sábado, 22 de novembro de 2014

Dez mitos sobre educação


Apresento a seguir uma breve lista de dez mitos sobre educação muito conhecidos principalmente entre alunos.

Mito 1: Eu sei a matéria, mas não sei explicar.

Fatos: Conhecimento não é uma entidade metafísica. Ele tem um corpo material manifestado pelo emprego de linguagem.

Conhecimento só pode se manifestar pelo uso de linguagem, assim como pessoas só podem existir na forma de corpos humanos vivos. 

Se uma pessoa não consegue explicar algo é porque não sabe usar a linguagem. E, portanto, não tem o conhecimento.

Mito 2: Tirei zero porque me deu um branco na hora da prova.

Fatos: Pessoas saudáveis não esquecem aquilo que é familiar. Pessoas saudáveis não esquecem seus próprios nomes ou o lugar onde vivem.

Se uma pessoa saudável esquece algo é porque este algo não é ainda familiar.

Para que o conhecimento se torne familiar é necessário que se conviva com ele diariamente e não apenas em uns poucos momentos de sua vida.

Mito 3: O professor sabe a matéria, mas não sabe explicar. Por isso que eu não entendo.

Fatos: Como no primeiro mito, se o professor sabe a matéria, certamente deve saber explicar. Se não sabe explicar, é porque não sabe a matéria.

Se um aluno saudável não entende um assunto exposto em sala de aula, ele deve conversar com outros professores e ler bons livros para sanar suas dúvidas.

Se um aluno desconfia que possa estar sofrendo de algum distúrbio que prejudica seu rendimento escolar, deve procurar ajuda profissional. Em muitos casos de distúrbios físicos e mentais existem tratamentos bastante eficientes.

Mito 4: Aquele professor sabe ensinar. Entendo tudo o que ele diz.

Fatos: Se um aluno entende tudo o que um professor diz é porque este professor só fala assuntos triviais sem interesse científico algum. 

Todas as áreas do conhecimento científico são de difícil compreensão até mesmo entre cientistas.

Portanto, se um aluno entende tudo o que um professor diz, é melhor começar a estudar de verdade em bons livros e conversar com professores realmente críticos e exigentes.

Mito 5: Estudei o fim de semana inteiro e ainda fui mal na prova.

Fatos: Este se relaciona com o mito 2. Estudo intensivo em curto intervalo de tempo não permite familiarização com o conhecimento.

Todo conhecimento científico demanda tempo de reflexão e análise crítica. 

Assim como não é possível se tornar um atleta em um fim de semana, também não é possível conhecer qualquer ramo relevante da ciência em dois dias.

Mito 6: O professor é o transmissor de conhecimento.

Fatos: Professores não transplantam seus cérebros para a cabeça de seus alunos. 

Assim como bons professores precisaram de anos para se familiarizarem com certos ramos do conhecimento, alunos também precisam se dedicar diariamente em seus estudos.

Professores são meros orientadores. Eles devem apenas indicar o que deve ser estudado e questionar criticamente seus alunos.

Mito 7: Caiu na prova justamente aquilo que não estudei.

Fatos: Conhecimento científico não é fragmentado. A beleza da ciência radica justamente nas relações entre temas aparentemente distintos.

Se o aluno não estudou um tópico específico da matéria discutida em sala de aula é porque carece de uma visão mais ampla.

Para evitar isso, é fundamental o estudo diário e a frequente reflexão e discussão sobre os assuntos estudados.

Mito 8: Não faço perguntas em sala de aula porque nem sei o que perguntar.

Fatos: Se o aluno não sabe o que perguntar é porque está completamente perdido em sala de aula.

No caso de ensinos fundamental e médio, a solução é imediatamente procurar ajuda do professor, da família e de amigos.

No caso de ensino superior, o aluno deve ser honesto consigo mesmo e avaliar se está no curso certo.

Mito 9: Se eu estudar demais, vou comprometer minha vida social.

Fatos: Jamais é possível estudar demais. Ainda não existem indícios de limites cognitivos para pessoas saudáveis.

Se uma pessoa estuda destacadamente mais do que aqueles que habitam seus círculos sociais, com o tempo ela provavelmente vai apenas mudar seus círculos sociais.

Mito 10: Quem estuda demais fica louco.

Fato: Não.

19 comentários:

  1. "Mitos" 1 e 3 não são mitos. Não faz sentido identificar conhecimento com capacidade de comunicação. As atividades de ensinar e a de adquirir/produzir conhecimento são diferentes e exigem habilidades distintas.

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  2. Olá,Profº. Adonai.Em relação ao mito 10,gostaria de saber o seguinte: Quais as fontes que sustentam que não há prejuízos à saúde no estudo em excesso? Qual a sua definição sobre o ato de estudar? Existe uma "fórmula" ideal (ou próxima disso) de estudo?

    Att.,

    Francisco

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    1. Francisco

      Somente agora percebi que este comentário caiu na caixa de spam. Peço desculpas pela demora para responder. A resposta à sua primeira pergunta é a seguinte: minha percepção sobre o mito 10 é meramente opinativa. Quanto às demais perguntas, prefiro explorá-las em postagens futuras. São temas muito complexos.

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  3. É bem conhecido que os melhores motoristas frequentemente não são bons instrutores de direção. Temos também o exemplo de pessoas como Perelman - ele definitivamente sabe matemática, mas não ensina nada bem, dado que ele se isola e quem se isola não consegue ensinar.

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    1. Stafusa

      Acho que você não pegou muito bem a ideia da postagem. 1) A ênfase é sobre conhecimento científico e não muscle memory. Este é um blog sobre educação em ciências. Portanto, o exemplo do motorista não se enquadra. 2) Perelman não é o único caso (se for um). Hartry Field é conhecido por escrever muito bem, mas falar muito mal. No entanto, Perelman e Field escrevem muito bem, ou seja, dominam linguagem. 3) A ênfase, como foi colocado na introdução do texto, é sobre mitos entre alunos. O fato é que alunos usam desculpas sem sentido para justificar fracassos. E isso não é nada sensato. 4) Ainda estou para conhecer algum fenômeno humano que não tenha exceções. No entanto, persiste a prática entre alguns de julgar que raras exceções (se, de fato, ocorrerem) formam regras. E isso é extremamente prejudicial, mais do que usualmente as pessoas percebam.

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  4. "Se uma pessoa não consegue explicar algo é porque não sabe usar a linguagem. E, portanto, não tem o conhecimento."
    Não vejo como verdade, outro exemplo: a pessoa pode conhecer e ser perfeitamente capaz de explicar o assunto para seus pares, por exemplo, inclusive utilizando a linguagem com perfeição, mas uma que é inacessível a seus alunos, por exemplo por ser muito técnica. Eu posso saber alguma coisa em física, e explicar talvez até bem em português - mas na Coreia seria um exemplo de professor que tem conhecimento do assunto mas não consegue explicar (para os alunos), porque não falo coreano - isso não significaria que meu conhecimento repentinamente desapareceu só porque fui a outro país: essa mudança apenas alterou minha capacidade de comunicação, de explicar.

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    1. Stafusa

      Ótimos exemplos. Sobre o primeiro: se o professor não consegue explicar a alunos, então ele não domina de fato o conhecimento. É por isso que existe o conceito de transposição de conhecimento, o qual permite a tradução do que se sabe para quem não sabe. E com relação ao exemplo da Coreia, por que você acha que inglês é a língua (natural) científica universal? Pesquisadores que se isolam em seus idiomas (estrangeiros em relação ao inglês) se tornam intelectualmente isolados em suas próprias áreas do conhecimento. Já na época de da Vinci havia a necessidade de uma linguagem natural universal, o latim. Hoje é o inglês. Isso ocorre justamente por conta de necessidade de compartilhamento da mesma língua.

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    2. E observe que essa necessidade de compartilhamento da mesma linguagem é muito mais marcante na atividade científica do que em qualquer outra atividade humana. Isso não fruto do acaso.

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    3. Eu diria que a discussão é então na verdade sobre definições: me parece que sua definição de conhecimento, ao exigir a capacidade de ensinar, é excessivamente exigente para concordar com seu significado usual.

      Exigir que a pessoa entenda um texto para considerá-la alfabetizada funcionalmente é plenamente justificável, afinal ler sem entender é melhor dos casos equivalente a não saber ler. Mas exigir que a pessoa seja capaz de alfabetizar outras para considerá-la alfabetizada é exagero.

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    4. Talvez eu escreva uma postagem especificamente sobre este tema: linguagem e conhecimento.

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    5. Seria muito interessante.

      A sua menção à necessidade de compartilhamento da mesma linguagem me faz perceber também que o texto deve estar se referindo ao ensino para uma turma ideal - que domina os pré-requisitos, compartilha linguagem, se esforça, etc. Ou seja, seu "explicar" não incluiria as habilidades de motivar os alunos, de manter disciplina em sala, de compensar a falta de atenção, entre outras. Nessas condições, ser capaz de explicar equivale a ser capaz de explicar para si mesmo e de fato corresponderá a ter conhecimento - mas não corresponde à tarefa de um professor numa sala de aula real.

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    6. Stafusa

      O que coloco no texto se refere a qualquer realidade de sala de aula. No entanto, reconheço que preciso detalhar muito mais essa questão de conhecimento e linguagem, a qual me fascina há alguns anos.

      Sobre a segunda questão que você levanta... Você não é o primeiro a perguntar sobre motivação. Este é um dos problemas mais graves que existe hoje. Na própria capa da última edição de Veja tem a seguinte frase de chamada: "Os radicais islâmicos degolam dezenas de pessoas em rituais coreografados, exibidos no YouTube, e poucos se comovem."

      Vivemos em um mundo no qual nem mesmo soldados conseguem ser motivados. E quando até mesmo militares perdem motivação, é porque algo de muito grave está acontecendo no mundo.

      O problema da motivação é algo que ainda me escapa. As pessoas têm se tornado insensíveis. E ainda não tenho ideia do que está provocando este fenômeno no mundo ocidental.

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  5. Conhecimento e linguagem, tema fascinante! Eu penso que a ideia se forma mesmo sem linguagem. Linguagem é um artifício desenvolvido para disseminação das ideias, mas não a causa do surgimento de ideias. As vezes penso que olhamos para as coordenadas equivocadas para avaliar o ensino. Autoconhecimento me parece não ser muito levado em consideração.
    Apenas ideias para reflexão!

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  6. "Conhecimento só pode se manifestar pelo uso de linguagem, assim como pessoas só podem existir na forma de corpos humanos vivos. "

    Não sei explicar o que é conhecimento, mas isso não parece razoável (pra mim). Vou contar um relato pessoal:

    Minha oratória é péssima, e minha escrita também é lamentável. No caso da escrita, acho que inicialmente foi graças a minha personalidade (sou introvertido), e posteriormente a minha inabilidade e desinteresse/incompetência em aprender português (e ciências humanas em geral) quando tive a oportunidade. Mas o problema é que fico até assustado quando as vezes percebo que tenho ideias "claras" e não consigo traduzi-las em linguagem escrita de maneira aceitável. Nesse momento inclusive, estou com dificuldades em prosseguir.

    Acho que o conhecimento é um "banco de dados", inteligência é a capacidade de analisar esse banco e produzir ideias. E linguagem é a ferramenta pra levar ideias de uma pessoa a outra. Dessa perspectiva, meu problema está entre ideia e linguagem, e não no conhecimento. Mas por incrível que pareça, o problema é menor (leia-se 'menos pior') quando se trata da linguagem matemática

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    1. Anônimo

      Sua crença não é caso único. Existem muitas teorias do conhecimento. No caso desta postagem estou assumindo que conhecimento não é uma entidade metafísica. O que isso significa? Metafísica é um ramo da filosofia que tem por meta a análise da natureza última dos fenômenos. Por definição, metafísica trata de um universo insondável pela experimentação. Ou seja, tenho a impressão de que você assume uma natureza metafísica para o conhecimento, considerando que ele possa existir mas ainda ser insondável (via linguagem).

      Eu não gosto desta visão (sim, é apenas uma questão de gosto pessoal). Como garantir que o conhecimento existe em uma pessoa se ela não pode ser sondada através da linguagem? Outra pessoa poderia assumir, por exemplo, que você não tem este conhecimento que julga ter. E ela também não conseguiria provar essa tese, assim como você encontra dificuldade para expressar ideias que lhe parecem claras.

      Existe ainda uma outra possibilidade que eu gostaria que você pensasse a respeito. Pode ser que você tenha apenas uma *sensação* de clareza, da mesma forma como uma pessoa tem a sensação de estar vendo um arco-íris, apesar de saber que este arco-íris não é real. Sensações comumente enganam. Daí a importância da linguagem. É a linguagem que permite a busca incessante de convergência de ideias e de conhecimento. E é a linguagem que permite que o conhecimento pessoal seja moldado. Tanto parece ser verdade o que digo, que podemos tomar como exemplo esta troca de ideias entre você e eu. Você afirma que sua escrita é lamentável, quando não é (percepção enganosa a respeito de si mesmo). E você expressou este conhecimento a respeito de si mesmo (apesar de aparentemente estar enganado) usando a linguagem. Em contrapartida, uso a mesma linguagem para contestá-lo. Resta saber agora se alguma mudança ocorreu em seu conhecimento pessoal.

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    2. Entendi, e concordo que a impossibilidade de testar complica bastante as coisas.

      Sobre a sensação de clareza, é possível que seja isso. Quando eu estiver nessa situação, vou tentar analisar nesse ponto de vista

      Obrigado

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  7. Adonai

    "Mito 1: Eu sei a matéria mas não sei explicar."
    -Alguém que diz saber a matéria deveria fazer ideia do que signifique a palavra 'saber', como ao dizer que não sabe explicar deveria fazer ideia do que signifique explicar, assim como ter algum contato ou fazer ideia do que ele por ventura não teve contato.
    -O fato alegado de que o conhecimento tem um corpo material manifestado pelo emprego da linguagem não significa que ele seja a linguagem manifestada propriamente dita, o que essa linguagem significa pra quem a usa.
    -Se uma pessoa não consegue explicar algo é porque não sabe usar a linguagem, mas isso não significa que não tenha um conhecimento a ser explicado.

    "Mito 2: Tirei zero porque me deu um branco na hora da prova."
    -Assumindo por 'dar branco' esquecer, o fato alegado de pessoas saudáveis não esquerem aquilo que lhes é familiar, como os próprios nomes ou o lugar onde vivem, diz somente respeito à memória, apesar de os exemplos citados serem inoportunos ao contexto por não se tratarem do mesmo tipo de conhecimento àqueles aprendidos numa aula, sendo mais associações por repetição do que verdades aceitas por alguma faculdade da cognição de natureza crítica.
    -Algo ser esquecido por uma pessoa saudável, não significa que conhecimentos não podem não ser esquecidos,
    apenas que podem ser não familiares.


    "Mito 3: O professor sabe a matéria, mas não sabe explicar. Por isso que eu não entendo."
    -Como no alegado primeiro mito, se o professor sabe a matéria, certamente lhe é possível não saber explicá-la, por não saber usar a linguagem ou por não saber adequá-la ao aluno, uma vez que não existe um único modo pelo qual se pode entender uma matéria, e mesmo se assumido varios os modos possíveis eles não se resumiriam todos a serem os mesmos pelos quais se ensina a mesma matéria.

    "Mito 4: Aquele professor sabe ensinar. Entendo tudo o que ele diz."
    -A capacidade de um professor transmitir ou do aluno de entender um assunto pode ser um indício mas não faz dele necessariamente trivial, seria tentador pensar se não assim que, para um assunto não trivial ser ensinado não pode existir um entendimento completo, o que é diferente do entendimento ser imediato.

    ...

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    1. OAGV

      Não estou seguro se entendi seu comentário. Mas acredito que grande parte de suas ideias se sustenta na postura de que seja possível aprender algo em sala de aula. E isso é falso. Jamais se aprende algo relevante em sala de aula. Aprendizado é um processo muito mais profundo do que usualmente se pensa neste país.

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