sábado, 26 de abril de 2014
A Noção Sindical de Universidade de Qualidade
Esta semana encontrei em meu escaninho, no Departamento de Matemática da UFPR, a edição especial de abril de 2014 do Informativo da APUFPR-SSIND (Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná - Seção Sindical do ANDES - SN). Não sei por que esses supostos profissionais do ensino superior ainda colocam lixo em meu escaninho. Mas já que o fizeram, exponho aqui a medíocre e perigosa mentalidade deles.
Já escrevi sobre a APUFPR em postagem anterior. Fui temporariamente punido com uma adesão involuntária a esta nefasta associação, que trata de assuntos acadêmicos por meio de votos, como se visão científica e educacional tivessem alguma coisa a ver com a opinião da maioria. Vejamos o que vem agora. Qual será minha próxima punição?
Novamente o assunto da hora na APUFPR é greve nas instituições federais de ensino superior (ifes). E novamente o discurso inicial é a defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. No entanto, as palavras-chave das doze páginas da edição especial acima citada são "remuneração", "recomposição salarial", "reajuste (salarial)", "vencimento básico", "gratificações", "salário", "definição remuneratória", "composição remuneratória", "perdas inflacionárias", entre outras que remetem simplesmente ao mesmo tema: dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Onde estão termos como "mérito", "meritocracia", "inovação", "internacionalização", "produção"?
Uma das críticas promovidas pela APUFPR é sobre a criação (em 2006) da classe de professor associado nas ifes. Segundo este órgão, "a criação da nova classe alongou em no mínimo oito anos a possibilidade de se aposentar no topo da carreira, já que o cargo de professor titular somente era acessível por novo concurso público."
É inacreditável, mas esses primários sindicalistas consideram que o topo de carreira de um professor universitário é avaliado a partir da classe que aparece em seu contracheque. Além disso, o texto acima sugere que existe uma corrida contra o tempo, entre professores, para conseguir a aposentadoria no menor tempo de serviço e com o maior rendimento possível.
É claro que o governo federal também não contribui de forma alguma nas discussões sobre reivindicações de professores, sejam eles medíocres ou não. A criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (FUNPRESP) é uma clara demonstração de que o sistema de aposentadoria do funcionalismo público atingiu o fundo do poço. Isso porque uma das novidades é que professores de ifes que ingressaram na Carreira de Magistério Federal a partir de fevereiro de 2013 terão suas aposentadorias limitadas pelo teto do Regime Geral da Previdência. E a FUNPRESP é uma suposta solução (extremamente vaga) para quem quiser complementar a aposentadoria.
Em todas essas discussões e deliberações existe perenemente uma cultura miserável sobre o papel da universidade pública no Brasil. Por um lado, a preocupação central do governo federal coincide perfeitamente bem com aquela que é vociferada pelos professores: dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. E, por outro lado, tanto professores quanto governo federal tratam do conceito de carreira docente como algo que pode ser delimitado no papel, definindo as famosas classes no plano de carreiras. É a tentativa de burocratização da produção intelectual. Ainda existe alguém que não entende por que nossas universidades jamais se destacam internacionalmente?
Falta ao governo federal a honestidade de dizer: "Vocês professores universitários não estão cumprindo com o seu papel social. E enquanto não fizerem isso, não haverá discussão alguma." E falta aos professores universitários a visão de responsabilidade social com o país e o mundo.
Espero que o leitor permita uma ilustração do que afirmo.
Vejamos, por exemplo, a produção intelectual de Claudio Antonio Tonegutti e João Francisco Ricardo Kastner Negrão, respectivamente tesoureiro geral e presidente da APUFPR. Cito esses dois nomes por serem eles mesmos citados no Informativo da APUFPR.
De acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 17/04/2013), Tonegutti é autor de um único artigo científico publicado (há mais de vinte anos) em periódico especializado, indexado e com circulação internacional. No entanto, este artigo desperta atenção. É um texto bastante citado na literatura, evidenciando que Tonegutti tinha de fato grande potencial para produção intelectual. Mas não se doutorou e não avançou em seus projetos científicos. Optou pela vida política da UFPR, recheada de ideias egoistas e retrógradas.
Já Negrão, de acordo com a Plataforma Lattes (atualizada em 18/11/2010), não tem artigo algum em periódico especializado. Não há evidências de que ele, alguma vez em sua vida, experimentou trabalho acadêmico sério. Já foi discutido neste blog sobre as tendências de certos profissionais de ciências humanas neste país ignorarem por completo a relevância da disseminação internacional de produção científica. E vale observar que Negrão é um profissional da área de letras. De acordo com a Plataforma Lattes, sua titulação máxima é de mestre.
Se for este o perfil usual dos ativistas de órgãos sindicais que representam professores universitários neste país, fica mais do que claro o motivo para não serem encontradas palavras-chave como "mérito", "inovação" e "internacionalização" em suas propagandas de greve. Eles não têm a mais remota ideia do que significam esses termos.
Se você, leitor, for associado a algum sindicato de professores universitários, fortemente recomendo que comece a se informar sobre a realidade do mundo intelectualmente produtivo. E um bom ponto de partida pode ser encontrado clicando aqui. E se deseja descobrir quem no Brasil realmente faz a diferença, clique aqui.
sexta-feira, 25 de abril de 2014
Resultado do Primeiro Evento Deste Blog
Seguindo o que foi anunciado neste blog, agora há pouco aconteceu a palestra "Polyteck: um Exemplo de Empreendedorismo".
Apesar de pelo menos setenta pessoas terem confirmado presença por mensagens eletrônicas ou outros meios, estavam na plateia pouco mais de vinte participantes. Isso demonstra claramente que a Polyteck não é um investimento que atinja as massas, mesmo em uma universidade que (até pouco tempo atrás) discursava ser a mais antiga do país.
Apesar disso, estavam presentes na palestra professores e alunos não apenas da Universidade Federal do Paraná, mas também das Faculdades UniBrasil, da Faculdade Educacional Araucária e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Isso porque há uma massa crítica de gente que percebe a importância estatégica para o país de uma iniciativa como a Polyteck.
Apesar de não haver tradição alguma de produção de conhecimentos em instituições privadas de ensino superior de nosso país, ainda havia professores e estudantes de três dessas instituições. Portanto, interessados estão nos lugares mais inesperados.
Após a palestra, ficou mais claro ainda o entusiasmo de todos. Isso porque formaram-se grupos de discussão, logo depois do evento. Ou seja, não há como ficar indiferente diante de uma ousada empreitada promovida por jovens que não pensam apenas em si, mas também no país em que vivem e trabalham. Surgiram até mesmo perspectivas reais de apoio financeiro para a Polyteck, através de uma ex-professora da Faculdade de Pato Branco.
O ânimo de todos me fez lembrar de uma frase que ouvi recentemente em um filme: "O que importa não é o tamanho do cão na briga, mas o tamanho da briga no cão." Que o sonho continue.
quinta-feira, 24 de abril de 2014
A Cultura do Medo
Na edição deste mês de Scientific American Brasil foi publicado um artigo sobre a Polyteck. Enquanto eu negociava com Ulisses Capozzoli (editor da revista) sobre minha proposta e redigia o texto, pedi para Laïs Marcelino (pronuncia-se Laís), estudante de artes visuais, fotografar a equipe Polyteck. A sessão de fotos foi feita com dois meses de antecedência, no campus Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná. Uma das fotos foi selecionada e publicada junto com o artigo.
Pois bem. Neste mesmo mês de abril Lais Marcelino foi vítima de um assalto. E nesta postagem discuto sobre a cultura do medo em nosso país, usando este sádico evento criminoso como gancho para a discussão.
Na madrugada do dia treze deste mês Lais participou de uma festa. Às cinco horas e quarenta minutos da manhã do mesmo dia ela voltava para o apartamento onde vive com os pais, acompanhada de uma amiga. Já em frente ao prédio onde mora, ambas foram abordadas por um homem alto, com cerca de trinta anos. Ele se colocou no caminho das duas e, abrindo a jaqueta, exibiu um objeto preto, alegando que era uma arma. Em seguida, o homem anunciou, falando em tom baixo e com muita calma: "Isso é um assalto."
Lais reagiu e foi fortemente agredida no rosto diversas vezes. Segundo ela, o assaltante demonstrava prazer ao agredi-la. Em seguida um segundo homem surgiu por trás, o qual tentava examinar o que havia na bolsa de Lais. A amiga rapidamente colaborou com os assaltantes, entregando telefone celular e dinheiro. Chegou então um terceiro homem. Os três tinham a mesma faixa etária. Lais e amiga estavam cercadas por três assaltantes, a dez passos de casa.
O porteiro do prédio onde Lais mora estava dormindo na portaria. Do outro lado da rua havia um posto da polícia militar. Mas estava fechado. Segundo uma moradora da região, aquele posto abre somente às nove horas da manhã, por motivos de segurança.
O primeiro homem era claramente o mais agressivo e sádico. Ele queria que as duas os acompanhassem para longe daquele lugar. Em um dado momento, Lais gritou pelo nome do porteiro. Este acordou e correu na direção delas. Os três assaltantes fugiram, levando dois telefones celulares e quatro reais.
O porteiro imediatamente telefonou para a polícia militar, a qual apareceu uma hora depois. Isso tudo ocorreu no Batel, um bairro de classe média de Curitiba, muito próximo do centro da cidade.
Enquanto Lais e amiga aguardavam pela polícia no apartamento, os pais da primeira estavam muito preocupados. O pai queria perseguir os assaltantes. A mãe estava angustiada.
Quando a viatura policial finalmente chegou, os dois policiais militares não desceram do carro. Ficaram apenas esperando, enquanto olhavam para o prédio. O porteiro avisou Lais, por interfone, que havia uma viatura do outro lado da rua. Ela desceu, acompanhada da amiga.
Apenas Lais prestou depoimento. Ela teve que se agachar ao lado da viatura, pois os policiais se recusavam a sair do carro. O Boletim de Ocorrência foi preenchido em quinze minutos. O evento todo foi descrito em cinco linhas, com uma caligrafia graúda. [Posteriormente Lais soube que uma via do Boletim de Ocorrência ficaria disponível para ela em cinco dias úteis. Cinco dias úteis para emitir um documento de cinco linhas.]
Quando o pai de Lais apareceu, os policiais finalmente desceram da viatura. Neste momento eles foram atenciosos. Segundo Lais, um dos policiais disse algo como "Curitiba está complicada. Sei que vocês são jovens e gostam de se divertir. Mas nunca voltem sozinhas. Peça para os pais buscarem vocês. Há casos de velhinhas que são cegadas, moças que são estupradas, pessoas que são aleijadas."
A reação imediata da amiga e dos pais de Lais foi simplesmente concordarem com o policial. A mãe chegou a afirmar que a filha nem deveria ter saído de casa.
A amiga de Lais sentia tanta vergonha que sequer queria conversar com policial algum. Isso porque ela usava um vestido com decote e estava fortemente maquiada. Certamente ela sabia que, nestas condições, sua credibilidade seria afetada.
Lais não se conformou com essas reações. Afinal, os culpados eram os assaltantes e não elas!
Posteriormente Lais conseguiu convencer os pais e a amiga de que elas não tinham motivo para vergonha alguma. Mas a reação imediata dessas pessoas, bem como dos policiais, demonstra claramente o absoluto domínio da cultura do medo em nosso país.
Este é um blog focado em educação, com especial ênfase em matemática. No entanto, como estudar matemática em uma nação na qual as pessoas são reféns do medo?
Janelas de residências em nosso país são cobertas por grades. Alarmes e cercas eletrificadas fazem parte do cotidiano. Em um país com impostos tão altos, não temos educação, nem saúde, nem justiça e nem segurança.
É claro que este discurso já foi repetido milhares de vezes em milhares de veículos ao longo de milhares de ocasiões. Mas a cultura brasileira de se submeter ao medo todos os dias certamente alimenta a ineficiência dos serviços públicos.
Se não existe segurança em nossas ruas, isso não é culpa apenas de governos e da polícia. A culpa é também de todos aqueles que se submetem a este sistema. Se não existe educação de elevado padrão, isso é culpa de todos aqueles que não exigem nada melhor. Se não existe saúde pública de qualidade, isso é culpa de todos nós. Se não existe justiça, que façamos a justiça!
Lais reagiu. Sua reação poderia ter-lhe custado a vida. Mas ela reagiu! Ela não aceitou! E admirável é aquele que não se curva diante do medo. O Brasil precisa reagir. O Brasil precisa reagir. O Brasil precisa reagir.
Se o povo brasileiro, como um todo, não reagir de forma drástica contra a cultura do medo, continuaremos a contar com serviços públicos inaceitáveis para qualquer padrão civilizado. Afinal, vale observar que muitas horas depois do assalto a Lais, uma segunda viatura policial chegou à sua residência. Outros dois policiais militares, completamente desinformados, queriam registrar o Boletim de Ocorrência. Tarde demais.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Estabilidade de Emprego nas Universidades dos Estados Unidos
Mudanças são sempre necessárias, simplesmente porque é arrogância julgar que alguém ou alguma instituição é capaz de atingir a perfeição em seus ideais e em suas ações.
Neste contexto, o presente blog está novamente mudando. A mais recente novidade é a internacionalização de algumas das postagens, começando com esta. Afinal, são leitores de mais de noventa países que acessam este site. Como nenhuma pessoa ou instituição é uma ilha em meio à sociedade, há a necessidade de atingirmos, em um primeiro momento, a seguinte meta neste processo de internacionalização: colocar ao alcance do brasileiro o conhecimento sobre como opera o mundo civilizado. Sem informação e conhecimento não existem bases para mudanças relevantes e construtivas.
Pelos motivos acima expostos, convidei Steven Krantz para contribuir com uma postagem para o blog Matemática e Sociedade. Krantz é um dos nomes mais conhecidos da matemática contemporânea. Professor da Washington University, ele é autor de quase duzentos artigos científicos e setenta e três livros. Ganhador de diversos prêmios e honrarias, entre eles o Distinguished Teaching Award, UCLA Alumni Association, Steven Krantz é ou foi editor dos seguintes periódicos: Notices of the American Mathematical Society, Journal of Mathematical Analysis and Applications, Bulletin of the American Mathematical Society, entre outros.
Expliquei a Krantz que no Brasil a estabilidade é garantida de forma indiscriminada nas universidades públicas. E, levando em conta que o tema da estabilidade na vida acadêmica tem sido motivo de calorosas discussões nos Estados Unidos, pedi para que ele publicasse algo sobre o assunto neste blog.
Imediatamente ele escreveu uma versão preliminar de quatro páginas (em LaTeX), deixando claro que não se tratava de sua palavra final. Krantz queria, a partir de seu texto, discutir comigo. Trocamos diversos emails até o momento em que ele finalmente apresentou a versão final, com cinco páginas. Vale observar que recebi esta versão no domingo de Páscoa, deixando mais um exemplo claro (e pouco conhecido no Brasil) de que trabalho sério se faz permanentemente, independente de feriados.
Krantz fez um pedido pessoal, após a entrega da versão final de sua contribuição: avisá-lo quando ocorrer a publicação, para que ele possa incluí-la em seu Curriculum Vitae (ver publicação 215 deste documento). Justamente por este motivo, espero que todos os leitores contribuam não apenas para a divulgação deste esclarecedor texto, mas também com a discussão responsável sobre o tema.
O Brasil é um país imaturo sob vários aspectos fundamentais. E um dos principais responsáveis por esta imaturidade é a classe de professores universitários, os quais deveriam transformar a realidade brasileira para que nosso país deixasse de ser uma mera promessa. A classe de professores de universidades públicas somente se torna socialmente visível em movimentos de mendicância, comumente chamados de greves. Isso tem que acabar.
Existe excelência sim no Brasil. Mas esta excelência está completamente desarticulada.
Segue abaixo o texto traduzido de Krantz, bem como a versão original de sua preciosa contribuição. Um dos aspectos mais notáveis deste artigo é a breve discussão sobre o trabalho dos Comitês Financeiros, os quais estabelecem uma importante conexão entre universidades e comunidades locais. Espero que o leitor aproveite esta oportunidade para compreender melhor o mundo em que vive.
Boa leitura.
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Ode à Estabilidade
escrito por Steven G. Krantz
Estabilidade acadêmica é considerada como um dos grandes trunfos da docência. Muitos de nós gostam de dizer que recebemos salários correspondentes à metade do que valemos, mas isso é compensado pelo fato de que temos férias de verão e estabilidade.
O que é estabilidade acadêmica e como e quando ela começou? O propósito da estabilidade acadêmica, pelo menos nos Estados Unidos, é oferecer segurança de trabalho a professores, de modo a permitir que eles explorem (sem medo de represálias) questões difíceis ou controversas em seu trabalho acadêmico. Embora tenham existido noções sobre estabilidade até mesmo na Idade Média, esta modalidade de trabalho não surgiu nos Estados Unidos até meados do século 19. Naquela época professores começaram a perceber o fato de que pais e outras pessoas queriam exercer influência e até mesmo imposições sobre a natureza do currículo escolar no ensino superior. Professores e, frequentemente, seus administradores, perceberam fortemente que eles eram qualificados e capazes de desenvolver e administrar o currículo. Não precisavam da ajuda de amadores que não pertenciam à torre de marfim.
O movimento em favor da estabilidade adquiriu força nos Estados Unidos com a criação da American Association of University Professors (AAUP). Criada em 1915, a AAUP é dedicada à monitoração e à defesa da qualidade de vida de professores universitários. Logo após à sua criação, a AAUP se transformou em uma forte defensora da estabilidade. Curiosamente, a noção de estabilidade adquiriu grande impulso no período que imediatamente sucedeu a Segunda Guerra Mundial, quando muitos soldados retornavam aos seus estudos e havia uma considerável carência de professores em universidades. Mesmo assim muitas das principais universidades não contavam com políticas formais de estabilidade até a década de 1970.
De acordo com a AAUP um Professor Assistente deve ser avaliado para fins de estabilidade pelo menos até o seu sétimo ano de trabalho. Se for cometido algum erro burocrático e o candidato chegar ao oitavo ano sem revisão sobre seus direitos, então ele deve se tornar automaticamente estável. E às vezes isso acontece. Esta é uma questão que preocupa muito os administradores universitários. Ninguém quer um processo na justiça contra a AAUP.
Administradores acadêmicos pensam em termos de dinheiro, e estabilidade é uma ideia aceitável. Se eu sou um diretor acadêmico e hoje concedo estabilidade ao Professor X, então isso custará pelo menos cinco milhões de dólares ao longo de anos. Como sei disso? Bem, salário e benefícios ao longo de trinta e cinco anos somam este montante. Portanto, universidades levam muito a sério a estabilidade. Tipicamente um processo de estabilidade para um candidato começa no departamento onde ele está lotado. O departamento coleta cartas de recomendação de pesquisadores renomados (externos à instituição) de universidades de prestígio, reúne dados sobre as habilidades didáticas, bem como informações sobre os serviços prestados pelo candidato ao departamento e à universidade. O departamento promove uma intensa discussão sobre o caso e, então, decide por meio do voto. Para que o processo seja levado adiante, o corpo docente deve votar favoravelmente por considerável maioria. Quaisquer votos contrários são levados em conta de maneira muito séria e devem ser avaliados. Alguns departamentos (e faculdades) exigem votação unânime.
Em seguida o Chefe do Departamento encaminha o processo de pedido de estabilidade para o Diretor da unidade administrativa à qual o departamento está imediatamente subordinado. Em muitas universidades, incluindo a minha, o Chefe do Departamento tem o poder e o direito de vetar um processo de pedido de estabilidade e não levá-lo adiante. De fato, quando fui Chefe de Departamento, eu deveria ter vetado o primeiro caso de pedido de estabilidade que caiu em minhas mãos. Mas eu era inexperiente e não o fiz. Quais são as considerações aqui? O que acontece é que às vezes um departamento concede estabilidade para alguém simplesmente porque os colegas de trabalho gostam do candidato. O indivíduo parece ser um bom professor, um bom cidadão e as pesquisas dele parecem ser OK, portanto, por que não? Mas o Chefe de Departamento pode ver além disso tudo e perceber que a apresentação de um caso frágil perante o Diretor enfraquecerá o departamento e colocará em risco futuros processos de pedido de estabilidade. Por isso o Chefe de Departamento tem o poder de veto.
Se o Chefe de Departamento decidir pelo encaminhamento do processo, então o Diretor e o Comitê de Estabilidade examinam o caso. Estes são indivíduos inteligentes que podem rapidamente perceber o âmago da solicitação e detectar pontos fracos no processo. Na audiência com o Chefe de Departamento, o Diretor e o Comitê de Estabilidade farão muitas perguntas estratégicas e serão rígidos em suas deliberações. Ao final, o Comitê de Estabilidade faz uma recomendação ao Diretor e este toma uma decisão.
O próximo passo é o Diretor da Faculdade. Enquanto o primeiro Diretor e o Comitê de Estabilidade examinam todos os aspectos do caso (incluindo particularmente pesquisa), o Diretor da Faculdade não leva em conta pesquisa, mas sim aspectos mais sutis - especialmente aqueles relativos a ensino. Quando eu estava na Penn State, havia vários casos cientificamente merecedores que foram negados na instância da Direção de Faculdade porque foi percebido que os candidatos não sabiam lecionar.
Por fim, o processo é finalmente colocado diante do Comitê Financeiro e do Reitor. Na maioria dos casos esta etapa é uma formalidade. O Comitê Financeiro consiste de investidores e líderes da comunidade. Eles certamente não podem avaliar os méritos científicos de um processo e conhecem pouco sobre atividades acadêmicas. Portanto, em geral aceitam a recomendação do Diretor da Faculdade.
Tivemos um caso em minha universidade, cerca de quarenta e cinco anos atrás, envolvendo um biólogo que era um proeminente cientista. Ele não teve problema algum com seu pedido de estabilidade, nem no Departamento, nem na instância seguinte e nem mesmo na Direção da Faculdade. No entanto, era comunista. Ele havia trabalhado nas lavouras de cana-de-açúcar com Fidel Castro. E o Comitê Financeiro se perturbou com este fato. O comitê não queria conceder estabilidade para este candidato. Ao final, o Reitor se impôs sobre o comitê e disse: "Se vocês não concederem estabilidade a este homem, então deverão procurar por outro Reitor." E este foi o fim da história.
Toda universidade conta com uma legislação na qual são explicitados o conceito de estabilidade, bem como condições para obtê-la e perdê-la. Poucos docentes leem este documento, mas ele está disponível para qualquer interessado. Ele claramente governa nossas vidas de maneira decisiva e deveria ser conhecido por todos.
É natural perguntar quais são os critérios para a estabilidade. A maioria dos documentos regulamentadores sobre estabilidade define que os critérios são pesquisa, ensino e serviços. E frequentemente assume-se de forma implícita que esses três fatores são ponderados igualmente em um processo de pedido de estabilidade. Mas qualquer um que tenha vivenciado a realidade acadêmica perceberá que este não é o caso. Pesquisa é muito importante - frequentemente muito mais do que ensino e serviços. Mesmo em instituições nas quais ensino é a atividade prioritária, pesquisa tem um papel muito grande nas decisões sobre estabilidade. Fico satisfeito em dizer que, atualmente, o ensino tem desempenhado um papel ainda mais importante nas decisões sobre estabilidade do que no passado. Por exemplo, hoje em dia um professor ruim simplesmente não consegue estabilidade na minha universidade. Serviços representam um aspecto pequeno, não muito significativo. O motivo para pesquisa ser tão importante em tais processos é que a reputação de uma universidade não depende da qualidade de suas aulas de cálculo, mas do perfil acadêmico e dos resultados de seu corpo docente. Harvard e Princeton não são universidades de destaque por causa de suas aulas, mas por conta de seus extraordinários pesquisadores. Muitas pessoas não gostam desta descrição sobre como as coisas funcionam, mas ela é apenas a verdade.
Hoje em dia, se você navegar na internet e ler sobre estabilidade, perceberá que o tema está sob intensa discussão, e até mesmo ataque, em muitas universidades. A percepção geral é a de que docentes estáveis não estão cumprindo com os seus papéis. Os supostos "riscos acadêmicos", dos quais a estabilidade deveria proteger, não parecem reais. Existe pelo menos uma universidade pública na qual foi cogitada a mudança de status de um docente de "estável na universidade" para "estável no departamento". Desta forma, se o departamento for extinto, então o candidato pode ser demitido. Existe outra universidade pública bem conhecida na qual a legislação de estabilidade foi alterada da seguinte forma: onde se lia "um docente pode perder a estabilidade pelos seguintes motivos específicos" lê-se agora "um docente pode perder a estabilidade por qualquer motivo que sejamos capazes de criar." Algumas faculdades famosas de medicina chegaram a eliminar a estabilidade. Na Inglaterra, Margaret Thatcher extinguiu completamente a estabilidade nas universidades. Um amigo meu, britânico, obteve estabilidade no dia N e então a perdeu (graças a Thatcher) no dia N+1.
Nos últimos anos têm ocorrido alguns casos notórios que suscitaram questionamentos sobre a estabilidade. Ward Churchill, da University of Colorado, despertou atenção instantânea ao alegar que algumas das vítimas dos ataques terroristas do onze de setembro eram "pequenos Eichmanns". Houve muitas manifestações contra Churchill e, no final, ele foi demitido - não por sua polêmica declaração, mas por outra desonestidade acadêmica. Lawrence Summers, Reitor de Harvard, ficou em apuros ao afirmar que a carência de mulheres em ciência e engenharias poderia ser devida a uma "disponibilidade diferenciada de aptidão, no final das contas" e não a padrões de discriminação social. Summers não perdeu sua estabilidade, mas foi obrigado a renunciar de seu cargo como Reitor. De fato, existem plagiadores bem conhecidos que ainda mantém seus cargos estáveis em instituições de ensino superior.
Muitos anos atrás, quando uma vaga com estabilidade era disponibilizada em um departamento, havia o entendimento com o Diretor imediato que aquele profissional seria substituído. Em particular, se um professor assistente não conquistasse a estabilidade, então ficava garantido que o departamento manteria aquela vaga - para ter a certeza de que o departamento não concederia estabilidade apenas para manter aquela vaga. Infelizmente, com a infusão de valores comerciais nas universidades e com o clima de cortes orçamentários, tais garantias não existem mais.
Em muitas instituições de ensino superior (graças a Deus, não na minha, a qual é uma privada com muitos recursos) existe uma tendência para diminuir o número de vagas com estabilidade e aumentar o número de vagas temporárias (indisponíveis sequer para posições de pós-doutorado). É claro que isso é feito exclusivamente por motivos financeiros. Uma vez que professores com contrato temporário não têm salas próprias, eles não participam de demais atividades acadêmicas (além das aulas), não usam recursos da instituição, não contam com benefícios (como seguro-saúde, aposentadoria etc.) e recebem salários muito baixos (geralmente pagos por disciplina lecionada).
[A parte realmente triste é que docentes com contrato temporário são frequentemente professores muito bons - melhores do que aqueles com estabilidade! Isso porque suas atividades docentes são o ponto forte de suas carreiras e eles querem genuinamente fazer um bom trabalho.] Um resultado desta realidade é que muitas instituições americanas de ensino superior estão adotando um modelo europeu - no qual existe um pequeno núcleo de docentes permanentes cercado por um exército de profissionais com contratos temporários. É claro que o corpo docente permanente é o responsável pela elaboração e pela manutenção do currículo escolar, representando a essência do que define o departamento. Logo, os professores permanentes são fundamentais. Os profissionais com contrato temporário contribuem muito pouco sobre aquilo que tenha algum valor perene; mas eles garantem que muitas disciplinas básicas, jamais cobiçadas, sejam efetivamente lecionadas.
Na qualidade de matemático, raramente estive sob o perigo de me ver com problemas ao explorar ou discutir sobre perigosas crenças políticas ou sociais. O mais próximo disso aconteceu quando escrevi um ensaio (agora famoso) criticando a geometria fractal. Enquanto meu ensaio conquistou considerável atenção internacional, ao mesmo tempo em que algumas pessoas discordavam veementemente dele, posso dizer com certeza que minha estabilidade nunca foi questionada. E ainda a tenho.
Hoje em dia diversas universidades têm adotado um sistema de revisão pós-estabilidade. Isso significa que, a cada cinco anos (ou um período similar), os docentes estáveis são submetidos à mesma investigação que ocorre com um candidato à estabilidade: O que esta pessoa tem publicado ultimamente?; Como é a sua atividade de docência?; Que tipo de serviço tem prestado?; E assim por diante. Raramente um docente será ameaçado de perder sua estabilidade, como resultado de tal avaliação. Provavelmente ele será submetido a algum tipo de punição, como aumento de carga horária de ensino, demais tarefas extras, diminuição de benefícios ou até possivelmente redução salarial.
Algumas das mais importantes universidades chegam a aplicar exames de competência sobre professores estáveis. Por lei, não se pode aplicar exames apenas sobre os mais velhos, mas sobre todo mundo. Logo, aqui está você, com 55 anos, tendo que demonstrar que ainda conhece a regra da cadeia e frações parciais. É tudo muito humilhante, e ainda não está claro qual é a vantagem disso.
Falando como um docente e pesquisador de destaque, que tem desfrutado da estabilidade por trinta e quatro anos, posso dizer que não penso sobre o assunto em meu dia-a-dia. Mas a estabilidade me confere certa confiança, equilíbrio e tato para perceber que tenho este tributo e que a sociedade me abençoou. Gosto de pensar que conquisto minha estabilidade todos os dias e que a mereço. Mas também reconheço que é um privilégio especial, que precisamos continuar conquistando para que possa valer a pena.
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Ode to Tenure
by Steven G. Krantz
Academic tenure is considered to be one of the major perks of the professoriate. Many of us like to say that we are paid only half of what we are worth, but this is compensated by the fact that we get summers off and we have tenure.
What is academic tenure and how and when did it begin? The purpose of academic tenure, at least in the United States, is to give professors job security and to enable them to explore (without fear of reprisal) difficult or controversial lines of inquiry in their scholarly work. While there were inklings of tenure even during the Middle Ages, tenure did not become an issue in the United States until the mid-nineteenth century. At that time, professors were becoming sensitized to the fact that parents and others wanted to influence, and sometimes even to dictate, the nature of the college curriculum. Professors, and often their administrators, felt strongly that they were the ones who were qualified and able to create and administer the curriculum. They did not need help from amateurs outside of the ivory tower.
The tenure movement really got under way in the United States with the creation of the American Association of University Professors (AAUP). Started in 1915, the AAUP is dedicated to the monitoring and defending of the quality of life for professors. Soon after its inception, the AAUP became a strong advocate for tenure. Interestingly, the concept of tenure got a big boost in the post-World-War-II period when so many soldiers were returning to school and there was a great shortage of university professors. Even so, many major universities did not have formal tenure policies until the 1970s.
According to the AAUP, an Assistant Professor must go up for tenure not later than his/her seventh year of service. If a clerical error is made and the candidate slips into the eighth year without tenure review, then he/she is supposed to be tenured automatically. And sometimes that happens. It is a matter that university administrators worry about quite a lot. Nobody wants a lawsuit with the AAUP.
University administrators think in terms of money, and tenure is a bankable idea. If I am a Dean and today I tenure Professor X, then that is going to cost me at least $5 million over the years. How do I figure? Well, the salary and benefits over 35 years add up to that amount. So universities take tenure very seriously. Typically a tenure case for a candidate is initiated in the candidate's department. The department collects outside letters of recommendation from top scholars at prestigious universities, it collects data on the candidate's teaching ability, and it gathers information about the person's service to the department and to the university. The department has a vigorous discussion of the case, and a vote is taken. In order for the tenure case to move ahead, the vote must be a very strong majority of the faculty. Any dissenting votes are taken very seriously, and must be accounted for. Some departments (and schools) require a unanimous vote.
It is the Chair of the Department who puts the tenure case together and forwards it to the Dean. At many universities, including my own, the Chair has the power and the right to veto a tenure case and not send it on. In fact, when I was Chair, I should have vetoed the first tenure case that I handled. But I was inexperienced and I did not. What are the considerations here? It sometimes happens that a department will tenure someone just because they like him/her. The person seems to be a good teacher and a good citizen and the research looks OK so what the heck? But the Chair can see further and realize that putting a weak case up to the Dean will weaken the department and risk the failure of future tenure cases. And that is why the Chair has the veto power.
If in fact the Chair decides to send the case ahead, then the Dean and the Dean's tenure committee examine the case. These are smart people who can quickly get to the heart of the matter and see any weaknesses in a case. In the hearing with the Department Chair they will ask a lot of hard questions, and they will be tough in their deliberations. In the end, the Tenure Committee makes a recommendation to the Dean and the Dean renders a decision.
The next step is the Provost. Wherease the Dean and the Dean's Committee will have examined all aspects of the case (including particularly the research), the Provost looks not at the research but at the softer aspects---particulary at the teaching. When I was at Penn State there were a number of scientifically deserving cases that got shot down at the Provost's level because it was perceived that the candidate could not teach.
Finally the case goes before the Board of Trustees and the Chancellor. In most instances this is a formality. The Board of Trustees consists of businespeople and civic leaders. They certainly cannot evaluate the scientific merits of a case, and they do not know much about teaching or academic service. So they generally accept the recommendation of the Provost.
We did have a case at my university about forty-five years ago of a Biology candidate who was a very strong scientist. He had no trouble getting the tenure mandate from his Department, from the Dean, and from the Provost. The trouble is that he was a Communist. He had worked in the sugar fields with Fidel Castro. And the Trustees took umbrage with this situation. They did not want to give him tenure. In the end the Chancellor stared down the Trustees and said, "If you do not give this man tenure then you will be looking for a new Chancellor.'' And that was the end of that story.
Every university has a Tenure Document that lays out the chapter and verse of what tenure is, how you get it, and how you can lose it. Few faculty members have ever seen this document, but it is available to one and all. It clearly governs our lives in decisive ways, and we should all become familiar with it.
It is natural to ask what are the criteria for tenure. Most any Tenure Document will tell you that these are research, teaching, and service. And often the veiled implication is that these three factors are weighted equally in a tenure decision. But anyone who has been around universities for a while will know that this is not so. Research counts a lot---often much more than teaching and service. Even at schools where teaching is the primary faculty activity, research plays a notable role in the tenure decision. I am happy to say that, in modern times, teaching is playing an ever more prominent role in tenure decisions (in former times it did not). For instance, a poor teacher simply could not get tenure at my university today. Service plays a small role, but not a very significant one. The reason that research counts so much towards tenure is that the reputation of a university depends not on the quality of its calculus teaching, but rather on the academic profiles and achievements of its faculty. Harvard and Princeton are not prominent universities because of their teaching, but rather because of the distinguished scholars on their faculties. Lots of people are not very happy with this description of how things are, but it is accurate.
These days, if you go on the Internet and read about tenure, then you will learn that tenure is under close scrutiny, and sometimes even under attack, at many universities. The general perception is that tenured faculty are not pulling their weight. The perceived "academic risks'' that tenure is supposed to protect against do not really seem to be there. There is at least one public university where they considered changing a faculty member's tenure from "tenure to the university'' to "tenure to the department.'' That way, if the department is eliminated, then the candidate can be fired. There is another prominent public university where they modified the Tenure Document so that, whereas it formerly read "a faculty member can lose tenure for these specific reasons,'' now it reads "a faculty member can lose tenure for any reason that we are able to cook up.'' There are some prominent medical schools that have eliminated tenure. In England, Margaret Thatcher completely eliminated tenure at the universities. A British friend of mine got tenure on day N and then lost it, thanks to Thatcher, on day N+1.
There have been some notorious cases in recent years that called tenure into question. Ward Churchill of the University of Colorado achieved instant notoriety by alleging that some of the victims of the 9/11 terrorist attacks were "little Eichmanns.'' There was a great hue and cry against Churchill and in the end he was fired---not for his inflammatory statement, but rather for other academic dishonesty. Lawrence Summers, President of Harvard, got into trouble for asserting that the under-representation of women in science and engineering could be due to a "different availability of aptitude at the high end,'' and less to patterns of discrimination and socialization. He did not lose his tenured position, but he had to resign the Presidency. There are in fact well-known plagiarists who still hold their tenured faculty positions.
In the old days, when a tenure-track position was vacated, there was an understanding with the Dean that certainly that person would be replaced. In particular, if an Assistant Professor did not get tenure, then the department was guaranteed to get the position back---this to ensure that the department would not tenure a weak candidate just to retain the position. Unfortunately, with the infusion of business values into universities, and with the overall atmosphere of budget cuts and belt-tightening, such assurances are no longer in place.
At many schools now (thank God not my school, which is a wealthy private one), there is a tendency to cut down on the number of tenured positions and increase the number of temporary positions (not even postdocs, but rather part-timers). Of course this is done strictly for financial reasons. Because part-timers do not have offices, they do not use staff time, they do not use supplies, they do not have benefits (health insurance, retirement, etc.), and they have a quite low pay scale (in fact they are usually paid by the course).
[The really sad part is that the part-timers are often very good teachers---better than the tenured faculty! This because their teaching activities are the big thing in their lives, and they really want to do a good job.] A result of this is that many American schools are headed towards a European model---where you have a small core of permanent faculty surrounded by an army of temporary faculty. Of course it is the permanent faculty who design and maintain the curriculum and who represent the essence of what the department is about. So they are critical. The part-time faculty contribute very little that is of lasting value; but they ensure that a lot of basic courses that nobody else wants to teach actually get taught.
As a mathematician, I have rarely been in danger of getting myself into trouble for either exploring or voicing dangerous political or social beliefs. The closest I ever came was when I wrote an (now famous) essay criticizing fractal geometry. While my essay garnered considerable international attention, and while some people disagreed with it vigorously, I can say with confidence that my tenure was never called into question. And I still have it.
Nowadays a number of universities have put into place a system of post-tenure review. This means that, every five years or so, tenured faculty are put through the same sort of screening that a tenure candidate experiences: what has this person been publishing lately, how is his/her teaching, what kind of service has been performed, and so forth? It is rare that a faculty member will, as a result of such a review, be threatened with loss of tenure. More common is that the faculty member will receive a punitive raise, an increased teaching load, extra service duties, a decrease in amenities, or possibly even a salary reduction.
Some top universities now even give competence exams to tenured faculty. By law they cannot give exams just to the old guys---they have to give the exams to everyone. So here you are 55 years old and you have to demonstrate that you still know the chain rule and partial fractions. It is all rather humiliating, and it is not clear how much good it does.
Speaking as a prominent academic who has enjoyed tenure now for 34 years, I can say that I do not think about tenure from day to day. But it gives me a certain confidence and poise and savoir faire to know that I have this encomium, and that society has given me this blessing. I like to think that I earn my tenure every day, and that I deserve it. But I also acknowledge that it is a special privelege, and one that we need to keep earning in order to be worthy of it.
sábado, 19 de abril de 2014
A Busca Por Vida e Inteligência Extraterrestres
Anos atrás confessei para o professor Newton da Costa o seguinte: "Se eu não fizer qualquer contribuição realmente relevante para a ciência será por responsabilidade inteiramente minha, pois sorte eu tive."
De fato sempre tive muita sorte ao longo de minha carreira. O Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná (UFPR), por exemplo, sempre apoiou meus projetos. Além disso, meus círculos sociais mais próximos também constantemente apoiaram iniciativas minhas. Mas o mais importante é que tive a oportunidade de conhecer indivíduos extraordinários e eventualmente trabalhar com eles. Newton da Costa é um exemplo. Francisco Doria, Décio Krause, Patrick Suppes, Acacio de Barros, Germano Bruno Afonso, Daniel Freitas, Otavio Bueno e Analice Gebauer Volkov são outros que marcaram profundamente meu perfil profissional e até pessoal. Na verdade são muitos os nomes que deveriam ser citados aqui. Mas nesta postagem tenho o prazer de compartilhar o trabalho de uma dessas pessoas: Clovis Achy Soares Maia.
Quando Clovis Maia, anos atrás, pediu por uma carta de recomendação para ingressar no programa de pós-graduação do Instituto de Física Teórica (na UNESP) escrevi o seguinte: "Foi simplesmente o melhor aluno que já tive."
Além de brilhante, Maia sempre foi extremamente equilibrado e modesto. Quando aluno de graduação, era incansavelmente movido pela mais genuína curiosidade científica. O melhor projeto de iniciação científica que orientei foi justamente aquele que desenvolvi com ele, o qual rendeu publicação em Foundations of Physics Letters. E os fundamentos do perfil pessoal e profissional de Maia não mudaram, mesmo sendo atualmente professor da Universidade de Brasília e membro da Humboldt Foundation.
Pedi a Clovis Maia por um texto para este blog. A primeira parte de sua contribuição acaba de chegar. E o tema, além de extremamente relevante, evidencia uma visão que eleva o nível deste blog para um novo patamar.
Espero que o leitor aproveite bem a leitura, a qual apresenta resultados muito recentes para uma das questões mais fundamentais da humanidade: afinal, estamos a sós no universo?
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Viagens no Espaço-Tempo
Ou: se não estamos sós, o que isso implica para a Física?
escrito por Clovis Maia
12 de Julho de 1945: Philip Morrison, ex-orientado e um dos físicos em quem Robert Oppenheimer mais confiava, coloca no bagageiro de seu Dodge sedan, estacionado em Los Alamos, dois hemisférios de aparência metálica, porém nada frios ao toque. Em sua viagem até o rancho George McDonald, um preocupado Philip irá parar seu carro de hora em hora para medir a estabilidade radioativa da sua bagagem: o núcleo de plutônio da primeira bomba atômica a ser detonada pelo homem.
Aprox. 4h da madrugada de 16 de Julho, 1945: Algumas das mentes mais brilhantes do Séc. 20 amontoam-se para presenciar o ápice do Projeto Manhattan. Em meio ao atraso do teste por causa de uma chuva, um bem humorado Enrico Fermi dispersa a palpável tensão no ar colhendo apostas: quem acertaria a potência da bomba? As apostas vão de zero, com a bomba falhando, até a completa destruição da atmosfera do planeta Terra.
5h29m45s, 16 de Julho de 1945: A Bomba. Ao sentir o calor da explosão em seu rosto, Fermi ergue o braço e abre sua mão: ele trouxera pequenos pedaços de papel, que repousam em sua palma, até que a onda de choque os leve embora. Simplesmente contando os passos até onde os papéis caíram, Fermi choca seus colegas com uma estimativa tão singela e rápida da energia liberada pela bomba: dez quilotoneladas de TNT. Considerando a simplicidade do método, Fermi chegou bem perto do valor real – vinte quilotons – cuja medida exigiu uma parafernália de equipamentos mais complexos.
A aposta? Fora vencida pelo pioneiro da ressonância magnética nuclear, Isaac Rabi, que chegara mais perto com o palpite de dezoito quilotons.
Mas esta não será uma história sobre a Bomba, e embora alguns de nossos personagens acima venham a fazer parte dela, tampouco será uma história da Física Nuclear. Esta é uma história de como uma simples observação, tal como contar passos até alguns pedacinhos de papel caídos, pode nos render uma gama de informações surpreendentes sobre a natureza.
A simples observação que procuramos vem da pergunta: “but where is everybody?”. E a reposta que ela nos dá pode, talvez, trazer consigo algum vislumbre até mesmo da física que rege a estrutura mais fundamental de nosso espaço-tempo.
O paradoxo de Fermi. A pergunta acima – mas onde está todo mundo? - fora feita por Fermi nos idos de 1950, em um almoço no Fuller Lodge (na época o restaurante do laboratório de Los Alamos), dirigida a seus colegas na mesa: Edward Teller (o “pai” da Bomba de Hidrogênio, embora a ideia tenha vindo do próprio Fermi, seu supervisor no passado), Emil Konopinski e Herbert York.
Konopinski trouxe à conversa um cartoon da revista The New Yorker que oferecia uma possível explicação para um misterioso sumiço das lixeiras públicas de Nova York, uma banalidade em voga nas discussões dos jornais da epóca. O cartunista oferecera essa explicação:
No que se seguiu uma discussão sobre a improbabilidade de discos voadores, vida extra-terrestre e objetos superluminais, até a conversa aquiescer para outros assuntos.
Menos para Fermi que, após alguns minutos de silêncio em sua lendária capacidade para estimativas, chegara à conclusão de que o paradoxo de fato seria: aonde está todo mundo? Seus pares abriram-se em risos com a piada, até perceberem que Fermi tinha algo mais em mente. Segundo York relembrara anos depois, Fermi... “followed up with a series of calculations on the probability of earthlike planets, the probability of life given an earth, the probability of humans given life, the likely rise and duration of high technology, and so on. He concluded on the basis of such calculations that we ought to have been visited long ago and many times over. As I recall, he went on to conclude that the reason we hadn’t been visited might be that interstellar flight is impossible, or, if it is possible, always judged to be not worth the effort, or technological civilization doesn’t last long enough for it to happen.”
Tal raciocínio, passado de boca em boca após aquele almoço, até virar o que hoje chamamos de “paradoxo de Fermi”, segue de simples comparação de ordens de grandeza, como exemplificamos a seguir.
Temos prova de que ao menos uma civilização passou de um estágio primata, a la Kubrick na entrada de 2001: Uma Odisseia no Espaço, ao lançamento de foguetes aeroespaciais, em algo como 200.000 anos. Já está dentro do potencial de nossa tecnologia presente lançar satélites para a estrela mais próxima da Terra, Alfa Centauri (aproximadamente quatro anos luz) se estivéssemos realmente dispostos a arcar com seus custos. Podemos conceber que o tempo para sua chegada àquele destino seria algo entre cem a mil anos, a depender de detalhes da tecnologia empregada. Se deixarmos em perspectiva que dentro de mil anos teremos tecnologias ainda mais avançadas, com hipóteses conservadoras concluímos que a colonização de estrelas próximas nos custaria menos que dez mil anos, tempo bem inferior ao de nossa própria espécie. Quando tal argumento é levado à nossa galáxia como um todo, não é difícil estimar um tempo de difusão por toda Via Lactea, com raio de cinquenta mil anos luz, em algo perto de cinco milhões de anos.
Se tais cálculos ainda lhe parecerem otimistas demais, multiplique por dez e tome cinquenta milhões de anos: algo ainda irrisório comparado à idade da própria galáxia, acima de treze bilhões de anos.
Qualquer civilização parecida com a nossa, que tivesse por acaso atingido nossos níveis há cinco milhões de anos, já poderia dominar a galáxia. Dentro dos 3,7 bilhões de anos que a vida na Terra levou para chegar ao Homo Sapiens, basta que em outro sistema solar o processo tenha se iniciado pouca coisa mais cedo. Ou que nos percalços da evolução Darwiniana, os dados premiados tenham sido sorteados algo mais rápido. Não é como se faltassem oportunidades na Via Láctea para tal: se olharmos somente para estrelas na zona habitável da galáxia (ou seja, longe o suficiente de supernovas nocivas), exigindo níveis mínimos de metalicidade e elementos pesados para a existência de vida complexa, e com ao menos quatro bilhões de anos de idade – para ninguém nos acusar de superestimar a evolução Darwiniana – encontraremos que 75% dessas estrelas são mais velhas que Sol. Em média, um bilhão de anos mais velhas – tempo consideravelmente maior do que os cinco (ou cinquenta, você escolhe) milhões de anos para a colonização da galáxia. Fermi, de fato, não estava apenas fazendo uma piada.
Nem tampouco nosso personagem inicial dessa história. Nada mais natural que, tendo carregado em seu bagageiro a primeira semente capaz destruir nossa civilização, Philip Morrison passasse a se perguntar se outras civilizações duraram tempo o suficiente para deixar rastros. O que o levou, junto a um outro italiano, Giuseppe Cocconi, a inaugurar nossa era moderna de procura por inteligência extra-terrestre, com uma proposta publicada na Nature em 1959.
A ideia era simples: é razoável assumir que qualquer civilização avançada teria conhecimentos de astronomia iguais ou melhores que os nossos. Em particular, qualquer radioastrônomo sabe que dentro desse espectro uma linha de emissão se destaca em todo o universo: a de 21 centímetros de comprimento de onda, do hidrogênio. De onde é possível especular sobre várias formas de comunicação intergaláctica usando esse sinal.
A ideia cativou o radioastrônomo Frank Drake, que em 1960 fez a primeira procura por sinais não-triviais nessa faixa de frequência, dando origem ao que hoje conhecemos como os projetos SETI. Na busca por melhor explicar todos os conceitos envolvidos, ele resumiu em uma fórmula o raciocínio antes feito por Fermi, a hoje bem conhecida equação de Drake.
É claro que, ao se calcular a probabilidade de vida em outros planetas, vários aspectos desse cálculo fogem aos nossos conhecimentos presentes. Mesmo o quadro de como a vida se formou em nosso próprio planeta ainda é bastante incompleto, o que dizer então de outras constelações. Muito do que se faz consiste em “palpites educados”, que têm crescido em uma grande área, a Astrobiologia, com literatura já extensa, journals próprios e quadros em boas universidades espalhadas pelo mundo.
Ainda assim, avanços têm acontecido a passos largos em outras direções. Seguindo o raciocínio de Fermi, antes de se delimitar a probabilidade de vida, faz-se necessário delimitar as chances de haver um ambiente no qual ela se desenvolva. Em outras palavras, quantas “Terras” estão orbitando estrelas em condições “habitáveis” por aí afora?
Até muito pouco tempo - 2013 - essa era uma pergunta sem resposta. Não mais. As estimativas ainda devem melhorar no decorrer dos próximos anos, mas já temos uma razoável ideia de quantos planetas habitáveis rondam pela Via Láctea: quarenta bilhões deles. Nada mal para uma galáxia que tem algo perto de quatrocentos bilhões de estrelas.
Mas de onde surgem esses números? Da missão Kepler, cuja meta de descobrir novos planetas tem se mostrado tão revolucionária quanto o astrônomo a quem ela homenageia. Seu princípio é simples: um satélite em órbita ficara cinco anos focado em uma região central de nossa galáxia, monitorando periodicamente a luminosidade das mesmas 140.000 estrelas em seu campo de visão. Uma vez que um planeta passe na frente de uma dessas estrelas, o evento é detectado pela menor luminosidade que chega ao telescópio da Kepler. A simplicidade da ideia certamente cativaria o próprio Fermi, não? Merece uma nota de admiração o fato de que tenhamos – ou melhor, a NASA tenha – tecnologia para diferenciar centenas de planetas distantes dessa maneira. Até o presente foram já confirmados 961 planetas, dentre 3845 candidatos, e se você clicar no link acima da missão Kepler, certamente verá um número atualizado ainda maior. Se somarmos as descobertas de outros planetas por outros metódos, já temos uma lista que chega perto de dois mil planetas extra-solares conhecidos. Mas até aqui estamos falando de qualquer planeta, o que dizer de planetas tal qual a Terra?
Se por planetas habitáveis tipo-Terra, considerarmos aqueles que recebem de ¼ a duas vezes a mesma radiação solar que a Terra – permitindo assim aquele grande facilitador de vida, a água, manter-se em forma líquida – com tamanho de um a dois raios terrestres (garantindo-se um planeta rochoso), e fizermos uma extrapolação estatística dos dados da Kepler, chegamos a um número de aproximadamente 8,8 bilhões de planetas tipo-Terra, orbitando estrelas tipo-Sol, em nossa galáxia. Se nos conformarmos com vizinhos vivendo sob um sol menos amarelado (como estrelas tipo anãs-vermelhas), chegamos aos quarenta bilhões de planetas habitáveis antes mencionados. Fora sob uma estrela desse tipo que um exemplo de planeta muito parecido com a Terra fora há pouco anunciado, com grande exposição na mídia mundial.
Quais são as chances de que, dentro de quarenta bilhões de planetas como o nosso, em um período de quase treze bilhões de anos, tenhamos tirado o único bilhete premiado? Note que uma solução trivial para o paradoxo de Fermi seria justamente essa possibilidade.
Veja que nossas hipóteses ao expor o paradoxo não exigiram nenhuma tecnologia mais avançada do que temos, ou que concebivelmente venhamos a ter. As escalas de distância dentro da Via Lactéa, tomadas no panorama de milhões de anos, não são intransponíveis mesmo para nossas limitadas capacidades presentes. No que fica fácil entender porque a falta de indícios de visitantes em nossas imediações fora tomada por Fermi como um presságio de que, ou vôos interestelares são impossíveis ou, se possíveis, desinteressantes, ou ainda que civilizações como a nossa não duram muito tempo.
O rol de outras possibilidades que tentem explicar nossa solidão é grande, mas podemos nos focar apenas em um próximo grande suspeito: talvez a formação de vida, e em particular vida inteligente, mesmo quando dadas condições mínimas, seja um evento mesmo muito raro. Outro físico da estatura de Fermi debruçou-se sobre este ponto. Paul Dirac tentou usá-lo para discutir nada menos que a possibilidade da existência de Deus sob um ponto de vista científico:
“It could be that it is extremely difficult to start life. It might be that it is so difficult to start life that it has happened only once among all the planets. Let us consider, just as a conjecture, that the chance life starting when we have got suitable physical conditions is 10^-100. I don't have any logical reason for proposing this figure, I just want you to consider it as a possibility. Under those conditions, it is almost certain that life would not have started. And I feel that under those conditions it will be necessary to assume the existence of a god to start off life. I would like, therefore, to set up this connexion between the existence of a god and the physical laws: if physical laws are such that to start off life involves an excessively small chance, so that it will not be reasonable to suppose that life would have started just by blind chance, then there must be a god, and such a god would probably be showing his influence in the quantum jumps which are taking place later on. On the other hand, if life can start very easily and does not need any divine influence, then I will say that there is no god.”
Lembrando que Dirac era ateu (ou talvez agnóstico), podemos ver que o paradoxo de Fermi facilmente nos suscita as mais profundas questões.
Algo inspirado no espírito especulativo de Dirac mostrado acima, pretendo aqui elevar o paradoxo de Fermi a mais um nível: o que dizer de vida não só em nossa galáxia, mas em todo o Universo?
Aqui novamente uma análise das ordens de grandeza nos permite interessantes conclusões. O número de galáxias estimado no universo chega perto de 170 bilhões. Há certamente galáxias menores que a nossa, assim como há outras muito maiores, com algo como cem trilhões de estrelas. Se multiplicarmos o número de galáxias pelo número médio de estrelas por galáxia, chegamos em algo perto de 10^24 estrelas. Se nossa galáxia servir de exemplo típico, teríamos então 10% desse número (ou, 10^23) em planetas habitáveis em nosso Universo - coincidentemente, a mesma ordem do número de Avogrado.
No que podemos nos perguntar: quais são as chances de que, em 10^23 possibilidades, somente o nosso planeta abrigue vida? Não chegamos ao número de 10^100 jogado por Dirac, mas ainda assim é um número impressionante. Se nossa estimativa estivesse errada, digamos, por um fator 1000, ainda teríamos um número avassalador de planetas habitáveis em nosso universo.
Um leitor atento poderia aqui apontar que minha expansão do paradoxo de Fermi para o universo inteiro sofre de um grave defeito: diferente do caso intra-galático, não há nenhuma possibilidade em nossa tecnologia presente para que se consiga colonizar galáxias vizinhas. A galáxia espiral mais perto de nós, Andrômeda, está a 2,5 milhões de anos-luz, e a mesma tecnologia que nos levaria a Alfa Centauri em cem anos, nos tomaria 250 milhões de anos para aportar em Andrômeda. O que começa a ser comparável à idade do próprio universo, 13,7 bilhões de anos, se formos progredir cada vez mais longe.
Neste caso, se não podemos ser visitados por vizinhos extra-galáticos, o quão importante se faz a pergunta sobre vida fora da galáxia? Mesmo sinais de comunicação entre galáxias distantes facilmente tomariam mais tempo do que muitas civilizações talvez cheguem a durar. Em outras palavras, se vida extra-galáctica não for sequer observável (ou o for somente em situações muito limitadas), com que peso ela entra em nossas estimativas?
Certamente ninguém, ao menos no planeta Terra, possui essa resposta. Mas o que pretendo aqui é invertê-la na seguinte pergunta: o que seria possível concluir, caso de fato fôssemos visitados por seres extra-galácticos?
Embora a pergunta seja algo brincadeira, ela nos fornece um panorama de especulações criativas. Em particular, parece claro que tal visita só seria permitida caso civilizações avançadas possam realizar viagens superluminais, uma hipótese que o próprio Fermi também discutira naquela famosa conversa de Los Alamos.
Na segunda parte deste post, iremos explorar a pergunta acima da seguinte forma: o que aprenderíamos - tão imediatamente quanto contar passos até pedaços de papel - sobre as Leis da Física pela simples observação de um visitante extra-galáctico?
Claramente estaremos lidando com a fronteira cinza de nossos conhecimentos científicos, onde pretendo fazer uma especulação informada de quais ferramentas nossas teorias fundamentais da natureza, já conhecidas, nos dão para responder essa fascinante questão.
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Avaliação e Criatividade
O texto abaixo foi escrito pelo professor Klaus de Geus, gerente de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento na COPEL (Companhia Paranaense de Energia) e editor do periódico Espaço Energia. Klaus de Geus é também autor do livro Mentes Criativas, Projetos Inovadores (Musa Editora, 2010). Além disso tem colaborado há anos com alguns programas de pós-graduação na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Esta postagem é muito oportuna, levando em conta a recente publicação neste site sobre a editora e a revista Polyteck. Aliás, fortemente recomendo que o leitor clique neste último link para acessar informações sobre data, horário e local da palestra que a equipe Polyteck está organizando em parceria com este blog.
O livro acima mencionado do professor de Geus trata justamente da interface entre o mundo acadêmico e a realidade do empreendedor, tema ainda tido como tabu em universidades brasileiras, especialmente as públicas. Até mesmo a Polyteck publicou recentemente matéria sobre assunto correlato: o resultado de pesquisas acadêmicas financiadas pela indústria.
No texto a seguir, que Klaus de Geus escreveu exclusivamente para este blog, são discutidas as relações entre avaliação escolar e criatividade. Levando em conta que o autor convive diariamente com dois mundos ainda opostos no Brasil (o acadêmico e o do empreendedorismo) creio que o leitor pode ganhar muito com as perspectivas apontadas.
Apenas para adiantar um dos temas abordados nesta postagem, cito um conjunto de experiências que eu mesmo vivencio diariamente na UFPR. Eu simplesmente não posso discutir sobre temas não contemplados nas ementas das disciplinas que leciono. E o mais bizarro é que esta proibição não vem da instituição, mas dos alunos.
Desejo a todos uma ótima leitura.
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Educação versus Doutrinação
A avaliação de aprendizado é certamente um dos tópicos mais discutidos no contexto da educação. Discute-se, por exemplo, a partir de que momento a avaliação se torna útil como complementação das ferramentas de aprendizado e também quais são as formas mais efetivas de aplicá-la. Porém, no fundo, todos sabemos que a pergunta que se tenta responder é: “o aluno aprendeu ou não?”.
Todos havemos de considerar que, face à complexidade de funcionamento de nossa mente, a qual ainda estamos muito longe de compreender, fazer essa pergunta significa encarar um desafio muito grande que, provavelmente, gerará informações repletas de incertezas.
O elemento mais palpável em termos de resultado da educação é aquele em que se considera o indivíduo já formado. O histórico pode ser um bom indicativo dos aspectos que devem receber atenção. O problema é que, por ser o resultado final, não serve como parâmetro para decisões dentro do processo educacional, o que, em um contexto extremamente dinâmico pode exercer impactos significativos. Todos nós estamos percebendo que o comportamento de professores e alunos, além de outros aspectos, tem mudado de maneira significativa antes mesmo de se completar um ciclo. Se tivéssemos uma maneira de simular o que um indivíduo se tornará tomando como referência sua situação atual (um processo markoviano?), poderíamos mudar seu curso caso os resultados vislumbrados não fossem considerados satisfatórios. Mas o que seria um resultado satisfatório?
Parece que, à medida que progredimos em um modelo de avaliação, faz-se uma pergunta que desmantela completamente o paradigma do momento. Resta-nos, portanto, fazer conjecturas sobre o efetivo índice de aproveitamento das pessoas em seu longo caminho de capacitação para a vida. Sob essa ótica, o sistema vigente parece continuar preconizando a compreensão de fenômenos ou o conhecimento sobre determinada disciplina de forma isolada.
O paradigma vigente de resolução de problemas complexos é sua subdivisão em problemas mais simples, de fácil solução, na esperança de que, juntando as soluções, consiga-se uma solução plausível para o problema original complexo. Esse tipo de pensamento funciona em muitas áreas, porém, sob certo ponto de vista, ele nos cega. A simplificação de problemas parece evidenciar a incapacidade humana de lidar com problemas complexos. Fugimos de problemas que exijam interação entre diversas áreas do conhecimento, de acordo com a classificação que nós mesmos fazemos. Entretanto, o mundo parece ser feito de problemas complexos sem qualquer tipo de classificação dos elementos de conhecimento necessários para sua solução.
Lembro-me, por exemplo, das aulas de matemática, onde éramos ensinados a resolver uma conta ou, no máximo, um problema proposto que descrevia uma simples atividade do dia a dia. Jamais nos ensinavam a enxergar o que queriam dizer certas equações, o que havia por trás do mecanismo de resolução de um problema. Fomos criados para um mundo mecanicista e reducionista.
As tarefas de casa eram feitas para satisfazer uma linha de pensamento, qual seja, a do professor, que no fundo retratava a metodologia de ensino. Se alguém pensasse diferente e evidenciasse esse pensamento, colheria as consequências mediante notas baixas. A pior coisa que havia era inventar algo que não existe. Na pré-escola, era errado pintar um cão de verde, pois cães não são verdes. Claro, a cor de um objeto é resultado de uma complexa interação entre as diversas frequências das ondas de luz. Assim, torna-se evidente que é possível alterar a “aparência cromática” de um objeto. Mas nós fomos obrigados, desde o princípio, a pensar “normal”. No ensino fundamental, não podíamos inventar algo que não existisse de fato, por exemplo, numa redação, com a presença de um ser que se sabe não existir, um dragão ou um duende, e assim cortava-se uma ótima oportunidade de explorar a criatividade de uma criança. No ensino médio, já estávamos quase que totalmente condicionados. Não nos atrevíamos mais a criar. Nossos trabalhos só continham elementos “lógicos” ou, melhor dizendo, “normais”. Chegamos ao ensino superior com uma mordaça no pensamento, com a mente reprimida, carente de liberdade, sem, entretanto, ter o discernimento do que merecia ser questionado ou não.
Quem nos ensina a ser criativos? Quem nos ensina a questionar? Quem nos ensina a desafiar? Quem nos ensina o senso crítico? Não é na escola que devemos aprender a ser críticos? Não é na escola que devemos aprender a argumentar? A questionar o status quo? Qual é o lugar onde os paradigmas devem ser quebrados? Onde deve se desenvolver o senso de inovação?
O que hoje se vê nas “carteiras” de instituições de ensino superior (clientes?) são pessoas que em sua grande maioria estão interessadas primordialmente em um pedaço de papel. Elas pagam por aprendizado, mas não é exatamente isso o querem receber. O que elas querem receber é apenas o certificado de que aprenderam, prescindindo do desejo de que aquele pedaço de papel certifique a verdade.
Mas as entidades regulatórias também cumprem o seu papel de amordaçamento muito bem, embora provavelmente não queiram. A repressão ao pensamento se concretiza nas regras absurdas e no formalismo exacerbado. Todos sabemos que a criatividade guerreia contra a organização! Ou não sabemos? Sim, um ambiente criativo, onde o pensamento flui, precisa de liberdade. A essa conclusão a ciência já conseguiu chegar, por análises sensatas e observações nos moldes científicos. Entretanto, ainda não tem um modelo que explique como a criatividade ocorre.
Ora, se a ciência ainda não conseguiu descobrir como a criatividade ocorre, como pode explorá-la? Como pode preconizar diretrizes com a finalidade de fomentá-la?
Hoje em dia, um professor tem que especificar tudo o que será visto em aula. Não pode haver desvios, do contrário o “planejamento” não foi cumprido. Isso significa que a palavra “planejamento” está sendo usada de forma indevida, pois planejar não significa especificar. O que acontece se um aluno faz um questionamento em aula, o professor deixa de cumprir aquilo que estava programado, e progride em uma discussão que trará muito mais benefícios a todos, contribuindo para a construção até mesmo de seu caráter?
Nós podemos antever o que acontece: o professor será punido. A “falha” do professor poderá se estender ao curso, e também à própria escola. No limite, juntando diversas “falhas” do mesmo tipo, a escola poderá ser descredenciada por ter promovido o aprendizado dos alunos de um modo “fora da caixa”. Esse é o preço de se tentar automatizar a definição do caráter, o processo criativo e a aquisição do conhecimento. Ninguém até hoje conseguiu modelar de forma convincente o funcionamento da mente humana. Entretanto, os órgãos reguladores impedem aquilo que consideram pernicioso, porém é a chave do aprendizado, que é dar vazão ao senso crítico.
De uma coisa, entretanto, podemos estar certos: a experimentação e a liberdade de pensamento são cruciais no processo criativo e de aquisição de conhecimento. Alguém um dia escreveu que a criatividade se aprende por uma espécie de osmose. Uma pessoa se torna gradativamente criativa ao conviver com a criatividade, ao interagir com outras pessoas criativas. Podemos estender isso à questão da aquisição do conhecimento. Os alunos aprendem com a interação com seu professor. Aliás, não vamos nem mencionar o fato de que o professor também está aprendendo nessa interação. Temos que dar maior vazão à osmose, e não a receitas de bolo. A rigidez da receita impede a experimentação, que é a chave da criação e da geração de conhecimento.
terça-feira, 15 de abril de 2014
Primeiro Evento do Blog Matemática e Sociedade
Nem só de bits vive o ser humano.
Lembram da postagem sobre a Polyteck? Pois é. Ela não teve o impacto que eu esperava. Mesmo assim colocou-se como a sexta postagem mais visualizada entre os 169 textos veiculados neste blog (incluindo a presente postagem) desde outubro de 2009. Não é um resultado ruim. Mas deixa muito a desejar diante de textos de denúncia como aqueles que tratam da exposição das universidades federais em Scientific American Brasil, do pobre perfil acadêmico de pesquisadores do CNPq, ou das frustrantes experiências de um superdotado.
Ou seja, más notícias ainda despertam maior interesse do que boas novas. E isso ocorre apesar da Polyteck ser uma das mais estimulantes novidades que já ouvi nos últimos tempos em nosso país. A Polyteck é simplesmente a demonstração clara de que jovens que ainda iniciam o processo de inserção no mercado de trabalho (ou até mesmo a formação acadêmica) podem e conseguem mudar a realidade de severa inércia brasileira.
Uma das características da Polyteck é se opor à mentalidade de que jovens devem ler apenas o que está à disposição na internet. Por isso a versão impressa da revista! E, tendo isso em mente, o blog Matemática e Sociedade está promovendo seu primeiro evento fora das telas do computador.
No dia 25 próximo (sexta-feira) às 15:00h, haverá a palestra intitulada "Polyteck, Um Exemplo de Empreendedorismo", no auditório do primeiro andar do prédio da administração do Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, PR. Estarão presentes André Sionek, Raisa Requi Jakubiak, Fabio Rahal e Valquiria Monteiro, ou seja, toda a equipe desta excelente revista de divulgação científica e tecnológica distribuida gratuitamente em diversas universidades brasileiras, públicas e privadas.
O objetivo principal do evento é apresentar a equipe Polyteck para aqueles que ainda não a conhecem pessoalmente e, logo em seguida, promover uma conversa informal entre plateia e palestrantes. Esperamos, com isso, motivar principalmente os jovens que pretendem conhecer e explorar alternativas diferenciais no mercado de trabalho.
Estão convidados alunos, professores e técnicos-administrativos da UFPR, bem como quaisquer interessados em ciência, tecnologia, educação e empreendedorismo. Isso significa que não há necessidade de vínculo com a UFPR para participar deste evento.
Peço a todos que, não apenas compareçam à palestra, mas também divulguem o evento da melhor maneira que puderem.
Se esta iniciativa for bem sucedida, será possível o planejamento de outras edições para demais cidades, além de Curitiba.
O Brasil precisa de jovens dispostos a fazer esta nação crescer. E toda forma de apoio é bem-vinda.
Obrigado.
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Nota de 26/04/2014: Para acessar o relatório sobre a palestra clique aqui.
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