segunda-feira, 9 de julho de 2012
Biologia e matemática na visão de um biólogo
O texto que segue abaixo foi escrito pelo Professor João Carlos Marques Magalhães, do Departamento de Genética da UFPR. Fortemente recomendo este artigo para o leitor interessado nas relações entre biologia e matemática.
A palavra “biologia” foi introduzida por Lamark (e, independentemente, por Trevianus) no final do século XVIII para especificar o estudo dos seres vivos, diferenciando-o da antiga história natural. A partir daí, a biologia começou a se desenvolver como ciência independente com objeto delimitado, conceitos e métodos próprios. Segundo François Jacob, duas teorias do século XIX vieram a fornecer as suas bases: a teoria celular e a teoria da evolução. De fato, o avanço da citologia levou a uma crescente compreensão dos aspectos estruturais e funcionais dos organismos e a evolução a uma também crescente compreensão das suas origens, relações e dinâmica evolutiva. A partir do início do século XX a biologia foi se tornando cada vez mais experimental e teórica. Atualmente, século XXI, estes avanços colocaram novas questões, aprofundando as relações da biologia com as mais diversas áreas do conhecimento, incluindo a matemática em geral, a estatística em particular e também com a informática.
Para os biólogos a matemática é ferramenta usada para caracterizar e prever o comportamento de todos os tipos de sistemas biológicos, desde macromoléculas, vírus e bactérias até populações e ecossistemas. Devido à complexidade destes sistemas, frequentemente é necessário o uso de modelos aleatórios, onde não se pode determinar o valor de todas as variáveis, mas apenas investigar distribuições de probabilidades. Com o recurso da computação, incluindo procedimentos de simulação, pode-se, entretanto, obter resultados impressionantes.
Na área da biologia evolutiva é possível, por exemplo, inferir filogenias, em qualquer nível taxonômico, a partir de dados de populações atuais, especialmente dados de DNA. Recorrendo a estes dados, e com base na moderna teoria da coalescência, pode-se até mesmo inferir elementos da história pregressa da população, como seu tamanho, dinâmica, padrões de dispersão, migração, etc. Considerando os aspectos funcionais dos organismos, é possível, entre outras coisas, investigar a dinâmica de redes genético-bioquímicas nas quais as proporções de muitos tipos de macromoléculas e outras substâncias, são interdependentes. Muitas vezes tal dinâmica pode ser caótica.
O desenvolvimento de métodos e ferramentas adequados para a análise dos dados biológicos requer profissionais altamente especializados. Dificilmente alguém domina em profundidade todo o conhecimento envolvido. Há necessidade de trabalho em equipe. Para isto os profissionais devem “falar a mesma língua”. De fato, devido a sua tradição predominantemente empirista os biólogos costumam ser pouco afeitos ao pensamento abstrato e seu treinamento, voltado para atividades de campo e laboratório, os prepara pouco para isto. Por outro lado, o rigor do matemático nem sempre é possível e temos de aceitar soluções aproximadas e provisórias. Ainda assim as mais diversas especialidades matemáticas, do cálculo à lógica simbólica, encontram aplicações em alguma parte da biologia que, por sua vez, pode ser fonte de inspiração para desenvolvimento da própria matemática.
Considerando o ensino de matemática para o aluno de biologia, acredito que é necessário, por parte do professor, certa sensibilidade para com o curso, incluindo exemplos e discussões interdisciplinares. É preciso construir, progressivamente, uma base que habilite o futuro biólogo para as aplicações mais frequentes e para o diálogo com os especialistas. A maior dificuldade, entretanto, parece ser precisamente modelar os sistemas biológicos, isto é, compreender, abstrair e equacionar tais sistemas em linguagem simbólica. Esta é também uma questão para os professores de disciplinas que aplicam elementos da matemática. Talvez uma abordagem que contemple aspectos filosóficos relativos ao uso de modelos em ciência seja útil para o estudante.
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