente algum de esclarecimento. Sou abertamente contra este tolo movimento estudantil. No entanto, fui convidado para um debate que foi posteriormente ignorado pelos próprios alunos ocupantes.

2) Comparar este movimento de ocupação de prédios públicos com a Revolução Francesa é simplesmente um disparate. Se esses alunos ocupantes realmente se julgam capazes de derramar sangue em um país como o nosso, no qual há liberdades que simplesmente não existiam na França monárquica, então eles estão dominados por uma cegueira ideológica potencialmente incurável. Além disso, qual é o critério racional que estabelece que derramamento de sangue é uma boa ideia? Já não basta o que aconteceu com Guilherme Irish? É este o tipo de legado que os ocupantes querem deixar para o país? É este tipo de legado que os ocupantes esperam de seus opositores? Não conseguem perceber que esta pobre noção de revolução somente coloca pai contra filho, alunos contra alunos, pessoas contra pessoas? Ou será que estes ocupantes acham que o Governo Federal se importa com o sangue derramado de um aluno que tentou lutar contra o sistema vigente?

3) A menção a preconceitos contra minorias também é ingênua. Por um lado, ignora outras visões preconceituosas (como a de que revoltas populares constituem caminhos legítimos para resolver problemas sociais). E, por outro lado, ignora o papel da educação no combate real, honesto e natural aos preconceitos. Não são gritos e imposições que serão capazes de vencer preconceitos. Pelo contrário, gritos apenas tornam as pessoas mais surdas. Pessoas jamais podem ser honestamente convencidas por mecanismos artificiais definidos por imposições arbitrárias. Quando digo que as melhores ideias conquistam naturalmente seu espaço, eu jamais insinuei que elas rapidamente conquistam seu espaço. A luta contra preconceitos não ocorre na forma de batalhas sangrentas, mas na forma de educação. É uma educação que deve começar na família, se formalizar nas escolas e se estender com o convívio diário com diferentes visões de mundo.

4) A partir do momento em que meus alunos e eu somos impedidos de entrar em uma sala de aula, definitivamente não tenho liberdade de cátedra alguma. Por conta disso, fortemente recomendo que parem de ser hipócritas.

5) As pessoas mais qualificadas para avaliar o eventual impacto da PEC 55 e da MP 746 jamais serão encontradas entre alunos que ocupam prédios públicos e muito menos entre aqueles que defendem ideologias radicais. Aprendam com a ciência de hoje, como são avaliados impactos sociais! O mundo evoluiu muito desde a Revolução Francesa. Aprendam com gente como Philip Tetlock, este sim um cientista político sério!

6) Alunos podem sim promover mudanças significativas para a sociedade. Querem saber como? Então aprendam com colegas seus! Aprendam com o exemplo da Polyteck!

7) Aqueles que querem mudar sociedades precisam, antes de mais nada, de cultura científica. Quem, entre os ocupantes, conhece teoria das decisões e sabe aplicá-la? Teorias científicas não são meros caprichos humanos. Teorias científicas ajudam a definir estratégias de impacto. A melhor decisão não é aquela que produz o melhor resultado! A melhor decisão é aquela que é tomada com bases racionais. 

8) Não existe UFPR! A Reitoria da UFPR entrou com pedido de reintegração de posse dos prédios ocupados ao mesmo tempo em que o Setor de Educação da UFPR publica nota de apoio ao movimento estudantil. Ou seja, a UFPR carece de unidade institucional. Isso mostra que os alunos, sejam ocupantes ou não, estão mergulhados em uma realidade desprovida de referências. 

9) Os alunos ocupantes apelaram para a estratégia da imposição justamente porque eles não contam com qualquer outra forma de apoio institucional. Os alunos ocupantes estão sozinhos nesta luta já perdida. E é neste momento que cabe a reflexão honesta: se não podemos lutar agora, devemos primeiramente nos armar. E a arma a ser usada é educação.

10) Como uma pessoa pode ser educada de forma sensata no Brasil? A resposta que proponho é a seguinte: iniciativa honesta e livre de ideologias ultrapassadas. Assim como André Sionek, Fábio Rahal e Raisa Jakubiak lutam diariamente contra um sistema engessado, disforme e quebrado, influenciando construtivamente milhares de estudantes por todo o país, cada um de nós pode fazer exatamente a mesma coisa. Se apenas três jovens são capazes de fazer a diferença, lutando consistentemente contra a mediocridade de nossa educação, imaginem o que milhares de alunos ocupantes poderiam estar fazendo agora!

Eu adoraria estar apoiando os alunos que são contrários ao atual governo federal. No entanto, praticamente todas as pessoas de nossa nação carecem de referenciais para um convívio social saudável. E os alunos, ocupantes ou não, igualmente navegam como meros náufragos nesta realidade corrompida de cola na escola, de agendamentos não cumpridos, de falta de sintonia com os mais recentes avanços das ciências e das artes, de jeitinhos desonestos para lidar com problemas do cotidiano.

Recebi neste blog comentários anônimos de alguém que disse que estaria presente ao debate, para me ensinar os princípios básicos da boa argumentação. Este alguém não se manifestou. E eu estava lá! Novo blefe dos encapuzados que se escondem no anonimato. E por que fazem isso? Porque são covardes. Porque não entendem que, em um debate, o que está em jogo são ideias e não pessoas. Alguns me disseram que eu perderia no debate. Outros disseram que eu ganharia. Tolices! Não estou disputando qualquer campeonato de debates. Estou apenas tentando acrescentar algo construtivo em meio a um ambiente de tumulto.

Se não querem ajuda, nada posso fazer. Não posso ocupar casas de ocupantes. Não posso forçá-los ao diálogo. 

Durante toda a minha vida estudei em escola pública. Tínhamos aulas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Essas disciplinas eram evidentes propagandas políticas da ditadura militar, semeadas entre jovens que não tinham acesso a internet, que não tinham acesso a visões diferentes de mundo. Engolimos a propaganda ideológica de morrer pela pátria e viver sem razão? Não! O que fizemos? Estudamos! Fizemos contato com a NASA, para recebermos por correio informações a respeito de outras realidades. Buscamos conhecimentos fora da escola. Criamos nossos próprios laboratórios domésticos. Escrevemos nossas próprias histórias ficcionais. Fizemos concursos para estabelecer quem escrevia a melhor enciclopédia. Fabricamos nossa própria pólvora. Fabricamos nossos próprios rádios sem pilhas. Participamos de feiras de ciências, sem apoio de professor algum. E conquistamos prêmios nessas feiras! Cavamos, lutamos, estudamos. Alguns de nós se tornaram médicos, químicos, matemáticos, filósofos e, claro, professores. E agora o que temos? O que temos são alunos que acham chata a leitura do Discurso do Método, de Descartes, e outros que ocupam prédios. Temos jovens que são norteados por visões tolas a respeito de revoluções sociais, verdadeiras vítimas de uma educação boçal que valoriza o consumo e esquece por completo o mundo das ideias, o mundo das verdadeiras revoluções produzidas pela ciência e pelas artes.

Gritar palavras de ordem em uníssono com alunos não é forma alguma de apoio à educação. Apoio à educação ocorre de forma diária e lenta. É algo que consome décadas de dedicação. Não se conquista educação da noite para o dia. Não se conquista educação com um clique no computador ou um berro na esquina. Se alguém neste mundo se julga informado por ter acesso à internet, este mesmo alguém deve agradecer aos céus por não estar sendo testemunhado pelos seus antepassados.

Lamento muito não poder levar a sério nem mesmo os jovens deste país. É realmente uma pena. Os jovens eram a minha última esperança. E até mesmo esta esperança está sob ameaça.



Na foto acima vemos o autor desta postagem e seus alunos, discutindo sobre mecânica celeste em frente ao prédio ocupado por alunos grevistas.


Na foto acima vemos o autor desta postagem e seus alunos, aguardando em vão os membros do OCUPA EXATAS UFPR.

domingo, 13 de novembro de 2016

Sobre as ocupações



Há mais de um ano encerrei as atividades normais deste blog, por motivos que já expliquei. No entanto, nas últimas semanas têm ocorrido uma série de eventos que me obrigam a escrever algo por aqui. Não estou retomando as postagens do blog! Apenas publico, em condição extraordinária, um texto que eu não queria escrever, sobre eventos que eu não queria que estivessem acontecendo. Mas eles estão aí. 

Manifestantes estão ocupando instalações da UFPR e de outras instituições de ensino. Eles argumentam serem contrários à PEC do Teto dos Gastos e à MP 746. Não querem a PEC, sob o alegado argumento de eventual perda de investimentos para a educação nos próximos anos. E não querem a MP 746, sob a alegada argumentação de que este tipo de mudança deveria ser amplamente discutida, antes de qualquer implementação.

Recentemente enviei uma mensagem aberta para os meus alunos de Geometria Analítica e de Tópicos de Lógica e Fundamentos da Matemática. A mensagem, veiculada no Facebook, dizia:

"Os dois blocos de sala de aula onde leciono estão ocupados por alunos grevistas. Na prática, este movimento está colocando povo contra povo, criando um ambiente de desrespeito à liberdade de trabalho e de estudo. A posição da UFPR em relação a essas ocupações é bastante confusa, como era de se esperar. O Setor de Ciências Exatas está trabalhando para acomodar professores que ministram aulas para cursos que não aderiram à greve, segundo comunicado que recebi agora há pouco. Já a Procuradoria Jurídica da UFPR julga que não cabe a Coordenações de Curso e Chefias de Departamento decidir sobre continuação ou não das aulas. Segundo este órgão, esta é uma decisão individual de cada professor. O Conselho Universitário ainda discutirá sobre a presente situação, na próxima semana. E a Reitoria simplesmente não se posicionou (oficialmente) a respeito. O movimento sequer é mencionado na página principal da UFPR. Levando em conta todos esses fatores, anuncio a minha posição: nos dias e horários letivos em que não houver chuva, estarei em frente aos respectivos blocos ocupados, pronto para lecionar ao ar livre. Farei atividades especiais com os meus alunos que comparecerem. Com os alunos de Geometria Analítica discutirei sobre o sistema Terra-Lua e as Leis de Kepler. Com os alunos de Tópicos de Lógica discutirei sobre falhas típicas de lógica na UFPR e no país. Portanto, se teremos aula ou não, isso depende agora da meteorologia e da disposição de meus alunos."

Esta mensagem teve 236 curtidas, 30 compartilhamentos e 25 comentários. É um resultado inexpressivo, diante da realidade colorida e desfocada do Facebook. Mas ainda está acima de minha média pessoal, sobre o pouco que publico naquela popular rede social.

Na última sexta-feira houve pancadas de chuva em Curitiba, mas fui para a aula anunciada. Cheguei por volta das 19:00h. A maioria de meus alunos de Geometria Analítica compareceu. O Setor de Ciências Exatas, a pedido meu, reservou uma sala de aula em prédio não ocupado pelos manifestantes. Mas meus alunos preferiram realizar aquela atividade atípica em um gramado, em frente ao prédio ocupado onde deveríamos ter aula naquele horário. A grama estava úmida, o ambiente era pouco iluminado e umas gotas de chuva pingavam sobre nossas cabeças. Mas ninguém se intimidou. Pelo contrário, há muito tempo eu não percebia participação tão ativa de meus alunos. Parece que uma discussão sobre mecânica celeste ao ar livre os estimulou de alguma forma, ainda que temporariamente. 

No entanto, preciso colocar algumas preocupações minhas, referentes principalmente a algumas inconsistências que percebo, vindas de todas as partes envolvidas.

1) Os manifestantes não percebem que eles mesmos carecem de capacidade de discernimento, talvez até por conta de estarem sob a contaminação de um péssimo sistema de ensino. Cito exemplos: (i) Na página Facebook do movimento OCUPA UFPR foi publicado o seguinte: "Os serviços essenciais da UFPR continuam durante as ocupações, feito as aulas de português para refugiados." Ora, por que aulas de português para refugiados são essenciais e aulas de matemática para alunos da UFPR não são? Qual é a lógica subjacente a este discurso?

(ii) Na mesma página há uma divulgação da Marcha do Orgulho Crespo. Trata-se de uma manifestação de valorização da estética afro-brasileira. Bem, o que isso tem a ver com a ocupação da UFPR? É tão difícil assim manter o foco? 

(iii) Ainda nesta página foi publicada uma foto na qual aparecem cinco alunos e dois professores, dentro de uma sala. Na legenda se lê: "Aula pública sobre materialismo histórico e estado de exceção com os Profs. Delcio e Geraldo." Bem, por que uma aula sobre materialismo histórico e estado de exceção, em ambiente fechado, é estimulada? Por que esses professores podem contar com acesso a sala e outros não? Será que uma discussão sobre materialismo histórico é mais libertadora do que uma discussão sobre cônicas e quádricas?

2) Os manifestantes afirmam serem contra decisões governamentais, mas punem colegas seus que querem estudar. 

3) Os manifestantes demonstram serem ignorantes ou mal intencionados. Isso porque as melhores ideias jamais precisaram de movimentos populares para se estabelecerem. O domínio do fogo, a concepção da agricultura, a mecânica newtoniana, o cálculo diferencial e integral, a mecânica quântica, a teoria dos jogos e a teoria da evolução das espécies são ideias que naturalmente se inseriram nas sociedades desenvolvidas, por serem esteticamente belas e profundamente práticas. Houve aqueles que se sentiram ameaçados pelas ideias de Darwin e pela teoria heliocêntrica, entre outros exemplos históricos. Mas eles foram naturalmente calados pelo tempo. A luta que os atuais manifestantes deveriam abraçar se chama ciência, história, arte, estudo, trabalho. Se eles honestamente julgassem as ideias governamentais como imposições artificiais e descabidas, não tentariam usar os mesmos métodos governamentais para fins de imposição de outras ideias artificiais e descabidas. Em contextos sociais, se uma ideia precisa ser imposta, isso significa que provavelmente não é uma boa ideia, mas apenas um delírio compartilhado por um punhado de hasteadores de bandeiras.

4) A Universidade Federal do Paraná (UFPR) está cometendo um grave erro, ao tolerar ocupações de partes de suas instalações. A UFPR jamais se pronunciou oficialmente com relação a alguma medida do atual Governo Federal. Portanto, tolerar essas invasões significa uma abertura de precedente. Se, no futuro, qualquer grupo organizado de alunos decidir invadir instalações da UFPR em nome de qualquer outra causa, esta mesma instituição deverá ser consistente e aceitar a ocupação, por tempo indeterminado. A UFPR está se transformando em palco sem agendamento.

5) Os alunos que são contrários aos manifestantes também têm agido de forma irracional, a partir do momento em que entram em conflito verbal ou físico contra os ocupantes de prédios da UFPR. É um erro julgar que fulano ou beltrano são inimigos. No Brasil não há inimigos. O que existe por aqui é um crescente caos. O grande inimigo do povo brasileiro é a sua profunda ingenuidade. E esta ingenuidade existe por conta de ignorância. Precisamos sim de mais ciência, de mais arte, de mais sonhos, de mais trabalho. 

Nosso país vive uma realidade de liberdade de expressão, sem liberdade de pensamento. Pessoas são inevitavelmente tendenciosas, não há como evitar. Mas esta ingênua liberdade de expressão que se desenvolve no Brasil se sustenta apenas no impensado discurso de respeito à opinião alheia. No entanto, não é de respeito que estamos precisando! O que se faz realmente necessário é conhecimento! E falo de conhecimento que demanda real esforço para ser alcançado. A suposta era da informação que vivemos está apenas tirando o foco das pessoas. Por isso que manifestantes são tão confusos! Por isso que as pessoas acham que devem tolerar ideias, por mais malucas que sejam! Por isso que a UFPR não sabe agir! 

O lado irônico disso tudo é aquela sensação que sempre me invade, quando escrevo neste blog: a de que estou apenas perdendo meu tempo por aqui.

Tentarei dar continuidade às minhas aulas. Nas próximas vezes tentarei usar eventuais salas de aula que eu consiga. Não é prática a ideia de discutir matemática, sem um quadro que possa ser usado para escrever. Já não é fácil ter que encarar alunos que não estudam, que não perguntam, que não questionam o conhecimento supostamente estabelecido, que não conhecem coisa alguma do mundo onde vivem. Mas mais difícil ainda é encarar um movimento desfocado e inconsistente, em um ambiente míope e intelectualmente estagnado. Minha sorte é que conto com projetos que desenvolvo independentemente da vontade da maioria. Isso faz parte de meu treino. Não preciso de clubes, partidos ou associações para me sentir importante. 

Vi grupos de manifestantes andando pelo Centro Politécnico da UFPR como verdadeiras matilhas. Vi um dos prédios onde leciono, com vidros quebrados cobertos por tapumes improvisados. Se estas pessoas precisam invadir e coibir para sentirem que fazem alguma diferença neste mundo, posso apenas lamentar pela extrema fragilidade emocional delas. Mas eu não defendo bandeira alguma. Apenas trabalho. E esta é a pior das ironias. Parte de meu trabalho é lecionar para muitos alunos que não estudam, que não refletem, que não discutem. Sou pago para impor um conhecimento que não é desejado. E, por conta disso, finalmente me pergunto: do que diabos estou reclamando?