terça-feira, 29 de outubro de 2013

A diferença entre utopia, sonho e realidade


Utopia

Prédios de arquitetura singela, a combinar suas transparentes paredes com o fino ar da manhã que as cercam, alternam ângulos agudos como navalhas com superfícies suaves como o ondular de um calmo lago. Os brilhantes e vespertinos raios solares parecem compor parte indefinida do robusto e delicado desenho de edifícios totalmente desprovidos de superfícies opacas, permitindo que a colorida imagem do verde e extenso gramado atravesse e se reflita no contorno que não discrimina entre o dentro e o fora. Sem que se perceba qualquer falha presença humana, aquela suave miríade de brilhos e cores, contrastes e tonalidades, espessuras e texturas, com sugestões de movimentos a partir do estático desenho arquitetônico, ambientam uma caleidoscópica sonoridade de sofisticados equipamentos eletrônicos, raros pássaros, extintos mamíferos, leves e pesados veículos, quedas d'água, flores crescendo, formigas construindo, rochas em avalanche, diálogos inefáveis. 

O navegar pelos transparentes corredores da irreconhecível e ainda familiar arquitetura remete a um fluxo de tempo enquanto sentimento, sem outras percepções sensoriais além da onírica. Não há sons. As recordações dos caminhos já percorridos não se estagnam. Não congelam na cronologia da dinâmica de mutações da paisagem e do ponto de vista. Pelo contrário, fazem parte da inacessível ontologia que origina presente e futuro. O passado é também dinâmico em percepção, pois em constantes mergulhos nas recordações do que se viu percebem-se novos aspectos explicáveis apenas em termos do presente estágio e das expectativas do que há por vir. Dessa forma, o futuro também influencia o passado naqueles brilhantes corredores, pois o tempo é apenas inerente a um ponto de vista. Apenas nós, os pontos de vista das coletivas consciências, lembramos com saudades e arrependimentos. Apenas nós, carregados de humanais sentimentos, aguardamos com ansiedade, excitação e medo. Apenas nós, seres humanos, conhecemos o tempo como sentimento. Humanais sentem o tempo que rasga a pele e quebra os ossos. Tempo é sentimento. Tempo é dor. Dor é o caminho para a liberdade. E a liberdade é igualmente um estado de espírito. 

A engenharia do infindável complexo de prédios - cuja transparência não se perde com a distância, mesmo que esconda incontáveis paredes por detrás de outras - é desprovida de métrica. Uma cristalina cúpula, de caráter puramente topológico tal qual fita de Möbius, constantemente se vira do avesso, permutando interior com exterior, sem que qualquer parte de sua superfície seja quebrada ou rasgada. Torres que remetem a garrafas de Klein que bem poderiam ficar alagadas por dentro e secas por fora, em caso de precipitação, são inundadas por conhecimentos e sentimentos traduzidos na forma de uma dinâmica de cores. Fótons individuais se perdem no labirinto de prédios sem individualidade, permanecendo presos em liberdade de reflexos, difrações, deflexões e alterações de cor e polaridade. O tridimensional se percebe bidimensionalmente, o qual transmuta para um tetradimensional de curvas de tempo que hora se abrem e hora se fecham, eclodindo em um foco de dimensão fractal. 

Livre arbítrio e destino coexistem. E, quebrando o silêncio das cores e luzes, ouve-se uma sonora voz a ecoar o seu nome. Neste momento seu conhecimento se multiplica e a gargalhada de sua iluminação ecoa por vidros, metais e mentes. 

Sonho

Um professor que perceba sua formação apenas como um primeiro e tímido passo para o conhecimento. Um autor que explicite as lacunas e as inconsistências das ciências exatas, a incoerência e a falta de humanidade das ciências humanas, a fragilidade e a pluralidade das filosofias, as incertas certezas da teologia, as obscenidades da cultura, os limites metodológicos das ciências biológicas, as dúvidas humanas e a paixão pelo conhecimento. Um cientista que questione a importância social de seu trabalho, que seja ousado, que ambicione, que seja perenemente insatisfeito com suas ideias. Um aluno que questione os seus mestres, que duvide de autores e que perceba que suas indagações são ingênuas. 

Realidade

O resto.

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