sábado, 13 de abril de 2013
Como conhecer o passado do Paraná? Basta conhecer o presente da Austrália!
Esta é uma postagem que venho preparando há meses, desde o ano passado. Finalmente posso publicá-la. O tema é da mais alta importância histórica, pois mostra de maneira exemplar (talvez até caricata) o absoluto desinteresse do paranaense sobre sua própria história. Por isso, imediatamente já me questiono: quantos demonstrarão algum interesse sobre este texto?
Em sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Geraldo Leão Veiga de Carvalho afirma (página 14):
"O Paranismo, como o entendemos neste estudo, é resultado do ambiente formado desde as últimas décadas do século XIX para a edificação de uma identidade no Paraná. Foi definido oficialmente em termos estético-ideológicos por Romário Martins em 1927 e tem uma curta mas ativa presença institucional até o encerramento da circulação da revista Ilustração Paranaense, em 1931. Seus efeitos, porém, foram a tal ponto naturalizados no imaginário paranaense que podem ser notados ainda hoje em muitas formulações oficiais ou individuais."
Neste sentido, considero a mim mesmo como um paranista, apesar de ser natural do estado de São Paulo. E demonstro isso levantando a seguinte questão: qual é o real interesse do paranaense sobre o resgate histórico, social e cultural de seu próprio estado?
Há muitos anos ouço o professor curitibano Newton da Costa contar uma estranha história ocorrida na década de 1970, em Curitiba, Paraná. Segundo ele, o General Adyr Ticoulat Guimarães (irmão do médico e Senador Alô Ticoulat Guimarães) reuniu em sua biblioteca particular, ao longo de décadas, uma extensa coleção de publicações (entre livros, periódicos, panfletos e demais impressos) relativas ao estado do Paraná. E tenho esta informação confirmada por outra fonte, desta vez impressa. De acordo com o jornalista Aramis Millarch, em artigo originalmente publicado em 17 de fevereiro de 1974, a coleção do General Guimarães era a mais completa biblioteca paranista até então existente. Após o falecimento deste ávido colecionador, a viúva do General fez contato com diversas instituições de ensino superior do estado (incluindo a UFPR), com o objetivo de vender ou doar aquele magnífico acervo. No entanto, não houve receptividade de qualquer uma dessas instituições. Nem mesmo o Governo do Estado do Paraná se interessou por aquela extensa coleção de fundamental importância histórica e cultural.
Mas algo inesperado (para os padrões tupiniquins) aconteceu. Uma instituição australiana comprou o acervo. O professor da Costa não recordava ao certo qual foi esta instituição. Ele apenas lembrava que em 1976 visitou uma biblioteca em Canberra, Austrália, e lá encontrou a Paraná Room, uma sala especialmente dedicada ao estado do Paraná, Brasil.
Fiz contato com a Universidade de Canberra e, após extensas consultas entre arquivos e pessoas daquela instituição, recebi uma resposta definitiva e negativa. Nada sabiam a respeito desta suposta aquisição.
Procurei contato, em seguida, com a Universidade Nacional da Austrália, também em Canberra. Novas consultas foram feitas e mais uma vez recebi uma resposta negativa.
Com receio de que este importante fragmento da história brasileira estivesse perdido para sempre, fiz uma última tentativa e enviei e-mail para a Biblioteca Nacional da Austrália, novamente em Canberra. Finalmente obtive uma resposta positiva. Traduzo abaixo trechos do e-mail que recebi:
"Agradecemos sua solicitação e pedimos desculpas pela demora para responder. No passado a Biblioteca Nacional da Austrália coletou grandes quantias de materiais da América do Sul, incluindo diversas coleções extensas. Uma delas, a coleção Guimarães, do Brasil, continha muito material do Paraná. De acordo com a nossa equipe da Overseas Colletion Development Unit, a coleção continha duas mil e quinhentas monografias do estado do Paraná e uma quantia não determinada de periódicos. [...] Contudo, a Biblioteca jamais teve uma Paraná Room; seu amigo pode ter visto o material à mostra em uma sala especial por um curto período de tempo. Nos últimos anos, porém, esta coleção, bem como outras da América Latina, foram transferidas para a Universidade La Trobe, por conta do ativo programa de estudos latino-americanos daquela instituição e do pouco uso deste material na Biblioteca Nacional. Você pode encontrar mais informações sobre as coleções latino-americanas da biblioteca da Universidade La Trobe em
http://latrobe.libguides.com/latinamerica.
A Biblioteca Nacional da Austrália mantém poucos títulos sobre o Paraná, os quais foram adquiridos provavelmente fora das coleções que mencionei. Você pode encontrar este material em nosso catálogo
http://catalogue.nla.gov.au/
Espero que estas informações sejam úteis para você.
Helen Wade
Reference Librarian
National Library of Australia"
Logo em seguida pude confirmar que a transferência acima mencionada da Biblioteca Nacional da Austrália para a Universidade La Trobe foi realizada em 1991.
Examinando o site da Universidade La Trobe (uma instituição de múltiplos campi no estado de Vitória, Austrália), encontrei apenas duzentas e uma publicações catalogadas on line sob a palavra de busca Parana, incluindo textos do século 19, publicados logo após a emancipação do estado em 1853. O mesmo site permite acesso também ao Boletim da Sociedade Paranaense de Matemática, única publicação especializada em matemática de nosso estado. Vale observar também que a Sociedade Paranaense de Matemática é a única sociedade estadual de matemática no Brasil e é a mais antiga sociedade de matemática deste país.
Entre as publicações paranaenses catalogadas on line na Universidade La Trobe podemos encontrar diversos documentos sobre a colonização do estado, bem como as constituições políticas oficiais promulgadas em 1892 e 1935. Há até mesmo um documento histórico sobre a tirania do Marechal Floriano Peixoto (estranhamente homenageado pelo estado de Santa Catarina, quando este nomeou sua capital como Florianópolis) e seus nocivos efeitos sobre o Paraná.
Em suma, se você, leitor ou leitora, deseja conhecer bem a história do Paraná, é melhor atualizar seu passaporte e comprar um bilhete aéreo para Canberra, Austrália. Sempre critico a falta de interesse do brasileiro sobre ciência e educação. Mas, pelo menos no estado do Paraná, este desinteresse vai muito além. Sequer o paranaense deseja conhecer a si mesmo. E isso se chama Brasil.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
É quase inacreditável, não? Nossa pobreza cultural é vergonhosa. Ainda bem que temos um paulista-paranista teimoso que vai a fundo em suas decisões! Parabéns, Adonai! Seu esforço, interesse e insistência valeram a pena! O Paraná deveria se orgulhar de você!
ResponderExcluirAdriane
Isso me interessa profundamente. Não só a mim, mas aos meus amigos historiadores da Universidade Estadual de Ponta Grssoa que estão desenvolvendo pesquisas para a escrita de um material didático sobre história do Paraná. Vou encaminhar seu texto para eles.
ResponderExcluirObrigado, Adonai.
Ótimo, Maikon!
ExcluirAcabo de ver sua divulgação no facebook. Tenho acesso a outras histórias incríveis e ainda desconhecidas por pesquisadores, envolvendo o sul do país. No entanto, é muito difícil conseguir comprovação sobre tais histórias. Por sorte, aqui foi possível obter provas.
Lamentável, lamentável...
ResponderExcluir