quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O Não que diz Sim


Enquanto decido sobre o futuro deste blog, continuo recebendo mensagens e informações de pessoas que demonstram claramente o apoio ativo à educação brasileira. E a forma de apoio que mais me interessa, neste momento, é aquela que efetivamente coloca em xeque o sistema vigente. 

Mais um aluno da UFPR confeccionou cartazes e os distribuiu, conforme solicitação feita na postagem Sonhos e Frutos. Seguem abaixo duas fotografias (das três que recebi) tiradas pelo mesmo jovem:



Em seguida ele enviou dois e-mails para mim. No primeiro afirma o seguinte: "[...] estou enviando em anexo a foto de três cartazes que fixei no centro politécnico. Os cartazes das fotos foram fixados ao lado do elevador no hall do prédio de administração, os outros dois no bloco PA. Fixei cartazes também na entrada do corredor dos professores no departamento de física, no laboratório do departamento de física, no bloco de química, nas portas e em cima dos quadros em algumas salas do bloco PC, no bloco CT, no dpto de matemática ao lado dos elevadores e ao lado da porta da secretaria. Amanhã continuarei colocando os cartazes com as frases.

Em seu segundo e-mail, enviado 23 horas depois, constata algo curioso: "Acho que vale a pena também mencionar que poucas horas depois vi um professor do departamento de física retirando os cartazes. Hoje passei no departamento de matemática e percebi que os cartazes de lá também foram retirados, mas amanhã colocarei mais cartazes nos mesmo lugares, não vou desistir."

Que tal essa? Professor universitário retirando cartazes que simplesmente afirmam

Professor de universidade pública tem seu emprego garantido, independentemente da qualidade de suas aulas.

Por que esse professor fez isso? Não gostou da estética do cartaz? Viu naquela frase alguma mentira? Ou simplesmente não suporta se olhar no espelho? 

Hoje lecionei minha primeira aula do novo semestre pós-greve. No início da aula havia um desses cartazes colocados na porta da sala. Ao término, o cartaz sumiu. Sempre há cartazes, editais e anúncios espalhados pelos campi da UFPR, sobre os mais variados temas. Mas nunca vi cartazes de vida útil tão curta quanto esses que  simplesmente retratam um fato. Dizer que professor de universidade pública tem seu emprego garantido, independentemente da qualidade de suas aulas, é tão somente um fato! Não se trata de uma ideologia. Ideologias são sempre questionáveis. Mas fatos estão inevitavelmente acima de quaisquer suspeitas. E é justamente por isso que esta frase incomoda tanto.

Insisto com os jovens: continuem a espalhar cartazes, mas desta vez eles devem ser fixados com cola e não fita adesiva. Não se deixem intimidar pelos porcos mentais que se julgam docentes. Não há mal algum em informar fatos. É fato que a estabilidade dos professores de universidades públicas não garante qualidade de aulas. Se existem professores ofendidos por fatos, eles certamente deveriam considerar outras carreiras profissionais. 

Negar acesso a fatos, para indivíduos de uma instituição de ensino, é uma afronta escandalosa à educação. Quem arranca esses cartazes está dizendo não. Mas é um não que afirma "Sim, somos profissionais incompetentes que contam com a proteção da estabilidade." 

Em um país marcado pela indiferença, o arrancar desses cartazes é uma clara demonstração de que estamos no caminho certo. Mas, por favor, não os fixem mais com fita adesiva. Usem cola! Esta é a oportunidade perfeita para usar cola na escola.

Nos próximos dias terei novidades a respeito de estratégias que eu mesmo tenho empregado no combate à indiferença.

Até breve

6 comentários:

  1. Errado é utilizar a estabilidade do emprego para agir de forma não profissional como, por exemplo, aprovar alunos que somente assinam suas provas.

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    1. André

      Talvez eu consiga responder com propriedade se você me disser o que é uma atitude profissional.

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  2. A atitude profissional é corrigir as provas aplicadas e atribuir as notas conforme o desempenho dos alunos nas mesmas. Se o professor aprova alunos que somente assinam suas provas está agindo de forma não profissional.

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    1. André

      Ainda que sua visão sobre atitude profissional fosse realista (algo que definitivamente não é, uma vez que jamais há garantia de que uma nota esteja em conformidade com desempenho de alunos), vale observar que sua proposta poderia ser praticável apenas em uma instituição que compartilhasse dessa mesma visão. No entanto, a própria UFPR espera 90% de aprovação, sem reconhecer a realidade educacional do país. Apenas assumo em minhas avaliações aquilo que a própria UFPR e o Governo Federal esperam de cada um dos professores das instituições federais de ensino superior. Nada além disso. Fortemente recomendo que respire com calma e pense um pouco. Deixe de lado sua reação emocional imediata e avalie racionalmente sobre a situação em que a UFPR se colocou. O problema, garanto, não é comigo. O problema é a hipocrisia de professores que assumem um compromisso sem pensar nas consequências.

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    2. 90% de aprovação é uma meta a ser atingida e, obviamente, não a qualquer preço. A UFPR não assinou um contrato estipulando que professores sejam punidos por não aprovar 90% dos seus alunos. 90% de aprovação é uma meta e somente uma meta. Para sua realização há muito mais em jogo do que o papel do professor em sala de aula (e o que diz respeito ao trabalho do professor em sala de aula certamente não inclui aprovar alunos que somente assinam suas provas). Essa meta diz respeito a uma reestruturação das universidades federais com o fim de atingir um patamar de eficiência: que a Universidade cumpra o seu papel de formar os alunos que nela ingressam. E repito, 90% de aprovação é uma meta e somente uma meta a ser atingida e, obviamente, não a qualquer preço.

      Quanto à questão de não haver garantia de que uma nota esteja em conformidade com o desempenho dos alunos, de fato não há, em geral, a plena garantia disso. Mas uma coisa é certa, aprovando alunos que somente assinam suas provas há a plena garantia de que não há nenhuma conformidade entre notas e o desempenho.

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    3. André

      90% de aprovação não é apenas uma meta. Muito mais do que isso, é um compromisso de que tal meta é honestamente viável. E, garanto, não é. O que você se refere como patamar de eficiência é algo que os professores de universidades federais simplesmente não têm ideia do que se trata. Todos os critérios usuais de avaliação de instituições de ensino superior se sustentam em padrões domésticos e não internacionais. A universidade brasileira está fundamentalmente errada, tanto pública quanto privada.

      Seu último parágrafo é impecável e concordo plenamente com você. Por isso mesmo, espero que compreenda que esta situação não é fácil para mim. No entanto, do ponto de vista racional não vejo escolha.

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