terça-feira, 26 de junho de 2012
O Pesquisador Científico e sua Carreira
O texto a seguir foi escrito pelo Professor Newton da Costa, a pedido do administrador deste blog.
Sempre me pedem para que eu resuma minha opinião sobre as qualidades básicas de um bom pesquisador científico. Esta é uma questão delicada e difícil, envolvendo várias áreas do saber, inclusive psicologia, sociologia e ética. Em todo caso, se eu procurar expor o que tenho apreendido e refletido durante minha carreira como professor e pesquisador, sem intenção de querer impor meu ponto de vista como o único verdadeiro e sensato, posso me arriscar a fazê-lo sem temer críticas ou entrar em polêmicas desnecessárias.
Acredito que as qualidades de um real pesquisador, em ciência, classificam-se em três grupos:
a) as qualidades técnicas;
b) as qualidades intelectuais e, em geral, pessoais;
c) as qualidades que dependem não apenas do pesquisador, mas sobretudo de sua relação com seu meio.
Ad a): Se alguém deseja fazer ciência, ciência não trivial, naturalmente necessita ter uma ótima formação científica, principalmente na área à qual quer se dedicar. Neste sentido,
Mestrado e Doutorado em instituições de peso ajudam muito. Porém, os estudos de graduação também auxiliam; de fato, as grandes universidades são, por exemplo, celeiros de cientistas
de renome. Não se pode deixar de lado o papel da família no tocante à formação do pesquisador, pois é nela que se originam os ideais e o perfil intelectual do cientista: quando os familiares, por exemplo, demonstram respeito pela atividade acadêmica e se orgulham por ter um membro com tais aspirações, isso não pode ser exagerado.
Ad b): Evidentemente, os traços pessoais, em particular os intelectuais, são de fundamental relevância: sem agudeza intelectual, muitas vezes, sem gênio, não há avanços significativos
em nenhuma disciplina científica. Ademais, outras qualidades pessoais afiguram-se de suma importância, como, digamos, o espírito analítico e a tendência a não nos acomodarmos com o já feito; no referente a isto, mestres e centros de ensino podem influir decisivamente: em especial, no ensino superior, o incentivo à análise crítica e à busca de caminhos novos é o ponto central. Aliás, certamente a própria constelação familiar contribui para tanto. Ainda entre as qualidades pessoais, há a educação em geral e o respeito para com colegas, administradores e discípulos. Sem tradição em alto nível em educação e de boas maneiras, não há verdadeiro ensino.
Insistindo um pouco mais sobre a parte pessoal do pesquisador, quero sublinhar algumas das características que ele deve ter: independência de julgamento, independência das ideologias
de massa, perseverança, arrojo intelectual, abertura para absorver e aceitar ideias novas, ainda que com tino crítico, ideias especialmente de jovens cientistas, espírito de finesse e equilíbrio
emocional perante obstáculos da carreira e divergências com colegas.
Ad c): Os aspectos econômicos e sociais do meio em que o jovem aspirante a pesquisador está imerso desempenham um papel nuclear em sua educação. Sem um meio acolhedor às tendências ao pensamento original, à inovação e à valoração da indagação própria, nada de bom se pode realizar. A não ser que se abandone o lugar em que se está e se procure outras possibilidades profissionais. No tocante às qualidades que o ambiente social e econômico deve ter, as instituições brasileiras, com poucas exceções, sufocam as
mentes jovens, sempre se desejando, consciente ou inconscientemente, nivelar por baixo.
No entanto, por trás de todas essas qualidades, tem de haver algo fundamental para que se possa ter um cientista de alto nível: o amor ao que se quer obter e ao trabalho ao qual estamos ligados. Sem amor profundo à ciência, à veracidade científica, não existe,
indubitavelmente, um cientista digno desse nome.
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adonai... intenção é cedilha, corrija lá.
ResponderExcluirSusan
ExcluirAcabo de corrigir. Agradeço pela correção.
Caro Prof. Newton,
ResponderExcluirgostei muito de sua exposição, como sempre bastante pertinente. Três pontos em particular me parecem relevantes. (1) O ambiente educacional (do ensino fundamental à universidade), que lamentavelmente em nosso país anda capenga, isto é, não favorece em nada o desenvolvimento de mentes criativas e intelectualmente críticas; (2) o ambiente familiar, que por diversas razões, também não me parece saudável, pelas experiências que tenho como professor de ensino fundamental e médio, usualmente muitos pais prejudicando seus filhos ao invés de ajudá-los, por exemplo, quando fazem as tarefas pelo filho e, por fim,(3) os aspectos econômicos que podem alavancar uma educação de qualidade, tanto do ponto de vista do indivíduo quanto da sociedade como um todo. Por outro lado, fico ainda intrigado com as exceções que pipocam na história da ciência de pessoas que tinham tudo para não dar certo, isto é, um ambiente familiar não tão favorável, I. Newton, por exemplo, ou uma educação deficiente e avessa ao espírito crítico e criativo. Einstein, segundo seus biógrafos, considerava a escola de seu tempo um ambiente desfavorável a criatividade; ou péssimas condições econômicas, como foi o caso de M. Faraday que teve de abandonar os estudos aos 13 anos para ajudar a sustentar os irmãos. Estes e muitos outros a despeito das adversidades vingaram. O que acontece nesses casos?
Achei que este blog estava morrendo (devido à ausência de posts), mas vejo que não (ou pelo menos está ressuscitando).
ResponderExcluirEu gostaria de fazer uma pergunta (que, em face do post, eu acho pertinente): em comentário anterior (http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/01/como-ler-livros-de-matematica.html), o prof. criticou André Koch Torres Assis. Eu vi uma entrevista dele no programa do Jô; a questão pessoal eu só poderia julgar se eu convivesse ao lado dele, mas me deu a impressão de que ele é original e que ele tem ótima base científica (mas eu sou leigo no assunto).
Creio que além do prof. tem mais gente que acha ele um "cientista ruim", pois pelo que entendi do que ele disse, estavam com medo dele desengajar os jovens e então fizeram até uma carta aberta pra ele.
Tem como o prof. explicar resumidamente pq ele é tão perigoso e pq ele não é um bom cientista? (pelo menos me parece que não é no sentido que menciona o prof. Newton).
Em resumo: em uma mera entrevista, André Koch aparenta ao leigo que possui duas das características mencionadas acima. Entretanto, ele não é considerado bom no meio acadêmico. Gostaria de saber o motivo.
AAnooniimoo
AAnooniimoo
ResponderExcluirEste blog já teve vários períodos prolongados de poucas postagens. Por enquanto ele continua, apesar dos resultados conseguidos até agora serem muito pequenos. O fato é que estou me dedicando a uma nova carreira e, por isso, estou postando menos. Mas já tenho vários textos prontos para veicular. Com o tempo eu os colocarei aqui.
Com relação a André Assis, o assunto é extenso e complicado. Considere, por exemplo, o livro Mecânica Relacional, deste físico. A primeira parte do livro é belíssima. Ele faz uma revisão histórica do desenvolvimento da mecânica que certamente merece atenção. Na segunda parte Assis apresenta a teoria dele, a mecânica relacional. Sem dúvida é uma teoria fascinante. É apenas na terceira parte que Assis demonstra seu lado de Mr. Hyde. Ele encara essa mecânica relacional como uma uma ideologia absurda, afirmando de forma completamente irracional que suas ideias são muito melhores do que as teorias da relatividade de Einstein.
O perigo que vejo em um indivíduo como Assis é a forte influência que ele exerce sobre jovens. Assis não pode ser considerado um cientista justamente porque a postura dele em relação à física é ideológica e não racional. Além disso, não podemos ignorar o fato de que ele é livre docente da melhor instituição de física do país, o que lhe confere autoridade. E jovens impressionáveis levam a sério autoridade.
"[...] E jovens impressionáveis levam a sério autoridade."
ResponderExcluirE pensar que já fui um desses "jovens impressionáveis".
Que tristeza!!!!!!!
:(
Professor, surgiu um interesse em ler sua tese de doutorado. Onde podemos encontra-lá? Esta disponível online?
ResponderExcluirAté onde sei, não está disponível. Em qual cidade você mora?
Excluirapesar de eu ter sido criado pra ser um peão de chão de fábrica, pois tive que começar a trabalhar com 12 anos, e nunca mais parei, me orgulho muito da minha trajetória e hoje sou professor em uma das maiores e melhores universidades do país, invejo amigos e familiares que tiveram melhores oportunidades que eu e não souberam aproveitar. Tive uma graduação boa, embora fraca, fui educado para ser prof. da educação básica, não pesquisador, a falta de iniciação científica cobrou seu preço no mestrado e no doutorado, quando eu tive que correr atrás de conhecimentos que a maioria dos meus colegas já tinha. E o choque foi mais profundo ainda quando fui pra University of Chicago, durante o doutorado para um estágio sanduíche de um ano, e percebi o que é de fato estar em um ambiente de pesquisa, onde as pessoas vivem a universidade, com uma biblioteca fabulosa à disposição, se utilizam maravilhosamente da experiência dos mais velhos, que estão sempre disponíveis para conversar contigo sobre o seu trabalho (o que tristemente vejo muito pouco no Brasil). Claro, percebi também que os profs. lá ministram uma ou duas disciplinas por trimestre, enquanto aqui a maioria tem uma carga horária de 12, 16h semanais, sem contar outras atividades burocráticas estúpidas, criadas por esses mesmos profs., que insistem em culpar um sistema, como se ele fosse um fantasma, quando foram eles mesmos que ajudaram a criá-lo.
ResponderExcluirLuisandro... gostei do que escreveu. E uma das várias coisas que escreveu e que me chamou a atenção é: "E o choque foi mais profundo ainda quando fui pra University of Chicago, durante o doutorado para um estágio sanduíche de um ano, e percebi o que é de fato estar em um ambiente de pesquisa, onde as pessoas vivem a universidade, com uma biblioteca fabulosa à disposição, se utilizam maravilhosamente da experiência dos mais velhos, que estão sempre disponíveis para conversar contigo sobre o seu trabalho (o que tristemente vejo muito pouco no Brasil). Claro, percebi também que os profs. lá ministram uma ou duas disciplinas por trimestre, enquanto aqui a maioria tem uma carga horária de 12, 16h semanais" Fico triste com isso pois dou aulas em uma Universidade particular. E a minha carga horária geralmente é de 18 horas em sala (imagina o tempo de atendimento a alunos, escrita de artigos, correção de material, preparo de aulas, estudo e pesquisa por conta, andamento de projetos...) ou seja, o desgaste é tal que por vezes a vontade de desistir disso é grande. Adoraria ter só umas dez horas de aula em sala e tempo para pesquisa e escrita de artigos! Mas... a realidade é outra! Só não desisto porque AMO dar aulas. Adoro ver os poucos alunos que realmente param para pensar, questionar e argumentar!
ExcluirLuisandro
ResponderExcluirEste é um ponto sobre o qual tenho batido há muito tempo, mas pouquíssimos entendem. Os atuais e vergonhosos professores universitários deste país não apenas conceberam o sistema, como fazem questão de mantê-lo. O problema é que praticamente ninguém percebe o fiasco do ensino superior brasileiro. Admiro pessoas como você, que ainda conseguem se dedicar ao trabalho acadêmico.
Qual a sua visão sobre a greve geral das Universidades Federais? Será que haverá melhorias? Também gostaria da sua opinião sobre os novos Campi das Universidades Federais?
ResponderExcluirPrezado Adonai.
ResponderExcluirGostei muito deste texto, não apenas porque concordo com os argumentos apresentados pelo professor Newton da Costa, mas porque através dele pude enxergar meus avanços e as inúmeras coisas que ainda preciso mudar, baseados neste ponto de vista.
Quando somos jovens, somos idealistas e temos a Ciência como algo em um alto grau de importância, o que nos exige (sem problema ou tristeza alguma) dedicação, respeito e, principalmente, um espírito crítico científico.
Sempre fico feliz ao ler seu blog pois, como o senhor bem sabe, inicialmente, achava que alguns de seus pontos de vista eram um tanto quanto "vamos falar mal do sistema na internet". Mas agora entendo sua preocupação em manter-se sempre crítico, o que pessoalmente deixa-me feliz e faz-me admirar pessoas como o senhor e o professor Newton, pois este espírito encontra-se apenas nos raros amantes da Ciência e que é uma inspiração para nós jovens e inexperientes estudantes.
Abraços e parabéns!
Graciely Santos
Professor, pesquisadores são obrigados a perder muito tempo com burocracia?
ResponderExcluirSebastião
ExcluirNão acho que o professor Newton da Costa responderá por aqui. Afinal, ele raramente se sente confortável com a internet. No entanto, posso responder que, no Brasil, pesquisadores perdem muito tempo com burocracia, se querem receber apoio financeiro e logístico para seus projetos de pesquisa. Este é um dos assuntos que pretendo explorar neste blog. Mas o momento ainda não é adequado. Estou aguardando um certo resultado para finalmente postar algo a respeito. Peço paciência.