sábado, 8 de dezembro de 2012

Justificativa e Novidade



Parte desta postagem tem o propósito de responder a certos questionamentos levantados pelo leitor André Furtado, conforme prometido dias atrás. Mas o principal objetivo deste texto é apresentar uma justificativa não apenas para o André Furtado, mas para inúmeras outras pessoas que têm tentado me convencer a desistir de minhas tentativas para mudar o ensino público superior. Por isso mesmo incluo nesta postagem uma novidade que deve estimular aqueles que percebem que as universidades federais deste país atingiram um ponto de estagnação irreversível, enquanto não houver mudanças radicais em seus fundamentos.

Não apenas a ciência e a educação brasileiras estão em crise, mas a ciência e a educação no mundo inteiro enfrentam dificuldades graves. 

A ciência atingiu um grau de profissionalismo nas últimas décadas extremamente rígido, sob certos aspectos, e inconsequentemente liberal, sob outros. O pesquisador que não publicar de forma frequente e consistente nos melhores periódicos especializados coloca em sério risco a sua carreira. Em função disso, uma massa imensa de artigos de questionável relevância científica tem sido veiculada mesmo através das melhores editoras. Isso sem falar no número crescente de fraudes científicas: plágios; inclusão de nomes de amigos em projetos, sem a efetiva colaboração dos mesmos; e textos intencionalmente incoerentes que com frequência crescente têm sido publicados.

Estudiosos dos processos educacionais, por outro lado, já percebem há muito tempo que os atuais métodos de ensino não funcionam bem (no sentido de preparo para a cidadania em seu mais amplo sentido, com o devido respeito à individualidade). Mas ninguém até hoje conseguiu apresentar uma proposta alternativa suficientemente convincente, apesar de países como Finlândia terem sistematicamente demonstrado que o modelo deles é muito bem sucedido. O duro é fazer os supostos especialistas e autoridades perceberem isso.

No entanto, cada realidade local tem seus problemas específicos. E neste blog procuro dar ênfase à realidade brasileira. 

Tenho criticado enfaticamente as universidades federais, por motivos já expostos anteriormente. Mas não são apenas as universidades federais que se estagnaram. Em nosso país, as universidades privadas, em geral, também fracassam miseravelmente nas missões de produção de conhecimentos e formação profissional. Existe uma história não documentada nas universidades brasileiras que tem colocado em sério risco o futuro do Brasil. Isso porque sem educação, ciência e tecnologia internacionalmente competitivas, o destino de nossa nação fica cada vez mais nas mãos de nações que investem significativamente nessas áreas. Em conversas de corredor, por exemplo, fala-se cada vez mais dos indivíduos que têm suas monografias de especialização, dissertações de mestrado e até mesmo teses de doutorado escritas por amigos, colegas ou profissionais da fraude. E ainda há os casos de disciplinas em cursos de doutoramento nas quais não existem avaliações escritas. Esta tem sido uma prática acentuada nas instituições privadas de ensino superior. 

A verdade é que nem mesmo nas universidades privadas brasileiras se pratica a meritocracia. Doutores, por exemplo, são evitados a extremos. E produção científica, nem pensar. Na maioria das universidades privadas de nosso país os professores são sobrecarregados com aulas, sem que tenham tempo para qualquer dedicação à pesquisa. E mesmo que a instituição não esteja interessada em pesquisa, como lecionar com a necessária reflexão se um professor deve assumir vinte ou quarenta horas semanais de aula?

Por isso mesmo insisto que o nó principal do ensino superior brasileiro está nas instituições federais. É lá que as mudanças podem e devem ocorrer. Ainda não estamos em condições de contar com qualquer visão socialmente responsável da iniciativa privada brasileira (salvo raras exceções). 

Questionando minha proposta de extinguir a estabilidade irrestrita dada a professores das universidades federais, André Furtado pergunta: "Quais seriam os critérios para definir o que são aulas e pesquisa científica de boa qualidade?"

Há, pelo menos, duas perguntas neste questionamento. A primeira é sobre aulas e a segunda é sobre pesquisa científica. Para responder, estendo a pergunta para duas situações distintas: indivíduos e instituições.

A melhor maneira de uma instituição avaliar se está oferecendo aulas de qualidade é através de associações de ex-alunos. E quem lê meu blog, sabe que eu já respondi a esta questão há muito tempo. Associações de ex-alunos são instrumentos para avaliar o destino profissional dos egressos. Em tais avaliações, sempre serão percebidas falhas. Sempre serão detectados aqueles ex-alunos que estão infelizes em suas carreiras ou que simplesmente abraçaram profissões que nada têm a ver com as suas formações. A partir desta análise, os dirigentes das instituições de ensino estabelecem parâmetros de qualidade que devem ser aplicados aos professores (indivíduos). O profissional que não atender às expectativas de sua instituição, deve ser treinado para fazer isso. Se ainda assim ele não corresponder às expectativas, deve ser demitido. Educação é importante demais para tolerar incompetência.

É importante também que os próprios alunos avaliem a qualidade de aula de seus professores. Os alunos raramente compreenderão o papel desta avaliação, a qual deve permitir, a rigor, uma análise das relações entre alunos, professores e instituição. 

Existem também instrumentos para avaliar a qualidade da produção científica de instituições: citações, registros de patentes e impacto social são exemplos bem conhecidos. A pesquisa da tcheca naturalizada brasileira Johanna Döbereiner, por exemplo, transformou o Brasil no segundo maior produtor de soja do mundo

A partir deste tipo de avaliação (sustentada em resultados), novamente a instituição pode estabelecer políticas internas para definir quem é contratado, quem se mantém no cargo, quem é promovido e quem é demitido. 

Em suma, cada instituição deve estabelecer de forma clara quais são os seus objetivos. A partir disso, fica bem mais fácil definir o perfil profissional esperado de cada professor ou pesquisador. Nas instituições federais de ensino superior, jamais fica claro o que se entende por atividades de pesquisa ou extensão. Portanto, jamais fica claro o que se espera de um professor de universidade federal. Esta realidade definitivamente prejudica a instituição e, consequentemente, a sociedade.

A segunda pergunta que André Furtado faz é: "Quem definiria tais critérios e quem, na prática diária universitária, avaliaria seu cumprimento?"

Os critérios institucionais seriam definidos pelos professores que meritocraticamente conquistaram a estabilidade (a exemplo do que ocorre no bem sucedido modelo acadêmico estadunidense). Eventualmente até poderiam consultar outros profissionais e instituições. Mas a decisão final deve ser deles. E estes mesmos profissionais devem estabelecer os mecanismos de avaliação individual. 

Certamente esta proposta está sujeita a falhas. Qualquer pessoa com senso crítico e experiência descobre facilmente isso. Mas os ajustes a serem feitos posteriormente seriam de natureza fina e não fundamental.

Já ouvi também o ingênuo argumento de que o Governo Federal não é o administrador das universidades federais. Isso é simplesmente falso. Mas respondo a esta questão em outra mídia. É justamente aqui que está a novidade prometida.

Até fevereiro de 2013 será publicado um artigo meu de dez páginas sobre as universidades federais brasileiras, em uma revista de ampla circulação no Brasil e em Portugal. Propus este texto para o editor da revista e ele imediatamente abraçou a ideia. Na verdade, editor e eu estamos trabalhando juntos nesta empreitada, em uma tentativa de despertar pelo menos parte da população e autoridades para a situação escandalosa de nossas instituições públicas de ensino superior. Muitas das informações publicadas no artigo em questão já foram discutidas detalhadamente por aqui. Outras ainda são inéditas. Portanto, o apelo que fiz na centésima postagem está frutificando a partir de iniciativa minha, por enquanto. Espero que os leitores deste blog não desistam e continuem insistindo em tal apelo. 

Tendo isso em mente, respondo agora à principal crítica que recebo, tanto de simpatizantes quanto de oponentes: "Por que, afinal, você insiste nisso tudo?"

Por conta de certas postagens neste blog, já fui chamado de muita coisa: Joana D'Arc, Jesus Cristo, o cara que quer virar mártir, amargurado, louco, frustrado, infeliz, etc. (o etc. inclui adjetivos que prefiro não reproduzir). Frustrado, assumo que sou. Sou frustrado por ter investido seriamente em uma instituição de ensino superior que não leva a sério nem ciência e nem educação. Também sou frustrado por viver em um país no qual apenas uma minoria desarticulada consegue enxergar a imensa cova que o Brasil está cavando para si mesmo. Mas, respondendo à última questão, insisto em criticar a educação e a ciência brasileiras simplesmente porque faz parte de minha natureza, assim como respirar e comer. Só isso. 

Um colega meu (indivíduo extremamente produtivo, do ponto de vista acadêmico) do Departamento de Matemática da UFPR me disse: "Fico pensando se existe alguma instituição na qual você se sentiria bem." Respondi: "No dia em que isso acontecer, estarei morto." 

Quem não percebe os problemas fundamentais da educação brasileira é absolutamente cego e deve ficar longe de qualquer atividade educacional. Quem considera que alguma instituição federal de ensino superior deste país merece ser chamada de universidade, é ingênuo ou sem-vergonha. Quem acredita que existe alguma instituição de ensino superior no mundo que não enfrente problemas sérios, é tolo. Quem não deseja encarar de frente os problemas reais e resolvê-los é covarde ou acomodado. Quem julga sem conhecimento, é irresponsável. Quem desiste, está morto.

17 comentários:

  1. Nem as ordens de classes funcionam no Brasil, e.g. a OAB, pois apesar de aplicar uma prova que em média só 1/4 dos candidatos são aprovados para exercerem a profissão, o que mais se vê é curso de direito chinfrim se multiplicando...

    Quando o escreves "Universidade Federal" não seria melhor escreveres "Universidade Pública", dado que grandes universidades desse país são estaduais, p. ex. USP, UNICAMP, UERJ, etc.?

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    1. Kynismós!

      Entendo sua crítica. Mas insisto em focar as universidades federais, pelos seguintes motivos: 1) ações significativas sobre essas instituições teriam reflexos em outras (incluindo estaduais e até mesmo privadas); 2) vencer o monstro do ensino público superior federal já um desafio grande o bastante, ou seja, sem foco estratégico as chances de qualquer vitória se diluem.

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  2. Olá Adonai. Esta é uma questão que algumas vezes conversei com vc. Na área de Humanas (Letras) é um pouco mais complicado. Vejamos o que vc diz: "Existem também instrumentos para avaliar a qualidade da produção científica de instituições: citações, registros de patentes e impacto social são exemplos bem conhecidos". Concordo, mas para Letras só cabem as citações (com exceção de algum possível programa de formação de leitores, por exemplo, - o que estou buscando no momento), daí sim teria certo impacto social. Mas de resto, apenas as citações são cabíveis. E citações são raras pois são diversos pensamentos, baseados em diversas teorias, analisando diversas obras de literatura. Citações? apenas de estudiosos já "firmes" neste mercado (sim, isto é um mercado). Quem citaria, ou melhor, quem LERIA um artigo de uma professora chamada Susan Blum (desconhecida para a GRANDE maioria dos estudiosos?). Creio que para analisar a seriedade de um professor, não só citações devem ser vistas, mas a quantidade e QUALIDADE dos artigos (o que mostra a seriedade em pesquisas). Mas é só opinião de alguém que não tem APROFUNDAMENTO na educação!

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    1. Susan

      Observe que tomei cuidado de mencionar sobre citações e impacto social como instrumentos para avaliação institucional e não individual. A partir desta avaliação, cabe à instituição estabelecer parâmetros de avaliação individual, de acordo com objetivos traçados. Na prática isso funciona muito bem, mesmo em cursos de letras. Explico. Todo curso de letras deve contar com profissionais de literatura e linguística. Aqueles que trabalham com linguística ajudam a sustentar a instituição com citações e impacto social. Este impacto social certamente deve contemplar a literatura. Ou seja, profissionais antes distantes (como os de linguística e literatura) deveriam se aproximar mais em um modelo como aquele que proponho. Este é o genuíno perfil universitário, e não poliversitário (como o que hoje se pratica no Brasil).

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    2. Adonai, perdoe-me na insistência. Veja, repito seus dizeres: "...avaliar a qualidade da produção científica de instituições: citações, registros de patentes e impacto social são exemplos bem conhecidos". Corrija-me se eu estiver equivocada, mas quando se fala em instituição se está colocando diretamente a responsabilidade em quem FAZ a instituição: os professores e pós-graduandos. Ela sozinha não tem citações ou registros de patentes. É como dizer que a culpa é da sociedade e não dos indivíduos (mas entendi a sua colocação sobre a avaliação docente). Já sobre sua fala do curso de Letras: sou da área de literatura justamente porque não me identifiquei com a área de linguística. E os trabalhos de pesquisa realizados na literatura não precisam necessariamente da linguística (veja, eu disse "necessariamente" pois há profissionais que usam as duas juntas). Mas eu, particularmene, não uso, pois considero a linguística fora de meu alcance intelectual. Então utilizo a psicologia (minha outra formação), a filosofia ou outros conceitos de espaço geográficos ou histórico-culturais (já que minha área de estudo é o espaço na literatura). Ou seja, dentro das MINHAS possibilidades de entendimento, busco a UNIversalização.

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    3. Susan

      Seu argumento é simplesmente outro exemplo de espírito universitário. Apresentei um exemplo e você mostrou outros (ao relacionar literatura com psicologia e filosofia). Portanto, você está concordando comigo. Legal, né?

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  3. Caro Adonai,
    acredito que já comentei aqui que sua empreitada me parece quixotesca, embora não o seja contra moinhos de vento. Fico me perguntando onde entra a avaliação de aplicabilidade de áreas como literatura, história antiga, ou mesmo matemática pura e filosofia? Como avaliar a aplicação prática disso? Ou mesmo o impacto social? Existem muitas áreas da cultura que não visão qualquer tipo de aplicação utilitarista ou tecnológica. Como poderíamos avaliá-las?

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    1. Gilson

      A história já provou em várias ocasiões que a imposição de certas áreas como foco exclusivo de pesquisa acaba por destruir toda e qualquer pesquisa. Isso aconteceu na pesquisa genética da antiga União Soviética e no absurdo programa de matemática aplicada da antiga Alemanha Oriental. Não se faz matemática aplicada sem matemática pura. Não se estuda história antiga sem um profundo engajamento com sociologia. Não se faz ciência aplicada sem ciência pura. Os parâmetros draconianos que sugiro se referem a instituições e não pessoas. Um modelo como o proposto obrigaria profissionais de áreas distintas a colaborar de maneira mais próxima. Isso ajudaria a desenvolver a autêntica visão UNIversitária.

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  4. Oi, Adonai!
    Posso afirmar por experiência que, em ao menos alguns cursos de mestrado, a elaboração de dissertações por colegas e mesmo pelos próprios orientadores é uma prática comum. E a falta de avaliações escritas também acontece com frequencia. Tais avaliações costumam ser substituídas por trabalhos em grupo, com notas sendo atribuídas igualmente aos participantes.

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    1. Adriane, este seu comentário de certa forma me chocou. Sei que sempre tem os "espertos". Mas imaginava que fossem exceção. Creio que minha experiência foi bem melhor. Tanto no mestrado que fiz na UFPR quanto no doutorado que iniciei na USP não vi este tipo de prática.

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  5. Contextualizando: a proposta fundamental aqui é que professores universitários percam seus empregos se não derem boas aulas e não fizerem boas pesquisas científicas. No entanto, até aqui, ninguém havia dito quem determinaria o que são boa aula e boa pesquisa científica. Insisto na importância dessas questões, pois o que vem sendo pedido neste blog é que medidas extremamente drásticas sejam tomadas contra os professores que não ministrem as supostas boas aulas e não realizem as supostas boas pesquisas científicas. Por isso, eu questionei quem avaliaria a qualidade das aulas e das pesquisas científicas e os critérios que seriam utilizados nessa determinação.

    O texto acima responde esses questionamentos, mas eu tenho algumas críticas à respostas apresentadas. Neste comentário vou falar somente sobre a questão da qualidade das aulas. Posteriormente, dou minha opinião sobre a questão da pesquisa científica.

    No texto foram apresentadas duas sugestões. Uma delas é que os alunos avaliem a qualidade das aulas dos seus professores. No entanto, o próprio texto afirma que “os alunos raramente compreenderão o papel dessa avaliação”. Acho que não preciso argumentar muito para mostrar a fragilidade da proposta apresentada. Creio que é necessário salientar que não estou aqui defendendo a idéia de que os alunos não devem avaliar a qualidade das aulas dos seus professores. Pelo contrário, acho que isso deve ser sempre estimulado. Porém, uma vez que os alunos raramente compreenderão o papel dessa avaliação é bastante sensato e justo não permitir que algo tão importante como os empregos dos professores dependam de tal avaliação.

    A outra sugestão (apresentada como a melhor possível) é que o critério de avaliação da qualidade das aulas seja o nível de sucesso profissional dos estudantes egressos da universidade. Ora, a existência de ex-alunos que – valendo-me das palavras do texto – “estão infelizes em suas carreiras ou que abraçaram profissões que nada tem a ver com suas formações”, depende de uma miríade de variáveis que vão desde a situação econômica e cultural atual do país em que vivem esses ex-alunos até questões de ordem pessoal. Atribuir uma possível má situação dos egressos de uma universidade à baixa qualidade das aulas dos seus antigos professores me parece ser um reducionismo injusto. E absurdamente injusto se isso for utilizado para qualificar professores como incompetentes e mandá-los embora. O acompanhamento da vida profissional dos alunos egressos por parte da Universidade é importantíssimo, porém é preciso tomar muito cuidado antes de propor efetivamente medidas drásticas como mandar professores para o olho do rua. Antes seria preciso demonstrar que existe uma relação causal direta e única entre o sucesso profissional dos egressos e a qualidade das aulas dos seus ex-professores.

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    1. André

      Concordo com os cuidados (que você aponta) que devem ser tomados em processos de avaliação de professores. No entanto, seria interessante também que as avaliações de alunos fossem igualmente cuidadosas, algo que ainda não acontece.

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  6. Como prometi, vou dizer o que penso sobre os critérios para qualificar a pesquisa científica produzida nas universidades e o condicionamento dos empregos dos professores universitários a tais critérios.

    Eu concordo com reconhecimento e recompensas para professores universitários com produção científica que resulte em citações e patentes ou que tenha impacto social. Porém, não posso concordar que os professores que não realizem tais feitos sejam qualificados como incompetentes e que esse “fracasso” sirva como justificativa para despedi-los.

    Fundamentalmente, a proposta apresentada é que os critérios para decidir o que é boa pesquisa científica (cujo não cumprimento acarretaria na perda do emprego por parte dos professores universitários) estejam ancorados em “resultados”. Mas o que seriam resultados? Segundo o texto, seriam coisas como citações, patentes e impacto social. Eu acredito que esse tipo de pensamento vai contra o espírito científico. O resultado do trabalho de um pedreiro (uma casa, por exemplo) é fruto de uma série de procedimentos padrão, já conhecidos. A realização desses procedimentos por parte do pedreiro no seu dia a dia de trabalho vai, inevitavelmente (se o pedreiro for competente) resultar em uma casa. O mesmo vale para o trabalho do cozinheiro.

    Já o trabalho do cientista é de natureza radicalmente distinta. Pela própria natureza da ciência e do conhecimento científico, o cientista, em geral, não sabe se a sua pesquisa vai resultar em algo correto ou não, em algo útil ou não, em algo de impacto social ou não. Muitas vezes ele nem sequer suspeita sobre a direção que tomará sua pesquisa e sobre que consequências terá. Portanto, qualificar a pesquisa científica com base em coisas “mundanas” como citações, patentes e impacto social seria, na minha opinião, utilizar critérios absurdamente restritivos. Se tais critérios forem usados para despedir cientistas seria não somente altamente contraproducente como também terrivelmente injusto.

    A segunda razão pela qual discordo da proposta apresentada no texto, mais especificamente com relação às citações, está contida no próprio texto, quando, corretamente, critica uma realidade atual. Tal trecho é o seguinte:

    “O pesquisador que não publicar de forma frequente e consistente nos melhores periódicos especializados coloca em sério risco a sua carreira. Em função disso, uma massa imensa de artigos de questionável relevância científica tem sido veiculada mesmo através das melhores editoras. Isso sem falar no número crescente de fraudes científicas: plágios; inclusão de nomes de amigos em projetos, sem a efetiva colaboração dos mesmos”

    É evidente que esse problema se multiplicaria varias vezes se os professores soubessem que o fato de não serem citados em artigos científicos seria utilizado como um critério para os mandar para o olho da rua.

    (continua...)

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    1. André

      Infelizmente não poderei me estender nesta discussão. Apenas posso recomendar que comece a refletir com um pouco mais de responsabilidade sobre essas questões, antes de opinar. Programas de pós-graduação perdem investimentos de órgãos de fomento se seus alunos não produzirem, mesmo no Brasil. Bolsistas de pós-graduação e de estágios de pós-doutorado também estão sujeitos a responderem processos perante o Tribunal de Contas da União, se não produzirem durante a vigência de suas bolsas. E isso ocorre no Brasil.

      O que se percebe é que há grande pressão sobre a vida acadêmica brasileira até o ponto em que o indivíduo conquista sua estabilidade em instituição pública de ensino superior. E isso é uma contradição absurda.

      Sem pressão, não há produção. O sentimento maternal que abriga os professores de universidades públicas jamais permitirá que a ciência brasileira cresça. Ou seja, é hora de pensarmos um pouco menos em cada um de nós e um pouco mais na nossa sociedade como um todo.

      Não insistirei mais nestes pontos com você.

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  7. (continuando)

    O terceiro motivo pelo qual discordo dos critérios sugeridos no texto para definir o que é boa pesquisa científica (lembrando sempre que a proposta inclui que os empregos dos professores universitários estariam condicionados a esses critérios) é que acredito que não seja possível, em geral, fazer ciência de qualidade com esse tipo draconiano de pressão que, ao meu ver, é altamente contra-produtiva.

    Para fazer ciência é necessário ter liberdade intelectual. Não se faz ciência sob a ameaça de uma pistola ou sob a ameaça do desemprego.

    Outra razão para eu discordar do que é defendido no texto, é dada pela própria história dos grandes avanços científicos. Alguém acredita que Einstein estava preocupado com impacto social, citações ou patentes quando desenvolveu as suas Teorias da Relatividade Especial e Geral? A mesma pergunta pode ser aplicada a Cantor e suas pesquisas “malucas” sobre o infinito ou a Darwin e suas pesquisas sobre a evolução das espécies ou tantos outros exemplos.

    Como já disse, impacto social, citações e patentes são, obviamente, coisas muito importantes. Porém, não creio que podem ser utilizados como critérios dados a priori e eliminatórios, no sentido de que quem não os cumprir deverá ser catalogado como incompetente e despedido. Einstein passou os últimos 30 anos da sua vida tentando, sem sucesso, unificar em uma única teoria a Relatividade Geral e o eletromagnetismo. E ele está muito longe de ter sido o único cientista a passar muitos anos de sua vida profissional buscando resultados científicos sem nenhum tipo de garantia de sucesso.

    Assim como aconteceu com Einstein, esse sucesso nunca chegou a muitos desses cientistas. Outras vezes, como também aconteceu com Einstein, eles tiveram êxito. A pergunta é: teriam esses cientistas dedicados anos e décadas a pesquisas científicas com resultados tão incertos se seus empregos dependessem da freqüência com que seriam citados, do número de patentes resultantes de suas pesquisas e do impacto social dessas pesquisas? Isso seria impossível. Repito, acho que liberdade intelectual é condição fundamental para a produção científica de qualidade.

    Acho que procurar estratégias para estimular a responsabilidade social dos professores universitários é muito mais eficiente e adequado do que medidas punitivas drásticas e contraproducentes como as sugeridas aqui.

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  8. Caro Adonai, antes de encerrar minha participação neste post, gostaria de chamar a atenção para uma marcante contradição no âmago dos argumentos aqui apresentados.

    Por um lado, segundo seu último comentário, os professores universitários são protegidos por um "sentimento maternal" e não há grande pressão sobre a vida acadêmica dos pesquisadores brasileiros. No entanto, no post você afirma o oposto disso ao descrever um atual fenômeno mundial que, como fica claro no seu texto, inclui o Brasil:

    “o pesquisador que não publicar de forma frequente e consistente nos melhores periódicos especializados coloca em sério risco a sua carreira”.

    Creio eu que contradições como essas revelem que haveria muitas coisas ainda por se discutir neste tema. Mas está bem, não me resta nada além de respeitar a sua decisão de encerrar o debate.

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