sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Os limites da liberdade de expressão


Nota Importante: Apesar de eu usar um exemplo recente da história política de nossa nação para ilustrar o problema da liberdade de expressão, insisto que o tema desta postagem é muito mais abrangente do que um simples processo eleitoral. Espero que o leitor não prejudique a leitura por conta de preferências pessoais sobre políticas partidárias. Não estou colocando aqui uma visão política partidária, mas apenas fatos extremamente importantes que devem ser conhecidos por todos.

Todas as postagens deste blog contam com um campo de avaliação, no qual leitores decidem se o texto publicado é bom, ruim ou indiferente. E a postagem que teve a pior avaliação até hoje foi aquela que criticava a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de proibir a propaganda de uma matéria de capa da revista Veja. Foram 13 leitores que avaliaram a postagem como ruim e 14 que avaliaram como boa. Ninguém se manifestou como indiferente.

A tese que defendi naquela postagem é que informações não podem ser censuradas, como foi o caso da revista Veja versus TSE. Ou seja, um dos fatores que está em jogo é a liberdade de expressão, bem como o direito à informação. É claro que a informação divulgada pela matéria de capa da revista Veja poderia ser falsa, uma vez que ela se sustentava em um depoimento de uma pessoa detida pela Polícia Federal que denunciava supostas ações criminosas da Presidente Dilma Rousseff, que na época se candidatava à reeleição. No entanto, há mais um fator em jogo que certamente não pode ser ignorado: liberdade de pensamento.

Qual é a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de pensamento?

Liberdade de expressão é o direito de comunicar opiniões e ideias para qualquer pessoa disposta a ouvir ou ler tais opiniões e ideias. Neste sentido o Brasil é um país que permite, nos dias de hoje, certa liberdade de expressão. No entanto, ainda persistem alguns mecanismos naturais e artificiais para coibir essa liberdade. Isso porque a liberdade de expressão carrega em si uma armadilha. É muito difícil sustentá-la onde não há liberdade de pensamento.

Liberdade de pensamento é um direito que uma pessoa dá a si mesma para apoiar, se opor ou analisar criticamente um fato, um ponto de vista ou uma ideia, independentemente da opinião de outras pessoas. Ou seja, enquanto a liberdade de expressão de um indivíduo depende do contexto social onde vive, a liberdade de pensamento depende apenas dele mesmo. E é aí que reside o desagradável e não produtivo fenômeno social que transforma debates em embates. Este fenômeno ocorre em sociedades que contam com liberdade de expressão, mas não com liberdade de pensamento.

Consideremos o problema de ética jornalística. A revista Veja foi ética ao publicar matéria de capa, que claramente prejudicava uma candidata à Presidência da República, dois dias antes das eleições? 

Existe vasta literatura especializada sobre ética jornalística. E um dos mais atuais e relevantes trabalhos que vi sobre o tema está neste artigo de Theodore Glasser (Stanford University) e James Ettema (Northwestern University). O texto foi originalmente publicado no excelente Journalism Studies. De acordo com os autores, o maior problema da ética em jornalismo não é a inabilidade de diferenciar o certo do errado, mas a inabilidade de falar de forma articulada e reflexiva. 

A matéria de capa em questão estava escrita de forma articulada? Sim, sem dúvida. Estava escrita de forma reflexiva? Bem, esta é uma questão realmente difícil de responder. Isso porque uma revista como Veja certamente oferece um minúsculo leque de pontos de vista. Esta é uma limitação inerente a qualquer veículo de comunicação. Portanto, responder se a revista Veja foi ética ao publicar aquela matéria de capa naquele momento de sensibilidade política é extremamente complicado. Não há resposta fácil. Quem responder a esta questão de maneira decisiva com um simples sim ou não, corre o sério risco de estar dominado por emoções e não pela razão. E razão é justamente o instrumento usado para fins de reflexão. Não cabe apenas ao jornalista a responsabilidade da reflexão, mas ao público leitor também.

No entanto, a liberdade de expressão deve existir mesmo quando ainda não existe liberdade de pensamento. Isso porque a liberdade de expressão abre caminho para facilitar a liberdade de pensamento.

Diante de pontos de vista diferenciados, as pessoas têm às suas mãos informações que devem ajudar em suas próprias percepções. Mecanismos artificiais como a censura promovida pelo TSE comprometem a liberdade de expressão e, consequentemente, a liberdade de pensamento de cada um.

O leitor poderia argumentar o seguinte: "Tudo bem, mas a notícia era bombástica e foi divulgada dois dias antes das eleições. Portanto, não havia tempo hábil para reflexão."

Sim, é verdade. Reflexão demanda tempo e dois dias é um intervalo de tempo muito pequeno para uma tomada de decisão tão importante quanto a escolha de um candidato à Presidência da República.

Por isso mesmo jamais poderemos permitir censura de informações, sejam quais forem! Enquanto nação, ainda não estamos acostumados à prática do livre pensamento. Se errarmos em nossas decisões, seja por influência de uma revista semanal ou por influência de propaganda política, que aprendamos com isso. Mas impedir divulgação de informações é uma tentativa de castrar a liberdade de pensamento. E nosso país precisa de liberdade de pensamento.

Além disso é um erro assumir que toda reflexão feita de maneira responsável e bem informada necessariamente garante uma decisão com bons resultados. Em teoria das decisões sabe-se que a melhor decisão é aquela sustentada pela razão e não a que fornece os melhores resultados. Se uma pessoa joga na loteria e ganha um prêmio, ainda tomou a pior decisão. Isso porque jogos de azar não são racionalmente recomendáveis para aqueles que apostam. O apostador está sempre em desvantagem.

Liberdade de pensamento depende de liberdade de expressão, apesar de ser mais fundamental do que a última. 

Se você detesta a Presidente Dilma, coloque-se no lugar dela. Exercite sua liberdade de pensamento! Se você adora a Presidente Dilma, coloque-se no lugar daqueles que reclamam dela. Exercite sua liberdade de pensamento! Se você é um matemático, leia clássicos da literatura e conheça outras visões de mundo, conversando com especialistas em literatura. Exercite sua liberdade de pensamento! Se você é um especialista em literatura, leia textos sobre física e matemática e converse com físicos e matemáticos. Exercite sua liberdade de pensamento! Se você é comunista, converse com pessoas que viveram em países comunistas e que não suportam este regime. Se você é capitalista, converse com aqueles que são socialmente desamparados, esquecidos pelos donos do poder e do dinheiro. Exercite sua liberdade de pensamento!

O exercício da liberdade de pensamento não é uma postura relativista de mundo. É apenas a postura de quem ouve e genuinamente dá o melhor de si para entender mentalidades distintas. E, a partir disso, forma então uma visão de mundo. No entanto, quem é mentalmente livre sempre está aberto a mudanças de ideias e opiniões. 

Sem o empenho na busca da liberdade de pensamento, a liberdade de expressão sempre será sinônimo de caos e continuará sujeita à censura. O emaranhamento entre essas duas formas de liberdade é extremamente intrincado e delicado. 

Aprenda a ouvir! Aprenda a falar! No artigo de Glasser e Ettema, acima citado, os autores defendem que uma postura ética em jornalismo se identifica muito mais com um contínuo processo do que com resultados. Algo semelhante ocorre com o livre pensamento. Uma pessoa mentalmente livre não tem escolha a não ser o reconhecimento de que não existem respostas definitivas nem em ciência e muito menos em política. Mas existe a responsabilidade de todos nós para ouvir bem, falar bem e promover o bem. Então esqueçamos nossas vaidades e comecemos a realmente pensar e agir livremente. Pensar dói. Mas não pensar é se colocar nas mãos do acaso.

11 comentários:

  1. Adonai, há um dado relevante que você não considera ao avaliar o que entende como uma "censura" do TSE ao impugnar a revista. Não somente estampava de maneira sensacionalista (me parece que isso também tem a ver com ética em jornalismo, correto?) um informação para lá de duvidosa e sem respaldo nem credibilidade (não devido à revista em si, mas à natureza das informações que ela dizia revelar mas que até hoje não soube provar tampouco fornecer qualquer satisfação ou justificativa), para além de tudo isso, os dois dias de antecedência com relação à eleição também o eram com relação à data de lançamento da revista que, portanto, adiantou oportunamente uma publicação com vistas a um fim escancarado, que era prejudicar uma candidata, portanto também para favorecer o outro candidato... é ético então subordinar o lançamento da revista ao interesse de prejudicar uma candidata com revelações infundadas (ao menos até agora e portanto ainda mais naquele contexto) numa reportagem para lá de duvidosa e sem credibilidade?? Uma revista pode publicar o que quiser no momento em que bem entender? Será que uma regularização é inútil e, mais que isso, uma forma de controle, tão somente, da nossa tão benevolente mídia?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu nome é Pedro e trabalho com educação produção e edição de materiais didáticos

      Excluir
    2. Pedro

      Um dos problemas que percebo em nosso país é a falta de familiaridade com o processo democrático, que pressupõe, entre outras coisas, liberdade de expressão. Justificativas para a iniciativa do TSE abrem espaço para outras justificativas para eventuais casos diversos no futuro. Ou seja, você está focado somente no exemplo da revista Veja versus TSE, comprometendo o tema principal da postagem: a relação entre liberdade de expressão e liberdade de pensamento. Esta decisão do TSE abre um precedente perigosíssimo. Se a revista Veja errou, é a reputação dela que está em jogo. Se a revista Veja acertou é a reputação de Dilma e Lula que está em jogo. Eu considero que ela não errou. Você considera que ela errou. Mas estas são apenas opiniões. Sua opinião é tão relevante quanto a minha. Você percebe aquela matéria de capa de uma forma diferente de como eu percebo. Mas, assim como eu não tenho direito algum de tentar impedir que suas opiniões sejam publicadas neste blog, o TSE também não tem o direito de impedir a divulgação de notícias e opiniões, sejam quais forem as fontes. Já vi leitores deste blog afirmarem que é prerrogativa minha decidir quais comentários devem ser publicados e quais devem ser ignorados. O argumento usado é que o blog é meu e, por isso, tenho este direito. A resposta é não. Não tenho o direito de impedir a veiculação de opiniões contrárias às minhas neste blog. Isso porque o blog NÃO é meu. Sou apenas o administrador. Este blog é um veículo público, de direito público e destinado ao público. Isso porque este blog é um veículo de divulgação de fatos, teorias e opiniões, que ficam disponíveis a quaisquer interessados a qualquer momento. Cheguei ao ponto de convidar pessoas que claramente discordam de mim para publicar suas opiniões neste blog. Apenas um aceitou: Rafael Lopes de Sa. Veja o link abaixo.

      A revista Veja não errou com a divulgação daquela matéria. Mas ela erra com a sistemática propaganda anti-PT, praticada em várias edições. Eu não gosto do PT. Mas também não gosto da visão tendenciosa de Veja. Esta postura é anti-democrática. O que defendo vai muito além de visões imediatistas.

      http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2014/07/qual-e-o-proposito-deste-blog.html

      Excluir
    3. A sua reflexão sobre liberdade de expressão e de pensamento parte da defesa que faz da publicação da matéria, defesa esta da qual eu discordo, portanto eu apenas objetei um argumento básico utilizado para sua defesa. Não toquei na questão das liberdades, mesmo porque tendo a concordar contigo nisso, embora discorde do seu ponto de partida, por isso me ative a isso, me desculpe se comprometi o tema principal, mas aqui também percebemos de modo diferente essa questão, rs (pois não acho que tenha comprometido nada, rs). Gostaria de saber de que maneira percebe diferente a questão da revista ter acertado em sua publicação, pois até agora todas as defesas que vi nesse sentido pressupunham um tipo de "dever cívico" de "alertar o país" e outras baboseiras maniqueístas que direitistas e esquerdistas não se cansam de propagar (e que tenho certa convicção de que não é o seu caso). Sobre a publicação de comentários no blog, acho louvável sua postura, penso que ela é correta, mas não concordo com o argumento (de que o blog é público e você apenas o administrador etc), por outro lado, acho lamentável a postura de outro (também bom) blog afeito a este, o tomatadas do prof. Diniz de geografia, de mediar e "censurar" todos os comentários que divulguem links dos quais ele discorda (ou, na palavras dele, links que os petistas usam para espalhar mentiras na net), mas concordo com o argumento dele, de que o blog do qual ele é administrador existe com uma finalidade que é combater a desinformação (entre outras) e não permite por isso comentários que firam essa finalidade divulgando links "comprometidos"... mas ok, apenas reflexões sem maiores pretensões... obrigado pela agilidade

      Excluir
    4. Pedro

      Iniciei a postagem com o caso da revista Veja por três motivos: (i) é uma informação ainda fresca na memória de todos; (ii) é um evento que provocou polêmica; (iii) e é um evento associado a uma postagem deste blog que teve atípica quantia de avaliações negativas.

      Considero que a revista Veja acertou na publicação daquela matéria de capa naquele momento pelo seguinte motivo: era informação relevante e particularmente oportuna naquele momento, especialmente do ponto de vista jornalístico. O que lamento é a falta de transparência na abordagem dada à matéria. Por isso mesmo questiono o aspecto reflexivo da matéria. Jornalistas raramente esclarecem como conseguem acesso a informações que deveriam ser sigilosas. Mas eu mesmo já agi desta forma, quando publiquei postagem sobre pesquisadores do CNPq (nível 1A) na área de filosofia. Jamais informei como consegui a lista de todos os pesquisadores do CNPq nesta área do conhecimento. E jamais farei isso. No entanto, estranhamente, ninguém levantou esta questão até hoje. Por quê? Ou seja, não seria interessante se existisse a prática do metajornalismo? Metajornalismo seria o jornalismo sobre o jornalismo. Uma iniciativa como essa seria de grande valor social.

      Peço que se coloque no lugar do editor-chefe da revista Veja. Se você tivesse acesso ao depoimento do doleiro, naquele momento, como você agiria? Divulgaria a informação poucos dias antes da eleição? Divulgaria após a eleição? Ou simplesmente não divulgaria? Assuma que você seja um jornalista. Se um banqueiro é acusado de desvio de verbas públicas, de que forma você lidaria com esta informação?

      Eu não sabia a respeito desta censura no blog tomatadas. O problema é o conceito de desinformação. Será que o conceito de desinformação adotado pelo professor Diniz é algo compartilhado por unanimidade? Eu também tento combater desinformação. Mas será que meu conceito de desinformação coincide com o seu ou com o do professor Diniz? Difícil responder.

      Por isso insisto. Precisamos sim de informações, precisamos sim de metajornalismo, precisamos sim acabar com censura. E observe que você mesmo coloca a palavra censura entre aspas, dependendo do contexto. Isso demonstra que seu conceito de censura não coincide com o meu. Mas, seja entre aspas ou não, censura não pode existir.

      Excluir
  2. Creio que o problema pode ser pensado assim: é verdade o que foi publicado? Se sim é um dever da imprensa tentar informar o povo sobre a verdade. Se é mentira, ou infundada, deve ser processada e punida. Simples!
    Acontece que existe por trás de tudo isto é a manipulação das pessoas pelas informações. É jogo de poder que corre livremente na dimensão daqueles que jogam o jogo.
    Como podemos ser livre no pensar se nos informam o que querem? Como podemos ser honestos se nossas informações são falsas? Pessoas que costumam manipular pessoas o fazem manipulando informações. Isto ocorre na luta pelo poder. Este tema é bastante complexo.
    Tenho a tendência ao liberalismo e que aja uma liberdade de expressão total. Mas que aja responsabilidade sobre as informações. É mais fácil dizer que a imprensa é sensacionalista e acusa-la de malfeitora do que provar que ela mentiu. Aliás, existe a possibilidade de a imprensa estar correta em sua afirmação e ter provas concretas. E aí como fica? A forma mais fácil é pedir provas à revista. Se é mentira o que a revista disse não há problema nenhum!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. João Luiz

      Concordo com a sua postura. Mas também concordo que o tema é complexo. Considere, por exemplo, o livro Holocausto Judeu ou Alemão?, de S. E. Castan. Esta obra foi proibida aqui no Brasil, em decisão do Supremo Tribunal Federal. O livro é um show de besteiras. Mas precisa ser censurado? Certamente que não. Um livro como este é uma excelente oportunidade para exigir mais de professores de história e historiadores. E, apesar da proibição do STF, aqui está ele.

      http://vho.org/aaargh/fran/livres9/Castan26e.pdf

      Excluir
  3. Caro Adonai, gostaria de sua opinião a respeito desse artigo sobre a regulação da mídia na Suécia: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-a-midia-e-regulada-na-suecia/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Clayton

      Levando em conta que ética jornalística é assunto de debate até os dias de hoje (com publicações em periódicos especializados de alto nível), acho esta iniciativa extremamente perigosa. Ao invés de promover regulação da mídia, deveria haver um forte incentivo ao livre pensamento. Livres pensadores são pessoas que dificilmente se deixam seduzir por sensacionalismos. Ou seja, a chave é educação e não regulação, o que quer que seja isso.

      Excluir
    2. Sobre "regulação da mídia": http://www.economistax.com/regulacao-economica-da-midia-por-que-o-governo-deve-tomar-cuidado-com-o-que-deseja/

      Excluir
    3. Excelente recomendação, anônimo. Divulgarei.

      Excluir

Respostas a comentários dirigidos ao Administrador demoram usualmente até três dias.