segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Matemáticos Cegos



Assim como há muitos talentos que deixam o Brasil, existem também aqueles que sequer têm a chance de serem reconhecidos. Há vários fatores de ordem social que justificam isso, que vão de questões raciais a sócio-econômicas e até preconceitos contra deficientes físicos. Ilustro aqui o último caso, baseado parcialmente no artigo "The world of blind mathematicians", publicado em Notices of the American Mathematical Society 49 10 1246 – 1251 (2002), por A. Jackson.


Há muitos matemáticos cegos no mundo. E diversos deles são geômetras, talvez até a maioria. Se a geometria, como erroneamente pensam muitos, exige contato com a noção de forma no mundo físico, como explicar então os magníficos trabalhos de pesquisa hoje realizados por matemáticos cegos? 


Um dos mais prolíficos matemáticos da história foi o suíço Leonhard Euler, no século 18. Nos últimos dezessete anos de sua vida, Euler ficou completamente cego. E ainda assim, metade de seus oitocentos e cinqüenta artigos foi produzida durante o período de absoluta deficiência visual. Teve o apoio, para escrever seus manuscritos, de dois de seus filhos e de membros da Academia de São Petersburgo. 


Alguém poderia alegar que ele era um gênio, uma anormalidade, capaz de proezas que outros não podem realizar. Talvez faça sentido. Mas há demais exemplos de matemáticos profissionais cegos que estão espalhados pelo globo. Euler foi apenas o mais famoso.


Bernard Morin é mundialmente conhecido por um trabalho no qual mostra como virar uma esfera do avesso sem cortá-la. Em seu apartamento há modelos em argila que reproduzem em três dimensões as diferentes etapas dessa inversão da esfera. Ele mesmo esculpiu esses modelos nas décadas de 1960 e 1970, para facilitar a visualização de suas ideias para outras pessoas. Morin é cego. 


Lawrence W. Baggett, matemático cego que é professor na Universidade do Colorado, quando questionado sobre como consegue lidar mentalmente com complicadas fórmulas matemáticas, modestamente responde: “Bem, é difícil para qualquer um”. 


Mesmo cegos praticamente de nascença têm se destacado na matemática, como foi o caso do inglês Nicholas Saunderson, no século 18. Ele perdeu completamente a visão com um ano de idade por conta de varíola. Isso não o impediu se tornar fluente em francês, grego e latim. Tornou-se professor Lucasiano de Matemática na Universidade Cambridge, ocupando a mesma cátedra que foi de Isaac Newton e, recentemente, de Stephen Hawking, outro deficiente físico, o qual certamente não precisa ser apresentado ao leitor. 


Na Rússia temos A. G. Vitushkin, um cego do Instituto Steklov em Moscou. Ele trabalha com análise complexa. 


A França já produziu diversos matemáticos cegos, sendo que Louis Antoine é um dos mais ilustres. 


Eu poderia dar muitos outros exemplos de matemáticos com deficiências visuais graves, bem como outras deficiências físicas, mas a questão não é essa. O fato é que mesmo uma deficiência física como a cegueira não impede um indivíduo de alcançar notáveis resultados intelectuais. E pergunto: Onde estão nossos matemáticos cegos? Há algum cientista brasileiro cego? Desconheço. Por que? Nossos cegos não têm capacidade intelectual o suficiente, se compararmos com cegos da França, Inglaterra, Estados Unidos ou Rússia? Ou simplesmente estamos dizendo que não precisamos deles? O quê exatamente não estamos vendo diante dessas questões?


A famosa educação inclusiva tem sido conduzida em nossas terras como um processo formativo ou como mero ato de piedade contra deficientes físicos e mentais? É este o motivo para a não existência de cientistas cegos?


É claro que, segundo o IBGE, 90% dos casos de cegueira em nosso país ocorrem em regiões mais pobres. Mas isso justifica o fato de uma nação mais populosa do que França e Inglaterra jamais ter tido um matemático cego?

10 comentários:

  1. Adonai,
    antes de mais nada, parabéns pela postagem! É um estímulo para que os professores desenvolvam mais atividades para deficientes visuais. Pena que eu não sabia de nada disso quando trabalhei com eles! Em segundo lugar, você já me havia falado desse matemático e da inversão da esfera. Sempre fiquei curiosa, mas só agora, com seu post, fui procurar. É incrível! Neste site tem um vídeo que mostra! http://hypescience.com/5-fatos-matematicos-de-quebrar-a-cabeca/
    Peço licença para publicar aqui.
    Um abraço!

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  2. Em tempo: adoro suas imagens, mas nesta você se superou. ADOREI. Parabéns.

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  3. Uma excelente notícia: Laura Ribeiro Franco, uma menina de 13 anos, cega desde pequenininha, ganhou medalha de ouro nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas em 2010.

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  4. Olá prof. Adonai.

    Um casal que tem 20 filhos terá, provavelmente, várias filhas e muitos filhos. Mas um casal que tem um único descendente ou não terá um menino ou não terá uma menina. Com isso quero dizer que na escassez de algo é difícil visualizar a diversidade.

    Então, na minha opinião, ter zero matemáticos cegos é um reflexo de ter poucos matemáticos (posso estar tremendamente equivocado, pois talvez o Brasil tem matemático de qualidade que não acaba mais - eu duvido disso mas o sr. poderá lançar luz sobre este fato).

    Na postagem "Motivando Crianças a Estudar" o sr. disse, em comentário, que segundo Leopoldo Nachbin, "para fazer matemática de qualidade você precisa estar no lugar certo, trabalhar com as pessoas certas, investir nos problemas certos, agir no momento certo, e... ter sorte".

    Veja que isto não tem nada a ver com ser cego ou não. Segundo o meu entendimento, o problema maior é que a grande maioria das pessoas (cegas ou não) se encontram no lugar errado e rodeadas de incapazes - que ganham do estado pra formar (ou desformar?) o indivíduo.

    Talvez o fato de ser cego é um obstáculo significativo para o indivíduo somente nos lugares (como Brasil) em que a formação acadêmica da massa é ruim até para quem enxerga.

    Creio que o sr. entendeu + ou - o que eu quis dizer.

    PERGUNTA: acha que o problema seria resolvido se, nas universidades, criassem um sistema de cotas para cegos?

    AAnooniimoo

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  5. Susan

    Agradeço pela referência ao vídeo. Este resultado de Morin é realmente fascinante.

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  6. André

    Essa notícia é realmente sensacional. Seria interessante conversar com ela para saber sobre seu interesse em matemática. Digo isso porque frequentemente pessoas com talento matemático dirigem seus interesses pessoais a áreas tecnológicas.

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    1. Pois é, segundo uma reportagem que vi, Laura quer ser engenheira.

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    2. Nesse caso, André, novamente estou achando que não direcionei bem a postagem. Aparentemente o problema não é a inexistência de matemáticos cegos, mas o pequeno interesse no Brasil sobre a carreira de matemático.

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  7. AAnooniimoo

    Seu comentário foi muito feliz. Realmente acredito que sua análise faz absoluto sentido, no que se refere à inexistência de matemáticos cegos no país. Pelo que percebo você tocou em uma questão muito mais abrangente e delicada do que aquela abordada na postagem. Sensacional! Aprendi mais uma.

    Com relação à ideia de cotas para cegos, não acredito que seja uma boa ideia. Esses programas de cotas são artificialismos que tentam mascarar problemas sociais sérios e ainda criam grandes injustiças.

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  8. Adonai


    Não é de se espantar que a Laura tenha escolhido a carreira de engenharia, pois em nosso país, as áreas tecnológicas acabam por ter um prestígio maior pela sociedade do que áreas como Matemática, Física, Química e Estatística.

    Infelizmente as "ciências de base" (se é que podemos chamar assim) não são muito bem vistas em nossa sociedade, nem conhecidas apropriadamente, nem valorizadas apropriadamente e nem prestigiadas apropriadamente!!!!!


    A ironia disso tudo é que são justamente estas ciências ditas exatas e naturais que servem de base para os cursos tecnológicos e de engenharia e, só por isso, já deveriam ser mais valorizadas do que as próprias engenharias, ou pelo menos em igual proporção!!!!!!


    Talvez isto não aconteça devido a diversos fatores, entre os quais se incluiria questões de ordem política, como a desunião das classes profissionais de físicos, químicos e matemáticos.

    Talvez se os profissionais dessas áreas fossem mais unidos (quase tanto quanto na classe médica), teríamos força suficiente para reivindicar nossos direitos.

    A classe dos químicos, por exemplo, não dispõe do merecido número de atribuições junto ao CRQ em relação aos engenheiros químicos, apesar de conseguirem exercer muitas das atribuições apenas associadas aos engenheiros.

    Já tive o desprazer de, na época de estudante, presenciar em meu e-mail da universidade, na época, um professor usar a intranet e a rede interna do departamento para insultar e desmerecer outro professor, de modo que todos os alunos e professores do departamento soubessem e pudessem ler o conteúdo dos insultos.

    Além da clara deselegância (incompatível com o que se espera para um professor universitário que costuma ser visto pela sociedade como pertencente à "nata" social), esta atitude do professor agressor mostrou-se justamente contra a uma possível ideia de união de classe profissional.

    Sendo assim, este e outros possíveis fatores dos quais eu particularmente não conseguiria avaliar com profundidade todos eles, podem acabar contribuindo para o desprestígio das profissões em exatas e naturais, em relação a outras.

    Recentemente, no conjunto residencial onde moro, um garoto de 15 anos havia passado no vestibular para Matemática na UFPR e, apesar dos esforços de algumas pessoas para estimulá-lo a realizar o curso, o pai do rapaz posicionou-se contra o garoto fazer o curso, ao que parece, pelo possível motivo de desprestígio da profissão.

    Como resultado, o garoto não se matriculou no curso, terminou o ensino médio no ano seguinte e prestou vestibular para engenharia. Atualmente, ele cursa uma das engenharias na UTFPR.

    Uma pena, pois poderia ter sido um matemático brilhante.

    Não conheço os problemas pontuais de cada área, mas que as classes profissionais das Exatas e Naturais poderiam ser mais influentes na sociedade, creio que poderiam.

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