quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Greve Intelectual



O texto abaixo (assinado por Alberto Carlos Almeida e que reproduzo sem autorização), foi publicado no dia 17 de julho na Folha de São Paulo. Até a presente data nada mudou, o que apenas confirma a indiferença da comunidade "intelectual" brasileira e seus súditos, os alunos e a sociedade em geral. Direito a greve não questiono. Mas greve remunerada? Só no Brasil.

Sem corte de ponto, os doutores pedem mais impostos para que ganhem melhor. Deveriam, em vez disso, usar sua qualificação para obter recursos privados.


Nada é mais caro nos dias de hoje para todos nós contribuintes do que nossos professores universitários funcionários públicos.
Oficialmente, eles entraram em greve no dia 17 de maio. Desde então, eles recebem integralmente, e sem atraso, seus salários.
Trata-se de algo absurdo: uma greve na qual os grevistas são pagos para não trabalhar. Seria cômico se não fosse trágico.

Trata-se da mais longa e abrangente greve remunerada do mundo. Eles querem mais recursos para as universidades. Obviamente, querem aumento salarial, querem que o governo gaste mais com eles. A reivindicação deles poderia também ser colocada do ponto de vista da receita: eles querem que o governo aumente os impostos.

Aumentar impostos com a finalidade de investir na educação básica, de melhorar o sistema de saúde, de ampliar a abrangência do Bolsa Família para diminuir a desigualdade de renda é muito mais legítimo e defensável do que aumentar impostos e ampliar os gastos com professores universitários que em sua grande maioria concluíram o doutorado, algo que os qualifica para obter recursos para a universidade de fontes que não o governo.

Eles são o elo forte da sociedade porque são as pessoas mais qualificadas do ponto de vista da educação formal. Fizeram graduação, mestrado e doutorado e ainda assim querem mais recursos públicos.

O elevado nível educacional de nossos professores é um ativo que poderia facilmente ser convertido em mais recursos para as universidades. É isso que fazem vários departamentos de engenharia, por exemplo, na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além de não fazerem greves, eles se utilizam de sua elevada qualificação técnica e educacional para fecharem contratos com empresas que financiam pesquisas.

Com esses recursos, eles equipam suas universidades, constroem prédios novos, complementam seus salários -enfim, realizam investimentos importantes em seu próprio trabalho sem onerar ainda mais o contribuinte. Eles cultivam, de fato, a identidade de professores universitários, pesquisadores e cientistas.

Por outro lado, os professores grevistas cultivam a identidade de funcionários públicos. É muito conveniente fazer greve sem nenhum tipo de custo, sem ter o ponto cortado ou sem sofrer ameaça de demissão.

Aliás, nada mais maléfico para o ensino e a pesquisa no Brasil do que professores universitários que são funcionários públicos. Aqueles professores que se consideram mais professores universitários do que funcionários públicos tendem a não entrar em greve. Por outro lado, aqueles que se consideram mais funcionários públicos do que professores, pesquisadores ou cientistas tendem a não titubear quando se trata de entrar em greve.

A greve remunerada caminha para o fracasso, pois provavelmente a presidente Dilma e o ministro Mercadante não irão ceder. Não há novidade nisso. Não se trata da primeira greve remunerada de professores funcionários púbicos que fracassará. Infelizmente, não será a última, posto que o governo não decide pelo corte de ponto dos dias não trabalhados.

O fato é que a prioridade do governo é o atendimento das demandas dos pobres que nunca entraram em uma universidade e que, portanto, não fazem ideia do que é um doutorado.

O governo federal não irá ceder para um grupo de privilegiados que, apesar de chorar miséria, pertence à classe A brasileira, compõe o andar de cima de nossa pirâmide social. É preciso direcionar os recursos públicos para quem realmente precisa. Dilma e Mercadante sabem disso.


ALBERTO CARLOS ALMEIDA, 46, doutor em ciência política, é sociólogo e autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo" (ambos pela Record)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

15 comentários:

  1. Excelente texto e reflete muito bem o que muitos brasileiros pensam diante dessa greve, não só de professores universitários mas também de funcionários públicos federais. O Brasil realmente ficou refém.

    Acho justo um aumento de remuneração para TODOS os professores, afinal são eles os grandes responsáveis por uma nação esclarecida e sadia intelectualmente. Mas reivindicações feitas dessa forma, irresponsável e mesquinha, pelos que mais ganham, fica difícil apoiar.

    Me causa espanto também ver muitos alunos de universidades federais aderindo ao movimento(?)sendo que são eles os mais lesados com isso tudo. Daí vêm os piquetes e as fanfarras de sempre, promovidas pelos revolucionários de churrascaria e barzinho, a nata da esquerda descolada e engajada que acha Cuba, Coréia do Norte e Venezuela os lugares mais legais do mundo mas, quando vão viajar nas férias preferem Paris, Nova York e Londres. São esses os Che Guevaras tupiniquins que infestam os DCEs de muitas universidades e apoiam as "lutas". A geração socialista do iPad.

    Num país onde o salário mínimo tem valor de R$622,00 e que muito pai de família usa para o sustento de uma casa, ver alguns parasitas da alta casta do funcionalismo público e uns filhinhos de mamãe mimados fazendo movimento grevista é, no mínimo, um absurdo. Só no Brasil mesmo.


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    1. Rodrigo

      Apenas por curiosidade, você é ou foi aluno de universidade pública? Poderia escrever um pouco a seu respeito? Tenho curiosidade para traçar perfis pessoais e profissionais. De qualquer modo é interessante perceber que há vozes contrárias à forma como certos movimentos sindicais agem neste país.

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  2. Prof. Adonai, boa noite.

    Fui aluno tanto de universidade pública quanto particular, em cursos distintos Marketing/Publicidade, Música (particulares), Matemática (Federal). Atualmente querendo ampliar mais um pouco os conhecimentos e fazer Engenharia Civil, dessa vez no IFG (CEFET-GO).

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  3. [Queixo caído] Bom... no exato momento eu não consigo pensar em um adjetivo adequado para o cidadão que escreveu esse texto, mas vou gastar um tempo nisso depois.
    Eu queria dizer alguma coisa relevante para a discussão, mas sinceramente... meu vocabulário sumiu, vou ter que fazer outro comentário mais tarde.
    Talvez esse link já seja uma contribuição: http://lattes.cnpq.br/8470615751123116
    Professores em greve, vocês tem o meu apoio.

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    1. Grande Aline

      Sua reação, se a entendo bem, demonstra apenas um fato simples: a situação das universidades federais é muito mais complicada do que se possa colocar em um breve artigo. O que tenho feito por aqui é expor alguns fatos e opiniões. Geralmente prefiro assinar minhas próprias postagens. Mas lamentavelmente concordo com praticamente todas as opiniões de Almeida. Por isso achei interessante colocá-las aqui. Não estou tentando usar o argumento da autoridade ou da velhice, mas também é fato que já pensei como você, nos meus tempos de juventude. Muitos anos atrás tive extensas discussões com editores de mídias importantes do país, sempre defendendo as universidades federais. Mas hoje percebo que a situação é muito mais crítica. Minha recomendação é que converse com os professores que representam os movimentos sindicais. Será bastante revelador.

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    2. O que sinto da opinião do Almeida, é que os pesquisadores são um peso para o país, que deveriam dar um jeito de financiar a pesquisa sozinhos, que não trabalham, mamam os recursos do governo. Recursos estes que deveriam ser gastos com algo útil e promissor, como dar dinheiro para famílias com oito crianças que não tem o que comer.
      Acredito que se o governo (ou quem quer que mande nesse país) compartilha da visão do autor do texto, estamos fadados à barbárie. O Brasil precisa de ciência, não ensino técnico; mas parece que agora quase todos os recursos da 'educação' são investidos em criar uma grande massa de técnicos para operar máquinas que não sabem como funcionam.
      Se um artigo é pouco para falar da condição das universidades brasileiras, um comentário não é nada. Em geral, não gosto da idéia de fazer greve, mas apoio os professores agora porque creio que as revindicações são válidas, e não tenho nenhuma idéia melhor sobre o que eles poderiam fazer para conseguir o que precisam.
      Eu estudo na Unicamp, que não está em greve, mas aceito sua sugestão e vou conversar com um professor envolvido com o movimento sindical quando tiver oportunidade.

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    3. Aline

      Entendo. Mas tome cuidado com sua postura. O Brasil, como qualquer país, também precisa de técnicos. Somos uma nação muito diversificada. A maioria simplesmente não tem a mais remota familiaridade com ciência. Precisamos ser estratégicos e não radicais que defendem seu próprio modo de vida.

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  4. Você e o autor deste artigo estão de parabéns!! As ideias foram expostas de forma clara, os argumentos são impecáveis. Desde de muito tempo percebo que no Brasil ser doutor para muitos é sinônimo de arrogância e produção zero. Para ser mais realista muitos pensam apenas em benefício própio e visam somente o salário de cada mês.

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  5. É interessante aqui fazer referência as origens históricas dos movimentos de greve. As greves são, grosso modo, um subproduto da Revolução industrial, particularmente da chamada "segunda revolução industrial", e das péssimas condições de trabalho de operários no século XIX e início do século XX. Para alguns pensadores como Marx, Engels, talvez (não sei exatamente)Marcuse e Gramsci entre outros, configure mais do que isso, na verdade uma tensão inevitável entre capital e trabalho, um fenômeno inerente ao modo como se organizam atualmente as relações de produção, isto é, como a sociedade, independente da vontade dos indivíduos, se organiza para produzir bens e serviços. De qualquer modo, este fenômeno social é em sua origem típico das classes operárias, e não de intelectuais ou cientistas. Estes em geral, sempre fizeram parte de uma elite privilegiada, desde os gregos, passando pelos escolásticos até o mundo moderno.

    Vale lembrar, que para Marx este fenômenos conduziriam, mais cedo ou mais tarde, a uma transformação radical no modo de produção e organização social. O que de fato não ocorreu! (pelo menos até o presente momento) Neste ponto, destaco as ideias de Marcuse a respeito disso, para ele não seriam os operários os verdadeiros elementos transformadores da sociedade, já que estes já teriam algo a perder por estarem inseridos no modo como a sociedade se estrutura, isto é, são elementos integrantes do modo de produção, que a partir da segunda metade do século passado, passaram a capitalizar vantagens, embora a duras penas, particularmente nos EUA, onde ocorreram as greves mais violentas do último século, como o massacre de Ludlow de 1913. Para Marcuse as transformações sociais radicais só ocorreriam pelos completamente excluídos, como moradores de rua, prostitutas, etc. Evidentemente, não cabem aqui intelectuais ou professores universitários. Quem sabe os "intelectuais orgânicos" de Gramsci? Parece que a história, segundo meu ponto de vista, tem revelado uma faceta surpreendente, não atentada por pensadores como Marx e Engels, que o modo de produção caracterizado pela economia de mercado tem capacidade adaptativa surpreendente, em outros termo, numa frase do bárbaro Conan, de Howard: "aquilo que não me destrói, me fortalece". De qualquer modo, me surpreende o fato de nossa "elite intelectual" ainda não ter se apercebido que podem existir modos mais eficientes e inteligentes de reivindicar do que a greve, um fenômeno das classes operárias do século retrasado. Aliás, mais do que reivindicar salário, o que não desconsidero em absoluto injusto, deveríamos reivindicar autre choses, como o veto da presidenta sobre o regime de cotas, o que certamente causará grande dano a pesquisa no Brasil, se é que ainda há alguma.
    Um abraço,
    Gilson

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    1. Gilson

      Acredito que não exista faceta surpreendente alguma. As universidades brasileiras têm ficado cada vez mais parecidas com centros técnicos. Estamos nos transformando no sonho de Suplicy de Lacerda: uma sociedade tecnocrática.

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  6. Mas pq os professores não vão atras de recursos privados? No Brasil existe alguma lei que os impeça de fazer isso? Ou será que eles apesar de terem doutorado, o que os torna tecnocraticamente qualificados, não sabem como obter recursos para as universidades a não ser de fontes do Governo? Claro que ficarão a mercê de apresentar resultados que só importam pra quem os financiam, mas, parece que existem formas de tapear os financiadores...?

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    1. Anônimo

      Lembro de um comentário que um chinês fez sobre o Brasil, anos atrás. Ele disse: "Na China o Governo facilita tudo aquilo que é melhor para o país. No Brasil, tudo é complicado." Tenho uma proposta para você. Tente doar cem reais para uma universidade federal. Veja com seus próprios olhos a insanidade desta proposta. É uma experiência fascinante, garanto.

      Fui Post Doctoral Fellow em Stanford. Lá existe um banco circular que homenageia todos aqueles que fizeram doações àquela universidade nos primeiros cem anos de história da instituição. Nos EUA doações são muito comuns. E elas são facilitadas. No Brasil tudo é difícil.

      Para mudar a realidade das universidades federais precisamos mudar vários outros segmentos sociais, incluindo justiça e burocracia. Mas isso não é motivo para desânimo. Se os jovens exigirem mudanças reais nas universidades federais, deixem que o Governo Federal se vire com a burocracia. Anos atrás os professores das universidades federais deixaram de estar subordinados à CLT e passaram a ser regidos pelo RJU. Ou seja, sempre existem manobras burocráticas à disposição. Mas precisamos exigir de uma vez por todas real autonomia das instituições federais de ensino superior. Quem não produz deve ser mandado embora. Quem produz deve ter o poder de negociação de salário e de condições de trabalho.

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  7. O Governo fez uma proposta de salário de +- R$20.000,00 por mês para os professores com doutorado?

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    1. Anônimo

      Desconheço esta proposta. O que percebi até agora foram muitas informações contraditórias. Meu salário bruto é um pouco acima de R$ 11.000,00. Até pouco tempo atrás eu produzia muito acima da média, com artigos em revistas internacionais, orientação de alunos, publicações de livros, atividades de extensão e administrativas etc. Hoje me limito a apenas lecionar e ganho exatamente a mesma coisa. Isso porque cansei da palhaçada da UFPR. Por isso continuo me empenhando para seguir outra carreira. Estou quase lá. Não vejo a hora de sair daqui. Só não pedi demissão ainda porque tenho compromissos financeiros com o futuro de meu filho. Mas ele já está começando a caminhar por conta. Em breve estarei livre.

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  8. Excelente texto. Pena é que quem deveria ler provavelmente não vai.....

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