Não são raros os físicos que informalmente definem força como massa vezes aceleração. E quando são questionados sobre o conceito de massa, respondem que é força dividida por aceleração. É claro que, do ponto de vista lógico-matemático, isso parece uma piada, pois a óbvia circularidade soa ingênua (para dizer o mínimo). Mas de todos os profissionais que cometem erros assombrosos, os físicos estão entre aqueles que podem nos ensinar muita coisa com seus bizarros equívocos.
Em função disso, lembro que anos atrás uma ex-colega minha do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná me disse algo que jamais esqueci: "Eu confio nos físicos."
A experiência mostra que físicos exageradamente preocupados com a contraparte matemática de suas teorias acabam se afastando da intuição física. E física de boa qualidade definitivamente não se faz sem intuição. Se o leitor tem uma mentalidade mais formal-matemática e, em função disso, encontra dificuldade para entender o que quero dizer, nada posso fazer a não ser lamentar. Trabalhei durante décadas com matemática e física. E posso dizer que a intuição física é algo que me fascina muito mais do que qualquer teoria matemática. Ilustrarei tal afirmação nesta e na próxima postagem.
No entanto, se um físico consegue desenvolver pesquisa de boa qualidade sem saber exatamente o que está fazendo em termos epistemológicos, isso não o qualifica para respostas jocosas, como as alegadas definições de massa e força dadas no primeiro parágrafo. Devemos saber distinguir física de fundamentos da física. Se um físico ignorante sobre fundamentos não sabe o que é força ou massa, que seja honesto e diga a verdade a quem perguntar.
Um dos papéis da matemática na física é conferir parte da epistemologia dessa importante ciência real. Portanto, definir conceitos como massa e força é uma tarefa que carrega uma grande dose de matemática. Ou seja, conferir claramente o caráter epistemológico de uma teoria física é uma tarefa muito mais difícil de ser realizada do que a pesquisa em física, em seu sentido estrito. Isso porque a epistemologia de teorias da física faz parte do estudo dos fundamentos da física, uma área do conhecimento que envolve física, matemática, lógica e filosofia.
Comecemos com o conceito de força.
A rigor, do ponto de vista filosófico, não faz sentido perguntar o que é força. Faz-se necessária uma qualificação da pergunta. Mesmo que questionemos o que é força no contexto da mecânica clássica (corpo do conhecimento no qual usualmente se faz menção a forças), ainda não estamos qualificando a pergunta. Isso porque há inúmeras formulações não equivalentes entre si para a mecânica clássica.
Físicos comumente consideram que existem apenas três formulações: newtoniana, hamiltoniana e lagrangeana. Mas isso é falso. Existem várias formulações hamiltonianas, newtonianas e lagrangeanas para a mecânica. E para dificultar a situação, raras são as vezes que tais formulações são apresentadas axiomaticamente. Afinal, para responder formalmente se algum conceito é definível, em uma dada teoria, faz-se fundamental que ele seja uma componente da linguagem de um sistema axiomático. Então analisemos uma formulação axiomática em especial da mecânica clássica newtoniana.
Em 1953 McKinsey, Sugar e Suppes apresentaram uma teoria axiomática para a mecânica newtoniana. Naquela formulação é possível provar, usando uma técnica lógica-matemática conhecida como Método de Padoa, que força é um conceito não-definível a partir dos demais (partícula, posição, tempo e massa). Portanto, não há definição para força neste contexto. E existe uma explicação intuitiva para isso. Afinal, como afirmamos, não se faz física sem intuição. Se uma partícula está em repouso relativamente a um referencial inercial, usualmente se considera que a força resultante (a soma vetorial de todas as forças aplicadas sobre a partícula) é nula. Portanto, o conceito que pode ser definido é o de força resultante sobre a partícula, que, neste caso, é zero. Afinal, força não é igual a massa vezes aceleração. Força resultante é massa multiplicada por aceleração! As forças individuais sobre a partícula não podem ser definidas. Se, para efeitos de contas, o físico opta por considerar forças individuais como sendo a massa da partícula multiplicada por vetores individuais de aceleração, isso não é inconsistente com a teoria (apesar de não estar previsto nos axiomas mencionados). Mas nem por isso ele pode usar tal recurso como definição para força. Assim, de acordo com o que vimos em postagem anterior sobre definições, o conceito de força é não-eliminável na mecânica newtoniana formulada por McKinsey e colaboradores. Comentário análogo pode ser usado mesmo para uma força resultante não-nula.
Em compensação, em 1894 Heinrich Hertz publicou um livro no qual se apresentava uma formulação para a mecânica newtoniana sem o conceito de força. Em função disso, em 1996 publiquei um trabalho no periódico alemão Philosophia Naturalis, onde desenvolvi uma formulação axiomática para a mecânica, inspirado nas ideias de Hertz. Uma versão modificada deste artigo e escrita em português está aqui.
Mais tarde mostrei, em parceria com um ex-aluno (no periódico estadunidense Foundations of Physics Letters), que minha formulação para a mecânica newtoniana sem força permitia deduzir as leis de Kepler dos movimentos planetários. Ou seja, a princípio é possível prescindir de força, dependendo da axiomatização adotada.
Em 2000, Max Jammer publicou o livro Concepts of Mass (Princeton University Press), seguindo o mesmo espírito de seu famoso Concepts of Space (com prefácio de Albert Einstein). Neste livro ele afirma (na página 24) que demonstrei em minha formulação para a mecânica de Hertz que, mesmo em axiomatizações da mecânica que evitam a noção de força, ainda precisamos do conceito de massa como primitivo. Na verdade jamais afirmei isso e sequer foi minha intenção sugerir tal ideia. Afinal, Heinz-Jürgen Schmidt (que Jammer equivocadamente se refere na obra citada como Hans-Jürgen Schmidt) desenvolveu uma axiomatização para a mecânica lagrangeana na qual ele efetivamente define massa inercial em termos de acelerações. O curioso é que na teoria de McKinsey e colaboradores, usando o mesmo Método de Padoa, é facilmente demonstrável que massa não pode ser definida e, portanto, não pode ser eliminada.
No caso do conceito de massa, as discussões na literatura especializada parecem ser bem mais extensas do que aquelas sobre força. Os físicos comumente gostam de diferenciar conceitualmente massa inercial (responsável pela inércia dos corpos) de massa gravitacional (responsável por fenômenos de gravitação). Mesmo a famosa relação entre massa e energia (devida a Einstein) é comumente mal compreendida. Muitos ignoram que a noção de massa na teoria da relatividade restrita não é a mesma empregada nas formulações usuais da mecânica clássica não-relativística.
Ou seja, a definibilidade dos conceitos de massa e força em física simplesmente depende da teoria em tela. Em suma, não se faz ciência sem qualificação de discurso.
Adonai, no primeiro parágrafo você escreveu que “não são raros os físicos que informalmente definem massa como força vezes aceleração”, acho que sua intenção era dizer “(...) força como massa vezes aceleração”.
ResponderExcluirSua afirmação de que “físicos exageradamente preocupados com a contraparte matemática de suas teorias acabam se afastando da intuição física” me pareceu muito interessante. Esclareço que interpretei “exageradamente preocupados com a contraparte matemática” como “preocupados com a contraparte matemática no mesmo grau em que os matemáticos costumam se preocupar”.
Não chego a duvidar dessa afirmação, no entanto, confesso que senti falta de exemplos que a corroborem. E mais ainda por haver uma longa lista de matemáticos e físico-matemáticos de renome que deram ou dão importantes contribuições à física como, por exemplo, Newton, Gauss, Laplace, Lagrange, Hamilton, Hilbert, Dirac, Godel, Roger Penrose. Alem desses poderia citar muitos outros como, por exemplo, Edward Witen, um dos pais da Teoria das Cordas e ganhador da medalha Fields em 1990 e um dos maiores físicos teóricos da atualidade, Andrey Okounkov, Terence Tao e Wendelin Werner ganhadores da medalha Fields em 2006 por, respectivamente, ter encontrado relações entre geometria e mecânica estatística, por aplicações da teoria dos números em relatividade e mecânica quântica e por contribuições aos fenômenos críticos e transições de fase.
Claro que o rigor matemático não é o mesmo ao longo da história. O rigor matemático de Newton, não era o mesmo rigor matemático dos últimos ganhadores de medalhas Fields, no entanto há, e desde sempre houve, numerosos matemáticos que, imagino eu, sempre se preocuparam com a contraparte matemática de suas teorias, sem deixar de dar importantes contribuições à física. Quem seriam os físicos (no sentido de pessoas envolvidas com o estudo de física, a nível de pesquisa científica) que se afastaram da intuição física por excesso de zelo com a contraparte matemática de suas teorias? Realmente não duvido que existam, que isso fique claro, mas fiquei curioso em saber quem são.
Tenho outros comentários a respeito do seu excelente e motivador texto (que lembram suas aulas de fundamentos da matemática que tive o privilégio de assistir em 2003), porém deixarei para explicitá-los em outro momento, por absoluta falta de tempo agora.
André
ResponderExcluirDe fato você tem razão sobre o trocadilho que fiz. Já está corrigido. Grato.
Um interessante exemplo sobre físicos se descuidando da matemática será colocado aqui na próxima postagem. Os nomes de físicos matemáticos que você cita merecem detalhada análise. Gödel, por exemplo, apenas mostrou que as equações de Einstein para a relatividade geral admitem solução com tempo fechado. Isso é mais uma curiosidade matemática do que algo relevante para a física, pelo menos até onde se sabe sobre cosmologia. Newton, por outro lado, não tinha a menor ideia de como conceituar os fluxons, que hoje chamamos de derivadas. Laplace frequentemente se perdia em demonstrações. Hilbert era matemático, acima de tudo. Os espaços de Hilbert, por exemplo, são usados em mecânica quântica, mas de modo bastante irresponsável. Já Edward Witten é uma rara exceção à regra.
Na próxima postagem devo esclarecer melhor este ponto.
Das últimas interações que tenho mantido com os físicos (cerca de dois anos atrás), a diferenciação se dava em termos de massa de repouso e massa relativística.
ResponderExcluirIntuitivamente, a massa de repouso representaria uma quantidade diretamente relacionada com a manutenção do estado de movimento de corpos com velocidade relativa constante, em relação a um referencial inercial (que se traduz numa não-variação no momento do objeto em questão).
Neste sentido, quanto mais "difícil" for provocar uma oscilação no estado de movimento do corpo (por meio da aceleração do mesmo, alterando seu momento, em relação a um referencial inercial), maior deverá ser a quantidade associada à grandeza massa, atribuída a este corpo.
Da mesma forma, quanto menos "difícil" for provocar uma mesma oscilação (de mesma intensidade) no estado de movimento (inércia) deste corpo, menor também deverá ser a quantidade associada à grandeza massa, relacionada a este corpo.
Com relação ao conceito de massa relativística, a diferença em relação à massa de repouso estaria relacionada com um aumento no valor desta última quantidade devido a um dos efeitos previstos pela Teoria da Relatividade, aumento este dado em função dos coeficientes de Lorentz, de modo que:
m(r) = y . m(0)
sendo "m(r)" a "massa relativística", "y" o coeficiente de Lorentz e "m(0)" a massa de repouso.
Um corpo em movimento relativo em relação a um dado referencial inercial teria um coeficiente de Lorentz progressivamente maior do que 1, à medida que a velocidade relativa do corpo aumenta. Sendo assim, para corpos em repouso neste mesmo referencial inercial, o coeficiente de Lorentz seria exatamente igual a 1, de modo que:
m(r) = 1 . m(0) = m(r) = m(0)
quando as massas "relativística" e "de repouso" coincidem.
No entanto, segundo os últimos contatos que tive com pessoas da Física há dois anos, de uns tempos para cá até mesmo esta visão já estaria mudada e ultrapassada.
Aquilo que se chamava "massa relativística" teria passado a denominar-se por algo como "inércia" e aquilo que se entendia por "massa de repouso" teria apenas passado a ser chamado de "massa", pois parece que, independente da velocidade e aceleração dos corpos em relação a um dado referencial inercial, as oscilações no momento e em outras grandezas seriam proporcionais, de modo a manter sempre uma mesma "massa de repouso".
Isto mostraria, em princípio, que esta "massa de repouso" trataria-se de uma grandeza fundamental, no sentido de que independe do estado de movimento de qualquer corpo em qualquer que seja o referencial inercial. Daí que se trataria de uma grandeza fundamental e, por isso, simplesmente conhecida como "massa".
No entanto, o mesmo não valeria para aquilo que já foi chamado de "massa relativística".
Trocando em miúdos, termos como "massa de repouso" e "massa relativística" estariam em desuso, dando lugar a apenas termos como "inércia" e "massa".
Sendo assim, ao falar em "massa" atualmente, estaria-se referindo àquilo que antigamente se denominava "massa de repouso", sendo que a dita "massa relativística" não seria propriamente um tipo de massa, apesar da unidade ser a mesma.
CONTINUA
Neste contexto, um dos resultados imediatos da Teoria da Relatividade seria justamente a equação de Einstein em uma versão um pouco diferente da versão popular:
ResponderExcluirE = m . c^2 + p . c
sendo "E" a energia total de um corpo, "m" a massa desse corpo, "c" a velocidade da luz no vácuo e "p" o momento do corpo em estado de movimento relativo a um dado referencial inercial.
Para o caso em que o corpo em questão encontra-se em estado de repouso em relação ao dado referencial inercial e não submetido a influências de campos gravitacionais, eletromagnéticos e/ou de outra natureza, tem-se que o momento do corpo é igual a zero, de modo que:
p = 0
E = m . c^2 + 0 . c
E = m . c^2
Sendo o "m" a massa do corpo (conhecida antigamente como "massa de repouso") e "E" a energia total do corpo nas condições já mencionadas (não sei dizer se a chamada "energia do vácuo" está inclusa nesta relação), daí teria vindo a associação direta que se faz entre a Teoria da Relatividade e a forma final reduzida da equação de Eintein.
Não sei avaliar o grau de coerência e veracidade daquilo que escrevi, pois não sou nem físico e nem matemático por formação, mas apenas costumo ler e conversar algo sobre o assunto.
O que escrevi aqui representa o fruto da interação com pessoas que, julgo eu, parecem possuir bom domínio de Física ou, pelo menos, mais do que eu.
Também me parece que as conceituações que estou postando sobre o tema "massa" são meramente operacionais, intuitivos e pragmáticos e provavelmente não-rigorosos nos termos adotados pelo real universo das definições, em Matemática, tão defendidos pelo Adonai.
De qualquer forma, se o que escrevi puder render algum comentário relevante por parte do Adonai e/ou outros membros do blog, concordando, discordando ou corrigindo falhas do que escrevi, então considerarei que consegui atingir meu objetivo!!!!!
Leandro
ResponderExcluirAquilo que você se refere como massa de repouso é uma propriedade intrínseca de partículas. Ou seja, massa de repouso é invariante. Já a massa relativística depende do observador. Logo, a equação E = mc^2 é válida como está, se considerarmos m como propriedade intrínseca.
As relações entre a física e a matemática são interessantíssimas. Já faz séculos que é muito tênue a linha que divide a matemática e a física teórica e essa é uma das razoes que me levam a acreditar que não deve existir nenhuma incompatibilidade fundamental entre o trabalho do matemático e do físico teórico.
ResponderExcluirPortanto, em particular, não creio que o rigor matemático e a intuição física sejam, em geral, incompatíveis. Outra razão que me leva a não acreditar nisso, são os numerosos exemplos históricos e atuais de matemáticos altamente qualificados e, portanto, rigorosos matematicamente, que deram, e dão, importantes contribuições à física, o que não seria possível se não fossem dotados de uma apreciável intuição física. Mencionei alguns exemplos no meu comentário anterior e neste mencionarei mais alguns.
Ainda que eventualmente, como no caso de Gödel, as contribuições à física não estejam comprovadas experimentalmente, o simples fato de obter a partir de estudos matemáticos interpretações físicas surpreendentes como viagem no tempo, revela necessariamente uma considerável capacidade de intuição física.
Adonai, o fato de que Newton, o criador do Cálculo Diferencial, não tenha conceituado os fluxons, que hoje chamamos de derivadas, mostra o quão discutível é a afirmação de que “não se faz ciência sem qualificação de discurso”. É bem verdade que a história mostra que a qualificação de discurso é fundamental para o avanço científico, porém acho que vale salientar que a recíproca é no mínimo tão verdadeira quanto. O grau de qualificação de discurso nas ciências depende do estágio de desenvolvimento da mesma. Ainda sobre Newton, não acho correto por em dúvida o seu rigor matemático, pois o nível de rigor matemático depende do estágio de desenvolvimento da matemática e um juízo de valor sobre o nível de rigor matemático de alguém deve levar em conta a sua época.
Newton, dotado de uma assombrosa intuição física, não pecava por falta de rigor matemático, muito pelo contrário, se levarmos em conta o nível de rigor matemático possível em sua época. Basta lembrar que ele escreveu os Principia numa estrutura axiomática, partindo de três postulados (as três Leis de Newton) e deduzindo a partir deles numerosos teoremas da mecânica.
D’Alambert, durante seu apogeu foi considerado o maior matemático e o maior físico da França. Isso não seria possível se ele não fosse muito rigoroso matematicamente e ao mesmo tempo não possuísse uma poderosa intuição matemática.
Não creio que seja possível sem alta dose de rigor matemático e intuição física dar um inédito tratamento analítico à Mecânica como fez Lagrange no século XVIII.(a continuar)
(continuando) Euler foi o primeiro a utilizar o Cálculo para tratar da Mecânica, feito que não creio que fosse possível sem um extraordinário rigor matemático aliado a uma formidável intuição física.
ResponderExcluirLaplace, ainda que, como você afirma, se atrapalhasse em algumas demonstrações, foi indiscutivelmente um dos maiores matemáticos que já existiu, e realmente não me parece que isso seja possível com hábitos de falta de rigor matemático. Além disso, por seus importantes trabalhos em física era chamado de “o Newton da França”.
Como seria possível, sem um extraordinário rigor matemático e uma impressionante intuição física, dar um poderoso tratamento matemático à luz e unificar a eletricidade e o magnetismo em 4 equações, como fez Maxwell?
Hilbert de fato era antes de tudo um matemático, e um dos mais rigorosos que já existiu, no entanto, também era dotado de grande intuição física, pois deu contribuições na área da Teoria Cinética dos Gases e a partir de poucas conversas com Einstein foi capaz de compreender e superar as tremendas dificuldades que este enfrentava para obter as últimas equações da Relatividade Geral e, antes mesmo de Einstein, publicou tais equações em uma revista científica (o que, obviamente, não significa que Einstein, juntamente com toda o conhecimento humano acumulado até então, não tenha todo o mérito da criação da Teoria da Relatividade Geral).
Esses são alguns dos numerosos exemplos que realmente me fazem duvidar da existência de uma possível incompatibilidade entre rigor matemático e intuição física. Tendo a crer que talvez exista uma incompatibilidade entre formalismo e criação científica. Porém, é preciso salientar três coisas. Em primeiro lugar, formalismo matemático não é o mesmo que rigor matemático. Em segundo lugar, essa possível incompatibilidade se restringe ao ato da criação científica (da mesma forma que é altamente improvável que alguém possa fazer ciência enquanto vê TV, sem que isso signifique que ser cientista é incompatível com o hábito de ver TV) e, em terceiro lugar, é preciso salientar que a possível incompatibilidade entre o formalismo e o ato de criação científica, se existir, não é uma peculiaridade da física, mas da ciência em geral, inclusive da matemática.
André
ResponderExcluirResponder a todas as questões que você levanta demanda, no mínimo, um livro. Então, infelizmente não me estenderei aqui. Recomendo apenas a recente postagem sobre erros que funcionam muito bem. Lá há uma ilustração muito clara de como a matemática frequentemente é violentada pelo físico. Além disso, é importante observar que sua visão sobre física não é abrangente e nem precisa. As leis das órbitas planetárias, por exemplo, não podem ser inferidas a partir das três leis de Newton. Além disso, a intuição física de Newton era altamente questionável, mesmo adotando padrões da época. Com relação ao trabalho de Gödel, aquilo não é fisicamente intuitivo, pois não está em acordo com experimentos. As equações de Maxwell não foram obtidas a partir de qualquer rigor matemático. Etc. etc. etc. Minha sugestão é que você questione um tópico específico, para que eu possa responder de forma mais completa e detalhada.
Olá, achei seu texto muito interessante. Sou estudante de graduação em física. Gostaria de expressar aqui algumas opiniões a respeito de física e matemática.
ResponderExcluirInicialmente escrevo meu entendimento sobre o que é física. A física estuda o universo, tentando descrever todos os fenômenos que nele acontecem. Acredito que para uma descrição mais precisa foi necessário (em algum ponto da história da física) a utilização da matemática. Esta, na minha opinião, funciona (na física) como uma ferramenta, extremamente poderosa, para um melhor entendimento de como o mundo funciona. A matemática para a física é como um óculos para uma pessoa com miopia, assim conseguimos "enxergar" com mais clareza o que ocorre em nossa volta. Com o desenvolvimento da matemática os físicos conseguiram enxergar mais longe e começamos a fazer previsões de fenômenos, a física teórica.
Por exemplo, se deixarmos uma bola cair perto da superfície da terra, sabemos que essa irá cair. Mas se quisermos saber quanto tempo demora para atingir o solo, precisamos recorrer a matemática.
Acredito que na física utilizamos uma matemática diferente da matemática pura. Essa é abstrata e acho incoerente utilizá-la para descrever o mundo real. Acredito que isso justifique o fato da maioria dos físico não utilizar de muita rigorosidade matemática, pois essa dá lugar à intuição física. Isso também justifica minha opinião de que grandezas físicas devem ser descritas por meio de equações e não definidas através delas. Afinal a matemática-física é uma ferramenta para descrever os fenômenos da natureza.
Um professor me disse uma vez que a física é a arte de fazer aproximações. Concordo plenamente, entre vários aspectos dessa afirmação aqui vai um ponto de vista: se é necessário recorrer a várias aproximações, as quais são usadas com extrema frequência em física, não se pode permanecer totalmente fiel ao rigor matemático. Mais uma razão pela qual acredito que a matemática utilizada pelos físicos é diferente da utilizada por matemáticos.
Finalmente defendo que os físicos devam permanecer fiel a matemática que descreve da melhor forma possível fênomenos naturais e não a formalismos e rigores matemáticos.
Gostaria de deixar claro que não estou criticando o rigor matemático, acredito que este é de grande importância para a matemática pura. Porém na hora de descrever a natureza não se deve empregá-lo fortemente, pois acredito que dessa forma se perde em significado físico ao investigar um fenômeno natural.
Anônimo
ExcluirNo momento não posso responder. Mas até o final da semana responderei seu comentário. Grato
Anônimo
ExcluirSegundo Ludwig, físico alemão que axiomatizou a mecânica quântica, uma teoria física é uma tripla ordenada (M,D,r), onde M é uma estrutura matemática (em sentido preciso), D é um domínio de aplicação (referente ao mundo mensurável que conhecemos como real) e r é um conjunto de regras que estabelecem relações entre M e D. A literatura especializada descreve detalhadamente M e D, mas quase nada sobre r. Por isso existem tantas pessoas que dependem essencialmente de meras adivinhações para qualificar o que é física e como ocorrem as relações entre física e matemática. Ludwig, por exemplo, foi fiel à sua visão. Ele desenvolveu uma axiomatização para a mecânica quântica partindo de fatos experimentais como base para sua estrutura matemática. A obra dele é muito bela, apesar de ser muito difícil de acompanhar.
Em função de seus comentários, recomendo cuidado apenas com algumas de suas ideias: 1) física não se ocupa apenas com previsões de fenômenos; 2) não existe clara distinção entre matemática pura e matemática aplicada; 3) o emprego de matemática em física deve, sim, ser rigoroso; se não fosse o caso, por que então empregar matemática?
Professor Adonai,
ResponderExcluirnão consigo achar o seu artigo "An Axiomatic Framework For Classical Particle Mechanics Without Force". Você pode indicar onde encontrá-lo?
Outra coisa: você poderia dar uma palavrinha sobre as influências dos teoremas de incompletude de Gödel nos esforços de axiomatização na física?
Realmente este artigo não está disponível na internet. Eu mesmo perdi o texto original, por conta de um acidente com antigo computador meu. Você só encontra meu trabalho original em bibliotecas que tenham a revista Philosophia Naturalis, como as de Stanford. No entanto, há uma extensão deste trabalho que foi publicada em Foundations of Physics Letters, vol. 16, 565–578 (2003). Fiz em parceria com o ex-aluno Christiano Gracia. Este texto pode ser facilmente encontrado. Além disso, publiquei com o mesmo aluno uma versão em português sobre o tema, na Revista Brasileira de Ensino de Física (volume 20, páginas 346-353, 1998).
ExcluirCom relação à sua outra questão, recomendo os textos de Newton da Costa, Francisco Doria e Marcelo Tsuji sobre incompletude em teorias da física e da economia. São todos eles artigos que empregam o funtor de Richardson. Há uma bela exposição de caráter geral publicada na revista Nature por Ian Stewart (volume 352, páginas 664-665, 1991).
Muito obrigado!
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