segunda-feira, 2 de março de 2015
Comparando diploma com competência
Em postagem de quase um ano atrás, André Sionek (brasileiro que estudou na University of Pennsylvania, EUA) declarou que "nos Estados Unidos alunos procuram as melhores universidades com o propósito de aprender [...] No Brasil, jovens procuram universidades com o objetivo de obter diplomas." É claro que esta é uma impressão pessoal que frequentemente é compartilhada por muitas pessoas, incluindo jovens estudantes e experientes profissionais. Mas o fato é que precisamos de parâmetros objetivos para determinar o que é mais importante na prática do mercado de trabalho: competência profissional ou diploma, mérito ou prestígio?
Na última vez em que visitei os Estados Unidos, o filósofo brasileiro Otávio Bueno (que segue carreira naquele país) me disse o seguinte: "Para conseguir uma posição de docente ou pesquisador em uma renomada universidade norte-americana é necessário que o título de Ph.D. seja obtido em uma delas ou que o candidato realize pelo menos uma contribuição científica de grande impacto. Caso contrário, praticamente não há chances de contratação."
Pois bem. Em um estudo publicado no mês passado foram reportados dados e conclusões contundentes sobre a realidade do processo de contratação de docentes em instituições de ensino superior dos Estados Unidos, o país que conta com a maior produção científica no mundo e uma das mais impactantes. Foram analisadas as carreiras de cerca de 19.000 profissionais nas áreas de ciência da computação, administração e história. Ou seja, a amostra considerada leva em conta áreas do conhecimento muito distintas entre si. O estudo conclui que políticas de contratação seguem uma rígida estrutura hierárquica que resulta em considerável desigualdade social. Apenas 25% das instituições que concedem o título de Ph.D. naquele país são responsáveis por 71% a 86% (dependendo da área do conhecimento) das contratações de docentes com direito a pedir estabilidade de emprego. Além disso, apenas 10% dos docentes de ensino superior daquele país trabalham em instituições de maior prestígio do que aquelas nas quais obtiveram seus títulos de doutorado. Os autores da pesquisa também aplicaram o coeficiente de Gini para avaliar desigualdades sociais (em termos de renda anual) entre docentes das três áreas estudadas e chegaram a valores entre 0,62 e 0,76, sendo que 0 corresponde a igualdade estrita e 1 representa desigualdade máxima. Logo, o coeficiente de Gini revelou forte desigualdade social entre as disciplinas contempladas. As maiores desigualdades ocorrem entre docentes de história e as menores acontecem entre profissionais de administração e negócios.
O estudo acima citado coloca em discussão, portanto, as relações entre mérito e prestígio. É claro que as instituições de grande prestígio são responsáveis pelo que há de melhor em termos de produção de conhecimento, o que confere a seus docentes e pesquisadores um evidente mérito. No entanto, se considerarmos a existência de jovens talentosos que não têm acesso a universidades renomadas, a realidade social dos Estados Unidos evidencia que a luta deles para conquistar uma posição de destaque no cenário acadêmico internacional deve ser muito maior do que aquela travada pelas pessoas que contam com maiores facilidades sociais.
Desconheço a existência de estudo semelhante no Brasil. Mas certamente esta é uma pesquisa necessária. Afinal, no que depender de impressões pessoais de muita gente experiente, a realidade de nossa nação não é tão diferente da norte-americana, neste ponto. No entanto, há um agravante no Brasil: a falta de prestígio internacional de nossas instituições de ensino superior.
Exceções como a Universidade de São Paulo (USP) ou o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) não convencem. Isso porque a USP tem perdido prestígio nos últimos anos e o IMPA luta contra a realidade nacional de um dos piores desempenhos do ensino de matemática básica no mundo. Além disso, a atividade científica tem abrangência internacional. Portanto, a luta de um brasileiro para alcançar uma posição de destaque no cenário acadêmico mundial deve ser muito maior do que aquela contemplada por indivíduos que nasceram sob condições socialmente mais vantajosas.
Este é mais um motivo para seguirmos os exemplos daqueles brasileiros que conquistaram considerável destaque no cenário científico mundial. E, honestamente, espero que alguém neste país promova um relatório de oportunidades de emprego na vida acadêmica brasileira como aquele que foi citado nesta postagem. O Brasil precisa conhecer a si mesmo. É o passo mais elementar para tomarmos as decisões certas sobre como aproveitar nossos jovens talentosos e sonhadores.
E então? Por que você mesmo, leitor, não faz pesquisa semelhante para o nosso país? Isso poderia (e deveria) ser relatado em português e em um periódico especializado de circulação nacional. É um raro exemplo de pesquisa dessa natureza. E seria uma contribuição da mais elevada importância para o Brasil.
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Olha esse projeto do IMPA : http://matematica.obmep.org.br/
ResponderExcluirSim, Anônimo. É uma excelente iniciativa. Mas a inércia brasileira não pode ser vencida por uma única instituição. Precisamos de uma nova cultura.
ExcluirAdonai...
ResponderExcluirAcho muito interessante o convite feito aos leitores para a empreitada proposta em seu ultimo parágrafo, mesmo porquê se dependermos das universidades brasileiras para realizar tal pesquisa é bem provável que morreremos de tédio antes de ver qualquer resultado concreto.
É interessante percebermos que a disparidade social existe em ambos os países, ou seja, para um aluno chegar a ser docente de uma USP (por exemplo), sendo que o mesmo tenha feito o ensino médio em escola pública (nos dias de hoje) é um fato bem improvável. Entretanto, se considerarmos candidatos advindos de escolas particulares de prestígio, a probabilidade torna-se bastante considerável. Percebam que tal análise considera uma situação ideal, o que também é improvável de acontecer, isto é, estou partindo do pressuposto que os concursos de admissão sejam honestos e isentos de "segundas intenções". Enfim, outra dura realidade a ser confrontada com o mérito associado as universidades americanas. Tenho a sensação de que estamos com o "breque de mão"
puxado em plena rampa, e, dependendo do referencial, andando para trás. Mais uma excelente postagem........grato.
Professor Adonai,
ResponderExcluirMinha filha está no 1º ano do ensino fundamental e auxiliando-a nas lições de casa notei que tem certa facilidade em matemática, mais especificamente, em adição e subtração. Eu gostaria de aproveitar essa facilidade para estimulá-la ainda mais. Poderia indicar algo?
Ps: Me desculpe por escrever um assunto não relacionado a postagem.
Clayton
ExcluirSe 10% dos pais neste país fossem como você, o Brasil se transformaria em uma potência mundial em poucas décadas. Se me permite a intromissão, isso sim é demonstração de amor.
Recentemente publiquei a postagem abaixo sobre a maneira mais recomendável por psicólogos para estimular crianças como a sua filha.
http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/12/o-efeito-de-elogios-sobre-o-intelecto.html
É claro que as recomendações citadas acima não bastam. É preciso manter um diálogo aberto e honesto entre pais e filhos, de modo a jamais subestimar a capacidade intelectual de crianças. Mas é fundamental também que a criança tenha acesso a diferentes formas de cultura: ciência, filosofia, história, música, cinema, teatro e, claro, brincadeiras ao ar livre.
Eu também sou pai. Meu filho tem hoje 24 anos. Mas sempre tentei mostrar a ele diferentes formas de cultura. Apesar de ele ter extraordinária facilidade para trabalhar com matemática, preferiu seguir o caminho da música, abrindo mão até mesmo de qualquer curso superior. Conversei exaustivamente com ele e está muito claro para o meu filho que ele decidiu seguir um caminho não convencional e realmente difícil. Mas é o que ele quer. E, portanto, tento ajudá-lo de inúmeras formas: comprando equipamentos, pagando aulas de música e canto, trocando ideias sobre música etc. O que assumo como postulado é que minha obrigação é a de apoiá-lo. O que ele assume como postulado é que deve fazer o que sonha, mesmo que apanhe muito no caminho. Por enquanto, posso dizer que já fui beneficiado com bastante cultura musical.
Em suma, a questão principal é o que faria sua filha realmente feliz.
Obrigado pelas indicações e comentários prof. Adonai. Confesso que fiquei surpreso (positivamente) com o relato sobre seu filho, ainda mais de alguém com vivência acadêmica em área específica, que poderia pressupor uma visão única, mas, ao contrário, alguém com ampla visão de mundo e cultura. Faço minha suas palavras: sem dúvida alguma, uma grande demonstração de amor!
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