domingo, 22 de março de 2015

Confissões de um boçal


Recentemente um comentarista neste blog (o qual não quis se identificar) criticou certas afirmações frequentes que faço. Este comentarista, entre outras coisas, critica quando afirmo que o brasileiro é um boçal (pessoa ignorante, rude, grosseira) e que o Brasil não faria falta ao mundo se sumisse do mapa. É claro que muitos brasileiros fizeram grande diferença, com considerável projeção internacional. Exemplos são encontrados nas artes (Heitor Villa-Lobos, Cândido Portinari, entre outros), nas ciências (Carlos Chagas, Newton da Costa, entre outros) e até na tecnologia (Alberto Santos Dumont, Alfredo Moser, entre outros). Mas esses nomes, em geral, conquistaram projeção internacional apesar de terem vivido e trabalhado em nossas terras e não por conta disso. Brasil é um país que não faz questão de dizer ao mundo: "Oi, estamos aqui!" Faz parte da cultura irlandesa, por exemplo, mostrar ao mundo quem foi James Joyce. Já o Brasil faz questão de não lembrar de Peter Medawar, nosso único ganhador do Prêmio Nobel.

O mesmo comentarista acima mencionado perguntou, então, se sou um boçal e se meu eventual desaparecimento faria falta ao mundo. Segue abaixo a minha resposta.

Sim. Nasci um boçal e cresci como um. E, sim. Se eu sumisse agora, minha falta não seria sentida perante o mundo.

Apesar de não ser de minha natureza expor aspectos de caráter pessoal em público, escrevo esta postagem para responder a uma questão que é natural: motivação. Ninguém discursa enfaticamente sobre educação, ciência e cultura se não houver uma motivação. E motivação é algo de caráter inevitavelmente pessoal. Pois bem. Segue abaixo o meu caso específico. 

Apesar de ter nascido em São Paulo (SP), desde a infância vivo em Curitiba (PR). Cheguei a Curitiba na época em que esta cidade tinha 600 mil habitantes. Morei em um bairro marcado por valetas a céu aberto e vizinhos praticamente sem escolaridade. Do lado esquerdo de minha casa morava um policial macumbeiro que adorava esfaquear porcos no quintal de seu lar, fazendo-os gritar e sofrer por muito tempo. Do lado direito morava um rapaz que matava ratazanas dentro do forno do fogão de sua avó. As ratazanas eram capturadas das valetas. E na frente vivia uma mulher que, pontualmente, no final da tarde, gritava com o filho, chamando-o de fdp. 

Meus pais estimulavam muito a leitura. Por conta disso tive meus primeiros contatos com livros de medicina, astronomia, matemática, tecnologia, história mundial e idiomas estrangeiros (inglês e alemão). No entanto, em função de idiossincrasias que prefiro não detalhar, vivi também em um ambiente socialmente muito isolado e dominado por radicais crenças místicas e políticas. Do ponto de vista político, fui criado sob o discurso de que comunismo é sinônimo de estupidez, socialismo é comunismo cor-de-rosa, e que o nazismo só não funcionou porque Hitler foi ambicioso demais. Ouvi muitas vezes a frase "Um dia Hitler será considerado um dos maiores gênios da história." Já do ponto de vista místico fui criado por Rosacruzes que acreditavam que o verdadeiro conhecimento somente é possível através de uma visão esotérica de mundo. Ciência era considerada algo bacana e importante. Mas somente o místico poderia alcançar a suposta sabedoria suprema. 

Diante deste quadro li integralmente todas as edições disponíveis da revista Planeta, um periódico frequentemente dedicado a histórias fantásticas sobre extraterrestres, fantasmas, lobisomens, vampiros e até fadas, narradas como reportagens jornalísticas. Li vários livros de Peter Kolosimo e Erik von Däniken, nomes hoje associados à pseudo-arqueologia, mas cultuados por milhões, décadas atrás.

Bertrand Russell, Platão e Kant eram apenas nomes conhecidos. Nada além disso. Russell, principalmente, mais parecia um velho rabugento do que alguém que tivesse algo importante a dizer.

No entanto, foi justamente em uma edição da revista Planeta que tive meu primeiro contato com a biografia de Nikola Tesla. E aquilo me fascinou muito mais do que qualquer experiência mística ou convicção política. Eu estava, naquele momento, diante de uma breve biografia sobre alguém que efetivamente mudou o mundo, alguém que ajudou a definir o século 20. 

A simples ideia de transformar o mundo era algo que me fascinava. Sem dúvida, Hitler mudou o mundo. Mas a mudança que ele implementou foi uma ideologia. E foi uma ideologia responsável pela morte de milhões. Mas foi uma ideologia que somente se sustentou a partir dela mesma e não do contato com a realidade. Tesla também tinha ideologias. Mas suas ideologias eram sustentadas por aquilo que a própria realidade parece oferecer. Tesla sonhava com eletricidade. Ele queria conhecer a eletricidade. E conheceu. E, em função disso, viabilizou o sistema de distribuição de energia elétrica até hoje empregado no mundo todo. É mais fácil uma pessoa entender o bom uso da eletricidade do que o bom uso do nazismo. 

Mas eu não tinha ideia de por onde começar. Montei laboratórios de eletricidade e de química em um pequeno quarto, a partir do pouco conhecimento que estava à minha disposição. Com tentativas e erros, desenvolvi um telescópio de projeção que permitia acompanhar a dinâmica de manchas solares. O resultado foi uma insolação que me deixou na cama durante uma semana. Mas aproveitei este momento para ler sobre as pirâmides do Egito e descobrir a constante áurea. 

Durante meu ensino médio eu estava determinado a ingressar em uma universidade. Em Curitiba, naquela época, havia apenas duas opções: Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Católica do Paraná (não era Pontifícia ainda). Por conta do isolamento social que vivi, nem se cogitava a possibilidade de fazer uma graduação fora de Curitiba. A UFPR era a única instituição gratuita de ensino superior e, portanto, acessível para os padrões financeiros de minha família. Eu estava em dúvida entre medicina e matemática. Decidi que medicina era uma ideia ruim, pois eu queria uma carreira na qual eu tivesse liberdade de escolha sobre horário de trabalho. 

Cursei Licenciatura em Matemática, na UFPR. Mas, com apenas duas exceções, tive professores sem compromisso algum com pesquisa. E o que eu queria era ser um pesquisador, alguém que construísse algo relevante. 

Ao término da graduação, iniciei o Mestrado em Física, novamente na UFPR. Tive a sorte de encontrar um prolongado período de greve naquela instituição. Isso porque eu tinha considerável dificuldade para acompanhar o estudo das disciplinas exigidas. Usei o período de greve para estudar. A Licenciatura em Matemática, que fiz, era pouco exigente. 

Durante o mestrado publiquei meu primeiro artigo, em parceria com meu orientador, Germano Bruno Afonso. No entanto, sem a pressão de meu orientador, eu jamais teria conseguido chegar aos resultados alcançados. Faltava em mim a mais importante característica necessária para um pesquisador: autonomia. 

Por que eu não tinha autonomia intelectual? A resposta é simples. Porque eu era um boçal. Autonomia de pensamento é algo que deve ser conquistado muito cedo. O tempo estava passando, e a tal da autonomia simplesmente não surgia. Faltava um lampejo, uma fagulha, uma luz de criatividade. 

Criatividade é a capacidade de lidar com contradições. Eu vivia em uma realidade dominada por certezas (fossem místicas, políticas ou até científicas). E como criar ciência se eu ainda assumisse o preconceito de que a ciência oferece respostas? 

Quando concluí o mestrado, senti-me um vencedor. Senti-me como uma pessoa que tinha vencido o isolamento social e cultural da Curitiba dos anos 1970, para ingressar no amplo mundo da ciência que avançava para o século 21. Afinal, meu primeiro artigo foi escrito em inglês. E inglês, achava eu, era o idioma que o mundo lia. No entanto, ignorei o fato de que não basta escrever em inglês. É necessário escrever algo relevante em inglês. 

Ao iniciar o doutorado, na Universidade de São Paulo, tive contato direto com Newton da Costa e seu grupo interdisciplinar de pesquisa. Esta experiência foi avassaladora. Foi quando percebi que todo o empenho que tive até então era algo simplesmente insignificante. Eu achava ter vencido minha boçalidade, mas ficou claro naquele grupo que este não era o caso. Voltei a ser um boçal, pior do que nunca. Eu desconhecia por completo noções extremamente elementares sobre ciência e até mesmo cultura em geral. Fazer matemática ou física de alto nível não se resumia a fazer contas complicadas. Era necessária uma visão científica, algo que definitivamente eu não tinha. E visão científica nada tem a ver com o compartilhamento de ideias científicas, com pessoas dividindo a mesma opinião. Se eu falasse A, Newton da Costa respondia convincentemente que a verdade era a negação de A. Se eu falasse a negação de A, Newton da Costa respondia de maneira mais convincente ainda que a resposta era A. E se eu falasse que poderia ser A ou a negação de A, ouvia uma inesperada resposta B. O que se aprende com Newton da Costa é jamais repetir o que ele afirma ou defende, mas a desenvolver sua própria visão científica. E a única maneira de alcançar isso é se submetendo a duras críticas, botando a cara para bater. Quanto mais violenta for a pancada contra as suas crenças, mais se aprende que elas não passam de meras crenças. 

Durante meu pós-doutorado em Stanford, publiquei meu primeiro artigo solo. Apresentei os resultados deste trabalho em um congresso internacional na Itália. Conquistei minha tão sonhada autonomia. Mas deixei de ser um boçal? Não. Por quê? Porque ainda faltava algo, algo realmente importante. Faltava real relevância no que eu fazia.

Ao longo de minha carreira descobri que publicar artigos científicos em periódicos de alto nível é algo perfeitamente possível de ser realizado, mesmo para uma pessoa que cresceu entre valetas e ideologias nazistas e místicas, lendo sobre deuses-astronautas e fadas que enganaram Arthur Conan Doyle. Aprendi que publicar em periódicos de alto nível é hoje algo até fácil. Era impossível na minha juventude, mas hoje é algo realista. No entanto, o perigo reside justamente na satisfação com tão pouco. Onde está a relevância?

Vários artigos meus são citados por pesquisadores de diferentes cantos do globo, em diferentes idiomas. Deixei de ser um boçal? Não.

Hoje tenho 50 anos de idade. A história mostra claramente que as grandes conquistas científicas são feitas por jovens. Portanto, a chance de que eu faça algo relevante a esta altura fica, a cada dia, mais remota. No entanto, não consigo desistir. É teimosia pura e simples, herdada de minha primeira leitura sobre a vida e a obra de Nikola Tesla, o transformador. 

Pedi meu desligamento do Programa de Pós-Graduação em Matemática da UFPR, como professor colaborador, por perceber que eu estava caindo na rotina da publicação pela publicação. Uma vez que se aprende a publicar em bons periódicos científicos, é muito fácil o profissional se deixar seduzir pela comodidade da rotina: publicar para receber bolsas de pesquisa e receber bolsas de pesquisa para continuar publicando. Para piorar a situação, colegas estavam colocando meu nome em artigos nos quais não colaborei. Faz parte da cultura acadêmica de nosso país um pernicioso corporativismo, no qual publicações são multiplicadas a partir de amizades e coleguismos. E, estranhamente, essa prática se faz presente até mesmo entre pessoas bem intencionadas. É uma espécie de corrupção ingênua, mas muito arraigada na vida acadêmica (incluindo instituições estrangeiras). Mas ciência não se promove a partir da rotina e política. E o fato é que a realidade acadêmica brasileira está dominada por uma rotina burocrática com pouca sintonia com o desenvolvimento da ciência que transforma o mundo. 

Passei décadas me dedicando ao estudo de física teórica e fundamentos da física. Não consegui os resultados desejados. O que fiz, então? Decidi mudar minha estratégia. Uma vez que não posso fugir do fato de que já tenho 50 anos de idade, decidi pelo rejuvenescimento intelectual. E há alguns anos tenho me dedicado cada vez mais ao estudo de linguística, assunto muito novo para mim. Tenho um projeto de pesquisa nesta área, que iniciei com o filósofo brasileiro Otávio Bueno e que acabou assimilando posteriormente contribuições de Newton da Costa. É um projeto audacioso e que tem encontrado dificuldade de aceitação entre linguistas. Mas é uma proposta realmente nova, na qual se assume que a semântica de uma linguagem é mais fundamental do que a sintática. Essa tese contrasta fortemente com a visão dominante de linguistas do mundo todo. Mas o que temos a perder? De meu lado, nada se perde, em caso de fracasso. Afinal, não estou mais sujeito às normas de órgãos de fomento à pesquisa de nosso país. Seria irresponsabilidade minha impor a um aluno de mestrado ou doutorado um projeto desses, justamente porque alunos de pós-graduação esperam poder concluir com sucesso os cursos que fazem. E não há garantia de sucesso algum neste projeto que desenvolvo. 

Já tive alunos que pediram para ajudá-los a publicar artigos em bons periódicos. Sempre foi possível atender a esses pedidos. Mas qual é a garantia de relevância científica para um projeto com data marcada de apresentação?

Resumidamente, sou ainda um boçal. Mas sou um boçal que ainda luta contra a própria ignorância, contra a própria irrelevância, contra a falta de sintonia com um mundo que vai muito além da UFPR, muito além do Brasil e muito além de minhas limitações humanas.

Quando acuso o povo brasileiro de ser boçal, não tenho a intenção de ofender pessoas. Tenho a intenção de apenas expor um fato. Sem o reconhecimento dessa boçalidade, jamais haverá motivação para mudanças construtivas. 

O que está em jogo não são resultados, mas atitudes. Eventualmente a atitude do claro inconformismo com a própria boçalidade pode trazer resultados realmente bons para o Brasil e para o mundo. Mas certamente o conformismo com a própria boçalidade (que se traduz com uma ilusão da pessoa consigo mesma) jamais trará qualquer resultado remotamente importante.

Em nossas terras fala-se muito de elites intelectuais. Pois bem. Essas elites não são reais, elas não existem. O que existe são estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam. Quem se vê como membro de elite intelectual, deve repensar seu papel perante a sociedade. O intelectual não é uma pessoa que realizou conquistas no domínio das ciências ou das artes, mas alguém que permanentemente busca por essas realizações. 

62 comentários:

  1. Muito bom seu texto, professor. O Brasil tem a sorte de ser uma unidade grande, rica e boçal.

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    1. Mas terá mais sorte quando começar a lutar contra a própria boçalidade.

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  2. Há um tempo percebi que publicar artigos sem relevância é fácil, porém pouco agregam a ciência. Preferi buscar autonomia e humildade de levar as minhas pesquisas alguma utilidade para mundo. A partir desse tempo percebi que a descoberta não tem que ser revelante para mim, mas para os outros.

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  3. Há um tempo percebi que publicar artigos sem relevância é fácil, porém pouco agregam a ciência. Preferi buscar autonomia e humildade de levar as minhas pesquisas alguma utilidade para mundo. A partir desse tempo percebi que a descoberta não tem que ser revelante para mim, mas para os outros.

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    1. Jaguaraci

      Esta foi ótima! É desse tipo de mentalidade que precisamos. Chega de ficarmos satisfeitos com conquistas pessoais!

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  4. Prof Adonai

    Não se lamente por não conseguir alguma conquista "relevante". Somente pelo fato de manter este blog já é uma conquista enorme, pois tem ajudado a muitas pessoas a saírem da sua inércia mental, das quais eu me incluo. Não que isto seja um prêmio de consolo, mas tenho certeza que dará muitos frutos no futuro. Muito obrigado!

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    1. Hugo

      Grato pelo apoio. Mas você especialmente deve bem saber: nunca é o bastante. O que confere vida é essa eterna insatisfação.

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  5. "Il est impossible de traiter de bonne foy avec un sot. Mon jugement ne se corrompt pas seulement à la main d'un maître si impetueux: mais aussi ma conscience."
    Michel de Montaigne, "Essais", Livro III, capítulo VIII (Paris: Éditions Gallimard, 1965, p. 189)

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    1. Muitíssimo bem lembrado, Maurício. Você certamente conhece bem esta questão. Afinal, seguiu o mais difícil caminho jornalístico que existe em nosso país: ciência, educação e, pior, meio ambiente.

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  6. "Fazer matemática ou física de alto nível não se resumia a fazer contas complicadas"

    Eu faço Engª da Computação, e computação pode ser (grosseiramente) resumida a matemática aplicada. Percebo essa mentalidade errada no centro em que estudo. É mais "bonito" resolver problemas complexos de modo rápido (e muitas vezes decorando fórmulas pré-prontas) que tentar fazer algo original, pensando de verdade.

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  7. Excelente texto. Também tenho a ambição de deixar alguma marca importante no mundo. Agora que acabei de defender meu doutorado, talvez consiga me dedicar a esse intento sem prazo definido pra terminar.

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    1. Leonardo

      Bacana ouvir isso. Precisamos de mais gente com o seu ímpeto.

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  8. Adonai, de fato tens um perfil acadêmico e científico admirável e, com certeza, estás produzindo algo que é indelével!

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  9. " Meus pais estimulavam muito a leitura. Por conta disso tive meus primeiros contatos com livros de medicina, astronomia, matemática, tecnologia, história mundial e idiomas estrangeiros (inglês e alemão). No entanto, em função de idiossincrasias que prefiro não detalhar, vivi também em um ambiente socialmente muito isolado e dominado por radicais crenças místicas e políticas. Do ponto de vista político, fui criado sob o discurso de que comunismo é sinônimo de estupidez, socialismo é comunismo cor-de-rosa, e que o nazismo só não funcionou porque Hitler foi ambicioso demais. Ouvi muitas vezes a frase "Um dia Hitler será considerado um dos maiores gênios da história." Já do ponto de vista místico fui criado por Rosacruzes que acreditavam que o verdadeiro conhecimento somente é possível através de uma visão esotérica de mundo. Ciência era considerado algo bacana e importante. Mas somente o místico poderia alcançar a suposta sabedoria suprema."

    Biografia fascinante e bem pouco usual.A despeito de não nascer em uma família "rica" (conceito bastante vago,já que a "riqueza" só pode ser mensurada ao se utilizar algum referencial comparativo ),o senhor recebeu dos seus pais,de um modo bastante peculiar,estímulos intelectuais (fato cada vez mais raro,seja qual for a "classe social" da família analisada,no Brasil de hoje).A partir disso,o senhor logrou construir,na medida do possível,uma carreira acadêmica "honesta" (quantos hoje no Brasil podem alegar o mesmo?).Ademais,desenvolveu um espírito questionador (que embora provoque a incompreensão em alguns) capaz de açular as "almas abúlicas" que a habitam nossa "waste land" tropical (caso em que vergonhosamente me incluo).

    Saudações,

    Alberto

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    1. Alberto

      Curioso você mencionar a respeito de famílias ricas. Precisamos também considerar famílias tradicionais, algo que igualmente não se encaixa no meu caso. As partes realmente atípicas de minha família foram omitidas na postagem. Mas acabo me lembrando de uma dimensão importante chamada "tradição". Nobres do passado, por exemplo, frequentemente contribuíram para o enriquecimento das ciências e das artes. Os nobres de hoje não são mais assim. Veja o exemplo da família Orleans e Bragança, aqui no Brasil. Recebem o laudêmio, por simples herança do Império. E o que efetivamente fazem, em termos de retorno social ao país? Fazem justiça ao legado de Dom Pedro II? Não, certamente que não.

      Todos deveriam ter direito a oportunidades. Mas uma vez que se tenha esse direito, há uma consequente responsabilidade. E isso é algo muito esquecido por aqui.

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  10. Texto excelente e muito inspirador, Prof. Adonai.
    Creio que alguns acadêmicos erram ao preferirem a segurança, que muitas vezes garante suas bolsas, à ousadia de buscar algo novo. Sair da zona de conforto exige certa dose de coragem e "ouvidos seletivos", nadar contra a correnteza sempre dá mais trabalho, um trabalho que muitas vezes é feito sem muito apoio.
    Durante nosso breve encontro e ao assistir sua palestra, pude perceber as ideias provocadoras, o senso crítico e principalmente a honestidade com as apresenta. Os acomodados obviamente se incomodam com isso, afinal é como se alguém "estourasse suas bolhas".
    Gostei de citado o Tesla que foi, antes de tudo, um humanista, além de um gênio sem paralelos.

    Abraços,
    Rodrigo

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    1. Rodrigo

      O impacto da leitura daquele artigo sobre Tesla foi tão grande que acabei escrevendo um romance ficcional sobre uma personagem de mesmo nome. Isso foi quando eu tinha uns treze ou catorze anos.

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  11. Adonai,
    Quero iniciar os estudos em linguística, por onde devo começar ? Atualmente curso Matemática.

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    1. Anônimo

      Um livro muito didático, bastante atualizado e repleto de aplicações é o do link abaixo.

      http://www.amazon.com/Computational-Semantics-Functional-Programming-Eijck/dp/0521757606

      No entanto, ele ainda oferece apenas uma fração microscópica sobre o que há a respeito do tema. Isso porque o foco da obra é semântica computacional. É necessário conhecer também aspectos sintáticos e pragmáticos, bem como a contraparte não necessariamente modelada em termos matemáticos. Se você levar a sério seus estudos sobre linguística, inevitavelmente será obrigado a trabalhar em parceria com linguistas e não apenas matemáticos e cientistas da computação.

      Também tenha em mente que não há tradição no estudo de linguística em nosso país. Portanto, em algum momento será altamente desejável que você estude ou faça um estágio em um grande centro fora do Brasil.

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  12. Caro Professor

    Venho acompanhando o blog há alguns dias e me entusiasmado muito com os temas abordados , realmente fantástico, parabéns por mais uma excelente postagem.

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    1. Lucas

      Agradeço pelo importante apoio. Peço que divulgue este blog entre eventuais interessados.

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  13. Sou um boçal também e fico feliz com essa classificação. Antes, estava deprimido por não me enquadrar em nenhum dos moldes atuais impostos por uma sociedade vazia e sem mérito. Agora sou um boçal e insisto, estou feliz com tal predicado. Entretanto, sou um boçal meticuloso: continuarei com minhas críticas a esta sociedade mediocre e também continuarei com a mesma seriedade de sempre em meus afazeres como físico teórico incansável em meus estudos diários. Ah, também serei boçal para com meus alunos: estes sempre terão o que há de melhor dos meus esforços, pois qualidade é algo que se conquista por mérito e não se compra em qualquer esquina. Enfim, viva a boçalidade de alguns poucos sérios boçais.

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  14. Adonai, sobre ciência e idade, leia esse artigo: http://www.ibtimes.com/breakthrough-discoveries-mostly-older-scientists-study-finds-366420

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  15. Mais um boçal aqui.
    Tenho familiaridade com a revista planeta, daqueles exemplares da década de 70 recheada de desenhos psicodélicos no estilo "capa de discos do Yes".
    Cresci em um lar cheio delas e tinha um livro do von Daniken também.
    Felizmente pude perceber o besteirol que havia ali e lentamente adquiri uma cultura científica mínima por esforço próprio e algum incentivo de meu pai... mas, infelizmente, mesmo isto é muito por estas terras.
    Já encontrei universitários que dão crédito as ideias de gente do naipe de Edir Macedo e Valdomiro Santiago, que compraram vagas no céu por R$ 800 cada, de um irritante padreco cantor que acha que jesus cristo é surdo e que para meu azar tem seu templo perto de minha casa, ou gente que segue certas ideologias como se fosse religião, vê o mundo e tudo que há nele pela lente daquelas ideias cujo maniqueísmo divide o mundo entre bonzinhos (eles mesmos) e o resto, que não compartilham suas ideias, como maus, execráveis, etc e etc.
    Apesar da internet, dos tablets e smartphones, aqui há gente que intelectualmente parece viver na idade média ou mesmo antes (muitos inclusive ficam dependurados em seus gadgets). Num meio assim não me admira que tenhamos tão pouca projeção em ciência e humanidades.
    Ah, e tem o carnaval e o futebol...

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  16. "Bertrand Russell, Platão e Kant eram apenas nomes conhecidos. Nada além disso. Russell, principalmente, mais parecia um velho rabugento do que alguém que tivesse algo importante a dizer."

    Meu primeiro contato com a obra de Russell foi através de um texto, presente num livro de língua portuguesa da 6ª, 7ª série, onde aparecia algo como "o pensamento espia o fundo do inferno, mas não se amedronta". Não tenho certeza se o texto era realmente dele (o livro dizia que sim), mas me deparar com algo assim foi como ser atingido por um raio. Posteriormente encontrei outros escritos do Russell mas, para entendê-los, era necessário uma base que eu não tinha.

    Sebastião

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    1. "Os homens temem o pensamento mais do que qualquer coisa na terra - mais do que a ruína ou até mesmo a morte. O pensamento é subversivo e revolucionário, destrutivo e terrível. O pensamento é impiedoso com o privilégio, com instituições estabelecidas e hábitos confortáveis. O pensamento é anárquico e sem lei, indiferente à autoridade e à sabedoria bem testada de eras. O pensamento olha para as profundezas do inferno sem temor."

      O texto acima é tradução de trecho do livro Why Men Fight, de Bertrand Russell.

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    2. É esse mesmo, texto poderoso.

      Sebastião

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  17. Adonai porque abandonou a Física? Ela é tão bonita.

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    1. Anônimo

      Certamente a física é lindíssima. No entanto, encaro a linguística apenas como uma outra teoria física, na qual nunca toquei antes. Tem sido bastante interessante a experiência.

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  18. Muito interessante o relato. Gostei mesmo, pela honestidade que transpareceu. com relação ao espírito crítico sou dos que pensam que "tomas chocolate, paga lo que debes" no sentido de que "se você fez uma crítica, faça uma auto-crítica". Era isso que eu sentia falta nesse blog, um maior equilíbrio entre crítica e autocrítica. Embora admito que eu devesse participar mais também (e aqui há uma auto crítica).

    Adonai, lendo sobre sua trajetória pessoal vejo que o seu caminho rumo à "auto desboçalização" é muito admirável e até bastante excepcional. Mas acho que deve seguir com essa atitude com mais ímpeto em algumas direções que talvez não tenham merecido uma devida atenção e cuidado (principalmente cuidado) da sua parte. Ao menos essa é minha impressão. Principalmente nos temas relacionados com política e Historia. Por exemplo, na recente discussão sobre a Austrália, nos comentários de um outro post, achei que não foi legal trazer o tema para o debate e depois dizer que não tem ideia sobre o assunto e encerrar a discussão.

    Talvez esse fato tenha sido (ou possa vir a ser) útil para que perceba que, embora tenhas superado numerosos, ainda tens muitos preconceitos e ideias enraizadas que carecem de fundamento racional. Acho que a nossa atitude enquanto indivíduos com relação à história e à política devem ser tão dignas da velha e boa postura de "espírito científico" quanto é comum com relação à matemática e física.

    Devemos sempre procurar ver e analisar ao menos dois lados da moeda (e a moeda tem bem mais que dois lados). E aqui eu lanço um exemplo concreto mencionando esse caso da Austrália. Além das importantes e decisivas diferenças históricas entre Brasil e Austrália (duas categorias distintas de ex-colônias com as consequentes diferenças nos dois países a partir daí), também é bastante questionável e polêmica a classificação da Austrália como superior ao Brasil de um modo geral, ou os australianos como superiores aos brasileiros, de uma maneira geral. É preciso qualificar o discurso (da mesma forma como na matemática, como você já comentou em posts sobre o tema). Eles, os australianos, tem uma 'tecnologia' mais avançada e uma 'educação formal' melhor que a nossa, mas por outro lado eles participam de invasões e genocídios em países que estão a mais de 10.000 quilômetros deles e que nunca representaram nenhuma ameaça à soberania da Austrália ou à segurança dos australianos.

    Aí fica a pergunta: isso é ser avançado? É esse tipo de desenvolvimento que queremos? Será mesmo a Austrália um país digno de admiração acrítica?

    Não digo isso sobre a Austrália - que é só um exemplo - para entrar no mérito da questão (embora tampouco fugiria dessa discussão), mas somente para tentar chamar a atenção para a importância de não fica repetindo opiniões com a postura de quem está enunciando supostos teoremas dos quais não se tem ideia de como são as demonstrações (e nem ao menos se elas existem). Infelizmente, essa é uma atitude que vejo com muita frequência por aqui e acho que isso impede que o blog possa desenvolver toda a sua considerável potencialidade de uma maneira construtiva e positiva.

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    1. Anônimo

      Que ainda tenho preconceitos, isso não há dúvida. Mas a discussão que tive com o outro anônimo (assumindo que seja outro) não demonstrava sinais de convergência. E uma coisa que é contra a minha a natureza é a tentativa de imposição de ideias. Nem mesmo conhecimentos matemáticos eu tento impor. Jamais defendi que Austrália tem uma sociedade mais avançada do que a brasileira. Apenas defendi que Austrália poderia estar em uma situação muito pior do que a atual e ainda culpar sua forma de colonização. O problema é esse argumento ingênuo do passado de colonização do Brasil, para justificar os erros sobre os quais insistimos. Nossas universidades, por exemplo, seguem um caminho lamentável. E isso ocorre em instituições que deveriam transformar para melhor a realidade brasileira.

      Sempre promovi autocrítica, desde a infância. Mas pela primeira vez expus um pouco dela. Assim como deixo de expor publicamente várias críticas, também deixo de expor autocríticas. Isso porque um de meus objetivos principais neste fórum é tentar sacudir um pouco a poeira do comodismo. Existe sim a crença dominante de que o Brasil não se encontra em uma situação tão ruim assim. E isso é simplesmente falso. A prática geralmente mostra que, quando um problema é detectado, é porque ele é maior.

      Além disso, não há problema em afirmar que não tenho ideia do motivo para o Brasil ser o que é, socialmente. A alegação usual que foca na história de colonização é apenas simplista. Certamente a rejeito, pelos motivos expostos. Mas isso não significa que eu tenha a obrigação de teorizar de forma irresponsável sobre outros possíveis motivos para o nosso atraso social, só porque rejeito o argumento da colonização. Posso, por exemplo, rejeitar que os corpos com massa se atraem porque estão apaixonados. Mas nem por isso posso garantir que os corpos com massa se atraem por conta da gravitação newtoniana, uma teoria realmente polêmica. A bem da verdade, não sei por que os corpos com massa se atraem.

      Em suma, teorizar é muito mais complicado do que a turma daqui usualmente pensa.

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    2. Agora, permita-me levantar uma questão. Por que você sentia falta de autocrítica minha? Isso soa como preocupação de ordem pessoal. E isso é um sinal de distanciamento do mundo das ideias. O que sinto sobre o brasileiro é que se trata de um povo frágil demais. É um povo que associa ideias infelizes a pessoas infelizes. Se uma pessoa tem uma ideia boba, isso não faz dela uma pessoa boba. Certamente existem ideias bobas. Mas se existem pessoas bobas, aí entramos em um terreno delicado demais. A Capes, por exemplo, teve uma ideia realmente tola: o QUALIS. E, na prática, a Capes apenas silencia diante de críticas pertinentes ao QUALIS. Isso é levar para o lado pessoal, porque são pessoas que defendem o QUALIS. Precisamos esquecer disso um pouco e reconhecer de uma vez por todas que o QUALIS deve ser extinto. E este é apenas um único exemplo, entre muitos outros. E é um exemplo que nada tem a ver com o passado de colonização do Brasil.

      Sempre desconfie das ideias populares, principalmente quando elas demonstram serem inefetivas para mudanças.

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    3. "[...] O que sinto sobre o brasileiro é que se trata de um povo frágil demais. É um povo que associa ideias infelizes a pessoas infelizes. Se uma pessoa tem uma ideia boba, isso não faz dela uma pessoa boba. [...]"

      Adonai

      Compartilho da mesma percepção.

      Inclusive, em entrevistas de emprego isto parece ser comum.

      Digo isto porque em uma das dicas de consultoria de emprego de Max Gehringer para o Fantástico, ressaltava-se a importância de tomar cuidado para não pronunciar nenhuma bobagem em uma entrevista de emprego.

      É como se, na primeira bobagem que um candidato falasse durante a conversa com o RH, este último já assumisse que a pessoa já não presta para um determinado cargo, ou que não vá desempenhar bem a função.

      Também já aconteceu algo parecido comigo na faculdade. Enquanto eu conseguia falar com calma e discursar com cautela sobre tópicos técnicos das disciplinas que estudávamos, muitos colegas me levavam a sério.

      Porém, bastou eu afirmar que numa reação nuclear de decaimento do nêutron, este "transforma-se num próton, liberando um elétron e um neutrino" (ou seja, uma bobagem na maneira como falei), sem sequer mencionar o nome "decaimento", para que muitos dos meus colegas passassem a me julgar como um farsante ou com conhecimentos severamente limitados para quem pretendia se formar na área.

      Em outras palavras, necessitei diversos episódios para construir uma reputação positiva entre alguns colegas, mas bastou um único episódio negativo para que o julgamento alheio acerca de meu profissionalismo mudasse do vinho para a água.

      Tenho a impressão de que o típico brasileiro é muito volátil e volúvel.........

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    4. Quanto à colonização brasileira, também conheço algumas pessoas que defendem o atraso intelecto-cultural do nosso país, alegando que se trata de um país novo e colonizado por uma fatia podre da sociedade portuguesa.

      Apesar de eu acreditar que se tivéssemos sido colonizados pelos "quakers" ingleses, ao invés de população portuguesa, nós estaríamos melhor em termos intelectuais e culturais, não compro também a ideia de que o nosso país está do jeito que está pela pouca idade que tem, comparado a nações europeias.

      Se o critério idade de um país fosse tão relevante assim, como explicar os exemplos tão bem-sucedido de países como Canadá e Estados Unidos????

      Ao meu ver, a questão cultural parece pesar mais do que a mera e simples idade do país.......

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    5. Leandro

      Sem dúvida o passado brasileiro tem um peso muito grande sobre o que somos hoje. Mas o problema que vejo nesta história da colonização como culpada pelo nosso atraso social é que o povo daqui se acomoda sobre isso. Basta ver onde erramos e, então, tomarmos uma atitude. Se eu dependesse exclusivamente de meu passado, hoje provavelmente estaria lendo cartas de tarô para senhoras aposentadas.

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    6. Olá, Prof. Adonai.Talvez parte da explicação para a boçalidade brasileira esteja aqui: https://www.youtube.com/watch?v=2XZ8dZ1yIg0&feature=youtu.be

      P.S: Penso que,se o senhor puder, o debate sobre doutrinação ideológica nas escolas (tema da audiência pública referida acima) merece um post aqui no blog.

      Att.,

      Francisco

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    7. Francisco,
      Por favor, sem caricaturas.
      Qual ideologia deve ser ensinada nas escolas? A atual? Nenhuma? Ou mostrar aos alunos as várias leituras possíveis da sociedade e da política? Esse medo do comunismo no Brasil é no mínimo infantil; o país está muito distante disso.
      Rodrigo

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    8. Rodrigo

      Não creio que Francisco esteja sendo caricatural. Quando tive ensino religioso em meus tempos de escola, estudávamos apenas brevemente religiões não cristãs. Mas o foco principal era o cristianismo. Tive uma professora de quarta série, por exemplo, que obrigava os alunos a rezarem em sala de aula. Como eu não era batizado, usei isso para me livrar da reza. Mas eu era o único que não orava.

      Não creio que a maioria dos atuais discursos contra doutrinação ideológica nas escolas (religiosa ou política) sejam motivados por preocupações com educação. Sempre persiste este embate entre ideologia X e ideologia Y.

      Mas também não creio que os professores de nosso país estejam preparados para promover uma educação livre de ideologias. Até ciência é ensinada de forma ideológica, por imposições.

      Concordo que não devemos ter a pretensão de amedrontar crianças e adolescentes, sugerindo que comunismo é uma espécie de bicho-papão. Mas as ideologias pregadas nas escolas brasileiras vão muito além de discursos pró-comunismo. Vivemos em um país cujas escolas são completamente avessas ao senso crítico, seja em política, religião ou ciência.

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    9. Bem, minha intenção não era ser caricatural,como bem disse o Prof. Adonai.Observemos a declaração: " Esse medo do comunismo no Brasil é no mínimo infantil ".Gostei da frase,Rodrigo.Você já percebeu que,em certos meios,troca-se o complemento nominal "do comunismo" por " do (neo)liberalismo","do capitalismo", "da direita" etc ? E poucos se questionam por que deveríamos ter "medo" dessas coisas? Ou sequer discutem sobre os significados destes termos? Pois bem.Ao postar o link da audiência pública acima referida, meu propósito não era discutir propriamente se há (ou não) doutrinação "de esquerda" nas escolas.Vai além disso; afinal, o cerne da questão é o seguinte: há possibilidade de termos uma educação "neutra",ou sempre estaremos presos a alguma "ideologia" (termo cuja polissemia mais confunde do que esclarece )? É lícito(ético) a um professor/cientista/intelectual vender seus dogmas pessoais como verdades absolutas aos seus alunos/subordinados/admiradores? Enfim,há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa vã "ideologia",e a discussão aqui suscitada é,a meu ver,plenamente válida (ou deixaremos "medos,"preconceitos" e "ideologias" nos paralisarem?).

      P.S: Quanto ao excerto "o país está muito distante disso [comunismo] ",eu sinceramente não saberia responder,caro Rodrigo.Já ouvi vozes contrárias ao seu posicionamento,sem necessariamente tratarem-se de paranoicos ou algo parecido.É como falei acima, o termo "comunismo" (e outros) é usado amiúde sem haver o necessário rigor quanto ao seu real significado dentro de determinado contexto discursivo — o que frequentemente leva a veredictos questionáveis.Na supracitada audiência pública, há vozes que falam coisas sensatas sobre a questão da "doutrinação" (e não se trata aqui de um simples medo irracional;por isso,aconselho assisti-la por completo,antes de realizar-se um julgamento peremptório sobre a questão).Como exemplo de alguém que vale a pena ser levado em consideração (o que não implica concordar com tudo o que ele diz),recomendo a leitura do blog do Prof. Diniz Filho (um dos expositores da audiência e conhecido do Prof. Adonai ) :

      http://tomatadas.blogspot.com.br/

      Cordialmente,

      Francisco

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    10. Francisco,
      Não vou transformar esta resposta em trincheira política.
      Mas vou fazer poucas considerações, apenas quanto ao aspecto educacional dessa discussão.
      Este blog existe também por conta de uma posição pessoal e política do Prof. Adonai (pra mim isso é claro). Será que, em algum momento, ele não tentou passar a sua visão de mundo (cultural, espiritual, política, familiar) para seus alunos? Seria ele antiético? Qual o problema do professor influenciar o seu aluno?
      O que Sócrates, Platão e Aristóteles teriam a dizer sobre isso?
      Hannah Arendt foi aluna de Martin Heidegger, apoiador do Nazismo. Não me parece que ela tenha, por isso, adotado um postura de ódio em sua vida.
      Freud, ainda vivo, teve uma legião de alunos; o seu aluno mais brilhante, contudo, teve que romper com ele para trilhar caminho próprio. O que Jung teria a dizer sobre a influência do seu mestre, que, apesar da ruptura, é evidente em sua obra?
      Me parece que o problema não é o conteúdo da influência, mas como ela é transmitida ao aluno; ou uma única forma de ser influenciado na escola (ou na vida).
      A questão é, Francisco, você consegue ser neutro neste mundo? A sua presença no trabalho, na família, na vizinhança é indiferente às pessoas?
      Saudações a todos,
      Rodrigo
      ps: Quanto ao comunismo, não há paranoia. É inevitável. Se Marx estiver certo, o comunismo é intrínseco ao capitalismo; ele só será possível de se desenvolver dentro do modo de produção capitalista, dentro da riqueza gerada por ele. O Brasil mal-mal está no capitalismo.

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    11. Rodrigo

      Sua questão a respeito de eventual influência política ou ideológica minha sobre alunos é ótima. Na época em que eu orientava alunos, eu sempre me recusava a renovar contratos de bolsas. Eu dizia para meus orientados que eles precisavam de diversidade de visões e opiniões. Em sala de aula, porém, a situação é mais complicada. Dificilmente os alunos escolhem seus professores. E são obrigados a conviver com o docente durante um semestre inteiro.

      Jamais promovi discussões político-partidárias em sala. Jamais discuti em sala sobre comunismo, capitalismo, nazismo ou outros ismos políticos. Discuti sim sobre logicismo, intuicionismo e formalismo, que são escolas matemáticas (os ismos matemáticos). Mas mesmo nesta área, nunca demonstrei uma posição que privilegiasse uma escola sobre as demais. Pelo contrário, gosto de mostrar os prós e contras de cada uma.

      Ou seja, de meu ponto de vista, jamais tentei exercer influência sobre questões polêmicas. Mas, é claro, seria necessário ouvir a opinião de uma pessoa mais isenta. Afinal, sou obviamente suspeito para falar a meu respeito.

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    12. Em suma... Este blog é um canal para expressar, entre outras coisas, assuntos que não posso discutir em sala de aula.

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    13. Prof. Adonai,
      Admiro as suas atitudes.
      O que tento expor é que assumimos muitos papéis em nossa vida e transmitimos aos outros muito daquilo que acreditamos, também no aspecto politico.
      Isso não significa partidarismo. Mas também não significa ser isento. Quem acredita ser isento ou imparcial, na verdade, já assumiu uma postura.
      Saudações,
      Rodrigo

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    14. Rodrigo

      Bem, neste ponto não tenho como discordar de você.

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    15. Adonai, a questão da falta de autocrítica (em relação à quantidade e intensidade das críticas) não é por razões pessoais, mas porque acho que essa postura reflete distanciamento do mundo das ideias.

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  19. Adonai,

    Interessantíssima a sua postagem e a perspectiva pessoal. Nos últimos meses, estou tentando aceitar o fato de que tentar fugir da mediocridade (no caso, profissional/acadêmica) não corresponde exatamente a um brilhantismo, a um padrão de excelência em todos os níveis. Digo isso porque, apesar de me esforçar por não ser medíocre, tenho cada vez mais certeza de que, na atual situação, e por vários fatores, não sou nem nunca fui brilhante. Comparando-me aos meus pares de instituições estrangeiras, imediatamente se constata isso. Nesse sentido, e em outros ainda, considero-me, assim como você, um boçal.

    E ainda mais que na minha área sou invariavelmente forçado a conviver com a presunção de relevância de cada um que comenta qualquer coisa nos meios de comunicação. Felizmente aprendi com meu orientador dos tempos da graduação: apresentar de forma às vezes rude e sarcástica suas ideias já é um esforço na direção de deixar algo diferente no mundo, nem que seja em uma ou outra pessoa. Ser um enfant terrible, um “burrinho coiceiro”, como se diz por lá, sempre foi melhor do que ser um almofadinha.

    Recentemente pude comprovar que realmente há pessoas que simplesmente não aceitam visões divergentes da realidade bem-comportada e basbaque da “informação” neste país: uma participação minha foi simplesmente cortada de um “debate” em um canal de televisão virtual (univesptv). Recentemente, em uma aula, escutei comentários como “esse professor falou que tudo que a gente escuta por aí está errado”; mas de fato eu disse coisa pior: que quase nada do que é produzido neste país lhes será útil na sua formação na minha disciplina. Por mim, prefiro incutir a dúvida e uma grande medida de rigor e meticulosidade. Isso não me exime da boçalidade nem me exalta, nem tampouco está me promovendo profissionalmente. (Pelo contrário: não tenho orientandos; não sou convidado para bancas, eventos etc. ) Mas prefiro isso a ver meus alunos saírem da sala de aula papagueando coisas de gente do naipe de (por que não citar nomes?) Sheikh Jihad Hammadeh, Arlene Clemesha, Williams Gonçalves, Demétrio Magnolli, Salem Nasser etc. Mas parece que o boçal sou eu, e esses estafermos são os arautos da civilização!

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    1. Youssef

      Para piorar a situação, as novas gerações estão com pressa demais. Em minhas aulas de cálculo, por exemplo, querem aplicações sem antes conhecer o básico. E ainda demonstram aversão ao básico. E nada disso os impede de opinarem sobre o que bem entenderem. Estamos criando um Brasil de opinadores sem qualificação e sem humildade. Nossa sociedade está falindo. E não há grito que faça sentido para essa turma toda. O negócio todo se reduzirá a um espetáculo de autofagia. Não se aplica mais a frase "Quem viver, verá." Isso porque, quem viver será tragado junto com todos os demais.

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  20. Incrível você criou um telescópio.Genial.

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  21. Adonai
    Em seu tempo certamente tinha como opção a UNIV.EVANGÉLICA e a tal "TUIUTI", se é que se podia chamar a esta de UNIVERSIDADE ou mesmo Faculdade.
    abraços

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    1. Shami

      Não para mim. A Evangélica não era (e ainda não é) universidade, mas uma faculdade. Comentário análogo sobre a Tuiuti.

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  22. Caro professor

    Professor, eu li e reli essa postagem inúmeras vezes, porém sempre tive uma dúvida e resolvi perguntar somente agora. Você citou que te faltava "autonomia de pensamento" e que isso deve ser conseguido o mais cedo possível. Pois bem, a minha dúvida é: como faço para conseguir essa tal autonomia? Seria a busca incessante pelo conhecimento sem se contentar com o de agora? Seria nunca me sentir satisfeito por mais que eu tenha compreendido um certo conhecimento? Ou seria uma visão crítica sobre o mundo?
    Com meu disse no início, eu li e reli, porém ainda continuo com esta dúvida.

    Grato.
    Anônimo Jp.

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    1. Anônimo Jp

      Se o texto citado abaixo não for suficiente para responder à sua questão, basta insistir por aqui mesmo.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/11/os-limites-da-liberdade-de-expressao.html

      Liberdade de pensamento é sinônimo de autonomia de pensamento, pelo menos no contexto do que discuto aqui.

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  23. Professor Adonai

    Obrigado pela referida postagem. Ainda não tinha lido a e agora ficou mais claro.
    Pelo que entendi, é basicamente refletir profundamente de diversos anglos sobre um pensamento/ideia de forma autônoma.
    Isso não é uma tarefa difícil, como você mesmo disse, ainda mais em um ambiente em que vivemos cercados de informações prontas e resumidas. Acho que foi aqui mesmo, num outro post, que você recomentou que leia as obras na integra dos seus respectivos autores, para que tenha uma melhor compreensão daquilo que está buscando.
    Mudando de assunto, eu sou um vestibulando e ano passado prestei diversos vestibulares. Os cursos que escolhi são engenharias e física bacharelado. Eu gostaria de saber algum livro que você recomendaria para estudo de cálculo e física.
    Por fim, gostaria de saber se você ainda está doando os teus livros antigos.

    Grato.
    Anônimo Jp.

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  24. -Correção-
    Me enganei na parte "Isso não é uma tarefa difícil". Eu quis dizer o contrário.

    Anônimo Jp.

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    1. Anônimo Jp

      Sobre recomendações bibliográficas, indico as postagens abaixo:

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/07/apenas-alguns-livros-parte-iii.html

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/07/apenas-alguns-livros-parte-ii.html

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2013/03/apenas-alguns-livros-parte-i.html

      Quanto a livros meus, encerrei as doações.

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    2. Professor Adonai

      Grato pelas recomendações. Certamente será muito útil.

      Anônimo Jp.

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  25. http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2016/11/sobre-as-ocupacoes.html?showComment=1479134320407#c8274993832369710987

    A questão em que quis chegar é tendo em vista o item 2 não ser uma escolha, o que fazer? As pessoas não tem culpa de sua boçalidade. Talvez a minha e a sua tentativa de mudar o mundo através da tentativa de fazer pessoas pensarem não adiante. Falo isso por experiência pessoal 8 anos de ensino fundamental, 3 E.M e até agora 3 na graduação me fizeram conhecer muitas pessoas. E a conclusão que cheguei é que elas não pensam porque o ensino é ruim, mas, porque não são capazes. Afinal eu era da mesma sala que elas e com 10 anos estava lendo "Gigantes da física" e "O Universo Numa Casca de Noz" livros que me fizeram sonhar alto, e isso por pura curiosidade de ir a uma biblioteca. Já os outros só ouviram a palavra átomo no E.M. Nem governo, nem professores, nem os próprios alunos. Não há culpado! Essa é minha visão do mundo e ficaria feliz em estar errado.

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    Respostas
    1. Anônimo

      O cérebro das pessoas conta com uma propriedade chamada de plasticidade. Ver, por exemplo, o link abaixo:

      https://drauziovarella.com.br/envelhecimento/plasticidade-neuronal/

      Isso significa que a cognição humana pode sim mudar para melhor. Mas, para isso acontecer na prática, é necessário que as próprias pessoas e instituições busquem por soluções. Não há como transformar o meu cérebro para o de Albert Einstein. Mas ainda assim, temos potenciais comumente ignorados por nós mesmos.

      Espero ter ajudado.

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