sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O Retorno de Estudante Brilhante


No final de 2011 publiquei neste blog a primeira postagem sobre o Estudante Brilhante, uma personagem fictícia que serve para ilustrar a constrangedora situação na qual o discípulo é mais inteligente e melhor informado do que o mestre. 

Na primeira parte da história, Brilhante perigosamente se destacava por conta de questionamentos sobre os limites da cognição humana. Mas, desta vez, ele aprendeu que deve descer um degrau intelectual se quiser conviver civilizadamente entre os seus pares. E agora apela a situações já antecipadas por outros.

...

Durante aula professor Mula afirma que observações empíricas sob rigoroso controle laboratorial permitem inferir verdades científicas. E cita como exemplo a órbita da Lua ao redor do planeta Terra. Segundo Mula, esta é uma prova científica incontestável de que a Lua está em queda livre, sob a ação da força de gravidade que nosso planeta exerce sobre aquele satélite natural. Brilhante não se contém e novamente contesta:

- Quando o senhor fala de força de gravidade, está se referindo a qual tipo de força? Força newtoniana? Qual força newtoniana? Aquela que é discutida nos Principia de Isaac Newton, sem o emprego de cálculo diferencial e integral? Ou o senhor fala da força newtoniana discutida por Vladimir Arnol'd sob o ponto de vista de espaços de fase e grupos de Lie? Além disso, a concepção de força não é exclusiva de visões newtonianas! Há as forças de Hoyle e Narlikar, assim como as forças da mecânica relacional. E nem toda teoria gravitacional emprega o conceito de força. A relatividade geral de Einstein é um exemplo bem conhecido de teoria de gravitação sem força. Isso sem falar na mecânica de Hertz, que permite tratar de gravitação sem menção a força ou qualquer processo de geometrização. Mas a parte realmente intrigante da suposta verdade científica de que a Lua está em queda livre é que esta queda ocorre para cima.

Professor Mula se irrita com a aparente verborragia de Brilhante e questiona: "Como assim, queda para cima?" 

Brilhante responde:

- Mesmo que nos limitemos a tratar de gravitação newtoniana nos moldes intuitivos do que hoje se entende sobre esta teoria, o fato é que o sistema Terra-Lua pode ser matematicamente tratado como um sistema de três corpos: Terra, Lua e marés oceânicas e terrestres que circulam pelo nosso planeta por ação gravitacional da Lua. E essas mesmas marés são responsáveis por perdas de energia total do sistema, obrigando a rotação da Terra ao redor de seu próprio eixo a diminuir ao longo de milhões de anos. Se considerarmos o sistema Terra-Lua-marés como isolado, por conta de conservação de momento angular do sistema é possível concluir que a Lua se afasta da Terra, algo que também encontra verificação experimental. Portanto, a Lua cai para cima, relativamente ao nosso planeta.

Professor Mula respira fundo e então responde: "Eu estava me referindo à gravitação newtoniana. Mas eu gosto da maneira como você pensa".

Estudante Brilhante, desta vez melhor humorado, reage:

- Professor, eu tenho uma pergunta a fazer.

Mula não sabe se deve se sentir aliviado ou preocupado: "Qual é a pergunta?"

- Três moças tomam sorvete. Uma delas lambe o sorvete, a outra morde o sorvete e a terceira chupa o sorvete. Qual delas é casada?

Desconcertado (e desconsertado!), Mula responde: "Não sei. Eu acho que a casada é aquela que chupa o sorvete."

- Não, professor. A casada é aquela que usa aliança na mão esquerda. Mas eu gosto da maneira como o senhor pensa.

Os alunos da turma riem da resposta de Brilhante e Mula tenta manter a postura de líder intelectual. E então sentencia: "Tudo bem. A brincadeira acabou. Agora, quem responder à próxima pergunta poderá ir para casa."

Brilhante rapidamente joga sua mochila pela janela, fazendo-a cair ao chão, do lado de fora da sala. Mula questiona, irritado: "Quem jogou essa mochila para fora?"

Brilhante responde:

- Fui eu, professor. Estou indo pra casa.

19 comentários:

  1. Seu blog é muito bom, porém esse texto deveria ser sobre o Mula e o Arrogante e não brilhante. Se ele fosse tão brilhante assim saberia que o respeito vale mais que inteligência.

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    1. Colocação curiosa, Danimar. Talvez sua interpretação se deva ao fato de que tanto inteligência quanto respeito sejam conceitos difíceis de definir.

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    2. Eu dou meu dedão da mão direita pra quem conseguir definir respeito com clareza sem ser piegas ou apelar pra etimologia de dicionário.

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    3. Erik

      Pode incluir meu braço direito em sua aposta.

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  2. "[...] - Não, professor. A casada é aquela que usa aliança na mão esquerda. Mas eu gosto da maneira como o senhor pensa. [...]"

    Por mais inteligente que o aluno seja, nada justifica tamanha arrogância e desrespeito ao professor........

    Quer melhorar a Educação, tudo bem. Mas não é por aí que vai melhorar........

    Não se combate arrogância com mais arrogância.........

    Se eu fosse professor de um sujeito como Brilhante (obviamente considerando que, ao contrário de Mula, jamais teria sido cínico com Brilhante, como aconteceu na primeira postagem, se não me engano), expulsaria ele de sala de aula a murros, pontapés e xingamentos ao som de "moleque desgraçado e mal criado"........

    A mesma educação com que trato a todos EXIJO para mim.......

    E jamais abriria mão disso, por mais inteligente e capacitado que fosse o aluno......

    Entretanto, imagino que se eu fosse respeitoso com Brilhante desde o começo, não teria motivo para este último me ironizar........

    Somente não aceitaria ironias gratuitas. Só isso.............

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    1. Leandro

      Entendo sua crítica. No entanto, é preciso tomar cuidado para que não se confunda educação com delicadeza. Eu mesmo, por exemplo, jamais usei sarcasmo ou ironia como forma de argumento. Não gosto disso. Sarcasmo e ironia são apenas máscaras. Mas a ideia da história não é esta. É algo um pouco mais sutil.

      Finalmente, recomendo que reavalie sua visão sobre exigência. Respeito é algo que deve ser conquistado com certa sutileza e não por imposição.

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    2. Verdade.

      Porém não há motivo algum para que alguém seja sarcástico e irônico comigo sem sequer eu dar motivo para isto.

      Respeito é algo que se conquista? Com certeza.

      Mas se a pessoa já começar errado (usar sarcasmo e ironia sem qualquer histórico prévio vindo da outra pessoa), daí já configura falta de respeito.

      E falta de respeito, pelo menos ao meu ver, é uma ofensa gratuita e um sério ataque pessoal.

      Sendo assim, acaba-se qualquer chance de diálogo imediato, e a reação é a mais natural e instintiva possível.........

      Talvez até volte a estabelecer algum diálogo, mas não seria de imediato.........

      Não sei se isto é problema de educação ou delicadeza, mas é justamente por este motivo que não consigo me encaixar em sala de aula, infelizmente......

      :(

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    3. Leandro

      Pense no seguinte ponto de vista. Sarcasmo e ironia são, sem sombra de dúvida, máscaras usadas por aqueles que não têm o que oferecer ou que não têm coragem para oferecer algo. Portanto, se alguém usa sarcasmo ou ironia, isso é motivo para sentir pena desta pessoa e não raiva. Cara, não se deixe levar por estratégias baixas de outras pessoas. É desgastante e nada produtivo. O único caso em que vejo sarcasmo e ironia serem usados com legitimidade é quando se emprega entre humoristas profissionais. O resto não interessa.

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    4. Tens razão Adonai.

      Pôr em prática esta perspectiva que vc menciona representa uma virtude que tento desenvolver aos poucos.

      Neste sentido, o avanço da idade tem ajudado.

      Hoje, com 30, sou muitas vezes mais calmo, pacífico, tolerante e resistente do que quando me formei.

      Mas não tem sido fácil conseguir tal virtude, pois o ataque pessoal e a falta de respeito "faz o sangue ferver".

      A pessoa precisa ter um razoável equilíbrio emocional e sabedoria para alcançar isto.

      Felizmente estou conseguindo aos poucos, junto com uma maior sociabilização.

      Grato pela orientação, sobre a qual concordo plenamente.

      =)

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    5. Leandro

      Aqueles que promovem ataques pessoais se alimentam com a raiva alheia. São criaturas vis. Não merecem esse tipo de alimento. Deixe-os famintos.

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  3. Afinal de contas, se o professor é limitado, não significa que toda a culpa seja necessariamente dele........

    Daí o agravante em ironizá-lo.......

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    1. Leandro

      Peço que tente avaliar este texto em particular sob outra ótica. Fiz o texto para ser intencionalmente ambíguo.

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    2. Farei isto com maior prazer, pois suas postagens sempre ajudam a melhorar a reflexão e aprimorar a "massa cinzenta".

      :)

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  4. Hihihi, que fantasia! Esse aluno e' uma utopia. Eu diria mesmo que esse aluno e' uma grande mula para ficar falando em mulheres chupando sorvete. Pergunte ai ao aluno mula-rockbilly-brilhantina qual a resposta para mulheres sem anel de casamento?

    Puxa, nao ha paciencia para essas mulas desses alunos.

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    1. Anônimo

      Aparentemente você não tem muita familiaridade com interpretação de texto e nem com intertextualidade. Em momento algum tentei colocar o Estudante Brilhante como um herói. Pense um pouco mais.

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    2. "Aparentemente" e' um adverbio cuidadoso.

      Aparentemente, este blog esta bem intencionado, mas, aparentemente, esta ficando preguicoso, com estas ficcoes aparentemente ridiculas sobre jovens aparentemente confiancudos e professores aparentemente pouco preparados.

      Aparentemente, o aluno que apresentou e' uma fantasia, bem como o professor.

      Aparentemente, estamos perante o que os anglo-saxonicos designam de straw man fallacy.

      Pense nisso! Vamos ficar olhando e torcendo por este blog que nao necessita de nenhum straw man para manter a qualidade.

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    3. Anônimo

      OK. Então proponho o seguinte. Diga quem é você e então explico o propósito do texto. O objetivo de permitir comentários anônimos é o estímulo de depoimentos de pessoas que não podem ou não querem se expor, por conta de possíveis perseguições pessoais. O objetivo não é estimular pessoas feridas a se esconderem por trás de ironia. O quão aberta é a sua ironia em público? Quer tentar?

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  5. Caro professor Adonai, qual é o propósito deste texto? Por que o Brilhante age desse jeito?

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    1. Anônimo

      Finalmente alguém perguntou! Como estabelece o título, este texto é uma continuação da postagem sobre Estudante Brilhante. E, como deve acontecer em toda boa história, a personagem principal evolui. Neste caso, a evolução se caracteriza pela corrupção de Estudante Brilhante. O mundo em que vivemos sabota os bons espíritos. Brilhante era um jovem de excepcional senso crítico. Hoje ele é apenas um debochado, como tantos outros que já vi e ainda vejo. Uma postagem futura encerrará a jornada de Brilhante.

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