sábado, 6 de outubro de 2012

Indissociabilidade Entre Ensino, Pesquisa e Extensão


A última postagem tem sido muito bem sucedida, levando em conta o considerável limitante de que tratamos aqui de educação e ciência. Graças à colaboração de muitos amigos, colegas e simpatizantes, as ideias veiculadas neste blog têm alcançado inúmeros outros nós das várias redes sociais (sejam virtuais ou reais). Que continuemos nos empenhando para despertar o Brasil de sua eterna condição de Berço Esplêndido. A partir de agora, portanto, peço a todos os colaboradores para ficarem de olho nas mídias jornalísticas. Este blog já promove esta inspeção através das notícias permanentemente anunciadas ao final desta página. Ou seja, estamos de olho no Brasil e no mundo. E precisamos ficar atentos. Afinal, se dependermos da maioria dos professores universitários de nossa grande nação, nada mudará. E tudo o que aparecer de relevante aos propósitos de um Brasil com educação de qualidade e ciência internacionalmente competitiva, deverá ser relatado aqui e em todos os veículos que compartilham deste mesmo sonho.

Uma evidência da tese de que a maioria dos professores universitários simplesmente nada faz para mudar o quadro negro de nossa educação é o eterno discurso impensado da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em qualquer campanha eleitoral de reitores (como está acontecendo agora na UFPR) sempre se fala dessa tal da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Mas será que alguém nesta terra amalucada realmente entende o que é isso?

Anos atrás participei de uma curiosa mesa-redonda na qual estava presente o físico grego (naturalizado brasileiro) Constantino Tsallis. Ele é o criador daquilo que hoje é conhecido no mundo todo como a entropia de Tsallis. 

Naquela ocasião Tsallis fez um comentário que jamais esqueci: "Já é difícil encontrar um professor que conheça os conteúdos que leciona. E ainda o pessoal quer que ele tenha didática!"

É óbvio que Tsallis não despreza didática. Não é esta a questão. Mas o fato é que talentos reais são muito difíceis de serem encontrados, seja qual for a área de atuação. Se um profissional é um excelente pesquisador, mas péssimo docente, por que não podemos aproveitá-lo em nossa sociedade? Analogamente, se um professor ministra aulas magistrais, mas simplesmente não tem afinidade com pesquisa de ponta, por que não podemos aproveitá-lo também?

É claro que existe uma estreita e intrincada relação entre ensino, pesquisa e extensão! Mas, a partir daí, assumir como ideologia cega uma suposta indissociabilidade entre essas três atividades é simplesmente um desrespeito absoluto ao profissional enquanto ser humano. 

Steven Krantz já chamou atenção para o fato de que não existe uma única metodologia de ensino eficaz em matemática, aplicável a qualquer massa de alunos. Isso decorre simplesmente do fato de que as pessoas são distintas entre si. Existem aqueles que não têm afinidade alguma com ciência, assim como existem aqueles que precisam tanto da atividade científica quanto de água e comida. 

O respeito à individualidade de cada ser humano é uma condição fundamental para o desenvolvimento do coletivo. 

Testemunhei algumas pessoas criticando a postura de Bolivar Alves, o qual é um excelente pesquisador na área de física mas que simplesmente prefere não lecionar. O grande matemático pernambucano Leopoldo Nachbin era considerado um brilhante cientista e um excepcional professor. Até mesmo a caligrafia dele no quadro-negro era impecavelmente bela. Mas indivíduos como Nachbin são raríssimas exceções. Se um profissional é capaz de realizar uma tarefa melhor do que ninguém, certamente devemos conceder-lhe espaço para que realize esta tarefa. São muito raros aqueles que conseguem realizar pesquisa de ponta. E esses indivíduos certamente fazem muito mais do que profissionais que realizam pesquisa, extensão e ensino, simultaneamente, mas sem se destacar em qualquer uma dessas atividades.

Universidades não deveriam ser locais de defesa de ideologias desprovidas de análise crítica. E a tal da indissociabilidade acima mencionada é tão somente uma ideologia irresponsável. Isso fica evidente quando o lema é meramente repetido e multidões acenam suas cabeças em concordância, como se estivessem em algum tipo de transe hipnótico. Nas grandes universidades norte-americanas e europeias nada se escuta ou lê a respeito de qualquer ideologia semelhante. Ao invés disso, pesquisadores são simplesmente estimulados por órgãos de fomento a realizar outros projetos que transcendam o dia-a-dia da atividade puramente investigativa em ciência. Aqueles que conseguem abraçar mais de uma atividade, são beneficiados com apoio financeiro e estratégico. 

Política em ciência e educação é indispensável. Ideologia sustentada em jargões impensados é sinônimo de retrocesso. 

15 comentários:

  1. O problema nao é um professor universitario nao conseguir dar aula, o problema ė o quanto esses professores realmente se esforcam para dar aula. Eles são contratados para ser professores e devem se adaptar a isso sim. é muito cômodo ganhar para algo e não o fazer porque não gosta ainda mais como funcionarios publicos. e afinal disputaram o cargo de professores. Acredito que chega a ser preguica de muitos professores em estudar um pouco sobre ditaticas e metodologias. Todas as pessoas querem uma educacåo de qualidade mas ninguem quer fazer o trabalho sujo, iniciou se isso com os pais e agora atė com os professores.

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    1. Anônimo

      Entendo sua preocupação. Justamente pelos motivos que você aponta tenho insistido na adoção de efetiva meritocracia nas universidades públicas brasileiras. Quem corresponde às expectativas das instituições, deve ficar; quem não corresponde, deve perder o emprego. No entanto (e observe que sempre há um porém), devemos levar em conta o fato de que muitos pesquisadores competentes não deveriam lecionar. Isso significa que deveria existir um espaço de trabalho para todos esses profissionais, algo que praticamente não ocorre no Brasil. Sem o real reconhecimento da diversidade, como podemos construir uma nação do porte da nossa?

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  2. Olá, Professor!

    Infelizmente, aqui no Brasil (não estou dizendo que não aconteça em outros lugares, mas aqui estou falando apenas do que conheço de perto) qualquer interação social se torna rapidamente uma oportunidade política. Assim, a universidade enche os olhos de qualquer candidato à mediocridade. Com esse falso senso crítico existente nas universidades, é muito fácil arranjar um monte de "coitadinhos desmotivados" para apoiar causas políticas que seriam reprovadas por qualquer teste lógico.

    Assim, vejo que essa história toda de mostrar para a sociedade o valor da universidade e todo esse blá blá blá, são pensamentos típicos de pessoas que querem esconder o real motivo de seu apoio. Ou seja, políticos que pouco se importam com o que acontece na universidade, nem com a sociedade, mas conseguem lucrar muito com a existência delas.

    Ora, não há necessidade de ficar divulgando à força os grandes feitos científicos da humanidade para a sociedade em geral. As pessoas que não têm vontade de se desafiar intelectualmente nessas áreas nunca irão entender verdadeiramente as teorias científicas, pois não se interessam. O interesse delas é o de continuar usufruindo de todos os recursos possibilitados pela ciência. E não há problema nenhum nisso.

    Mas, e as peguntas: "como determinado eletrodoméstico funciona", "qual é o comportamento da luz", etc.? Bem, essas perguntas não interessam realmente às pessoas em geral. Elas até têm uma certa curiosidade, gostam de se distrair pensando rapidamente sobre isso, mas não estão dispostas a enfrentar uma jornada de estudos exaustiva para finalmente entenderem algo sobre o assunto.

    Essa ideia de divulgação científica virou uma grande fonte de dinheiro de uns tempos pra cá. Várias revistas e livros prometendo explicar ideias extremamente complexas para um público que não tem a menor vontade de passar mais de meia hora pensando sobre um mesmo assunto. Esse tipo de divulgação, a meu ver, tem mais atrapalhado do que ajudado a verdadeira ciência. Pois, com uma falsa impressão de que compreenderam alguma coisa lendo esses materiais, muitas pessoas acham que realmente gostam de ciência e coisas do tipo e terminam por ingressar em cursos técnicos e universitários. Mas, quando chegam, vem a grande decepção. "Ah! Meu professor é um saco. Ele não quer falar sobre Relatividade e Física Quântica. Quer que eu fique aprendendo coisas inúteis como Cálculo, Mecânica Clássica, Reações químicas. Onde eu vou usar aquela porcaria?" E, com isso, a desmotivação vai chegando aos lugares que não deveriam ser atingidos. Os professores ficam desmotivados, os alunos que têm realmente vontade de aprender também ficam desmotivados, os coordenadores de curso ficam perdidos ... E, assim vai ... No fim, sobra algo próximo do que temos hoje: centenas de universidades, milhões de universitários, e algumas poucas dezenas de pessoas que aprendem e desenvolvem algum conhecimento, não em salas de aula ou em laboratórios como deveria ser, mas isoladamente esforçando-se para ler livros riscados e rasgados dentro de uma biblioteca barulhenta.

    Uau! Afinal, o que é ciência mesmo? E universidade?

    ( Continua )

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  3. ( Continuação )

    Não é possível mais responder tais perguntas, pois as premissas que as construíram já foram esquecidas há muito tempo. Muitos estão preocupados tentando repetir uma demonstração por redução ao absurdo de que a raiz quadrada de dois não é um número racional, mas nunca tentam demonstrar para si mesmos que os seus atos, há muito tempo, não têm nenhuma coerência com as premissas que fundamentaram as grandes realizações científicas da humanidade. Ora é impossível desenvolver uma demonstração como essa usando apenas alguns algoritmos repassados com muita má vontade em um livro qualquer. Para fazer isso é necessário uma real compreensão do desenvolvimento do raciocínio lógica. É preciso estudar uma obra como "Os Elementos", de Euclides, e entender que método foi utilizado para desenvolver ideias tão complexas sem se distanciar em momento algum do que fundamenta aquele conhecimento. Mas, isso exige amor verdadeiro por algo, vontade de passar horas seguidas olhando para aquilo admirado, sem se importar com mais nada, sentir-se completo. Ora todos nós somos capazes de sentir isso por algo, mas enquanto estivermos escravizados pelo que nos disseram que temos que fazer, nunca iremos encontrar nada disso.

    Com isso, não importa qual é o discurso de políticos, reitores, pesquisadores, professores ou alunos. Nós estamos falando de algo que, apesar de ainda ter alguma ação sobre nós, já morreu há algum tempo. Assim como a ordem civil e a educação básica.

    Dessa forma, não adianta ficar tentado consertar. Precisamos ter coragem de destruir esse peso morto. Precisamos de um terreno vazio e limpo para construir algo bem fundamentado, assim como no passado foi feito. Muitos erros foram cometidos. Erros que nos levaram a viver a decadência atual. Mas, hoje, temos a história para nos fazer fugir daqueles erros e melhorarmos ainda mais algo que nós admiramos muito até hoje.

    Abraços,

    João

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    1. João

      Não esqueça que toda revolução deve ser feita com o povo e não pelo povo. Sem apoio significativo de uma massa crítica da população, jamais seria realizável a "destruição do peso morto" que propõe. Confesso que sou simpático à sua visão e até já sugeri uma versão suave de sua proposta neste mesmo blog. Sugeri, por exemplo, que alunos se recusem a assistir aulas de professores que contam com estabilidade de emprego e que impeçam essas aulas com manifestações ruidosas. Mas ainda não encontrei alguém que percebesse o câncer social hoje existente na educação brasileira e que estivesse suficientemente motivado para atitudes mais drásticas. A educação brasileira age como uma forma de anemia, que enfraquece a quase todos os espíritos. Enfim, somos uma nação acomodada.

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    2. Sem operários, não há construção. Sem soldados, não há guerra.

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    3. Olá, Professor!

      Percebi, apenas hoje, que não havia lhe oferecido uma tréplica. Então, aqui está:

      Operários que não amam sua missão: machucam-se ou são ineficazes. Soldados que não amam sua missão: matam ou morrem. Então, antes de se confiar uma missão a alguém, deve-se estar certo de que a missão foi compreendida, absorvida e, por fim, desejada e amada pelo outro.

      Quero desenvolver mais isto, mas vou guardar essa fagulha para nossa conversa daqui a poucos dias.

      Forte abraço,

      João

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  4. Caríssimo Adonai,

    Esta é uma de nossas outras mazelas: supôr um vínculo indissociável entre ensino e pesquisa. Concordo com Bolivar Alves que deveríamos investir em institutos de pesquisa.
    Cordialmente,
    G. Maicá.

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  5. Perfeita colocação professor! Existe um texto do Gustavo Ioschpe que fala exatamente disso (http://www.lideres.org.br/portal/image_view.php?id=9267&tip=col) desta ilusão de que alguém consegue ser excelente fazendo ao mesmo tempo pesquisa de ponta, ensino e extensão. Conheço pouquíssimos colegas que realmente conseguem se destacar em pesquisa e ensino, mas nesses três eixos não conheço nenhum. Seria bom que as universidades pudessem aproveitar cada professor levando em conta suas potencialidades. Por outro lado, o que existe em abundância, infelizmente, são os colegas que não fazem pesquisa, nem extensão e sequer cumprem suas cargas horárias. São os mesmos que depois vem por aí com a mesma verborragia de sempre falando que um professor completo é aquele que faz pesquisa, ensino e extensão. Ou seja, se aqueles que fazem esse discurso não o cumprem não vejo outras motivações senão as "politiqueiras".
    Cordialmente,
    Roberta

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    1. Roberta

      Se serve como sinal de esperança, Bolivar Alves e eu estamos desenvolvendo um projeto que pode lançar uma pequena luz no final do túnel. Espero ter algo mais concreto em mãos nos próximos meses.

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    2. Que bom, Adonai. Bom saber que algo está acontecendo nos bastidores. E sobre a repercussão na mídia? Alguma novidade? Continuamos a bombardear a mídia?

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    3. Susan

      Ainda não há novidades. Mas certamente devemos continuar a exercer pressão. Demonstra motivação real. Enquanto isso, estou desenvolvendo um projeto paralelo que devo divulgar por aqui no próximo ano.

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  6. Mestre essa é uma pergunta que sempre me fiz, sobre por não deixar o excelente pesquisador e péssimo professor apenas na pesquisa? E vice-versa? Excelente texto!

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