sábado, 10 de março de 2012

A Vergonha das Bancas de Pós-Graduação e de Concursos Públicos



O filme Twelve Angry Men (Doze Homens e Uma Sentença), de Sidney Lumet, conta a história de um júri que deve decidir se um jovem é culpado ou inocente da acusação de assassinato. Entre os doze, onze estão convencidos da culpa do réu. Mas um deles (interpretado pelo notável Henry Fonda) tem dúvidas. Ele quer discutir, trocar ideias, avaliar o caso com cuidado. É uma pessoa que prestou cuidadosa atenção nas alegações da defesa e da acusação.

O filme é uma batalha dialética como poucas vezes se testemunhou no cinema. No final, os doze acabam por inocentar o réu, por perceberem que não havia provas concretas, mas apenas evidências circunstanciais. Afinal, um réu só pode ser considerado culpado por assassinato se não houver dúvidas sobre o caso.


Em 2005 foi publicado um belo livro de Richard Dawkins (O Capelão do Diabo, Companhia das Letras), no qual o autor coloca em xeque a cientificidade dos usuais procedimentos adotados em tribunais de júri. Um júri (em diversos países) é formado por doze pessoas supostamente idôneas e de espírito independente, que não podem ter contato com o mundo exterior e eventuais reportagens da mídia. Eles têm a finalidade de decidir o futuro de um réu a partir de sessões em tribunal envolvendo advogados, testemunhas, eventuais peritos e o próprio réu. No entanto, os membros do júri podem conversar entre si em sessões secretas. A questão então é a seguinte: de que forma isso garante independência de pensamento e, portanto, de julgamento? 


Quando uma nova droga é testada em humanos, criam-se dois grupos de voluntários: aqueles que recebem a droga e um grupo de controle que recebe apenas um placebo, algo como uma pílula de açúcar. Nem mesmo os enfermeiros que administram a droga, ou aqueles que distribuem o placebo, sabem o que estão entregando aos voluntários. Isso garante independência entre eventos, encarando as reações de cada voluntário como um evento. Se, por exemplo, metade dos pacientes do grupo de controle sentir os efeitos da droga, sabemos que este é um efeito ilusório, alcançado por sugestão. Isso porque todos os voluntários sabem o que estão fazendo: o teste de uma nova droga. 


Tais cuidados que previnem o conhecimento direto sobre o quê os voluntários estão de fato recebendo em seus organismos, se fundamentam parcialmente em noções elementares sobre teoria de probabilidades, assunto primariamente estudado no ensino médio de nossas escolas. Como todos os voluntários acreditam na possibilidade de estarem sendo testados com a nova droga, é importante que os envolvidos não tenham certeza se estão realmente a recebendo ou não. Isso porque a probabilidade de uma pílula surtir o efeito da droga em teste, uma vez que o voluntário tem certeza que está ingerindo um placebo, não é necessariamente igual à probabilidade dessa pílula surtir o mesmo efeito diante de um voluntário que tem a certeza de estar submetido à droga. Em geral, há diferenças substanciais entre tais probabilidades, particularmente no teste de drogas que servem ao tratamento de doenças ou distúrbios de ordem psicossomática. 


Voltando ao caso do tribunal de júri, é natural que grupos de pessoas formem líderes. E é natural que esses líderes definam o comportamento do grupo como um todo. No caso do filme acima citado, a personagem de Henry Fonda se firmou como uma liderança, apesar de ter sido inicialmente recebida com grande ceticismo por membros do júri. Foi uma liderança com um resultado aparentemente justo. Mas a questão principal não é se uma decisão foi tomada corretamente. Se não há independência intelectual entre os membros de um júri, por que então escolher doze deles? Se uma só pessoa for capaz de influenciar as demais (o que não é absurdo supor), então bastaria o julgamento deste único indivíduo para definir o destino do réu. Os outros onze jurados mostram-se absolutamente dispensáveis. 


Em teoria de probabilidades sabe-se distinguir entre a probabilidade de um evento A e a probabilidade do mesmo evento A diante de circunstâncias dadas por outro evento B, especialmente quando os eventos A e B não são estatisticamente independentes. No caso do tribunal de júri, a opinião de um jurado é um evento e a dos demais jurados é outro. E comumente esses eventos não são estatisticamente independentes. 


O que queremos dizer com independência estatística? A questão é complicada para ser respondida sem fugirmos dos propósitos da postagem. Mas este é um conceito amplamente conhecido entre estatísticos e matemáticos. Para fins práticos, neste caso, podemos dizer que a independência estatística não ocorre entre os eventos no sentido de que a probabilidade de um jurado tomar a decisão A sem conhecer a opinião dos colegas é diferente da probabilidade de o mesmo jurado tomar a decisão A, conhecendo a opinião dos demais. 


Algo semelhante ocorre em bancas de pós-graduação e de concurso público para docentes em universidades. Uma típica banca de doutorado, por exemplo, conta com cinco membros titulares, sendo que um deles é o orientador de quem defende a tese. No Brasil, o orientador normalmente é o presidente da banca. Ele é o responsável pela condução dos trabalhos de avaliação. Os demais membros são escolhidos pelo próprio orientador e/ou por aquele que será avaliado. É claro que essa escolha está sujeita à aprovação do colegiado do curso; mas orientadores experientes sabem como lidar com nomes de modo a evitar frustrações ou indeferimentos diante de colegiados de programas de pós-graduação. A banca, uma vez formada, deve decidir em sessão pública se aprova a tese de doutorado defendida na forma como está, se a aprova condicionalmente a alterações feitas no texto original, ou se a reprova.


Neste sentido, a escolha de uma banca de doutorado é consideravelmente mais tendenciosa (e, consequentemente, mais estúpida) do que a de um corpo de jurados. Jurados são escolhidos, a partir de um pequeno universo de cidadãos, pelos advogados de defesa e acusação. Já no processo de defesa de doutorado, somente as partes interessadas no sucesso do candidato escolhem os membros da banca. 


Portanto, minha pergunta é: onde está a cientificidade dos procedimentos usuais de formação e aplicação de bancas de pós-graduação? Que diferença faz se uma banca de especialização tem dois professores, uma de mestrado tem três e uma de doutorado tem cinco? Afinal, não é o orientador uma liderança natural? Mesmo no caso em que o orientado aponta possíveis nomes para a banca, a prática mostra que a interferência do orientador é de extrema importância.


É claro que existe orgulho suficiente entre professores doutores pesquisadores para suportar a narcisista crença de que seus julgamentos são (estatisticamente) independentes. Mas se isso fosse verdade, por que não adotar procedimentos mais justos, menos suspeitos, menos sujeitos a severas e pertinentes críticas? 


Podemos mesmo supor independência estatística entre os julgamentos dos membros da banca e o julgamento do presidente desta?


Alguns professores universitários chegam a abraçar a seguinte política sobre participação em bancas: "se eu não concordar com o conteúdo da tese, basta não aceitar o convite; o orientador conseguirá alguém que irá em meu lugar."


E essa postura é um fato extremamente comum. Aqui está mais um exemplo das consequências da não existência de um código ético entre docentes.


Ou seja, uma vez que um professor orientador dê seu aval, é muito difícil que a banca crie confusão. Defesas de monografias, dissertações e teses são geralmente meros rituais acadêmicos que pouco têm a ver com qualquer postura científica. Isso significa que teses científicas devem ter caráter científico, mas a avaliação delas não. Por que será, então, que tão poucos leem teses e dissertações que ficam mofando em prateleiras de bibliotecas? Isso não é sintomático? 


Essa situação não ocorre apenas no Brasil, mas também nas melhores universidades do mundo. O próprio Dawkins, em seu livro citado acima, defende a ideia de que jamais devemos confiar no conhecimento que se justifica por revelação, tradição ou autoridade. Faz-se necessária uma argumentação racional para a defesa de qualquer tipo de conhecimento. Pois bem, a formação tradicional de bancas de pós-graduação é algo que tem se mantido por mera tradição. E, pior, se sustenta em absoluta presunção e vaidade intelectual. Opera como uma liturgia de uma antiga sociedade secreta.


Houve época, em algumas universidades europeias, que o professor orientador tinha que defender a tese juntamente com seu orientado. Isso faz um pouco mais de sentido, mas ainda não elimina o problema de comunicação entre os membros da banca. Tal comunicação ocorre, no mínimo, no dia da defesa da tese; pois o avaliado tem que fazer sua apresentação, seguida de uma arguição da banca, realizada na presença de todos. Mas, na prática, muitas vezes a comunicação entre membros da banca acontece antes da defesa, a qual novamente se denuncia como um mero e hipócrita ritual.


É claro que existe uma argumentação não ignorável em favor da troca de ideias entre membros de uma banca de pós-graduação. Uma vez que um trabalho de ordem intelectual está sendo realizado, faz-se necessária a troca de ideias para avaliá-la. Isso porque uma perspectiva pode estar sendo percebida por um membro da banca e não pelos outros. Mas esse argumento não passa de uma ingênua falácia. 


De fato, o desenvolvimento de um trabalho acadêmico demanda interações entre especialistas. Mas o julgamento sobre os méritos de um trabalho concluído que visa preparação para o ato da pesquisa é outra situação. Analisemos, para fins de ilustração, uma prática internacional que se qualifica de maneira muito mais profissional. 


Quando um pesquisador escreve um artigo e o submete para publicação em um periódico, dois especialistas da área são convocados pelo editor para avaliar o texto. Os dois especialistas são completamente independentes, pois são anônimos perante todos, exceto o editor. Cabe ao editor ler os pareceres, para poder tomar uma decisão. Dependendo do caso, o editor pode se sentir obrigado a consultar outros especialistas, que novamente atuarão de forma independente e no anonimato. Já atuei como avaliador para diversas publicações brasileiras e do exterior, e jamais tive conhecimento sobre quem eram os outros avaliadores. Também já atuei como editor e sempre procurei contato com especialistas de instituições geograficamente afastadas entre si. São procedimentos padronizados que têm garantido, salvo raras exceções, uma boa qualidade de publicação de textos acadêmicos. Por que não usar procedimento semelhante no processo de avaliação de monografias, dissertações e teses de pós-graduação? Se o doutorado é uma iniciação às atividades de pesquisa científica, por que não preparar o candidato para a realidade científica mundial? É por isso que existem tantos doutores no Brasil que jamais publicaram em periódicos internacionais? Estamos formando doutores com mentalidade infantil?


As bancas de pós-graduação mais se parecem com uma demonstração de força do orientador e não com um processo de avaliação do orientado. Há até uma anedota muito inspirada e que ilustra bem essa situação.


Uma raposa passeava por um bosque, quando repentinamente encontrou um coelho. Sua fome não tinha limites, mas a raposa ficou intrigada ao perceber que o apetitoso roedor escrevia sem parar, mesmo notando a ameaçadora presença de uma caçadora impiedosa. A raposa não resistiu e teve que alimentar sua curiosidade antes do estômago.


Raposa: "Olá, coelho. Antes de comê-lo, preciso saber o que estás a fazer."


Coelho: "Estou a escrever minha tese de doutorado."


Raposa: "Ah, é? E qual é a sua tese?"


Coelho: "O coelho é o predador da raposa!"


Raposa (gargalhando): "Sua tese é empiricamente inconsistente, coelho. Tanto é verdade que eu mesma vou comê-lo."


Coelho: "Tudo bem. Vou demonstrar minha tese. Entremos em minha toca, por favor."


Os dois entraram no buraco e então uma feroz luta é ouvida do lado de fora. Em seguida o coelho sai sozinho da sua morada, sem um único ferimento no corpo e sem qualquer abalo emocional.


Dessa vez um lobo se aproxima, também com fome, e vê o mesmo coelho ainda escrevendo sem parar. O lobo, apesar da fome, age como a saudosa raposa. 


Lobo: "Olá, suculento coelho. Antes que te devores, preciso saber o quê estás a escrever."


Coelho: "Minha tese de doutorado, senhor lobo."


Lobo: "Essa é boa. Nunca comi um intelectual. E qual é a tua tese?"


Coelho: "O coelho é predador do lobo!"


Lobo: "Minha piedade sobre tuas pobres ilusões de vida não me impedirão de comer-te aqui mesmo, ingênuo coelho."


Coelho: "Por favor, acompanha-me para a toca. Posso demonstrar minha tese com prazer."


Os dois entram na pequena morada e logo em seguida é possível ouvir os desesperados gritos do lobo em agonia de morte.


Quando o coelho sai novamente da suspeita residência, está acompanhado de um leão. O rei-das-selvas é seu orientador!


No caso de concursos públicos, para fins de contratação de docentes em universidades federais e estaduais, há umas poucas diferenças em relação a bancas de pós-graduação. Não existe qualquer orientador ou tutor que necessariamente tome partido para o lado do avaliado. No entanto, há mecanismos por vezes mais traiçoeiros.


Não são raros os concursos públicos em nosso país que são obviamente direcionados a um profissional específico. O objetivo da instituição que abre o concurso público é a contratação daquele indivíduo! Isso pode ser facilmente conseguido com a redação do edital, a qual é decidida pela unidade administrativa na qual o aprovado será lotado, em caso de classificação. Consequentemente, eventuais outros interessados em um emprego na instituição passam a ser prejudicados sem que o saibam. É uma maneira de instituições públicas contornarem as limitações de autonomia administrativa impostas por governos. No entanto, é também um ato de covardia, na opinião de muitos. No lugar das instituições públicas lutarem seriamente por autonomia, elas adotam esses subterfúgios que denunciam uma contradição no sistema de ingresso na carreira pública de ensino superior.


Vários foram os movimentos de greve em universidades que reivindicavam autonomia administrativa. Mas todos foram silenciados com uma simples negociação salarial, ainda que a negociação envolvesse uma gratificação que sequer fosse incorporada ao salário base. Outro motivo para que eu não seja sindicalizado.


Ainda em concursos públicos para docentes, devemos lembrar que o presidente da banca é, geralmente, membro da instituição que abriu o edital. Além disso, todos os membros da banca são indicados pela unidade administrativa que se beneficiará com o preenchimento da vaga. Isso também propicia outra situação isenta de critérios científicos. O presidente, normalmente conhecido pelos demais membros, pode secretamente orientar a banca no sentido de não aprovar um determinado candidato. Eu mesmo já testemunhei esse tipo de interferência em diversas ocasiões e instituições de ensino público.


Posso garantir o seguinte: É muito difícil crer na existência de bancas verdadeiramente justas, tanto em concursos públicos ou testes seletivos, quanto em programas de pós-graduação. Eu, por exemplo, já fui convidado por um pesquisador para participar de uma banca de qualificação para doutorado simplesmente porque o presidente da banca considerava o candidato fraco. Durante a arguição os demais membros da banca (exceto o presidente, que evitou interferências) elogiaram o projeto. Eu, porém, não consegui aprovar o projeto do candidato porque era obviamente ridículo. Consequentemente o candidato desistiu de sua intenção para ingressar no programa. Ou seja, bastava ter me substituído por outra pessoa (como aqueles professores doutores de mentalidade medíocre) para que o candidato fosse aprovado.


Outro aspecto importante sobre este cenário é o preconceito racial ou xenófobo, notado principalmente após a aprovação de um candidato. É muito comum a presença de estrangeiros nas universidades públicas brasileiras, vindos de países como Peru, China, Rússia, Argentina, Alemanha e outros. E em muitas ocasiões vi alguns estrangeiros perceberem com estranheza certas características da vida universitária brasileira. Quando eles se manifestavam, testemunhei evidente preconceito diante de frases do seguinte tipo: "Não está satisfeito? Volte pra China!" ou "Aqui não é o Peru. É melhor ir se acostumando com os nossos modos."


Não vejo motivos para não nos beneficiarmos das experiências que podem ser assimiladas a partir de outras culturas. Mas assim como houve época em que a contratação de estrangeiros era legalmente proibida em universidades públicas brasileiras, essa xenofobia, praticamente diária em nossas universidades, se parece com algo que está nas raízes da cultura brasileira, mesmo em um suposto ambiente de tolerância, compreensão e razão dos acadêmicos tupiniquins. Talvez isso faça parte até mesmo da cultura de igualdade que se sente em nossas universidades. Diversidade é algo que assusta a muitos, o que justificaria em parte a perpetuação até mesmo das políticas de formação e de ação de bancas de concursos e pós-graduação.


Ou seja, até quando manteremos a farsa de nossas universidades? A farsa das bancas é um fenômeno praticamente mundial. Mas o escândalo velado de nossos concursos públicos é uma afronta contra qualquer noção de civilidade. O que é necessário para o Brasil despertar de sua estupidez? Ou será que já estamos imbecis o bastante para não percebermos nossos mais graves e fundamentais erros? Se este for o caso, só vejo uma solução: abrir mão da soberania nacional e entregar o governo do país nas mãos de nações mais competentes. Não me importo de ser governado por japoneses, alemães ou norte-americanos. Só estou cansado dessa inércia brasileira.

37 comentários:

  1. Excelente texto Adonai.

    Talvez um dos melhores e mais abrangentes no contexto social que já vi por aqui!!!!!!

    E esse preconceito de que vc fala de fato acontece nas universidades.

    Alguns anos atrás, um garoto chamado Guilherme foi atenção da mídia local por ingressar no curso de Química da UFPR tendo apenas 13 anos de idade.

    No ano passado, fui procurar minha orientadora para saber que procedimentos eu deveria tomar atualmente para ajudar um garoto de 15 anos que passou em Matemática, para ingressar no curso.

    No entanto, encontrei um ex-colega meu e perguntei para ele sobre o tal Guilherme.

    Esse meu ex-colega respondeu que, sempre que podiam, ele e outros alunos do departamento davam um jeito de "tratar o guri como se deve", sem nenhum privilégio e nenhum tratamento diferenciado, mas sim igual a todos, numa verdadeira tentativa de "tornar humilde" o garoto.

    Cheguei a ouvir desse meu ex-colega algo como que "lá ninguém é mais do que ninguém e todos devem ter os mesmos privilégios e reconhecimento, sem qualquer diferença entre as pessoas"!!!!!!

    Eu mesmo sofri uma série de preconceitos por parte de colegas meus de graduação por ser o aluno mais novo da turma e o único que não tinha feito a 3ª série do ensino médio!!!!!!

    Um outro problema crônico nas bancas de pós-graduação e que faltou mencionar, é o medo e covardia de muitos orientadores em expor o pensamento e ideias suas e de seus orientados!!!!!

    É comum ouvirmos na pós que mesmo para aquilo que vamos escrever na parte de "Resultados e Discussão", temos que referenciar praticamente cada parágrafo do que é escrito, evitar escrevermos algo que distoe muito das referências citadas e tão somente discutir os dados numa linguagem e conteúdo compatível com alguma das referências bibliográficas mencionadas.

    Em outras palavras, passa-se a impressão que não querem resultados novos e discussão do tema sob nossa própria perspectiva, com conteúdo unicamente escrito e desenvolvido por nós mesmos.

    Mas sim, querem que sejamos eternos copiadores daquilo que já existe na literatura nacional e/ou mundial, sem que possamos analisar e escrever criticamente sobre algo, usando nossa própria visão sobre o tema!!!!!

    Se é assim, pergunto:

    então por que existem cursos de pós-graduação em nosso país, se no final das contas, tudo o que podemos fazer é praticamente copiar conteúdos de referências já conhecidas?????

    Onde está a concepção e ideia de inovar, dar outra interpretação (inexistente na literatura, pelo menos em grande parte do tema) para o mesmo assunto, ou desenvolver algum conhecimento completamente novo?????

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  2. Leandro

    Pretendo estender essa discussão apontando para o comunismo intelectual que existe em nossas universidades. Escreverei várias postagens sobre o tema, incluindo exemplos pontuais. Peço paciência. Os problemas em nosso sistema educacional formam um verdadeiro oceano. Mas o mais importante é perceber que esses problemas não se devem, em geral, a atos de má fé. Na maioria dos casos o que se percebe é mera ingenuidade intelectual.

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  3. Adonai. Parabéns por sempre abordar de forma séria o ensino. Temos que discutir sobre os problemas, não por simples crítica, mas pelo desejo de melhorar a educação no Brasil. E vejo que esta é sua real intenção. Apenas gostaria de ilustrar a sua anedota, com as imagens que tenho em meu blog, em uma postagem antiga sobre este tema. http://novelosnadaexemplares.blogspot.com/2011/03/real-o-que-e-uma-pos.html
    Obrigada!

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  4. Professor Adonai,

    Será que uma banca formada por especialistas de diversas áreas não pode ser um possível caminho para solucionar esse problema que o senhor apontou?

    Por exemplo, eu sou da área de Humanas, especificamente história. O meu trabalho é fundamentalmente interpretativo, não há um método consensual para o ofício do historiador, além disso, um texto de qualidade mais literária do que empírica muitas vezes é aprovado até por conta da subjetividade de nosso conhecimento. Bom, mas historiadores precisam argumentar e talvez para um matemático seja mais fácil detectar o lapso de lógica e fundamento de uma argumentação do que para um historiador encantado pelo caráter literário de um texto. Se fosse obrigatória a presença de ao menos um especialista de outra área eu acho que seria mais difícil para o orientador montar uma banca viciada.

    Penso que um bom trabalho, algo que realmente acrescente ao conhecimento humano, deve ser inteligível para outras pessoas além de especialistas da área. Assim não acho que apenas uma banca com especialistas, por exemplo, em história da América, é capaz de avaliar um trabalho nesse campo. Na minha qualificação do mestrado eu tive uma banca formada por uma historiadora e uma filósofa. A historiadora era especialista na minha área de interesse, a filósofa não, e mesmo assim a filósofa contribuiu enormemente. A historiadora também, mas o bom de ter contado com o crivo de uma pessoa da área de filosofia foi que ela notou alguns problemas no meu trabalho que não foram percebidos por nenhum dos historiadores que leram meus textos antes. Então eu acho que minha qualificação realmente teve valor. Eu senti isso, sabe?

    Eu adoraria ser avaliada por uma pessoa de uma área ainda mais "distante" da minha, talvez um físico ou matemático.

    Não quero dizer que as bancas não devem contar com especialistas, mas não acho que só devem ser compostas por especialistas. Poderíamos ter ao menos um estudioso de outra área, se for o caso até escolhido por sorteio. Ou os professores poderiam se candidatar para uma determinada banca, poderia existir um cadastro de dissertações ou teses com defesa próxima acessível para todos os professores do país. Se um professor se sentir apto a avaliar determinado trabalho - independente do tema - ele poderia se candidatar para participar da banca. Para funcionar os programas de pós deveriam ser obrigados a aceitar que ao menos um professor que voluntariamente se candidatou fosse chamado para participar da banca.

    São algumas ideias que me ocorrem. O texto do senhor é muito instigante e a questão é bem complexa mesmo.

    A propósito, acabei de conhecer o blog do senhor e estou encantada. Embora eu seja das Humanidades eu tenho uma enorme curiosidade pelas Exatas (essa divisão do conhecimento é um pouco boba, mas vou usá-la por falta de definição melhor).

    Acho que escrevi um bocado... desculpe pela prolixidade.

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  5. Verô

    Seja muito bem-vinda por aqui! É um deleite perceber a existência de mentalidades universitárias e não poliversitárias, como ocorre com a maioria em nossa nação. Ou seja, uma historiadora que se interessa por ciências exatas é uma grata surpresa. Tive um aluno brilhante que teve péssimo desempenho no curso de física da UFPR, devido a problemas pessoais. Hoje ele é um ótimo historiador, formado pela UFSC. Mas jamais perdeu o interesse por física.

    A questão que você coloca é interessante. Mas não creio que resolva o problema colocado. Existem certas áreas do conhecimento que são muito especializadas. Teoria-K é um exemplo que adoro. Quantas pessoas no mundo realmente conhecem teoria-K? Não acho que um profissional de ciências humanas consiga julgar um trabalho desses. Na verdade, a maioria dos matemáticos não tem condições de avaliar uma tese sobre teoria-K. E há muitos outros exemplos que podem ser citados.

    Sua proposta funciona bem (a princípio) para áreas interdisciplinares de pesquisa, como é muito comum ocorrer em estudos de história. Mas ainda resta a questão do contato entre os membros da banca, para garantir independência de julgamentos.

    Minha proposta é que bancas atuem exatamente como ocorre no julgamento de artigos submetidos para publicação em periódicos especializados. Ou seja, cada avaliador estudará a tese, sem saber quem são os demais avaliadores. Pode até haver contato entre avaliador e avaliado, para sanar eventuais dúvidas. Mas o contato entre avaliadores deveria ser mínimo ou, talvez, até nulo.

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  6. Complementando...

    Você, Verô, afirma que "talvez para um matemático seja mais fácil detectar o lapso de lógica e fundamento de uma argumentação do que para um historiador encantado pelo caráter literário de um texto." Seu julgamento precisa ser qualificado. Procure perceber que não é apenas a correção de uma tese que está em jogo, mas principalmente sua relevância. Neste sentido, não faz muita diferença se a tese é de matemática ou história. O julgamento sobre relevância de um trabalho original é frequentemente subjetivo.

    Além disso, lendo certas postagens aqui colocadas, você perceberá que são muito comuns erros graves de matemática que simplesmente não são percebidos até mesmo por matemáticos profissionais e experientes.

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    1. Compreendo, professor. De fato o problema não se resume à avaliação da qualidade dos trabalhos em si, mas sim da forma como a avaliação é conduzida. A proposta do senhor parece ser a mais consistente, de fato!
      Sobre bancas interdisciplinares realmente há trabalhos que exigem uma avaliação de pessoas altamente qualificadas de modo que uma banca interdisciplinar pode ser possível para alguns temas, e não como regra para todas as bancas.

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  7. "[...] Além disso, lendo certas postagens aqui colocadas, você perceberá que são muito comuns erros graves de matemática que simplesmente não são percebidos até mesmo por matemáticos profissionais e experientes."


    Adonai, se porventura eu fui um dos que cometi erros nesse sentido, de Matemática mesmo, poderia por gentileza apontar pelo menos um desses erros graves??????


    Peço isto, pois em algum momento terei que começar a corrigir tais erros!!!!!!!

    Obrigado.

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  8. Leandro

    Para responder à sua questão eu teria que revisar todos os seus comentários. Mas lembro que já fiz correções sobre algumas questões que você colocou. Só não recordo se foram de matemática. Quando escrevi esta passagem eu estava pensando em autores de livros e artigos e não nos leitores do blog. Por exemplo, é muito comum autores afirmarem que um axioma é uma afirmação verdadeira, intuitiva e não demonstrável. Isso é um completo absurdo. Axiomas não precisam ser verdadeiros e nem intuitivos. Além disso, todo axioma é demonstrável no contexto de qualquer teoria formal axiomática.

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    1. Olá Professor Adonai, me desculpe pela intromissão em um assunto já antigo, mas estou lendo o seu livro " O que é um axioma?" e me deparei com essa afirmação sobre Axiomas. Tenho lido muita coisa em Inglês que sempre se refere a Axiomas como sentenças sempre verdadeiras. Na pag. 22, isso está registrado como um erro comum. De fato, li n artigos com tal afirmação. Entretanto, na pag. 45 do mesmo livro há uma frase que afirma que os axiomas são sempre tautologias. Isso não seria sempre verdadeiro? Pode parecer estúpida a pergunta, mas realmente gostaria de uma explicação sobre essas sentenças que trouxessem alguma luz para minha compreensão do tema.

      Abraço,
      Marcelo

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    2. Schiessl

      A visão de que axiomas são sentenças sempre verdadeiras deriva de uma mentalidade medieval. Você tem razão ao afirmar que essa visão é recorrente na literatura. Por isso mesmo escrevi este livro. Por isso mesmo Patrick Suppes o prefaciou. Isso porque existem certas crenças que são passadas adiante sem qualquer compromisso com compreensão. E, por alguma razão que me escapa, frequentemente lógica é tratada como assunto trivial. No entanto, lógica é o assunto mais complexo e sutil que já estudei em matemática.

      Axiomas, em teorias formais axiomáticas, são (intuitivamente falando) fórmulas a partir das quais se derivam outras fórmulas chamadas de teoremas, via o uso de regras de inferência.

      O termo "tautologia" se refere a fórmulas verdadeiras no contexto da tabela-verdade usual para o cálculo proposicional clássico L. No mesmo livro que você menciona, há referências explícitas e detalhadas sobre outras possíveis tabelas-verdade, nas quais não faz sentido afirmar que um dado axioma é verdadeiro. E tais tabelas-verdade são ferramentas metamatemáticas usadas para demonstrar independência dos axiomas de L.

      Recomendo a leitura da postagem abaixo:

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/09/espaco-fronteira-final.html

      Neste texto você terá uma ideia um pouco mais detalhada sobre como um axioma pode ser verdadeiro em uma dada interpretação para uma estrutura axiomática e falso em outra.

      Também recomendo que estude a teoria da verdade de Alfred Tarski. Perceberá várias coisas fascinantes, incluindo uma visão sobre verdade que transcende enormemente a concepção trivial de tabelas-verdade. Sobre a magnífica obra de Tarski há referências em meu livro.

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    3. Obrigado pelas explicações e pela sugestões. Mais a frente no seu livro, ontem, eu encontrei uma passagem que fala das possíveis interpretações e, portanto, que confirma o enunciado que os axiomas não são, necessariamente, sempre verdadeiros nas diversas interpretações. Quero parabenizá-lo pela iniciativa e pela disposição em manter o blog com muita serenidade e seriedade que são peculiares aos homens da Ciência.

      Abraço,
      Marcelo

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  9. Adonai


    Entendi. Achei que o comentário estava direcionado para autores e leitores do blog.

    Por favor, sempre que eu escrever algum absurdo ou grave, continue me corrigindo, pois assim vou me aprimorando e refinando as ideias.

    Quanto aos axiomas, infelizmente ocorre o que vc comentou, dos autores tratarem disso como sentenças ou proposições verdadeiras e intuitivas.

    Inclusive quando conversei pessoalmente contigo pela primeira vez, falei sobre axioma usando aproximadamente esta noção deturpada que eu havia extraído do livro de Cálculo do Leithold e que, sem conhecer mais a fundo do tema, tinha me parecido razoável na época.


    Falando em livros, no curso de Química era de praxe adotarem os livros do Swokowsky, Leithold e Guidorizzi.


    Na época eu acabei comprando o livro do Leithold por inexperiência e por parecer um livro mais consistente e completo do que os outros dois.

    No entanto, foi contigo que me dei conta que o livro do Leithold já não era de todo correto, dada a falha em conceituar um axioma.

    Neste sentido, tenho dúvidas:

    1) Apesar desta falha conceitual sobre axiomas demonstrada pelo Leithold, pode-se dizer que foi uma boa escolha para o curso de Cálculo A (equivalente aos Cálculos I e II), ou acabei jogando dinheiro fora?????


    2) Já ouvi falar muito bem do livro de Cálculo do Tom Apostol. É bom mesmo????? Valeria a pena adquirí-lo?????


    3) Existe algum bom livro de Cálculo que aborde o tema partindo do desenvolvimento histórico do assunto, desde as mais remotas noções até o grau de complexidade atual??????

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  10. Leandro

    1) O Livro de Leithold é obviamente aproveitável. O que não pode ser feito, porém, é depender de uma única obra para aprender cálculo ou qualquer outra área do saber.

    2) O mesmo comentário vale para o livro de Apostol. É tolerável.

    3) O melhor livro de cálculo que conheço é o Differential and Integral Calculus, de Richard Courant. Tem à venda na amazon. Desconheço tradução dessa magnífica obra para o português.

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  11. Adonai:
    Olá!
    Vou falar um pouco sobre o modelo que te parece "ideal".
    Você já deu pareceres para revistas. Recebe um artigo sem identificação, e toma como hipótese que em algum outro canto do mundo isso aconteça com outra pessoa.
    Pergunta: como o editor os escolheu?
    Respondo: em princípio os parecerista fazem parte de uma lista de possíveis avaliadores associados a certos temas que conhecem melhor.
    Além disso, os editores também possuem um julgamento de "valor" sobre os pareceristas (totalmente subjetivo). Algo do tipo: "Adonai faz uma leitura cuidadosa e apontamentos exigentes para a revisão do texto". Este editor recebe o texto de um desconhecido, olha para sua lista de avaliadores, e designa o texto para você, sem problema. Entretanto, ao pegar o texto de um conhecido (não, necessariamente, um amigo) pode pensar que ele "não precisa" passar por um escrutínio como seu... é já um autor "de renome", de modo que envia o artigo para outro avaliador que ele sabe que lerá mais rápido e fará menos anotações. De modo que, não vejo que o processo que você descreve seja "isento", ele é apenas um outro processo. Talvez funcione "melhor" em alguns casos, mas certamente não é o melhor em todas as situações. Mudando o que se precisa mudar, assim é com o sistema de bancas e concursos públicos. Longe estão de serem os melhores mecanismos de avaliação, mas em muitos casos funcionam... pois há uma certa premissa incômoda que é a da co-responsabilidade: ao aprovar um texto ruim, medíocre ou com erros, o orientador (e a banca) deixam seu nome associado a aquele trabalho. Isso se torna público.

    Como você cita algumas vivências, cito uma que vivi na nossa UFPR: a distribuição de processos para julgamento no CEPE é feita por "lista": entra um processo e ele vai sendo distribuído para os conselheiros "da vez". Ora, não era incomum que este procedimento de distribuição fosse "adulterado" - em benefício da instituição!!!! - com um processo sendo distribuído fora da ordem, mas para um conselheiro que fosse especialista naquele assunto. A pergunta que cabe é: ok, mas se isso pode ser feito "em benefício da instituição", também pode ser feito para favorecer algum interessado, não é?
    No fim das contas, os processos de avaliação ficam sujeitos a uma questão moral que precede estes procedimentos. A questão moral é:
    - Partimos do princípio que as pessoas são honestas?
    (e agimos de acordo com este princípio... até prova em contrário)
    - Partimos do princípio que as pessoas são desonestas?

    Todo o "policiamento" é necessário quando você adota o segundo princípio. Eu creio ser mais otimista que você, agindo em suposição da honestidade da maioria. Ou seja: não faço movimentos de "coerção" ou de "prevenção" sobre os que "não precisam" a partir de uma hipótese de que entre eles haverá alguns que "precisam" ser vigiados....

    Um grande abraço!!

    Carlos Roberto Vianna

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    1. Oi, Vianna

      Sempre vejo avaliação como um processo de medição. E em processos de medição sempre existe interação entre objeto medido e observador. O problema que se busca resolver, portanto, é minimizar os efeitos de tal interação. Ou seja, jamais afirmei que minha proposta é ideal. Afinal, já escrevi aqui mesmo que pessoas são invariavelmente falíveis. O sistema de avaliação que apontei, no caso de pareceres sobre artigos submetidos em periódicos, é carregado de falhas. Tanto é verdade que existem fraudes na literatura especializada, mesmo em revistas como a Nature. Mas é fato que, no caso das bancas tradicionais de pós-graduação e de concurso público, não há garantia de independência estatística entre os julgamentos dos membros. Pior do que isso, é fato que esse mecanismo é usado de forma consciente ou não por pessoas que se posicionam como líderes. Ou seja, minha proposta é tornar avaliações por bancas MAIS justas. Mas não vejo como tornar avaliações SEMPRE justas. Tudo o que fiz foi apontar para a incoerência praticada em bancas de avaliação. É uma incoerência com a postura supostamente científica dos meios acadêmicos.

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  12. Oi Adonai
    Gostei do texto sobre bancas e concursos. Hoje posso ter algum parâmetro de comparação (pontuei como "algum"), pois de professora de IES privadas por mais de 18 anos, tive a oportunidade de trabalhar em IES pública. O principal foi o fator ética que, generalizando, há bastante carência na instituição pública. Menciono a carência haja vista que foi o que mais me surpreendeu (entre outras coisas) já que em minha experiência anterior nunca a vi de forma tão gritante. Resumindo, foi suficiente para voltar às IES privadas ligeirinho.

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  13. Arlene

    Antes de mais nada, você é a Arlene Lopes Sant'Anna?

    Que instituições privadas de ensino superior têm políticas internas melhor definidas, não tenho dúvida. Mas ética é algo que falta a todos os professores do Brasil. Sugiro a leitura de http://adonaisantanna.blogspot.com/2012/01/etica.html

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    1. Arlene Lopes Sant`Anna sim!Concordo que a maioria desconhece ética, todavia a referência de falta de ética escancarada que presenciei foram cenas deprimentes de falta de respeito por pares entre si, o que NUNCA presenciei em 25 anos de magistério em instituições privadas.

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    2. Oi, Arlene

      É ótimo contar com sua colaboração por aqui. E melhor ainda saber que você conheceu algo raro: instituições privadas de ensino que respeitam professores. Isso, para mim, é uma novidade.

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  14. Oi prof. Adonai.

    Tenho lido de vez em quando suas publicações. Esta em particular foi muito tocante. Suspeito fortemente que a classificação para o ingresso ao programa de mestrado do departamento de Física da UFPR em 2002 foi tendenciosa com relação a minha pessoa, apenas porque tive um desentendimento com um prof. do departamento. Aliás, o que reforça a minha suspeita, é o que estava escrito na homepage do departamento: "os critérios finais para classificação dos candidatos ao programa de pós-graduação não serão divulgados". Entendo isto como "a ordem classificatória dos candidatos é subjetiva", ou ainda, "não há critérios objetivos para a classificação". É um faz de conta. Coitado dos candidatos que tiveram algum tipo de divergência no departamento. E o pior de tudo é saber que seu orientador de Iniciação Científica que seria seu orientador para o Mestrado participou disso pacificamente.

    A justificativa que meu ex-orientador me deu foi não ter nenhuma publicação. Pode até ser verdade, mas ainda assim, colegas de curso que tinham um IRA menor e reprovações ficaram melhor classificados.

    Isto contribuiu pelo meu desinteresse em prosseguir na Física, apesar das insistências para meu retorno do meu ex-orientador de IC por todo este tempo.

    Este desinteresse por continuar na Física é baseado principalmente pelo cultivo da ideia de se usar o mínimo de matemática possível em Física e, para piorar, ainda muitas vezes de forma distorcida conceitualmente.

    Eu receio profundamente em perguntar para um professor que estivesse lecionando Eletrodinâmica para que ele justificasse, ao menos intuitivamente, o que significa "covariante" e "contravariante" em referência a "vetor covariante" e "vetor contravariante". Vetor covariante? Covaria o quê? Antes, o que é covariante? Perguntas análogas para contravariante. Eu já questionei isto uma vez e tive
    como resposta o covariante é o que tem índice embaixo e o contravariante, em cima. Eu cansei de ouvir respostas deste nível no departamento de Física. E o pior que não percebem nenhum problema com isso. Hoje, depois de buscar em várias referências bibliográficas creio que tenho, ao menos, a ideia intuitiva do sentido termos.

    Meu orientador mesmo me disse que não deveria perder tempo com estas coisas. Ora, é necessário compreender os conceitos e nomenclatura para se ter consciência e pleno entendimento da matemática que se está utilizando. Caso contrário, permanecemos na forma estúpida de se "aprender" matemática.

    Eu sempre gostei de matemática. Aliás, eu pretendia fazer matemática, mas me deixei influenciar por um professor de Biologia, que respeito muito ainda assim, em fazer física. Isto aconteceu porque ele tinha uma postura crítica com relação à educação e à sociedade brasileira, suas aulas eram incríveis, privilegiando a compreensão dos conceitos, promovia reflexões sobre as crenças das pessoas, entre outras coisas.

    Tomei para mim como um desafio em fazer física, alimentado pelo mito de ser o curso "difícil", que pouca gente conseguia de formar, e outras bobagens. Em meu íntimo, não entendia porque Física era tão difícil de se cursar. Hoje acho que eu sei porque isto acontece: é por causa do conservadorismo e inflexibilidade intelectual predominante no departamento de Física. Parece que não é permitido questionar e ser diferente.

    Se eu soubesse disso, não teria cursado Física. É claro que estas coisas não são próprias do departamento de Física.

    Questionei o meu orientador também o porquê de não usar o FORTRAN 90 ou mesmo o 95, uma vez que alia a familiaridade com a sintaxe do FORTRAN 77 com ferramentas da linguagem C, como o uso de objeto orientado, que seria útil para o meu trabalho de IC, e sua postura foi conservadora, quando disse que não havia motivo para usar, pois o departamento usava apenas a versão 77.

    Eu não entendo porque não usar um versão mais recente que oferece mais instrumentos que facilitem o seu trabalho (continua...).

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  15. Continuação


    As minhas tentativas em ingressar no programa de pós-graduação em matemática falharam. Eu sempre me senti acolhido no departamento de matemática, independente de qualquer coisa. Infelizmente, falharam as minhas tentativas de ingresso. Creio que faltou empenho de minha parte, como comecei a lecionar, as aulas tiraram parte do tempo de estudo, principalmente na época de provas e, o que mais contou, algo me pareceu confuso, como pensar para realizar demonstrações corretas.

    Neste tempo, estudei o livro How to prove it, por Daniel J. Velleman e entendi vários aspectos importante de como demonstrar. Particularmente, por ser mediano, preciso que as coisas estejam claras e objetivas para que as entenda, o que nem sempre acontecia nas aulas de análise matemática e álgebra linear, apesar da minha empolgação com as disciplinas.

    Eu ainda desejo fazer mestrado no departamento de matemática e, para isto, estudo sempre que possível.

    Acho que divaguei, mas precisava escrever essas coisas para o professor.

    Um abraço.

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    1. Adam

      Evariste Galois nunca conseguiu ingressar na Escola Politécnica, seu grande sonho. Não estou comparando-o com Galois. Apenas digo que mesmo um gênio como Galois encontrou extremas dificuldades pelo caminho. Minha recomendação é que você esqueça a UFPR. Mude de estado e curse, como aluno especial, alguma disciplina de pós-graduação em uma boa universidade de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais ou do Nordeste. Dessa forma você formará uma nova rede social que poderá permitir sua inserção na vida acadêmica. Se quiser, podemos conversar pessoalmente sobre detalhes. Você tem meu e-mail.

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  16. Excelente artigo professor, escreves o que raros tem coragem!

    Nessa passagem

    "Se não há independência intelectual entre os membros de um jurado,"

    não seria "júri" ao invés de "jurado"?

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  17. "Eu, por exemplo, já fui convidado por um pesquisador para participar de uma banca de qualificação para doutorado simplesmente porque o presidente da banca considerava o candidato fraco. Durante a arguição os demais membros da banca (exceto o presidente, que evitou interferências) elogiaram o projeto. "

    O texto deveria se referia a banca como um exemplo, pois o ponto não é a cientificidade do conhecimento, mas a honestidade e caráter dos membrs da banca. Isto é outra história. Um auditor pode fechar o olho para uma não conformidade, um policial militar para um assalto que está acontecendo na sua frente, e, como citado no texto, uma banca para uma tese de pouca qualidade...A questão deveria ser direcionada para a integridade daqueles que estão a frente do processo.

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  18. A sua postagem tocou num ponto importante, mas ao contrário dos comentários acima gostaria de aproveitar este espaço para pedir que seja analisado outro tópico que considero importante: o "valor" da pesquisa em nosso país. Explicando um pouco melhor, cito o artigo "O financiamento da masturbação sociológica pelo CNPQ" de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/node/1050539) como base para uma discussão.

    Penso que o papel da universidade é incentivar o conhecimento em todas as áreas, não apenas no que parece dar resultado prático, e como apreciador e estudante de matemática vejo que tal postura é fundamental para que várias áreas da matemática sejam estimuladas, mas ao saber de trabalhos como o citado no texto de Nassif acabo me perguntando se não tem alguma coisa errada. Um país como o Brasil precisa mesmo de financiamento acadêmico para algum trabalho sobre futebol?

    É claro que o trabalho citado é só um exemplo mas não é uma exceção, ao meu ver existem alguns "trabalhos faz-de-conta" que não têm absolutamente a menos relevância em qualquer área que seja e que são financiados em detrimento de outros trabalhos.

    Muitos argumentam que julgar que ninguém pode julgar a importância do conhecimento em outras áreas mas existe uma avaliação dos projetos para que tal financiamento seja liberado então deve existir algum tipo de critério de comparação.

    Não sei se há algo errado com os orientadores que se prestam a dar aval a tais "trabalhos",se há algo errado com quem financia tais "trabalhos" ou se eu é que estou errado.

    O Brasil precisa mesmo financiar qualquer tipo de pesquisa? Se for assim acredito que em breve teremos incontáveis doutores em nosso país, a maioria com mestrado em estudos qualitativos do futebol, especialização em práticas carnavalescas e com doutorado em estudos comparativos dos sabores de cerveja, todos com financiamento do dinheiro público.

    Ficaria feliz em ver uma postagem no seu blog analisando tal assunto.

    Obrigado!

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    1. Anônimo

      Surpreendente você sugerir este tema. Digo isso porque já existe um texto inédito sobre essa questão, escrito por um colaborador meu e que pretendo veicular neste blog. Trata das famosas imposturas intelectuais. Minha intenção era publicá-lo somente em 2013. Mas talvez eu reconsidere essa ideia.

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  19. Professor,

    O texto inédito que comenta já veio a público ? (Afinal, já chegamos em 2013! Só falta passar pelo primeiro equinócio também!!).

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    1. Lívio

      Foi publicado neste blog no dia 24 de setembro de 2012. É um texto escrito pelo cineasta José Padilha. O link segue abaixo.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/09/imposturas-intelectuais.html

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  20. Professor... muito bom esse texto. Isso é uma "constante universal" aqui no Brasil. Fraude, fraude, fraude. Tenho conhecimento de muitas ocasiões. Agora imagine: se os "mestres" e "doutores " da nossa sociedade, responsáveis pelo "pensamento" - uma vez que os pobres e simples estão ocupados tentando encontrar saídas-, pensam e agem dessa forma, não seria o fim da picada? Não seria uma singularidade aparentemente não-removível? Não acredito em uma mudança que venha de dentro; é muita desonestidade. O pior é que esses mesmos corruptos - que é o que realmente são-, posam de seres quase celestiais e de impecável conduta ética. São como advogados medíocres que deveriam ser qualquer coisa , menos cientistas. Eu vou ser aqui mais radical: a única coisa que funciona de verdade no Brasil, são Os Correios. Mesmo em greve as "coisas" chegam. Isso porque, quem trabalha e produz é o povão. Falando nisso, me veio à memória um diálogo que assisti em um Filme, digo: "A conquista do Paraíso", onde, um marujo, um pobre no mundo dos ricos, dialogava com um "Doutor" que pretendia humilhá-lo. O marujo então perguntou: olhe pela janela. O que o senhor vê? O doutor então respondeu com arrogância incomensurável: vejo ruas e belas construções. O marujo então retruncou: pois bem. Tudo isso é construído por pessoas como nós, a ralé. Em nossa pobreza temos a honestidade de construir e fazer com que as coisas funcionem. Nossos cientistas deveriam pensar para encontrar saídas, soluções para o problemas dos que não podem pensar. Mas, no entanto, se comportam como Reis achando que suas posições foram dadas por Deus devido à sua superioridade. Ridículos.

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    1. sherudick

      A única solução que vejo para o Brasil é uma revolução. Sem calamidade pública, não há como a maioria perceber os erros fundamentais que estamos cometendo.

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  21. Olá professor,
    tenho que dizer que passo muita raiva lendo seu blog, pois os tópicos discutidos são coisas que não suporto no departamento de Matemática da UFPR, leio as coisas que você escreve e, inevitavelmente, nomes surgem na minha mente. Antes parecia que poucos enxergavam essas coisas, agora parece que grande parte enxerga esses defeitos, mas quase ninguém age.

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    1. Anônimo

      Trabalho justamente no Departamento de Matemática da UFPR. Mas posso garantir que esta unidade é um verdadeiro paraíso se compararmos com outras espalhadas pelo país. Pelo menos os professores do DMAT/UFPR conseguem, em sua maioria, oferecer condições para que talentos se projetem em suas carreiras, desde que saibam como lidar com idiossincrasias simplesmente inevitáveis em instituições rançosas como a UFPR. O melhor negócio é canalizar seu sentimento de raiva em favor da matemática e de sua carreira. É a velha máxima: "Jamais mudamos o Diabo, mas ele pode nos transformar."

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    2. Verdade, tentar cuidar da carreira e usar isso como exemplo para no futuro não se tornar o que se está criticando.

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