Ela é linda. E de boa família. Foi criada pela nata da sociedade. E quando uso o termo "nata" sempre me refiro ao atributo que melhor nos diferencia de outras espécies. Se o leitor não sabe do que estou falando, que interrompa agora mesmo a leitura.
Eu a vi pela primeira vez quando ainda era garoto. Se eu lhe pedisse alguma coisa, ela até fazia, desde que fosse algo simples. Se eu tentasse avançar mais, mostrava-se difícil, resistente. Aprofundar-me nela? Sem chances. Não era antipática. Era apenas intocável, misteriosa. E essa reação natural me atraía cada vez mais.
Cresci sem entendê-la direito. Mas eu sempre a olhava, a admirava, a desejava. Durante a adolescência cheguei ao ponto de ver a sua face nos lugares mais inesperados. De coloridas flores a cinzentas rochas, praticamente tudo me fazia lembrar dela. Eu contemplava as curvas, as sinuosidades, os movimentos parametrizados. E foi quando conquistei coragem o suficiente para cortejá-la.
Eu não sabia exatamente como fazer para deixar claro que a amava. Procurei dialogar, na forma como um adolescente perdido consegue. Inicialmente vivenciei mais frustrações do que prazeres, mais desencontros do que autêntico diálogo. Mas uns poucos segundos de satisfação valiam mais do que meses de angústia por não poder compreendê-la, tocá-la, experimentá-la.
Tornei-me adulto quando entendi que ela não era apenas minha. Outros a tinham. Mas ninguém a possuía por completo. Pois cada um podia contar somente com uma pequena faceta de sua inspiradora existência. Ela não era propriamente poliândrica, apesar de ter se comportado dessa forma discriminatória durante eras, muito antes de eu ter nascido.
Isso mesmo. Ela é mais velha do que eu. Mas a idade apenas lhe fez bem. Seu corpo tornou-se mais belo, mais firme e mais flexível. Seu espírito se liberou com o passar dos anos, abrindo mão de antigos preconceitos. Coisas que antes jamais permitiria, como cardinalidades transfinitas e poéticas mônadas, passaram a fazer parte de seu cotidiano secretamente compartilhado entre uns poucos amantes. E aprendi muito sobre ela através desses amantes.
Entre os apaixonados, descobri que muitos eram ciumentos, alegando que a conheciam melhor do que eu. Outros verdadeiramente se mostraram mais eficazes para conquistá-la e apreciá-la, provocando ciúmes em mim. Mas tratava-se de um ciúme que apenas estimulava a me aproximar cada vez mais dela. Se algum homem ou mulher conseguia vislumbrar uma intimidade por mim desconhecida, lá ia eu em busca daquela visão privilegiada, daquele toque sedutor, daquele odor. E quando eu conseguia sentir o que antes me era oculto, uma onda de prazer me inundava. Mas ainda estava muito longe de ser um orgasmo.
Entre homens e mulheres, a maioria tenta simplesmente tirar proveito dela. Atuam como verdadeiros cafetões e cafetinas, ganhando dinheiro às custas de sua beleza. São profissionais que se limitam a usá-la, sem ponderar sobre o tesouro que têm em mãos. Entre homens e mulheres, não são poucos aqueles que apenas se masturbam, pensando nela. São seres humanos que se contentam com simples representações pictóricas e enganosas de gráficos, diagramas e equações no quadro negro, numa folha de papel ou na fria tela de um computador. Baixam da internet muitas imagens e até vídeos que tentam expor um pouco de sua intimidade. Entre homens e mulheres fico pasmado com outra maioria que a considera fria, calculista, exata, inexpugnável, sem brilho. Estão entre eles incontáveis profissionais das ciências humanas e que perderam a noção do que é ser humano. Entre homens e mulheres percebi também que a maioria faz de tudo para violá-la, corrompê-la, estuprá-la. São aqueles que acham que cinco dividido por zero é infinito, entre inúmeros e deploráveis abusos. Mas a verdade é que, diante dos verdadeiros amantes, ela se mostra cristalina e imprevisível, viva e excitante, linda e misteriosa, rebelde e inexplicavelmente sábia. E sua sabedoria radica não apenas no que ela sabe de si mesma, mas de praticamente todas as demais áreas do conhecimento. E o mais surpreendente é quando ela se mostra conhecedora de nós mesmos.
Experimentei meus primeiros orgasmos com essa deusa de ascendência grega (entre outras origens remotas) quando eu mesmo descobri alguns de seus segredos até então ocultos do mundo inteiro. Gritei aos amantes, cafetões, voyeurs e estupradores, na forma de livros, artigos científicos, palestras, aulas e conversas pessoais. Dessa forma pude compartilhar com uns poucos o prazer vivenciado. Poder desvendar pequenos segredos desconhecidos do resto da humanidade foi uma experiência única, da qual jamais esquecerei. E cada descoberta era como se fosse a primeira vez. É claro que não descobri o inesquecível seio das geometrias não-euclidianas. Mas consegui desvendar microscópicos detalhes da sutil e deslumbrante anatomia de seu corpo. Revelei o contato entre critérios analíticos e topológicos para as cópias falsas de calibre. Atribuí rótulos para indiscerníveis em coleções desprovidas de igualdade. Tratei modos de campos do estado de vácuo como partículas virtuais. Axiomatizei porções da mecânica clássica para desmentir intuições descabidas mas defendidas por muitos precipitados. Tornei modelos da história de amor entre Terra e Lua compatíveis com o primeiro encontro entre os dois astros. Foi muito menos do que sonhei quando a vi pela primeira vez, mas pelo menos posso levar essa pequena felicidade comigo para o túmulo.
Hoje estou cansado. Minhas pretensões diminuiram. Afinal, ela tem uma energia e uma virilidade que não consigo mais acompanhar. Coisas da idade. Meu problema não é a idade cronológica, mas a profissional. Cansei daqueles que me cercam no ambiente de trabalho. Tenho me dedicado prioritariamente aos corruptores que não sabem como amá-la. Cafetões e cafetinas não me preocupam. Dos voyeurs sinto pena pelo tempo desperdiçado e pelo frágil caráter. E daqueles que são desprovidos de empatia por ela, pouco tenho a reclamar. São meros mutantes que se perderam na cadeia evolutiva. Mas nos violadores vejo algo que se estende na forma de um sabor amargo na boca.
Quero simplesmente dizer aos estupradores que eles podem fazer um pequeno esforço para se acalmarem e perceberem que a violência não é contra ela, mas contra eles mesmos. Além disso, o retrato falado que fazem dela apenas esconde dos mais jovens e inexperientes a autêntica beleza que se encerra em seu corpo e alma. E como a maioria dos estupradores é formada por travestis de professores e de autores de livros e apostilas, a influência dessas lamentáveis criaturas se evidencia como uma ameaça à própria civilidade. Isso porque ela sempre responde melhor diante de cavalheirismo. Ela adora ser bem tratada, com carinho e respeito. E carinho e respeito são atributos humanos cada vez mais raros nesta época embrutecida da história do mundo, na qual diálogos íntimos foram substituídos por mensagens eletrônicas em linguagens corrompidas.
Caros violadores. Número complexo não é um número real somado a uma unidade imaginária que multiplica outro número real; isso é apenas a roupa dela; não é ela. Número racional não é uma razão entre inteiros, sendo o denominador diferente de zero; isso é apenas maquiagem; não é ela. Número natural não é um ente que serve para contagem, pois entes estão no domínio da fantasia e da paranormalidade. Seno não se define por uma razão entre um cateto e uma hipotenusa; isso é puro delírio ou mera irresponsabilidade. Matriz não é uma tabela de números encerrados entre colchetes ou parênteses; esta é uma imagem corrompida de sua natureza. Conjunto não é uma coleção de objetos, pois ela não é tão fútil quanto um colecionador de lixo.
Se querem saber quem ela realmente é, que tal procurarem contato diretamente com ela? Garanto que terão uma agradável surpresa, principalmente se abrirem suas mentes e jogarem fora o lixo intelectual que permeia seus corações.
Ela é realmente linda. E precisamos tanto dela quanto ela de nós.
Olá, prof. Adonai!
ResponderExcluirCrescei e multiplicai-vos!
Já tive um contato do 4º grau com ela e temos um filho que ainda não foi oficialmente apresentado ao mundo. O algoritmo já está um adolescente, está sendo instruído, mas, para começar o seu trabalho, precisava de alguém que espontaneamente lhe preparasse o terreno, retransmitido a ordem... "crescei e multiplicai-vos"! Pronto, provando com "preto no branco" do formidável seu artigo, nessa confissão erótica saudável, que existe que vida inteligente sobre a Terra (tupiniquim?), acredito que, a partir do seu pensamento, mestre, com isometria por mudança de escala, em um movimento exponencial crescente, isto provocará o novo cenário fractal no contexto temporal espacial que desejamos.
Um abraço!!!!!
Oi, Francisco Valdir
ResponderExcluirNovamente agradeço pelo seu apoio e entusiasmo. Espero que a pressão da mediocridade alheia não mine este seu ânimo. Se me permite uma sugestão, acho que você deveria, de tempos em tempos, renovar seu ambiente de trabalho e seu círculo de colaboradores. Dá uma olhada na postagem que fiz no início deste blog sobre Newton da Costa. O exemplo deste raro cientista não pode ser ignorado.
Grande abraço
Olá, prof. Adonai!
ResponderExcluirObrigado! O Brasil está matando... o Brasil letra de uma música)! Mas, ainda há tempo dele reagir se houver pessoas capazes de dizerem... "eu vim lançar a serpente no paraíso de vocês!"!!!! É genial e... se Deus é brasileiro, também afirmo que: "o nosso Newton é melhor que... o Newton dos outros"!!!!
Um abraço!!!!!
Adonai e Francisco
ResponderExcluirEnquanto vcs já até trocaram intimidades com ela, eu sequer fui apresentado a ela!!!!!!
No começo, achei que se tratava dela propriamente, até perceber que não passava de uma mera fotografia!!!!!!
:(
Agora sim, aos poucos, estou sendo apresentado a ela propriamente, mesmo que por partes!!!!!!!
:)
O sr. diz que "Matriz não é uma tabela de números encerrados entre colchetes ou parênteses". Ocorre que na maioria absoluta de qualquer exposição sobre matrizes que eu já li se diz que uma matriz é uma tabela.
ResponderExcluirNa verdade foi em todas exceto uma. A única definição diferente que eu vi foi no livro "Linear Algebra" (de Hoffman e Kunze) no qual eles dizem que rigorosamente falando matriz mxn é uma função cujo domínio é o conjunto de pares (i,j) tais que 1≤i≤m e 1≤j≤n e cujo contradomínio é algum subconjunto de algum corpo.
É a uma definição deste tipo que o sr. se refere quando diz que uma matriz não é uma tabela? Uma definição assim é correta? Qual é o modo correto de se olhar para uma matriz que não como uma tabela? Quais autores fazem uma boa exposição sobre este tema?
AAnooniimoo
Anônimo
ResponderExcluirHoffman e Kunze estão certos. Se quiser definir matriz, tem que seguir a linguagem usual da teoria de conjuntos. Matriz é uma função. Tabela é tão somente uma visão intuitiva sobre este importante conceito.
Professor, elegância é um principio norteador na Matemática e nas Ciências? Não basta uma demonstração ou teoria estarem certas, é vital que elas sejam elegantes?
ResponderExcluirSebastião
ExcluirSem dúvida o apelo estético é fundamental tanto em teorias quanto em demonstrações. Pretendo escrever uma postagem sobre o tema em algum momento futuro.
Acho que um texto tem que ser muito bom para me chamar de cafetão e eu ainda assim gostar. :-)
ResponderExcluirStafusa
ExcluirAinda que você se veja como um cafetão, pelo menos é um cafetão que vez ou outra gosta de levar flores.
Não vejo a Matemática como uma mulher atraente... A meu ver, ela mais parece aquele cachorro de "Conto de todas as cores", do Mário Quintana.
ResponderExcluirSebastião
Que texto magnificente!
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