quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Testemunhando lobisomens, extraterrestres e fantasmas



Você já viu um fantasma? E uma nave extraterrestre? Se sua resposta for positiva, provavelmente você está enganado.

Existem milhares de depoimentos oficiais (ou na mídia) de testemunhas sobre eventos extraordinários, como a aparição de lobisomens, seres extraterrestres, aeronaves de outros mundos, fantasmas, poltergeists, Virgem Maria etc. Alguns desses depoimentos são suportados por evidências físicas (como fotografias e filmagens). Mas não quero abordar estes casos, pois eles tornam qualquer análise muito mais sofisticada do que aquela que aqui apresento. Prefiro, por enquanto, focar somente os casos que envolvem tão somente testemunhas oculares. 

Em muitas situações, policiais e até mesmo oficiais militares (como o famoso caso de Walter Haut) prestam depoimentos sobre o avistamento de aeronaves que não poderiam ter origem terrestre, se levarmos em conta dimensões, formatos e manobras relatadas de tais objetos voadores não identificados. Há inúmeros casos dessa natureza, até mesmo no Brasil. Como esses profissionais são treinados especificamente para observar e relatar de maneira objetiva o que veem, pode haver uma tendência a considerar seus testemunhos como necessariamente verdadeiros. O que queremos mostrar aqui é a dificuldade matemática envolvida na veracidade em testemunhos de eventos improváveis, mesmo quando esses testemunhos são de pessoas altamente confiáveis.

Ilustro o ponto principal desta postagem com um exemplo muito famoso concebido pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman. 

Em uma noite de nevoeiro, um táxi é envolvido em um acidente e seu motorista foge no mesmo veículo. Uma testemunha afirma que o táxi era azul. 

Levando em conta que na cidade do acidente apenas 15% dos táxis são azuis e os restantes 85% são verdes, fica patente que o envolvimento de um táxi azul em um acidente é um evento muito mais improvável do que o envolvimento de um táxi verde.

Diante deste fato, a polícia científica decide testar a testemunha. 

Colocando-a sob as mesmas condições visuais (noite de nevoeiro), descobre-se que em 80% das ocasiões a testemunha relata a cor correta do táxi, independentemente dele ser verde ou azul. Temos, então, uma testemunha consideravelmente confiável. 

A pergunta relevante é a seguinte: qual é a probabilidade do táxi do acidente ser azul, diante do testemunho de que ele era azul? 

A resposta a esta questão é conseguida pela simples aplicação do Teorema de Bayes, um resultado bem conhecido em teoria de probabilidades.

Sabemos que a probabilidade de um táxi qualquer da cidade ser verde é de 85%. Denotamos isso por P(V) = 0,85.

Sabemos que a probabilidade de um táxi qualquer da cidade ser azul é de 15%. Denotamos isso por P(A) = 0,15. 

E sabemos também que a probabilidade condicional de que a testemunha diga que o táxi é azul quando ele de fato é azul é de 80%. Denotamos isso por P(TA/A) = 0,80.

No entanto, o que está em jogo em qualquer tomada de decisões não é P(TA/A), mas P(A/TA). Em outras palavras, qual é a probabilidade condicional do táxi envolvido no acidente ser de fato azul, diante do testemunho de que ele era azul? Afinal, o que se busca é a verdade e não apenas testemunhos. 

De acordo com o Teorema de Bayes, a resposta é dada pela fórmula abaixo:


P(A/TA) = P(A)P(TA/A)/[P(A)P(TA/A) + P(V)P(TA/V)],

sendo que P(TA/V) denota a probabilidade de que a testemunha relate que o táxi era azul, quando na verdade era verde. Essa possibilidade simplesmente não pode ser ignorada.

O resultado é que P(A/TA) é igual a aproximadamente 0,41. 

Isso significa que é mais provável que o táxi envolvido no acidente tenha sido de fato verde (com probabilidade de 1 - 0,41 = 0,59), ainda que a testemunha confiável tenha dito que era azul. 

Isso ocorre simplesmente porque táxis azuis são mais improváveis (15%) do que as chances de erro no relato da testemunha (20%). 

Este famoso problema do táxi foi concebido por Tversky e Kahneman para fins de testes psicológicos. Eles ficaram surpresos ao descobrirem que muitas pessoas creem firmemente que era mais provável que o táxi fosse de fato azul e não verde. 

Este comportamento psicológico explica, em parte, a grande popularidade de reportagens no mundo inteiro sobre testemunhos de eventos paranormais ou ufológicos. Trata-se da famosa frase da série de televisão Arquivo X: "Eu quero acreditar."

Para avaliar a probabilidade de que um evento extraordinário E tenha de fato ocorrido diante de um testemunho T que relate TE (ou seja, T afirma que E ocorreu), precisamos primeiro responder às seguintes perguntas: 1) Qual é a probabilidade de que T relate E diante de um evento F totalmente diferente? 2) Qual é a probabilidade do evento E realmente ocorrer?

A resposta a cada uma dessas questões é extremamente difícil de ser dada. Mas se as chances de erro da testemunha T forem maiores do que as chances da efetiva ocorrência de E, fica claro que mais provavelmente a testemunha errou em seu depoimento. 

Como seres humanos são criaturas muito bem conhecidas por seus erros, fica claro que meros testemunhos oculares dificilmente podem servir de base de avaliação se um evento extraordinário realmente ocorreu. 

Enfim, precisamos dar preferência a evidências materiais e não a meros testemunhos, principalmente quando estamos diante do inusitado.

14 comentários:

  1. Muito legal o texto!

    Mas como a gente calcula a probabilidade de um ovni aparecer?

    Outra coisa dúvida: vendo esses botões de reações ao post (bom; indiferente; ruim), eu lembrei que outras pessoas incluem mais categorias nesse sistema de avaliação. Aí surgiu uma questão. O que é melhor: "muito bom; bom; ruim; muito ruim" (de modo que ou a pessoa ache o texto bom ou ruim, variando em níveis) ou "muito bom; bom; médio; ruim; muito ruim" (de modo que a pessoa possa ficar "em cima do muro", escolhendo o "médio")?

    Abraços!

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    1. Anônimo

      Não consigo ver qualquer maneira para se calcular tal probabilidade. Por isso mesmo foi enfatizado que certas probabilidades são muito difíceis de ser estimadas. Mas uma possível solução para esse dilema é o emprego da teoria subjetiva de probabilidades, conforme a referência a seguir.

      http://suppes-corpus.stanford.edu/articles/mpm/321.pdf

      Com relação aos botões de reações às postagens, tentei usar mais opções. No entanto, fica deselegante. Por isso manterei o atual formato, pelo menos por enquanto. Uso isso apenas para ter uma ideia da receptividade dos textos.

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  2. No exemplo do taxi e em situações similares, o mero testemunho até tem certa validade. São 59% de chances de o que realmente aconteceu ser o oposto do relatado. Apesar de que isso é um reflexo do senso comum (com uma boa dose de correção probabilística) de que é mais provável o acidente envolvendo carros com maior probalidade de circulação. Uma análise de probabilidade similar só não teria validade para nada caso o resultado fosse 50%.

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    1. Marlon

      Se a probabilidade fosse de 50%, isso significaria que o depoimento da testemunha é irrelevante. Do ponto de vista legal, essa é uma informação muito importante.

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    2. Na verdade se a probabilidade fosse de 50% o depoimento da testemunha seria sim relevante, uma vez que a probabilidade a priori, de 15%, passaria a 50% condicionada ao seu relato. Ela não seria relevante se tal probabilidade se mantivesse em 15%.

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  3. Excelente postagem, Prof Adonai!

    Eu mesmo já vi vultos, mas interpreto como uma combinação de fatores psicológicos e físicos.

    É a primeira vez que vejo a menção do uso das probabilidades na interpretação de fatores paranormais. Muito bom.

    Uma vez fiz uma brincadeira com um amigo virtual que depois me arrependi de tê-la feito.

    Estávamos em uma sala de bate-papo e, num dado momento, perguntei se ele acreditava em fantasma. Ele respondeu que não. Daí perguntei?

    "Então o que é esta forma atrás de você?"

    Fez-se o hiato do diálogo. Continuei no bate-papo com outras pessoas.

    Então ele voltou e escreveu:

    "-Cara, nunca mais faça isso!! Nunca mais!!!"

    Creio que assustei-o, mas ele disse que não acreditava em fantasma....(???!!!)

    Valeu, Prof!

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    1. Aloisio

      Já brinquei com muita gente, no que se refere a fenômenos paranormais. Eu mesmo conheço alguns truques de telepatia e levitação. Certa vez convenci um amigo de longa data que eu era capaz de levitar. E o incrível é que ele me viu levitando, em frente aos seus olhos. É um truque "barato", mas funciona sobre aqueles que querem acreditar. É divertido.

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    2. Quais "recursos" estão envolvidos na sua estratégia de convencimento? Apenas psicológicos ou tem físicos tbm?
      AAnooniimoo

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    3. AAnooniimoo

      Truques de telepatia geralmente envolvem apenas recursos psicológicos. Isso significa que ajuda muito se você for teatral.

      Já o truque da levitação é uma associação dos dois fatores. A internet está repleta de informações sobre diferentes técnicas.

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  4. É interessante notar que a ocorrência, por exemplo, de um milagre, não é um evento necessariamente contrário à experiência, tal como sugerido, por exemplo, por Hume, mas como uma ocorrência diferente das que usualmente percebemos. Parece que efetivamente a ocorrência de um evento pouco provável, não diminui por si só a capacidade de um testemunho ser verdadeiro, a menos que se confunda improbabilidade com impossibilidade. Assim, os milagres, por mais inesperados e pouco prováveis que possam ser em vista do que usualmente percebemos, não podem ser catalogados no rol dos eventos impossíveis, apenas por que não são eventos comuns. Assim, a crença em eventos pouco prováveis com base no testemunho poderia ser condenada como irracional?

    De qualquer forma é pertinente notar como se interpreta o cálculo de probabilidade, ou a noção de probabilidade. Foi citada aqui a versão subjetiva (existem outras) que, grosso modo, segundo entendo, as probabilidades se medem pelos pesos das apostas que uma pessoa está disposta a efetuar numa determinada proposição p, por exemplo, "Existem naves extraterrestres". Não se trata porém de graus de crença qualquer, pelo contrário, são graus de crença associadas aos axiomas de cálculo de probabilidades.

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  5. Stephen D. Unwin (autor do "The Probability of God: A Simple Calculation That Proves The Ultimate Truth") usa o Teorema de Bays para calcular a probabilidade da existência de Deus. Qual sua opinião a respeito?
    AAnooniimoo

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    1. AAnooniimoo

      Não tenho opinião sobre este trabalho simplesmente porque não o conheço. Mas ainda que o teorema de Bayes seja aplicado corretamente, é inevitável o caráter especulativo sobre as probabilidades envolvidas. Afinal, pouco se sabe de forma unânime a respeito de Deus.

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  6. Oi professor,

    Eu já ouvi o som do "Demônio de Maxwell". Eu estava em meu quarto e inesperadamente ouvi um estouro na cozinha. Fui até lá, e uma xícara estava em pedaços em cima da pia. Fiquei impressionado quando observei que o fundo da xícara estava na mesma posição em que a deixei, o que significa que ela não caiu de nenhum lugar, apenas estourou!

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    1. Felipe

      Em duas ocasiões eu já vi isso acontecer pessoalmente. É um fenômeno curiosamente recorrente em xícaras Duralex. Está associado a uma falha no processo de fabricação.

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