terça-feira, 8 de julho de 2014

Cálculo Diferencial e Integral em Vídeo


Segue abaixo uma breve análise sobre alguns vídeos de ensino a distância disponibilizados no YouTube. O foco aqui é, naturalmente, matemática, com especial ênfase em cálculo diferencial e integral. 

Eu já havia feito anteriormente uma discussão preliminar sobre ensino a distância, uma modalidade de ensino que está destinada a se tornar cada vez mais presente no mundo todo. No entanto, técnicas de ensino a distância ainda não estão permitindo, por mérito próprio, corrigir erros comuns propagados por profissionais da educação. Pelo contrário, o ensino a distância está permitindo um alcance maior da ignorância e do preconceito, os quais (antigamente) ficavam limitados às quatro paredes da sala de aula. A justificativa para tal afirmação é apresentada nos próximos parágrafos.

Um dos principais problemas dos vídeos abaixo mencionados é o fato de que são apenas gravações que meramente reproduzem formas tradicionais de ensino. E os vídeos citados são gravados sem roteiro algum. Ora, como diz a antiga máxima "O que se fala o vento leva." Agora isso não é mais verdade! O que se fala fica. E fica no YouTube.

A linguagem escrita, apesar de opiniões de certos entusiastas do ensino a distância, ainda é a forma mais segura para propagação e discussão do conhecimento científico. Isso porque autores contam com a possibilidade de perceberem seus erros e os corrigirem, antes de efetivamente publicarem qualquer material didático. Afinal, não é fácil discutir sobre ciência e, especialmente, matemática. Já em discursos improvisados, como acontecem em salas de aula (especialmente no caso em que não há interação entre alunos e professor) e inúmeros vídeos de aulas tradicionais, erros são muito mais frequentes.

As atuais gerações precisam urgentemente escrever mais. Informações disponibilizadas na internet têm até mesmo comprometido a memória de pessoas. E não há indícios de que o ensino a distância (na forma como tem sido praticado) consiga efetivamente melhorar o sistema educacional como um todo em nosso país.

Segue uma pequena lista de vídeos que escolhi a partir do YouTube.

1) Neste vídeo da Universidade Estadual de Campinas, o professor Renato Pedrosa afirma repetidamente que cálculo diferencial e integral é o estudo de funções. Falso! Cálculo diferencial e integral, em sentido pouco abrangente, é o estudo de certos aspectos de funções reais definidas sobre certos conjuntos de números reais. Em seguida afirma que em suas aulas ele não trabalhará com qualquer tipo de função, sem deixar claro se esta é uma limitação da disciplina lecionada naquela instituição e para aquela turma ou se se trata de uma limitação do cálculo diferencial e integral enquanto área do conhecimento. O professor chega a conjecturar que todos os alunos de sua turma sabem o que são funções de uma variável real, o que o isenta de demais explicações (uma vez que nenhum aluno o questiona). Honestamente, duvido que qualquer aluno de graduação saiba o que é uma função de uma variável real. Outras confusões são feitas, incluindo a interpretação de gradiente como velocidade, entre vários discursos vagos. 

2) Neste vídeo do professor Luiz Cláudio Mesquita de Aquino percebe-se um certo cuidado do autor para discutir sobre o conceito de limite de funções reais. Ele mesmo estimula o cuidado para quem assiste ao vídeo. Apesar de ainda insistir em discursos comuns à maioria dos livros de cálculo, este vídeo apresenta uma vantagem considerável sobre aquele do item 1, citado acima: as imagens permitem orientar os interessados sobre os tópicos abordados. Desta forma o estudante pode avançar ou retornar a pontos específicos do vídeo, conforme o seu interesse, evidenciando uma vantagem que não existe em sala de aula. Além disso, o autor evita discussões de caráter geral sobre a natureza do cálculo, ao contrário do que aparece no vídeo do item 1. Esta é uma decisão sábia. No entanto, o autor também peca por não seguir um roteiro. Este fato abre espaço para indesejáveis vícios de linguagem, algo que infelizmente ocorre. Eventualmente tais vícios comprometem o entendimento da matéria abordada.

3) Neste vídeo amador de Danilo Pereira, em menos de um minuto ele consegue enunciar de forma errada o teorema de L'Hospital e, além disso, apresentar como teorema um resultado que definitivamente não é teorema, pois admite contra-exemplo. Não tive paciência para acompanhar o restante do vídeo, o qual é simplesmente venenoso.

4) Neste vídeo do professor Marcelio Adriano Diogo fica imediatamente claro que o apresentador precisa de aulas de oratória. Mas, com um pouco de paciência, é possível entender a sua pronúncia. Os erros neste vídeo preocupam. O apresentador defende que uma imagem projetada em uma tela é capaz de mostrar claramente que o limite de uma determinada função é infinito, sugerindo que cálculo pode ser compreendido de forma clara a partir de desenhos. E sua informalidade atinge um novo patamar de ignorância quando o apresentador faz, logo em seguida, uma afirmação completamente errada sobre o conceito de limite menos infinito. Além disso, o discurso é carregado de evidentes preconceitos, ao fazer referência a funções que são definidas por "leis". Essa história de que funções são definidas por leis é uma das piores idiossincrasias existentes em salas de aula brasileiras. Além disso, o apresentador é mais uma daqueles que "pega x": "Se eu pego o x valendo 1,99 [...]". Típica aula ruim.

5) Neste vídeo do professor Gleison Pinto Ramos o autor, em permanente tom de voz muito monótono, tem uma bizarra estratégia de motivação, anunciando o cálculo como "o terror dos estudantes dos cursos de ciências exatas". Uma série de afirmações insanas são feitas. Aqui está uma delas: "O cálculo é dividido em duas partes: o cálculo diferencial e o cálculo integral". Em seguida ele supostamente qualifica essas duas partes de maneira mais absurda ainda: "o primeiro trata do cálculo do coeficiente angular [...] da reta tangente a uma curva"; "o segundo trata do cálculo da área sobre a curva [...]". Em um crescendo de incompetência, o autor ainda faz referências históricas completamente erradas. E, em seguida, discute conceitos matemáticos de forma mais preocupante ainda, sem o mais remoto sinal de qualquer senso crítico. Levando em conta que é um vídeo com mais de cem mil visualizações, este é um exemplo claro do alcance da estupidez viabilizado pela internet.

Para finalizar esta breve discussão recomendo ao leitor que assista a este vídeo, o qual retrata de maneira fidedigna as relações sociais envolvendo o ensino de cálculo diferencial e integral, seja de forma tradicional ou não. O final do vídeo é sensacional.

7 comentários:

  1. Por falar em conteúdo na web, conhece esse blog:
    http://www.goodmath.org/blog/
    Tem umas críticas interessantes sobre matemática, programação e outras coisas também.
    É só uma sugestão, não precisa publicar esse comentário.

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    1. Grato pela dica, Sebastião. Parece realmente interessante o site.

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  2. Minhas opiniões:
    Assistir aula é só uma etapa do aprendizado. Serve para facilitar o entendimento e destacar os pontos mais importantes. O professor pode pular partes menos importantes que podem ser vistas no livro texto.
    Por isso ler o livro texto também é importante. Nele o aluno vai encontrar detalhes não vistos em aula e (talvez) outro ponto de vista. Em algumas matérias, o ideal seria que o aluno lesse o conteúdo antes da aula. Prefiro quando todo o conteúdo está contido em apenas um livro.
    A etapa mais importante do aprendizado é a realização de exercícios e trabalhos práticos. Serve para verificar o entendimento e fixar o conteúdo.
    A prova serve só para forçar os alunos a realizar as etapas anteriores.

    Eu segui isso na minha graduação? Só às vezes.
    Por quê?
    1) Eu perdia muito tempo com deslocamento (comum no Brasil).
    2) Passei muito tempo assistindo aula.
    3) Não me senti intimidado com a provas. Ou seja, não via necessidade de complementar o estudo com leitura de livros textos e realização de muitos exercícios.
    4) Falta de hábito de estudo desde a escola.

    Olhando para trás, o que aprendi de verdade foi o conteúdo que mais coloquei a mão na massa.

    Cadeiras que os professores faziam provas difíceis (e diferentes todo semestre).
    Cadeiras que os professores exigiam exercícios (assignments) e trabalhos práticos.
    Foi doloroso, admito. Mas é o preço que se paga.

    O brasileiro tem o hábito de "estudar para prova" (decorar). Recomento assistir o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=qCL-pC3dRFs

    Eu acho as aulas online ótimas.
    Existem aulas fantásticas disponíveis. O senhor pode colocar mil avaliações de aulas ruins e não provará seu ponto para mim. Pois só preciso de uma aula boa disponível.
    Não procurei por cálculo. Mas assista essa série sobre mecânica quântica (MIT): https://www.youtube.com/watch?v=lZ3bPUKo5zc&list=PLUl4u3cNGP61-9PEhRognw5vryrSEVLPr
    Ou essas de introdução à astronomia (USP): https://www.youtube.com/watch?v=Mr97PrJZCag&list=PLxI8Can9yAHd7kUPviBHxr-49QEl7PRXR https://www.youtube.com/watch?v=rgJDSz8j1Ps&list=PLESLSwHVT64oArG-Ckn7tFwQzWFhcthqf

    Minha graduação ideal seria:
    - Assistir aulas online.
    - Ter horário para tirar dúvidas com o professor (talvez até online).
    - Receber notas por exercícios e trabalhos práticos.
    - Provas desafiadoras.
    - Laboratórios.
    E a troca entre alunos? Já há pouca, pois temos muitas aulas e na aula não há troca. O contato ficaria nos labs, trabalhos práticos e grupos de estudos.

    Acho que é por aí

    Abraço

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    1. Eduardo

      Se houvesse mais alunos com o seu espírito de independência, de fato não precisaríamos nos preocupar tanto com os atuais sistemas de ensino em nosso país.

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  3. Olá Prof. Adonai,

    É com pesar e decepção que assumo meu conhecimento deturpado do cálculo. Digo isso, pois estudei em uma universidade pública paulista, na qual todos esses problemas que você expõe me foram passados de formas mais ou menos semelhantes. O pior é que só me dei conta agora, através das postagens do seu blog.

    Dito isso, gostaria de saber como reverter esse quadro, e de fato adquirir uma visão crítica e correta do cálculo. No seu último post de indicação de livros, você menciona os livros de Richard Courant e Robert Goldblatt. Esses dois são suficientes para "curar" esse mal que me aflige ?

    Obrigado.

    Matheus.

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    1. Matheus

      Na graduação tive aulas muito ruins de cálculo. Isso faz parte da vida de praticamente todo mundo. No entanto, não existe livro que esgote criticamente o tema do cálculo, por melhor que seja. A única solução que vejo para uma visão crítica sobre o tema é o estudo a partir de diferentes referências e o permanente diálogo com profissionais experientes.

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  4. Assisti um pouco do vídeo 1. Parei de assistir na hora que ele diz: "essa flechinha indica que a função transforma números reais para números reais".

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